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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O "controle" da mídia no Brasil


Sim. Existe ‘controle’ da mídia no Brasil


*Por Venício A. de Lima em 27/08/2013 na edição 761 - Observatório da Imprensa

     
Em debate sobre “A mídia e a corrupção”, realizado durante o seminário “Corrupção: diálogos interdisciplinares”, promovido pelo tradicional Centro Acadêmico Afonso Pena (CAAP), da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, na quarta-feira (21/8), respondi a uma pergunta de futura advogada preocupada em saber se as normas e princípios da Constituição de 1988 permitiam o “controle” sobre a mídia no Brasil.

Respondi de imediato: não; claro que não. As normas e princípios da Constituição de 1988 impedem claramente que haja “controle” do Estado sobre a mídia. Não há possibilidade de volta à censura estatal nem de qualquer ameaça do Estado à liberdade de expressão ou à liberdade da imprensa.

Embutido na pergunta, tudo indica, estava o conhecido mantra da grande mídia brasileira e de seus eloquentes porta-vozes que identificam qualquer manifestação sobre regulação, independentemente de sua origem, como tentativa autoritária de “controlar” a mídia por intermédio do Estado ou, em outras palavras, volta à censura estatal, atentado à liberdade de expressão e à liberdade da imprensa (tratadas, aliás, como se fossem a mesma coisa).

Resposta errada

O debate continuou, outras perguntas foram feitas e me dei conta de que havia cometido um erro grave. Minha resposta assumia como verdadeiro o falso pressuposto contido no mantra da grande mídia de que somente o Estado pode “controlar” a mídia.

Solicitei, então, ao mediador do debate que, por favor, me permitisse corrigir uma resposta incorreta.

Sim. Apesar das normas e princípios da Constituição de 1988 é possível que exista “controle” sobre a mídia. Na verdade, esse “controle” vem sendo exercido diariamente. Todavia, não pelo Estado, mas pelos oligopólios privados de mídia.

São esses oligopólios que – contrariando as normas e princípios da Constituição em vigor – “controlam” a mídia e ameaçam a liberdade de expressão e a liberdade da imprensa ao impedir o acesso das vozes da maioria da população brasileira ao espaço de debate público cuja mediação, apesar das TICs, monopolizam.

Constituição não regulamentada


Esse “controle” da mídia pelos oligopólios privados se sustenta de diferentes formas. Uma delas é o poderoso (e bem remunerado) lobby que nos últimos 25 anos tem pressionado continuamente deputados e senadores e impedido que normas e princípios da Constituição de 1988 relativas à comunicação social sejam regulamentados. Sem serem regulamentados, não são cumpridos.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio” (parágrafo 5º do artigo 220), apenas uns poucos grupos privados controlam os meios de comunicação diretamente ou indiretamente através de “redes” de afiliadas cuja “formação” não obedece a qualquer regulação.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que “os Deputados e Senadores não poderão firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” (alínea ‘a’ do inciso I do artigo 54), muitos deles mantêm vínculos com empresas privadas concessionárias do serviço público de radiodifusão, numa viciosa circularidade que inviabiliza a aprovação de projetos que regulem as normas e princípios constitucionais sobre a comunicação social no Congresso Nacional.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem atender “aos princípios de preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família” (artigo 221), o que se escuta nas emissoras de rádio e se vê na televisão, salvo raras exceções, é exatamente o oposto.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que as outorgas e renovações de concessões, permissões e autorizações para o serviço público de radiodifusão sonora e de sons e imagens devem “observar o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal” (artigo 223), a imensa maioria das concessões, permissões e autorizações de radiodifusão no país continua a ser explorada por empresas privadas.

O paradoxo do Estado financiador do “controle” privado

No Brasil, os “critérios técnicos” adotados pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR) para distribuição dos recursos oficiais de publicidade se baseiam na diretriz “comercial” que considera “a audiência de cada veículo [como] o balizador de negociação e de distribuição de investimentos. A programação de recursos deve ser proporcional ao tamanho e ao perfil da audiência de cada veículo” (ver “Transparência e a desconcentração na publicidade do governo federal“).

Como já argumentei neste Observatório (ver “Publicidade oficial: Quais critérios adotar?“), o artigo 1º da Constituição de 1988 reza que um dos fundamentos da democracia brasileira é o pluralismo político (inciso V) e, logo em seguida, o artigo 5º garante que é livre a manifestação do pensamento (inciso IV). Essa garantia é confirmada no caput do artigo 220, que impede a existência de qualquer restrição à manifestação do pensamento, à expressão e à informação.

Por outro lado, o inciso I, do artigo 2º do Decreto nº 6.555/2008, que “dispõe sobre as ações de comunicação do Poder Executivo Federal”, determina que “no desenvolvimento e na execução das ações de comunicação (...), serão observadas as seguintes diretrizes, de acordo com as características de cada ação: afirmação dos valores e princípios da Constituição”.

Decorre, portanto, que a responsabilidade primeira da negociação e distribuição de qualquer investimento oficial – inclusive, por óbvio, aqueles de publicidade – deveria ser a proteção e garantia do pluralismo político e da liberdade de expressão.

