Mostrando postagens com marcador políticas sociais. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador políticas sociais. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Carta Aberta à Presidenta

24/06/2013 - Rodrigo Vianna em seu blog Escrevinhador

O Movimento Passe Livre São Paulo recebeu um convite para reunir-se nesta segunda-feira [24/6] com a Presidenta Dilma Rousseff em Brasília. Com o intuito de estimular o debate público, divulgaram a carta aberta abaixo, que será entregue à presidenta no encontro.

À Presidenta Dilma Rousseff,

Ficamos surpresos com o convite para esta reunião. Imaginamos que também esteja surpresa com o que vem acontecendo no país nas últimas semanas. Esse gesto de diálogo que parte do governo federal destoa do tratamento aos movimentos sociais que tem marcado a política desta gestão. Parece que as revoltas que se espalham pelas cidades do Brasil desde o dia seis de junho tem quebrado velhas catracas e aberto novos caminhos.

O Movimento Passe Livre, desde o começo, foi parte desse processo.

Somos um movimento social autônomo, horizontal e apartidário, que jamais pretendeu representar o conjunto de manifestantes que tomou as ruas do país. Nossa palavra é mais uma dentre aquelas gritadas nas ruas, erguidas em cartazes, pixadas nos muros.

Em São Paulo, convocamos as manifestações com uma reivindicação clara e concreta: revogar o aumento. Se antes isso parecia impossível, provamos que não era e avançamos na luta por aquela que é e sempre foi a nossa bandeira, um transporte verdadeiramente público. É nesse sentido que viemos até Brasília.

O transporte só pode ser público de verdade se for acessível a todas e todos, ou seja, entendido como um direito universal. A injustiça da tarifa fica mais evidente a cada aumento, a cada vez que mais gente deixa de ter dinheiro para pagar a passagem. Questionar os aumentos é questionar a própria lógica da política tarifária, que submete o transporte ao lucro dos empresários, e não às necessidades da população. Pagar pela circulação na cidade significa tratar a mobilidade não como direito, mas como mercadoria.

Isso coloca todos os outros direitos em xeque: ir até a escola, até o hospital, até o parque passa a ter um preço que nem todos podem pagar. O transporte fica limitado ao ir e vir do trabalho, fechando as portas da cidade para seus moradores. É para abri-las que defendemos a tarifa zero.

Nesse sentido gostaríamos de conhecer o posicionamento da presidenta sobre a tarifa zero no transporte público e sobre a PEC 90/11, que inclui o transporte no rol dos direitos sociais do artigo 6o da Constituição Federal.

É por entender que o transporte deveria ser tratado como um direito social, amplo e irrestrito, que acreditamos ser necessário ir além de qualquer política limitada a um determinado segmento da sociedade, como os estudantes, no caso do passe livre estudantil. Defendemos o passe livre para todas e todos!

Embora priorizar o transporte coletivo esteja no discurso de todos os governos, na prática o Brasil investe onze vezes mais no transporte individual, por meio de obras viárias e políticas de crédito para o consumo de carros (IPEA, 2011).

O dinheiro público deve ser investido em transporte público! Gostaríamos de saber por que a presidenta vetou o inciso V do 16º artigo da Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei nº 12.587/12) que responsabilizava a União por dar apoio financeiro aos municípios que adotassem políticas de priorização do transporte público.

Como deixa claro seu artigo 9º, esta lei prioriza um modelo de gestão privada baseado na tarifa, adotando o ponto de vista das empresas e não o dos usuários.

O governo federal precisa tomar a frente no processo de construção de um transporte público de verdade. A municipalização da CIDE, e sua destinação integral e exclusiva ao transporte público, representaria um passo nesse caminho em direção à tarifa zero.

A desoneração de impostos, medida historicamente defendida pelas empresas de transporte, vai no sentido oposto. Abrir mão de tributos significa perder o poder sobre o dinheiro público, liberando verbas às cegas para as máfias dos transportes, sem qualquer transparência e controle.

Para atender as demandas populares pelo transporte, é necessário construir instrumentos que coloquem no centro da decisão quem realmente deve ter suas necessidades atendidas: os usuários e trabalhadores do sistema.

