terça-feira, 3 de julho de 2012

O governo Dilma, a greve nacional dos docentes e a universidade de serviços

[Equipe Educom: embora este artigo seja de maio passado continua atual diante da inexistência de um gesto de maior profundidade por parte das autoridades do Ministério da Educação que ao menos acene para o final harmonioso de uma greve que já se arrasta desde o último trimestre sem a perspectiva de uma solução adequada e duradoura]


27/05/2012 - Roberto Leher (*)
extraído do sítio PSOL-SERRAMAR, de Rio das Ostras-RJ

A longa sequencia de gestos protelatórios que levaram os docentes das IFES a uma de suas maiores greves, alcançando 48 universidades em todo país (28/05), acaba de ganhar mais um episódio: o governo da presidenta Dilma cancelou a reunião do Grupo de Trabalho (espaço supostamente de negociação da carreira) do dia 28 de maio que, afinal, poderia abrir caminho para a solução da greve nacional que já completa longos dez dias. Existem algumas hipóteses para explicar tal medida irresponsavelmente postergatória:

(i) a presidenta – assumindo o papel de xerife do ajuste fiscal – cancelou a audiência pois, em virtude da crise, não pode negociar melhorias salariais para os docentes das universidades, visto que a situação das contas públicas não permite a reestruturação da carreira pretendida pelos professores;

(ii) apostando na divisão da categoria, a presidenta faz jogral de negociação com uma organização que, a rigor, é o seu espelho, concluindo que logo os professores, presumivelmente desprovidos de capacidade de análise e de crítica, vão se acomodar com o jogo de faz de conta, o que permitiria o governo Dilma alcançar o seu propósito de deslocar um possível pequeno ajuste nas tabelas para 2014, ano que os seus sábios assessores vindos do movimento sindical oficialista sabem que provavelmente será de difícil mobilização reivindicatória em virtude da Copa Mundial de Futebol, “momento de união apaixonada de todos os brasileiros”, e

(iii) sustentando um projeto de conversão das universidades públicas de instituições autônomas frente ao Estado, aos governos e aos interesses particularistas privados em organizações de serviços, a presidenta protela as negociações e tenta enfraquecer o sindicato que organiza a greve nacional para viabilizar o seu projeto de universidade e de carreira que ‘resignificam’ os professores como docentes-empreendedores, refuncionalizando a função social da universidade como organização de suporte a empresas, em detrimento de sua função pública de produção e socialização de conhecimento voltado para os problemas lógicos e epistemológicos do conhecimento e para os problemas atuais e futuros dos povos.


Roberto Leher

Em relação a primeira hipótese, a análise do orçamento 2012 [1] evidencia que o gasto com pessoal segue estabilizado em torno de 4,3% do PIB, frente a uma receita de tributos federais de 24% do PIB. Entretanto, os juros e o serviço da dívida seguem consumindo o grosso dos tributos que continuam crescendo acima da inflação. Com efeito, entre 2001 e 2010 os tributos cresceram 265%, frente a uma inflação de 90% (IPCA). Conforme a LDO para o ano de 2012, a previsão de crescimento da receita é de 13%, porém os gastos com pessoal, conforme a mesma fonte, crescerá apenas 1,8% em valores nominais. O corte de R$ 55 bilhões em 2012 (mais de 22% das verbas do MCT) não é, obviamente, para melhorar o Estado social, mas, antes, para seguir beneficiando os portadores de títulos da dívida pública que receberam, somente em 2012, R$ 369,8 bilhões (até 11/05), correspondente a 56% do gasto federal [2].

Ademais, em virtude da pressão de diversos setores que compõem o bloco de poder, o governo Federal está ampliando as isenções fiscais, como recentemente para as corporações da indústria automobilística, renúncias fiscais que comprovadamente são a pior e mais opaca forma de gasto público e que ultrapassam R$ R$ 145 bilhões/ano. A despeito dessas opções em prol dos setores dominantes, algumas carreiras tiveram modestas correções, como as do MCT e do IPEA.

Em suma, a hipótese não é verdadeira: não há crise fiscal.
Os governos, particularmente desde a renegociação da dívida do Plano Brady (1994), seguem priorizando os bancos e as frações que estão no núcleo do bloco de poder (vide financiamento a juros subsidiados do BNDES, isenções para as instituições de ensino superior privadas-mercantis etc.). Contudo, os grandes números permitem sustentar que a intransigência do governo em relação a carreira dos professores das IFES não se deve a falta de recursos públicos para a reestruturação da carreira. São as opções políticas do governo que impossibilitam a nova carreira.