Da mesma forma, considerando apenas que “a programação de recursos deve ser proporcional ao tamanho e ao perfil da audiência de cada veículo”, a Secom-PR descumpre também os princípios gerais da atividade econômica definidos no “Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira” da Constituição.

Na verdade, contrariam-se os incisos IV (livre concorrência), VII (redução das desigualdades regionais e sociais) e IX (tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte) do artigo 170, e o parágrafo 4º (repressão ao abuso de poder econômico, com vistas à eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros) do artigo 173.

A Secom-PR – vale dizer, o Estado brasileiro –, paradoxalmente, tem sido um dos principais financiadores do “controle” que os oligopólios privados exercem sobre a mídia no Brasil.

Inversão da realidade


Ao difundir a noção de que o Estado brasileiro é o único agente capaz de exercer o “controle da mídia” e, ainda mais, ao empunhar como exclusivamente suas as bandeiras da liberdade de expressão e da liberdade da imprensa, os oligopólios privados de mídia constroem publicamente a imagem daqueles que pelejam para que mais vozes tenham acesso ao debate público como se fossem os inimigos da liberdade e pretendessem fazer exatamente o que, de fato, já é feito por eles, os oligopólios privados – isto é, o “controle” da mídia.

Com o desmesurado poder de que desfrutam, conseguem fazer prevalecer publicamente uma inversão do que de fato acontece (o processo de “inversão da realidade”, como se sabe, foi identificado, nomeado e explicado faz mais de 150 anos).

O debate na Faculdade de Direito da UFMG me ofereceu a oportunidade de argumentar, ainda uma vez mais, que, apesar das normas e princípios da Constituição de 1988, existe, sim, “controle” da mídia no Brasil. E ele tem sido exercido exatamente por aqueles que se apresentam como defensores exclusivos da liberdade de expressão e da liberdade: os oligopólios privados de mídia.

***

*Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Um passo à frente, a hora e a vez

16/04/2013 - Um passo à frente - Venício Lima (*)
- Carta Maior - publicado originalmente no Observatório da Imprensa

Liberdade de expressão é um conceito em disputa. Uma de suas versões – a liberal – tem sido empunhada como bandeira de luta pelo sistema privado oligopolizado.

Paradoxalmente, em nome da liberdade de expressão, interdita-se o debate democrático sobre ela própria.
(Venício Lima)

Chegou a hora de dar um passo à frente na questão da regulamentação das comunicações no Brasil. Certamente atingimos um ponto de esgotamento no que se refere ao diagnóstico básico da situação e à identificação de atores e de suas posições.

As preliminares estão postas. É necessário avançar.

Os fatos conhecidos
Que a legislação do setor está defasada e que normas e princípios constitucionais aguardam regulamentação há quase 25 anos, é fato.

Que as TICs [Tecnologias da Informação e Comunicação], sobretudo a internet, nunca foram reguladas, é fato.

Que, ao longo dos anos, consolidou-se no Brasil a hegemonia de um sistema privado oligopolizado de comunicações consequência da ausência de qualquer limite legal à propriedade cruzada, é fato.

Que esse sistema é, direta ou indiretamente, vinculado a políticos no exercício de mandatos eletivos (deputados estaduais e federais, senadores, governadores, prefeitos e vereadores), é fato.

Que boa parte dos recursos que sustentam e reproduzem esse sistema oligopolizado se origina de verbas oficiais de publicidade, é fato.

Que a política de distribuição de recursos oficiais e publicidade tem dificultado o surgimento e/ou a consolidação de sistemas alternativos de comunicações, é fato.

Que o poder econômico e político que o sistema privado oligopolizado conquistou e preserva (mesmo após o surgimento das mídias digitais), pela própria natureza da atividade de comunicações, impede qualquer alteração real na sua estrutura, é fato.

Que uma das consequências dessa realidade é a perpetuação da exclusão histórica das vozes da maioria da população brasileira do debate público e a corrupção da opinião pública, é fato.

Que o governo da presidenta Dilma Rousseff anunciou publicamente que não enfrentará essa questão, é fato.

Que os empresários do setor – concessionários do serviço público de radiodifusão e/ou proprietários de jornais e revistas e/ou donos de agências de publicidade – interditam, sem mais, qualquer tentativa de se debater publicamente essas questões como se elas constituíssem uma proposta de censura e ameaçassem a liberdade de expressão, é fato.

Conceito em disputa

Diante desses fatos, simultaneamente à campanha liderada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) –

Para expressar a liberdade – uma nova lei para um novo tempo”–

e ao esforço para a elaboração de uma proposta que possa se transformar em Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP), devemos qualificar e verticalizar o debate público sobre a liberdade de expressão.

É necessário trazer para o contexto histórico do liberalismo brasileiro o debate sobre as ideias de liberdade de expressão e de opinião pública.

Essa questão está praticamente ausente da longa tradição de estudos sobre o liberalismo e sobre algumas de suas aparentes contradições – como, por exemplo, a convivência com a escravidão e/ou com regimes autoritários – consolidada dentro da filosofia política e da história das ideias no Brasil.