Essa reunião com a presidenta foi arrancada pela força das ruas, que avançou sobre bombas, balas e prisões. Os movimentos sociais no Brasil sempre sofreram com a repressão e a criminalização.

Até agora, 2013 não foi diferente: no Mato Grosso do Sul, vem ocorrendo um massacre de indígenas e a Força Nacional assassinou, no mês passado, uma liderança Terena durante uma reintegração de posse; no Distrito Federal, cinco militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) foram presos há poucas semanas em meio às mobilizações contra os impactos da Copa do Mundo da FIFA.

A resposta da polícia aos protestos iniciados em junho não destoa do conjunto: bombas de gás foram jogadas dentro de hospitais e faculdades; manifestantes foram perseguidos e espancados pela Polícia Militar; outros foram baleados; centenas de pessoas foram presas arbitrariamente; algumas estão sendo acusadas de formação de quadrilha e incitação ao crime; um homem perdeu a visão; uma garota foi violentada sexualmente por policiais; uma mulher morreu asfixiada pelo gás lacrimogêneo.

A verdadeira violência que assistimos neste junho veio do Estado – em todas as suas esferas.

A desmilitarização da polícia, defendida até pela ONU, e uma política nacional de regulamentação do armamento menos letal, proibido em diversos países e condenado por organismos internacionais, são urgentes.

Ao oferecer a Força Nacional de Segurança para conter as manifestações, o Ministro da Justiça mostrou que o governo federal insiste em tratar os movimentos sociais como assunto de polícia.

As notícias sobre o monitoramento de militantes feito pela Polícia Federal e pela ABIN vão na mesma direção: criminalização da luta popular.

Esperamos que essa reunião marque uma mudança de postura do governo federal que se estenda às outras lutas sociais: aos povos indígenas, que, a exemplo dos Kaiowá-Guarani e dos Munduruku, tem sofrido diversos ataques por parte de latifundiários e do poder público; às comunidades atingidas por remoções; aos sem-teto; aos sem-terra e às mães que tiveram os filhos assassinados pela polícia nas periferias.

Que a mesma postura se estenda também a todas as cidades que lutam contra o aumento de tarifas e por outro modelo de transporte: São José dos Campos, Florianópolis, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Goiânia, entre muitas outras.

Mais do que sentar à mesa e conversar, o que importa é atender às demandas claras que já estão colocadas pelos movimentos sociais de todo o país. Contra todos os aumentos do transporte público, contra a tarifa, continuaremos nas ruas! Tarifa zero já!

Toda força aos que lutam por uma vida sem catracas!

Movimento Passe Livre São Paulo
24 de junho de 2013

sábado, 25 de maio de 2013

Cobertura rala, redações alienadas



Por Luciano Martins Costa em 24/05/2013 na edição 747

Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 24/5/2013

   
O Globo reproduz, na edição de sexta-feira (24/5), resumo de artigo publicado no dia 15/5 na versão digital da revista britânica The Lancet, que os clichês da imprensa chamam de "a Bíblia da medicina". O texto informa que o programa Bolsa Família reduziu a mortalidade de crianças de zero a cinco anos de idade no Brasil, no período de 2004 a 2009.

O artigo, assinado pelos pesquisadores Davide Rasella, Rosana Aquino, Carlos Santos, Rômulo Paes-Souza e Maurício Barreto, está disponível em inglês, gratuitamente, no no site da publicação da publicação, para leitores registrados. Segundo o estudo, o programa social de transferência condicional de renda contribuiu com 17% na redução da mortalidade infantil em todo o Brasil.

Nos 2.800 municípios com maior número de beneficiários, os pesquisadores constataram que houve uma queda de 19,4% no número de óbitos, e uma das conclusões é de que a transferência de renda para a população miserável tem contribuição decisiva para melhorar a expectativa de vida da população em geral, particularmente por diminuir o total de mortes relacionadas à pobreza, como desnutrição e diarreia, além dos casos de problemas respiratórios.

Os pesquisadores consideram que o efeito positivo foi mais forte porque o governo não apenas manteve o programa como aumentou a área de cobertura no período estudado. Com maior visibilidade, as condições de vida da população mais pobre puderam ser melhoradas com outras iniciativas, como a inserção das famílias em programas oficiais de vacinação, acompanhamento pré-natal e outras medidas preventivas.