Segunda hipótese.
De fato, seria muita ingenuidade ignorar que as medidas protelatórias objetivam empurrar as negociações para o final do semestre, impossibilitando os projetos de lei de reestruturação da carreira, incluindo a nova malha salarial e a inclusão destes gastos públicos na LDO de 2013. O simulacro de negociações tem como atores principais o MEC, que se exime de qualquer responsabilidade sobre as universidades e a carreira docente, o MPOG que defende a conversão da carreira acadêmica em uma carreira para empreendedores e, como coadjuvante, a própria organização pelega que faz o papel dos truões, alimentando a farsa do jogral das negociações.

Terceira hipótese.
É a que possui maior lastro empírico. As duas hipóteses anteriores podem ser compreendidas de modo mais refinado no escopo desta última hipótese. De fato, o modelo de desenvolvimento em curso aprofunda a condição capitalista dependente do país, promovendo a especialização regressiva da economia. Se, em termos de PIB, os resultados são alvissareiros, a exemplo dos indicadores de concentração de renda que alavancam um seleto grupo de investidores para a exclusiva lista dos 500 mais ricos do mundo da Forbes, o mesmo não pode ser dito em relação a educação pública.

Os salários dos professores da educação básica são os mais baixos entre os graduados [3] e, entre as carreiras do Executivo, a dos docentes é a de menor remuneração. A ideia-força é de que os docentes crescentemente pauperizados devem ser induzidos a prestar serviços, seja ao próprio governo, operando suas políticas de alívio à pobreza, alternativa presente nas ciências sociais e humanas ou, no caso das ciências ditas duras, a se enquadrarem no rol das atividades de pesquisa e desenvolvimento (ditas de inovação), funções que a literatura internacional comprova que não ocorrem (e não podem ser realizadas) nas universidades [4].

A rigor, em nome da inovação, as corporações querem que as universidades sejam prestadoras de serviços diversos que elas próprias não estão dispostas a desenvolver pois envolveriam a criação de departamentos de pesquisa e desenvolvimento e a contratação de pessoal qualificado.

O elenco de medidas do Executivo que operacionaliza esse objetivo é impressionante: Lei de Inovação Tecnológica, institucionalização das fundações privadas ditas de apoio, abertura de editais pelas agencias de fomento do MCT para atividades empreendedoras.

Somente nos primeiros meses deste ano o Executivo viabilizou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, um ente privado, que submete os Hospitais Universitários aos princípios das empresas privadas e aos contratos de gestão preconizados no plano de reforma do Estado (Lei nº. 12.550, 15 de dezembro de 2012), a Funpresp (Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais), que limita ao teto de R$ 3.916,20, medida que envolve enorme transferência de ativos públicos para o setor rentista e que fragiliza, ainda mais, a carreira dos novos docentes, pois, além de não terem aposentadoria integral, não possuirão o FGTS, restando como última alternativa a opção pelo empreendedorismo que ilusoriamente (ao menos para a grande maioria dos docentes) poderia assegurar algum patrimônio para a aposentadoria.

Ademais, frente à ruina da infraestrutura, os docentes devem captar recursos por editais para prover o básico das condições de trabalho. Por isso, nada mais coerente do que a insistência do Executivo em uma carreira que converte os professores em empreendedores que ganham por projetos, frequentemente ao custo da ética na produção do conhecimento [5].

Os operadores desse processo de reconversão da função social da universidade pública e da natureza do trabalho e da carreira docentes parecem convencidos de que já conquistaram os corações e as mentes dos professores e por isso apostam no impasse nas negociações.

O alastramento da greve nacional dos professores das IFES, o vigoroso e emocionante apoio estudantil a essa luta sugerem que os analistas políticos do governo Federal podem estar equivocados.

A adesão crescente dos professores e estudantes ao movimento comprova que existe um forte apreço da comunidade acadêmica ao caráter público, autônomo e crítico da universidade. E não menos relevante, de que a consciência política não está obliterada pela tese do fim da história [6].

A exemplo de outros países, os professores e os estudantes brasileiros demonstram coragem, ousadia e determinação na luta em prol de uma universidade pública, democrática e aberta aos desafios do tempo histórico!


[1]http://www.senado.gov.br/noticias/agencia/infos/info_orcamento_para_2012/ORCAMENTO_PARA_2012.html

[2] http://www.auditoriacidada.org.br/(*) Professor Titular da Faculdade de Educação da UFRJ.

[3] http://oglobo.globo.com/educacao/professor-ainda-pior-salario-4954397

[4] Mansfield, Edwin 1998 Academic research and industrial innovation: An update of empirical findings em Research Policy 26, p. 773–776.

[5] Charles Ferguson, A corrupção acadêmica e a crise financeira, disponível em:
http://noticias.bol.uol.com.br/economia/2012/05/27/a-corrupcao-academica-e-a-crise-financeira.jhtm

[6] Marcelo Badaró Mattos, Algo de novo no reino das Universidades Federais?