A hegemonia do conceito liberal de liberdade tem sido a principal responsável não só pela paradoxal interdição do debate público sobre a liberdade de expressão, como também pela ausência da mídia nas teorias democráticas e ainda pela permanente desqualificação da opinião pública.

A liberdade liberal tem sua matriz no liberalismo que se constrói a partir do século 17 na Inglaterra, depois como reação conservadora à Revolução Francesa e se consolida no século 19 em complemento à ideia de mercado livre, isto é, à liberdade privada de produzir, distribuir e vender mercadorias.

Prevalece o caráter pré-político da liberdade, como um direito exclusivo da esfera privada. A versão mais conhecida dessa perspectiva é a que reduz a liberdade à ausência de interferência externa na ação do indivíduo, a chamada liberdade negativa.

A liberdade republicana, ao contrário, se associa historicamente à democracia clássica grega, à república romana e ao humanismo cívico do início da Idade Moderna.

Nela prevalece a ideia de liberdade associada à vida ativa, ao livre-arbítrio, ao autogoverno e à participação na vida pública.

São tradições distintas: a republicana se origina em Atenas, passa por Roma e se filia modernamente a pensadores como Maquiavel, John Milton e Thomas Paine. A liberal, em Hobbes, Locke, Benjamin Constant e, mais recentemente, em Isaiah Berlin.

Chegou a hora de estudar a construção histórica da hegemonia do conceito liberal de liberdade em busca de suas peculiaridades no Brasil.

Liberdade de expressão é um conceito em disputa.
Apesar disso, uma de suas versões – a liberal – tem sido empunhada como bandeira de luta exatamente pelos representantes do sistema privado oligopolizado de comunicações.

Paradoxalmente, em nome da liberdade de expressão, interdita-se o debate democrático sobre ela própria.

Talvez compreendendo melhor as peculiaridades do liberalismo brasileiro e suas consequências possamos avançar no debate e na formulação de propostas que possibilitem, afinal, que mais vozes sejam ouvidas e participem da consolidação de um republicanismo verdadeiramente democrático entre nós.

A ver.

(*) Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6051

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Depois de Leveson, a União Europeia


Na semana em que os jornalões e redes de TV nativos receberam com mau humor e agressividade a retomada de contatos entre a presidenta Dilma Rousseff e o ex-ministro da Secom Franklin Martins, organismos importantes criticaram a concentração da propriedade de mídias no Brasil e a principal rede de TV carregou nas tintas para explorar as centenas de mortes no interior gaúcho, este relatório da UE é mais um golpe duro contra os barões brasileiros. Como falar em "ameaça à democracia" para impedir o início de qualquer debate sobre regulação da mídia, após a divulgação do relatório do juiz britânico Brian Leveson e este, ainda mais completo, direto e construído sob o selo da União Europeia? O artigo é de Venício Lima.    

Por Venício A. de Lima*, no Observatório da Imprensa
Sob o ensurdecedor silêncio da grande mídia brasileira, foi divulgado em Bruxelas, na terça-feira (22/1), o relatório “Uma mídia livre e pluralista para sustentar a democracia europeia”, comissionado pela vice-presidente da União Europeia, Neelie Kroes, encarregada da Agenda Digital [veja aqui a íntegra do relatório].

Preparado por um grupo de alto nível (HLG) presidido pela ex-presidente da Letônia, Vaira Vike-Freiberga, e do qual faziam parte Herta Däubler-Gmelin, ex-ministra da Justiça alemã; Luís Miguel Poiares Pessoa Maduro, ex-advogado geral na Corte de Justiça Europeia; e Ben Hammersley, jornalista especializado em tecnologia, o relatório faz trinta recomendações sobre a regulamentação da mídia como resultado de um trabalho de 16 meses que começou em outubro de 2011. As recomendações serão agora debatidas no âmbito da Comissão Europeia.

Relatório
O relatório, por óbvio, deve ser lido na íntegra. Ele começa com um sumário das principais conclusões e recomendações e, na parte substantiva, está dividido em cinco capítulos que apresentam e discutem as bases conceituais e jurídicas que justificam as diferentes recomendações: (1) por que a liberdade da mídia e o pluralismo importam; (2) o papel da União Europeia; (3) o mutante ambiente da mídia; (4) a proteção da liberdade do jornalista; e, (5) o pluralismo na mídia.

Há ainda um anexo de 12 páginas que lista as autoridades ouvidas, as contribuições escritas recebidas e os documentos consultados. A boa notícia é que quase todo esse material está disponível online.

Para aqueles a favor da regulamentação democrática da mídia – da mesma forma que já havia acontecido com o relatório Leveson [na foto, o magistrado com o texto-bomba] – é alentador verificar como antigas propostas sistematicamente taxadas pela grande mídia e seus aliados da direita conservadora de autoritárias, promotoras da censura e inimigas da liberdade de expressão, são apresentadas e defendidas por experts internacionais, comissionados pela União Europeia. 