O artigo também observa que, mesmo um subsídio de baixo valor, como é o caso do Bolsa Família, produz efeitos significativos porque representa um reforço substancial, proporcionalmente à renda das famílias mais vulneráveis. Por outro lado, os pesquisadores consideram que foi possível produzir um estudo consistente pela grande disponibilidade de informações de qualidade adequada em muitos municípios atendidos pelo Bolsa Família. Além disso, concluem que a exigência de que os beneficiários do programa levem as crianças regularmente aos postos de saúde e as gestantes façam o acompanhamento pré-natal, como condições para receber a ajuda financeira, teve um efeito educativo de largo espectro sobre as famílias mais pobres.

De olhos vendados

O artigo foi publicado na revista científica há mais de uma semana. O Globo foi o único dos grandes jornais a dar algum espaço para o assunto, que foi tema de seminário em Brasília na quinta-feira (23/5). De modo geral, a imprensa tem evitado confrontar os resultados de certas políticas públicas adotadas a partir de 2003, como o Bolsa Família, a diplomacia menos dependente dos Estados Unidos, o fortalecimento dos bancos estatais como estratégia para estimular a concorrência no sistema financeiro, pela oferta de crédito, e outras mudanças que fazem a diferença entre o modelo adotado após o Plano Real e as políticas implementadas na última década.

Mesmo considerando que a mortalidade infantil começou a cair mais fortemente há quinze anos, o que faz justiça a medidas tomadas ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, os jornais não parecem interessados em analisar as políticas sociais. Nem mesmo para reconhecer o trabalho desenvolvido pela falecida ex-primeira dama Ruth Cardoso, que deu uma contribuição fundamental para a compreensão dos efeitos econômicos e políticos de programas sociais: seu livro intitulado Comunidade Solidária: fortalecendo a sociedade, promovendo o desenvolvimento, publicado em 2002, é tido como inspirador de alguns dos autores do Bolsa Família.

Além disso, têm acontecido desde 2006 importantes seminários anuais sobre os resultados econômicos das políticas de distribuição condicional de renda, muitos deles promovidos por um instituto cultural ligado a um dos grandes bancos privados do país, com sucessivas demonstrações de que a orientação social da economia reduz desigualdades e produz mais riqueza do que o modelo inspirado na absoluta liberdade do mercado.

Curiosamente, é o Valor Econômico, principal jornal especializado em economia e negócios, que tem dado mais destaque a essa questão. A imprensa generalista hegemônica segue achando que o Bolsa Família é uma herança das políticas clientelistas tradicionais – sendo que esse cordão umbilical já havia sido cortado por Ruth Cardoso ao oficializar o papel das organizações não-governamentais no desenvolvimento econômico-social.

Agarradas a dogmas do mercado, as redações se alienam da realidade.

Fonte: Observatório da Imprensa

terça-feira, 20 de março de 2012

A fala do governo

15/03/2012 - Emir Sader em seu blog da Carta Maior

O governo leva adiante uma política econômica e social correta, no essencial. Principalmente quando se consolida a tendência a diminuir a taxa de juros, corrigindo seu aumento no começo do governo, e avançando para a taxa média mundial, o que levaria a baixar os incentivos a trazer para aqui o pior capital do mundo, o especulativo, que não gera nem bens, nem empregos, e produz desequilíbrios que colocam em risco o desenvolvimento e as políticas sociais. 


Onde o governo deixa a desejar é no plano político. O país não ouve a palavra da presidenta, do governo, explicando, prestando contas, socializando preocupações, buscando mobilização da cidadania e dos movimentos populares, que o apoiam.

O governo tem, antes de tudo, obrigação de prestar contas periodicamente à população que o elegeu, a partir das suas propostas para o Brasil. Para isto, o governo não pode confiar na mídia privada, que funciona muito mais como censura e como filtro, que faz chegar o que quer e da forma que quer, selecionando, recortando, retalhando, deformando mesmo as falas do governo. A população não pode ficar à mercê do monopólio privado da mídia que, como bem disse a Presidenta, diante das importantes políticas do governo, prefere definir outra pauta, de partido opositor, como foi assumido explicitamente por ela durante a campanha eleitoral.