Fundamento de todo o relatório são os conceitos de liberdade de mídia e pluralismo. Está lá:

“O conceito de liberdade de mídia está intimamente relacionado à noção de liberdade de expressão, mas não é idêntico a ela [grifo do articulista]. A última está entronizada nos valores e direitos fundamentais da Europa: ‘Todos têm o direito à liberdade de expressão. Este direito inclui a liberdade de ter opiniões, de transmitir (impart) e receber informações e ideias sem interferência da autoridade pública e independente de fronteiras’ (...).

“Pluralismo na mídia é um conceito que vai muito além da propriedade. Ele inclui muitos aspectos, desde, por exemplo, regras relativas a controle de conteúdo no licenciamento de sistemas de radiodifusão, o estabelecimento de liberdade editorial, a independência e o status de serviço público de radiodifusores, a situação profissional de jornalistas, a relação entre a mídia e os atores políticos etc. Pluralismo inclui todas as medidas que garantam o acesso dos cidadãos a uma variedade de fontes e vozes de informação, permitindo a eles que formem opiniões sem a influência indevida de um poder [formador de opiniões] dominante.”

Encontram-se no relatório propostas como: (1) a introdução da educação para a leitura crítica da mídia nas escolas secundárias; (2) o monitoramento permanente do conteúdo da mídia por parte de organismo oficial ou, alternativamente, por um centro independente ligado à academia, e a publicação regular de relatórios que seriam encaminhados ao Parlamento para eventuais medidas que assegurem a liberdade e o pluralismo; (3) a total neutralidade de rede na internet; (4) a provisão de fundos estatais para o financiamento da mídia alternativa que seja inviável comercialmente, mas essencial ao pluralismo; (5) a existência de mecanismos que garantam a identificação dos responsáveis por calúnias e a garantia da resposta e da retratação de acusações indevidas.

Pelo histórico de feroz resistência que encontra entre nós, vale o registro uma proposta específica. Após considerações sobre o reiterado fracasso de agências autorreguladoras, o relatório propõe:

“Todos os países da União Europeia deveriam ter conselhos de mídia independentes, cujos membros tenham origem política e cultural equilibrada, assim como sejam socialmente diversificados. Esses organismos teriam competência para investigar reclamações (...), mas também certificariam de que as organizações de mídia publicaram seus códigos de conduta e revelaram detalhes sobre propriedade, declarações de conflito de interesse etc. Os conselhos de mídia devem ter poderes legais, tais como a imposição de multas, determinar a publicação de justificativas [apologies] em veículos impressos ou eletrônicos, e cassação do status jornalístico.”

E no Brasil?
A publicação de mais um estudo oficial sobre regulamentação da mídia, desta vez pela União Europeia, menos de dois meses depois do relatório Leveson na Inglaterra, revela que o tema é pauta obrigatória nas sociedades democráticas e não apenas em vizinhos latino-americanos como a Argentina, o Uruguai e o Equador, mas, sobretudo, na Europa.



No Brasil, como se sabe, “faz-se de conta” que não é bem assim e o tema permanece “esquecido” pelo governo, além de demonizado publicamente pela grande mídia como ameaça à liberdade de expressão.

Quem se beneficia com essa situação? Até quando seguiremos na contramão da história?

*é jornalista e sociólogo; autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010) [Publisher Brasil, 2012], entre outros livros

domingo, 6 de janeiro de 2013

Compare: o juiz inglês e os nossos juízes

11/11/2012 - por Paulo Nogueira (*)
- Diário do Centro do Mundo

Depois de ver Brian Leveson comandar as discussões sobre a mídia inglesa, dói ver nosso STF.

Acompanho, em Londres, o trabalho sereno, lúcido, inteligente do juiz Brian Leveson, incumbido de comandar as discussões sobre a mídia britânica. 

Leveson, para lembrar, é chefe de um comitê independente montado a pedido do premiê David Cameron depois que a opinião pública disse bastaexclamação, às práticas da mídia.

Já havia um mal estar, parecido aliás com o que existe no Brasil, mas a situação ficou insustentável depois que se soube que um jornal de Murdoch invadira criminosamente a caixa postal do celular de uma garota de 12 anos sequestrada e morta. O objetivo era conseguir furos.



Leveson (foto) e um auxiliar interrogaram, sempre sob as câmaras de televisão, personagens como o próprio Cameron, Murdoch (duas vezes), editores de grande destaque, políticos e pessoas vítimas de invasão telefônica, entre as quais um número expressivo de celebridades.

Em breve, espera-se um relatório de Leveson com suas recomendações. A maior expectativa gira em torno da fiscalização à mídia. A opinião pública espera que algo de efetivo seja feito aí. Mais especificamente, a criação de um órgão independente que fiscalize as atividades jornalísticas.

Os britânicos, em sua maioria, entendem que a auto-regulação fracassou. O “interesse público” tem sido usado para encobrir interesses privados, e a “liberdade de expressão” invocada para a prática de barbaridades editoriais.

Um grupo de políticos conservadores publicou uma carta aberta que reflete o sentimento geral.


Ninguém deseja que nossa mídia seja controlada pelo governo, mas, para que ela tenha credibilidade, qualquer órgão regulador tem que ser independente da imprensa, tanto quanto dos políticos”, diz a carta.

"Achamos que a proposta da indústria jornalística (auto-regulação, em essência) é falha na questão da independência do órgão regulador e corre o risco de ser um modelo instável destinado a fracassar, como outras iniciativas nos últimos sessenta anos.”

Você vê Leveson e depois vê nossos juízes do STF e o sentimento que resulta disso é alguma coisa entre a desolação e a indignação.


Por que os nossos são tão piores?

Leveson, para começo de conversa, fala um inglês simples, claro, sem afetação e sem pompa. Não se paramenta ridiculamente para entrevistar sequer o premiê: paletó e gravata bastam.

Ninguém merece a visão das capas que fizeram Joaquim Barbosa ser chamado, risos, de Batman.

Leveson guarda compostura, também.
Se ele fosse a uma festa de um jornalista com um interesse tão claro nos debates que ele comanda, seria fatalmente substituído antes que a bagunça fosse removida pelas faxineiras.

Nosso ministro Gilmar Mendes foi, alegremente, ao lançamento do livro do colunista Reinaldo Azevedo, em aberta campanha para crucificar os réus julgados por Gilmar, e de lá saiu com um livro autografado que provavelmente jamais abrirá e com a sensação de que nada fez de errado.

Leveson também mede palavras.
Há pouco tempo, nosso Marco Aurélio Mello disse que a ditadura militar foi um “mal necessário”. Mello defendeu uma ditadura, simplesmente – e ei-lo borboleteando no STF sem ser cobrado para explicar direito isso.

Necessário para quem?
O Brasil tinha, em 1964, um presidente eleito democraticamente, João Goulart. Os americanos entendiam, então, que para cuidar melhor de seus interesses em várias partes convinha patrocinar golpes militares e apoiar ditadores que seriam fantoches de Washington.

Foi assim no Irã e na Guatemala, na década de 1950, e em países como o Brasil e o Chile, poucos anos depois. O pretexto era o “risco da bolchevização”.

Recapitulemos o legado do golpe:
- a destruição do ensino público, a mais eficiente escada para a mobilidade social.

- A pilhagem dos trabalhadores: foram proibidas greves, uma arma sagrada dos empregados em qualquer democracia. Direitos trabalhistas foram surrupiados, como a estabilidade.

De tudo isso nasceu uma sociedade monstruosamente injusta e desigual, com milhões de brasileiros condenados a uma miséria sem limites. Quem dava sustentação ideológica ao horror que se criava era o poderoso ministro da economia Delfim Netto. Ele dizia que era preciso primeiro deixar crescer o bolo para depois distribuir.

São Paulo, a minha São Paulo onde nasci e onde pretendo morrer, era antes da ditadura uma cidade dinâmica, empreendedora, rica – e bonita.

Menos de 1% de sua população vivia em favelas. Com vinte anos de ditadura, já havia um enxame de favelas na cidade, ocupadas por quase 20% dos residentes.

Este o mundo que adveio do “mal necessário” defendido por Marco Aurélio Mello (foto abaixo).

Não tenho condições de avaliar se ele entende de justiça. Mas de justiça social ele, evidentemente, não sabe nada.

(*) Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.

Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/?p=15688

Não deixe de ler:
No mundo de MurdochLuiz Gonzaga Belluzzo

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Regulamentação e o golpismo

17/12/2012 - Beto Almeida - Portal Brasil de Fato


No tema regulamentação da comunicação, o PT vai firmando posição no assunto.


No dia 7 de dezembro, o Diretório Nacional do PT emitiu nota oficial em que aponta a existência de ações desestabilizadoras contra o governo Dilma e, também, apoiando a Lei de Medios da Argentina.


Na oportunidade o partido posicionou-se também pela regulamentação da comunicação no Brasil, mencionando diretamente os dispositivos da Constituição Federal sobre comunicação, ainda à espera de regulamentação.


O posicionamento é importante por trazer novidades na forma e conteúdo dos argumentos da direção petista.

Primeiramente, ao afirmar que os governos Lula e agora Dilma têm sido alvo de ações golpistas tais como aquelas patrocinadas pelo poder econômico estrangeiro e nacional, que atingiram os governos populares de Vargas e de Jango – no primeiro caso levando o presidente ao suicídio e, no segundo, à derrubada, implantando-se uma ditadura que durou 21 anos – cujos efeitos ainda hoje prejudicam o povo brasileiro.

Talvez seja a primeira vez que o PT refere-se ao governo Vargas como “governo popular”, tal como escrito na Resolução, quando antes mencionava- se apenas como ditadura varguista.


É de fato uma precisão histórica, já que Vargas, tal como Peron, foram dois momentos importantes para a construção dos direitos laborais, a industrialização, o fortalecimento do Estado, a criação da previdência social, razão pela qual foram alvo de ações golpistas movidas pelo imperialismo, com o apoio das oligarquias nativas. Lá e cá.