Se fôssemos tomar o primeiro ano do governo Dilma pelo que a mídia faz chegar aos leitores, ouvintes e telespectadores, teria sido um ano marcado pelos escândalos, periodizado pelos casos de cada ministro alvo de denúncias até sua substituição.

É preciso dizer que o governo foi pautado pela mídia na sua ânsia denuncista, sem que suas versões tenham chegado à população, salvo através do filtro desse mesma mídia opositora.

Os eixos centrais do governo não chegaram à população sob forma de discurso, de exposição, de propostas, mais além da implementação concreta das políticas. Mas a política não se faz apenas com fatos, ela precisa, de argumentos, de convencimento, de persuasão, mais ainda se queremos que avance – e avance muito – a consciência social dessa imensa massa de gente que está, pela primeira vez, tendo acesso a direitos elementares, que por tanto tempo lhe foram negados.

O governo precisa assumir suas responsabilidades nesse processo de conscientização da massa da cidadania, explicando suas políticas, dizendo as razões pelas quais a situação do povo tem melhorado substancialmente, quais os obstáculos para que siga avançando de forma ainda mais rápida, qual a estratégia do governo, etc. , etc.

Não se trata simplesmente de que essa fala faz falta, é que esse espaço é ocupado pelo discurso opositor, que se opõe frontalmente aos argumentos que orientam as politicas do governo.

Para eles, quanto menos Estado melhor, todo o caudal de denúncias não é feito para melhorar a ação do governo e do Estado, mas para enfraquecê-los em favor dos mecanismos de mercado, em que se assentam as posições opositoras.

Pregam menos gastos sociais, prioridade do ajuste fiscal, política externa de alinhamento subordinado aos EUA. Como desfrutam do monopólio dos espaços de formação de opinião pública – a que resistimos na imprensa alternativa, mas em um combate de forças muito desiguais, especialmente se consideramos o peso da televisão -, difundem um discurso na contramão do que faz e pensa o governo.

E quem representa, nesse espaço fundamental de disputa das corações e mentes, a maioria da população, que elegeu e reelegeu a Lula e elegeu a Dilma, confirmando que são a maioria no Brasil? O governo teria que assumir suas responsabilidades, garantindo que sua fala chegue a todos os brasileiros. Tem que encontrar os meios, nos espaços públicos atualmente existentes, ou criando formas que derivem da democratização dos meios de comunicação. Mas não pode se ausentar desses espaços, sob o risco de seguir sendo pautado pela oposição e, pior, de que a consciência das pessoas não acompanhe a ação do governo, não por discordância, mas por desconhecimento dos argumentos.

A política e o poder são a combinação da força e da persuasão, conforme as análises insuperáveis de Gramsci.

O governo tem o poder das ações e da escolha de cargos, mas tem que fazer acompanhar essa ação da persuasão, do convencimento, do consenso. Se algo eu me atreveria a dizer à Presidenta neste momento, seria simplesmente:

Fala, Dilma!

Fala, muito, fala sempre, encontrando os meios de que suas falas cheguem às pessoas, se queremos consolidar a nova maioria social e política com uma consciência majoritária baseada em valores solidários e nao nos mecanismos da competição selvagem de todos contra todos que propõem o mercado e difunde a oposição midiática.

O exercício da política democrática é essencialmente o exercício do convencimento, da argumentação, do compartilhamento dos problemas e da convocação da mobilização popular para o protagonismo conjunto do governo e do povo na construção de um Brasil justo e solidário.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