No tema regulamentação da comunicação, o PT vai firmando posição no assunto, seja ao defender a lei antimonopólica da Argentina, seja também quando retira da pauta de votação da Câmara Federal o projeto de lei apadrinhado pela ABert que flexibiliza a Voz do Brasil, uma exitosa experiência de regulamentação informativa contra a voracidade do rádio baixaria e comercial. Detalhe: a Voz do Brasil é criação da Era Vargas.


Registre-se que esta resolução do PT é aprovada quando o próprio ministro das Comunicações, petista, reiteradas vezes tem apoiado a posição da Abert contra a Voz do Brasil.

Será muito importante que nestes momentos sombrios, com evidências de que ações golpistas contra um governo popular como o de Dilma tendem a aumentar, que o PT leve a termo o que expressa na Resolução, organizando uma política que viabilize a regulamentação comunicacional que está na Constituição e que, para defender-se legitimamente do golpismo histórico das elites, organize um jornal popular com capacidade de ampla circulação, como instrumento de politização e de defesa dos direitos democráticos e das transformações sociais que arranquem, definitivamente, nosso povo da miséria e da injustiça. 

Artigo originalmente publicado na edição impressa 511, do Brasil de Fato - de 13 a 19 de dezembro de 2012

Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/11364

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, não constam do texto original.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Depois dos bancos e da ditadura, a vez da mídia?

08/06/2012 - original extraído do Portal Carta Maior
Saul Leblon

Expoente de uma corajosa linhagem de intelectuais e jornalistas responsável por modificar a percepção da sociedade brasileira em relação à mídia, que graças a eles passou de referência a referido no debate político, Venício de Lima causa um estorvo adicional aos olhos e ouvidos adestrados na facilidade do ardil maniqueísta.

Professor aposentado de Ciência Política e Comunicação da UNB, com mais de oito livros sobre o tema, Venício açoita a direita e não poupa a esquerda com a inflexível defesa de uma verdadeira democracia que não pode existir sem diversidade e pluralidade de informação.

As análises que brotam dessa equidistancia engajada dispensam a frase exclamativa para privilegiar o dado, o fato, a legislação, o abuso e a sua consequência. Doem mais que pancada.

Há 24 anos, a Constituição brasileira determinou a criação de um Conselho de Comunicação Social no Congresso para auxiliar na implementação e regulação da mídia, dotando-a do escopo plural que a redemocratização preconizou. Não foi feito até hoje. O fato significativo de não ter sido feito 'até hoje', constitui justamente o objeto das arguições e análises do mais recente livro de Venício de Lima ("Política de Comunicações: um balanço dos governos Lula - 2003/2010" - editora Publisher Brasil). Nele, o intelectual que não desdenha do legado histórico do ciclo Lula, nem por isso alivia o rigor crítico quando se trata de responder à questão desdobrada nessa coletânea de artigos, leitura obrigatória para quem, a exemplo do que dizia Brizola, acredita que "enquanto houver poder equivalente ao da Rede Globo no país, não haverá democracia efetiva em nossa sociedade".

O aggiornamento dessa constatação na obra de Venício leva a seguinte indagação: "Os dois mandatos do Presidente Lula representaram um avanço para a democratização das comunicações?"

Mais incomodo que a dúvida é o fato de que o autor não hesita em incluir na árdua tarefa da resposta um minucioso levantamento de paradoxos entre o que a lei determina, aquilo que a esquerda sempre se propôs a fazer e o saldo de suas hesitações e recuos quando teve a chance de implementá-lo.

Venício é um intelectual suficientemente sofisticado para não dar a essa tomografia decibéis de um desabafo hegeliano. Não há vínculos entre a sua peneira histórica e os arroubos dos que tropeçam no próprio radicalismo ao vociferar contra uma realidade que desobedece idéias cerzidas à margem dos conflitos e circunstâncias da sociedade.
  
A desregulação persistente na área das comunicações no país não é uma excrescência alimentada pelo "petismo degenerado", como querem alguns. Ela é parte - talvez a mais sensível - de uma supremacia de interesses que fizeram da ausência do Estado em distintas dimensões da vida social, o credo legitimador de uma dominação reiterada a ferro, fogo, Cachoeiras, Policarpos e Dadás. O colapso da ordem neoliberal desde 2008 trincou essa blindagem que se esfarela agora nas ruas do mundo em múltiplas frentes. A atualíssima contribuição do novo livro de Venício inclui o mapeamento de todas as trancas e interditos, com as correspondentes chaves e alavancas legais e democráticas que agora, mais que nunca, estão maduras para serem acionadas no crepúsculo do poder neoliberal.

Mais de uma vez, porém, o autor recordará que não se trata apenas de um jogo mecânico de ajustes e encaixes lisos e frios como azulejar um banheiro. Há interesses que não se rendem. E outros cooptáveis. Numa síntese de como as coisas são e acontecem, e para que possam não se repetir nessa hora propícia, Venício de Lima desce às entranhas e vai buscar no livro escrito pelo ex-ministro Antônio Palocci ("Sobre formigas e cigarras" - Editora Objetiva, 2007), o relato de um diálogo pedagógico entre a mídia hegemônica e o poder ascendente. Nesse diálogo ocorrido em 2002, Palocci relata como consultou a Globo durante a elaboração da "Carta ao Povo Brasileiro", documento que o PT divulgaria em junho daquele ano, para tranqüilizar o mercado financeiro em relação a um eventual governo liderado por Lula.

No livro (páginas 31 e 32), o ex-ministro explica que, depois de preparar diferentes versões do documento, procurou empresários e formadores de opinião para dialogar sobre o assunto. Eis o trecho:

"Um deles foi o João Roberto Marinho, das Organizações Globo, a quem eu fora apresentado semanas antes.

Peguei o telefone e liguei para ele.

– Estamos com um problema sério nesta eleição – iniciei. Há uma percepção de crise econômica e estamos preocupados com isso. Estamos pensando em editar um manifesto com os nossos compromissos.

Com seu radar bastante atento às mudanças de humor do mercado, João Roberto abordou o assunto de forma franca:
– A crise é muito maior do que vocês estão pensando – ele disse, sem esconder sua preocupação. Há muita insegurança sobre o futuro e, por isso, acho muito bom vocês fazerem, sim, um manifesto.

Comentei as linhas gerais do documento e paramos justamente no ponto sobre o superávit das contas públicas.
– Se vocês não forem falar sobre isso – advertiu ele – é melhor nem soltar o documento. Afinal, é este o ponto sobre o qual o mercado está mais preocupado.
– E qual você acha que deve ser o compromisso do novo governo? – perguntei.
– Em minha opinião, deve ser algo um pouco acima de 4%, que é o que parece estar se tornando um consenso no mercado. O fato é que a dívida está ficando insustentável e se há algo que vocês devem criticar no atual governo é isso. O quadro fiscal é frágil."

Em seguida, Antonio Palocci lê trechos do documento para João Roberto Marinho.

"Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar seus compromissos".

– O que você acha? – perguntei.

– Um número forte poderia ser melhor – respondeu. Mas se há dificuldade para isso, o texto está bom. Acho que dá conta."

Depois de conversar com João Roberto Marinho, Antonio Palocci explica como alterou o documento:

"Achei melhor trocar a palavra 'enquanto', que dava noção de tempo, por 'o quanto', que dava noção de tamanho e da disposição de aumentá-lo, que era como o problema se colocava naquele momento."

Venício de Lima arremata o artigo com a seguinte observação de atualidade irretocável quando o governo Dilma parece próximo de, finalmente, levar à sociedade seu projeto de Regulação da Mídia:

"Quatro observações", dispara Venício Lima na sequência da citação.

Primeiro, se políticos querem "se acertar" com concessionários e/ou donos de grupos de mídia, está implícito, por óbvio, que acreditam que eles (os donos) determinam ou influenciam ou interferem no sentido das coberturas jornalísticas.

Segundo, tanto uns quanto outros – políticos e concessionários/donos – acreditam que a cobertura política da mídia determina ou influencia ou interfere no processo político.

Terceiro, se isso é verdade, uma cobertura política negativa dificulta o sucesso político ou, ao contrário, uma cobertura política favorável, ajuda, contribui.

Quarto, ambos – políticos e concessionários/donos de grupos de mídia – não parecem acreditar na existência de uma cobertura jornalística imparcial (ou nada disso seria necessário).

Finalmente, uma velha questão que se recoloca diante da realidade que, sabemos, existe tanto nos Estados Unidos como no Brasil: no caso dos concessionários dos serviços públicos de rádio e televisão, que existem para atender ao interesse coletivo e não ao interesse privado de indivíduos ou grupos – empresariais, religiosos ou quaisquer outros – não constituiria uma ameaça importante à democracia permitir que ocupem posição de tamanho poder como atores políticos nas democracias contemporâneas?

(do artigo "Candidatos se acertam primeiro com a mídia", de 09-09-2008; in Observatório da Mídia).


Postado por Saul Leblon
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1003

domingo, 23 de outubro de 2011

A urgência da democratização da mídia

 
Por Emir Sader, no sítio Carta Maior:

Nos meses transcorridos desde as acusações a Palocci até esta ofensiva contra Orlando Silva ficou clara a força da velha mídia para pautar a política nacional. A agenda política ficou periodizada pelos ministros que eram a bola da vez das acusações, numa sequência prolongada de “escândalos, que deu a impressão que essa era a cara mais marcante do governo.

A política econômica e sua articulação com as políticas sociais – o tema mais importante do governo, porque isso vai definir a capacidade do Brasil para resistir às consequências da crise no centro do capitalismo – não conseguiu o espaço essencial que deveria ter na agenda nacional. Ficou na sombra da pauta de denúncias produzida pela velha mídia.

Durante os últimos anos do governo Lula – e, em particular durante a campanha eleitoral – foi possível neutralizar relativamente o peso dos monopólios da mídia privada, com Lula – do alto da sua imensa popularidade e com sua linguagem de enorme apelo popular -, ainda mais que contávamos com os horários televisivos e os comícios da campanha.