"Não é verdade que o Brasil gaste muito em políticas sociais"



por Paulo Daniel*

Neste mês de agosto, o blog Além de Economia, em conjunto com o site da revista CartaCapital realiza uma série de entrevistas com economistas respeitados e renomados para que possamos debater e compreender a crise pela qual o mundo está passando em oposição ao crescimento e certo desenvolvimento econômico e social brasileiro.
conciencia negra12 300x215 Não é verdade que o Brasil gaste muito em políticas sociaisPara inaugurar essas entrevistas, convidamos a professora Rosa Maria Marques, economista com pós-doutorado na Faculte de Sciences Economiques da Université Pierre Mendes France de Grenoble, professora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Marques foi presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP) e integrante da Comissão de Orçamento e Finanças do Conselho Nacional de Saúde. É autora de vários livros, sendo o mais recente O Brasil sob a Nova Ordem. Atualmente, está desenvolvendo Estágio Sênior na Universidade de Buenos Aires, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Confira abaixo a entrevista.
Além de Economia/CartaCapital: As políticas públicas como saúde, educação, previdência, transportes, etc. são importantes para elevar o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas. Entretanto, alguns economistas afirmam que o Estado brasileiro gasta muito com essas políticas e de forma irracional. Qual saída poderia ser adotada para ampliar o acesso a esses serviços públicos sem necessariamente aumentar impostos?
Rosa Maria Marques: Em primeiro lugar, não é verdade que o Estado brasileiro gaste muito em políticas sociais. No caso da saúde, por exemplo, segundo a Organização Mundial da Saúde, os países que oferecem um sistema público universal (como é o caso do SUS), tais como Reino Unido, Suécia, Espanha, Itália, Alemanha, França, Canadá e Austrália, destinaram em média, em 2008, 6,7% do PIB. No mesmo ano, o gasto do Brasil, somando as três esferas de governo, foi de 3,24%. O mesmo acontece com a educação e com a previdência.
Agora, o problema de acesso é diferente. Na saúde, é o seu principal problema. Principalmente nas capitais e nas grandes cidades, os usuários enfrentam problemas de acesso para os níveis de média e alta complexidade, mas não necessariamente para a assistência básica. Já nas pequenas cidades, a dificuldade de acesso anterior se soma ao fato de que os equipamentos desses níveis de atenção estão concentrados nas maiores cidades. Este é o principal desafio a ser respondido na área da saúde. Mas, enquanto o SUS continuar a depender em grande parte dos serviços prestados pelo setor privado, é difícil resolver esse problema. Isto porque o setor privado que é conveniado ao SUS atende simultaneamente os planos de saúde e os particulares (com os quais ganha mais) e tende a fazer seus investimentos nos grandes centros do país. Há um outro aspecto que vale a pena ser mencionado: o fato de que parte do gasto das famílias com os planos de saúde e com medicina privada é pago pelo governo federal, mediante o desconto do imposto de renda. De certa forma, o Estado brasileiro garante parte da demanda dos planos de saúde.
O problema de acesso à previdência decorre de como ela foi pensada ou construída: em cima do mercado formal de trabalho. Quem não tiver carteira assinada está, por definição, dela excluída. E a existência de uma informalidade expressiva entre os ocupados sempre foi uma marca de nosso mercado de trabalho. Mesmo que nos últimos anos a informalidade tenha caído, ela continua importante. Assim, para melhorar o acesso, não basta apenas apostar na formalização das relações de trabalho, é preciso se pensar em uma outra forma de organização da previdência, que leve em conta não só o critério meritocrático – de ter um trabalho formal – mas também incorpore o critério fundado na cidadania.
Acabei tratando apenas de duas políticas públicas, pois cada uma delas é bastante complexa. Se fôssemos falar da educação, precisaríamos definir de qual nível estamos falando.
AE/CC: A crise financeira e econômica pela qual a Europa está passando se deve à construção, desde a Segunda Guerra Mundial, do chamado Estado de bem-estar social? Se o Estado brasileiro aumentar os gastos públicos, principalmente os sociais, não estaria trilhando o mesmo caminho?