Passadas essas circunstâncias, a velha mídia monopolista voltou a ocupar seu papel central na definição das agendas nacionais, pautando o governo com seu denuncismo, que visa enfraquecê-lo. Agem como um grande exército regular e nós, da mídia alternativa, como guerrilhas. Temos credibilidade, rapidez, acesso aos jovens – que eles não dispõem –, mas contamos com meios muito menores de difusão.

Temerosos do marco regulatório, difundem que haverá limitação à liberdade de expressão. Ao contrário, o objetivo não será calar ninguém, mas dar voz a milhões de outras vozes, que hoje, apesar de majoritárias no país, não se reconhecem e são excluídas da mídia tradicional.

Não haverá democracia real no Brasil enquanto não forem democratizados os meios de comunicação, enquanto algumas poucas famílias deixarem de querer falar em nome do país e da grande maioria da população, que vota contra e derrota sistematicamente os candidatos que essa mídia apoia.

É urgente iniciar o debate sobre o marco regulatório, mesmo que um Congresso infestado de donos de meios de comunicação privados resista ao máximo a qualquer forma de democratização da mídia. Defendem seus privilégios monopolistas, mas tem que ser derrotados, para que a formação de opinião pública no Brasil possa ser democrática e pluralista.

Fonte: Extraído do Blog do Miro

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Inglaterra discute regulação da mídia


Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:

Martin Wolf, colunista do Financial Times, é um dos grandes jornalistas britânicos. Os cabelos brancos mostram sua senioridade, e a forma e o conteúdo dos textos explicam sua reputação.

Li com atenção em dobro um artigo seu sobre um tema especialmente complicado: a regulamentação da mídia. Não à toa, espalha-se sempre a desconfiança de que o Estado esteja interessado em manietar a mídia quando fala em regulá-la.

Mas não há como evitar o assunto, por mais desagradável que seja. Deve haver regras para tudo, incluída a mídia. E elas podem e devem mudar de acordo com novas circunstâncias.

Wolf entende que o caso News of the World, com a violação da caixa postal de celulares de milhares de pessoas, é uma oportunidade de atualizar a legislação da mídia no Reino Unido. “Aproveitemos a chance para a reforma da mídia” é o título do texto.

Ele é franco para dizer, logo de cara, que é daqueles a quem incomoda o acúmulo de poder nas mãos de Rupert Murdoch. Tal poder é, para Wolf, “intolerável”. “Mídia diversificada exige propriedade diversificada”, afirma ele.

Sua análise sobre a natureza da mídia, se não é exatamente original, é clara e lúcida. “A mídia é um negócio”, diz ele. “Mas não só negócio. Ela não apenas reflete como molda a opinião pública, e por isso detém considerável influência política. É por isso que ditadores querem controlar a mídia e políticos democráticos tentam usá-la. Uma pessoa que controle negócios na mídia impressa e na televisão tem uma influência enorme na vida pública. É o caso, ou pelo menos era, de Rupert Murdoch.”

Murdoch, com suas mídias variadas e poderosas, exerce no Reino Unido (ou exercia, para seguir o raciocínio de Wolf) uma influência similar à que têm, no Brasil, as Organizações Globo. Com uma diferença: lá existe o contraponto da BBC, que é objeto de devoção entre os ingleses com seu soberbo jornalismo — sereno, cosmopolita e o mais próximo possível da objetividade e do interesse público.

Wolf avisa que é a favor da manutenção do status-quo da BBC, financiada pelo Estado por meio do dinheiro que todo mundo paga no Reino Unido quando adquire uma televisão – a licence fee. Ele está certo. As publicações de Murdoch fazem permanente campanha contra a BBC.

A concentração na mídia, como nota Wolf, leva os políticos a dobrar os joelhos diante dos proprietários. “No pior cenário, o dono pode manipular e distorcer os fatos, de forma a transformar a vida pública”, escreveu Wolf. É o caso nos Estados Unidos, segundo ele, da Fox News, de Murdoch, com seu “populismo de direita”. “Isso não pode acontecer no Reino Unido”, diz ele.

(Os políticos britânicos se vergavam diante de Murdoch mais ou menos como os seus congêneres brasileiros diante de Roberto Marinho. Não nos primórdios da TV Globo, quando os militares estavam no poder e beneficiaram Roberto Marinho para que este, com a televisão que lhe deram, os apoiasse. A servidão voluntária a Marinho veio depois que os militares saíram. Foi o ápice da influência e do poder das Organizações Globo: pós-generais e pré-internet).

Wolf assinala que qualquer legislação deve prever um ajuste futuro, dadas as extraordinárias mudanças que a internet está provocando na mídia. Cada país tem suas peculiaridades e idiossincrasias. E é preciso levar em conta que na Inglaterra se formou um consenso em torno da necessidade de reforma na mídia depois que se soube que o News of the World, em busca de furos, grampeara a caixa de mensagens do celular de uma garotinha assassinada.

Tal consenso não existe ainda no Brasil. Mas mesmo assim os brasileiros deveriam acompanhar de perto as discussões sobre a mídia que estão sendo travadas entre os britânicos. Muita coisa do que for feito lá poderá ser útil no Brasil. 
 
 
Fonte: Extraído do Blog do Miro