RMM: Em hipótese nenhuma, respondendo às duas questões. A crise da Europa, e também a dos Estados Unidos, deve-se ao crescimento desenfreado do capital fictício, isto é, daquele que busca ter lucro com a compra e venda de ativos, sem nenhuma relação com a produção. O problema dos países europeus, que ora estão em dificuldade, não foi provocado pelo gasto corrente de seus Estados e sim pelo setor financeiro, principalmente pelos bancos. A questão é que esse setor não aceitou internalizar as perdas da crise de 2008-2009. Não esqueçamos, por exemplo, que o crescimento mais recente do endividamento norte-americano foi devido à “ajuda” que o Estado deu ao setor financeiro.
AE/CC: Recentemente a presidenta Dilma lançou o programa Brasil sem Miséria, cujo objetivo é retirar da pobreza extrema 16 milhões de brasileiros(as) até 2014, é uma medida audaciosa ou tímida?
RMM: Nem audaciosa e nem tímida. Trata-se do prosseguimento do Programa Bolsa Família. Em junho deste ano, o Bolsa Família abrangeu 12.436.167 famílias. Este programa de fato melhorou a vida de seus beneficiários (das famílias pobres e muito pobres), mas não foi associado a outras políticas que alterem as condições da reprodução da pobreza no país.
AE/CC: Como uma estudiosa e especialista em Previdência, pode-se comparar as reformas realizadas na Europa com a brasileira? Há ainda necessidade de se reformar o sistema previdenciário brasileiro?
RMM: Há um aspecto que é comum, isto é, a constante preocupação em aumentar a idade de acesso à aposentadoria. Esta é a pior ironia que pode haver, pois o aumento da expectativa de vida deveria ser bem visto pela sociedade, já que se trata de uma conquista de toda a humanidade. Mas o que acontece é o contrário: viver mais passou a ser visto por alguns como um fardo e um privilégio.
Se alguma mudança deveria ser feita na Previdência brasileira, seria a incorporação de todos os cidadãos em sua cobertura. Para isso seria necessário se pensar em um novo desenho de seu sistema, o que envolveria repensar suas fontes de financiamento, sem abandonar a participação das contribuições sociais.
AE/CC: No que diz respeito ao financiamento público da saúde, quais são os entraves para universalizar o sistema e com qualidade?
RMM: Em parte já respondi a essa questão no início da entrevista, mas faltaria mencionar o fato de que até hoje a participação federal em seu financiamento não foi devida. Trata-se da Emenda Constitucional 29, que está há anos em compasso de espera para ser apreciada no Congresso.
AE/CC: Que papel o programa Bolsa Família tem na conjuntura política e econômica brasileira?
RMM: O Programa Bolsa Família é um programa relativamente barato. Em 2010, seu gasto representou 0,37% do PIB. Contudo, seu impacto é bastante significativo, não só porque diminuiu a pobreza absoluta e relativa (de 2003 a 2008, a população abaixo da linha de pobreza caiu 12% para 4,8%, e na de pobreza, de 26,1% para 14,1%), mas porque tem um efeito multiplicador grande no entorno de onde as famílias beneficiárias vivem. Há cidades onde os recursos desse programa são bastante importantes, quando comparados aos recursos próprios e às transferências constitucionais recebidas por esses municípios.
Em termos políticos, o Bolsa Família – assim como outras ações empreendidas durante o governo Lula – permitiu a construção de uma nova base de apoio, diferente daquela tradicionalmente compreendida pelos movimentos sociais e pelos sindicatos. Em 2008, publiquei na Revista de Economia Política, junto com outros colegas, um estudo que relaciona o Bolsa Família e os resultados das eleições de 2006. Seus resultados são bastante interessantes e instigantes.
AE/CC: Em 2010, a senhora e um conjunto de economistas lançou o livro O Brasil sob a Nova Ordem, pela editora Saraiva. Que nova ordem estamos vivendo?
RMM: Trata-se do fato de, nas últimas décadas, o capitalismo ter sido dominado por aquilo que se costuma chamar de capital financeiro, mas que, para ser mais precisa, seria pelo capital fictício, isto é, pela face mais perversa do capital financeiro. Isso significou que sua lógica de curto prazo foi imposta às empresas industriais e comerciais, deprimindo o investimento, reduzindo os salários na maioria dos países, piorando as condições de trabalho, e promovendo a retirada de direitos sociais, entre outros impactos.
Levando em conta essa lógica, o livro analisa como a adoção das recomendações do chamado Consenso de Washington modificou profundamente a economia, desde sua estrutura produtiva até a política econômica centrada nas metas de inflação, como também alterou o papel do Estado, as políticas públicas, entre outros aspectos.
* Paulo Daniel é economista, mestre em economia política pela PUC-SP, professor de economia e editor do blog Além de Economia.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.

Fonte: Extraído do site Envolverde