Fonte:
http://psolriodasostras.wordpress.com/2012/05/27/o-governo-dilma-a-greve-nacional-dos-docentes-e-a-universidade-de-servicos/
 
 








segunda-feira, 2 de julho de 2012

Samuel Pinheiro Guimarães deixa o Mercosul com uma advertência: ou muda ou fica irrelevante

29/06/2012 - Saul Leblon
original no Portal Carta Maior

Para ser o que dele se espera, uma alavanca progressista de desenvolvimento regional integrado, o Mercosul precisa enfrentar a sua hora da verdade.

Essa hora é agora, no curso da maior crise capitalista desde os anos 30, que abriu brechas e desarmou interesses, colocando em xeque dogmas e forças que ordenaram a criação do bloco, em 1991, por iniciativa dos governos Menem, Collor, Rodrigues e Lacalle.

Movia-os então a certeza de que o alinhamento regional às políticas preconizadas pelo Consenso de Washington, ancoradas em desregulação, privatização, livre trânsito de capitais e remoção de barreiras comerciais, seria suficiente para promover o desenvolvimento econômico e social. A concepção original e os alicerces a partir de então assentados não visavam o desenvolvimento econômico e social de cada Estado membro, menos ainda da região de forma associada.

O Mercosul tinha em seu DNA a determinação de ser um ponto de passagem, uma alavanca de desobstrução de barreiras e soberania estatal, de modo a alcançar a plena inserção no espaço virtuoso dos mercados globais, conforme os preceitos do neoliberalismo. Esse vício de origem nunca foi corrigido de forma estrutural, tampouco a baixa densidade operacional daí decorrente foi superada a contento.

O fosso aberto entre o passo seguinte da história e uma arquitetura desenhada para servir ao ciclo anterior, ora em colapso, ameaçam o Mercosul com o espectro da irrelevância.

Esse ponto de saturação exige respostas corajosas e iniciativas urgentes diante dos desafios que a longa crise do neoliberalismo impõe aos governos e às nações em desenvolvimento.

Foi para sacudir a modorra política e burocrática do bloco, que ameaça miná-lo como instrumento histórico de integração regional, que o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, um dos estrategistas da política externa independente do governo Lula, renunciou nesta 5ª feira, ao cargo de Alto Representante Geral do Mercosul.

(Leia aqui o relatório apresentado por ele ao Conselho de Ministros do bloco)


Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1022

domingo, 1 de julho de 2012

“Estamos diante de uma guerra não convencional”

22/06/2012 - Carta Maior

Em uma entrevista especial concedida à Carta Maior e aos jornais Página/12, da Argentina, e La Jornada, do México, o presidente do Equador, Rafael Correa analisa o que considera ser um dos principais problemas do mundo hoje: o poder das grandes corporações de mídia que agem como um verdadeiro partido político contra governos que não rezam pela sua cartilha.

“Essa é a luta, não há luta maior. Estamos diante de uma guerra não convencional, mas guerra, de conspiração, desestabilização e desgaste”.

(Carta Maior, La Jornada e Página/12)

Rio de Janeiro - Representante de uma nova geração de líderes políticos da esquerda latinoamericana, o presidente do Equador, Rafael Correa, foi lançado para a linha de frente do cenário político mundial com o pedido de asilo político feito, em Londres, pelo fundador do Wikileaks, Julian Assange. Há poucas semanas, Assange entrevistou Correa e os dois conversaram, entre coisas, sobre um tema de interesse de ambos: as operações de manipulação conduzidas pelas grandes corporações midiáticas. Agora, durante sua passagem pela Rio+20, Rafael Correa voltou com força ao tema.

Em uma entrevista especial concedida à Carta Maior e aos jornais Página/12, da Argentina, e La Jornada, do México, Correa analisa este que considera ser um dos principais problemas do mundo hoje: o poder das grandes corporações de mídia que, na América Latina, agem como um verdadeiro partido político contra governos que não rezam pela cartilha dos interesses desses grupos. “Essa é a luta, não há luta maior. Estamos diante de uma guerra não convencional, mas guerra, de conspiração, desestabilização e desgaste”.

Na entrevista, Correa fala sobre o pedido de asilo de Assange, relata o debate sobre uma nova lei de comunicações no Equador e faz um balanço pessimista sobre os resultados da Rio+20.

Há um argumento segundo o qual a liberdade de imprensa é propriedade dos meios de comunicação empresariais. Imagino que essa não seja a sua opinião.
Correa: Não nos enganemos. Desde que se inventou a impressora a liberdade de imprensa, entre aspas, responde à vontade, ao capricho e à má fé do dono da impressora. Devemos lutar para inaugurar a verdadeira liberdade de imprensa que é parte de um conceito maior e um direito de todos os cidadãos, que é a liberdade de expressão, que defendemos radicalmente. No entanto, o poder midiático que faz negócios com o objetivo de ter lucro, até isso quer privatizar. Então, se eles têm tanta vocação para comunicar, como dizem, que o façam sem finalidades lucrativas, porque para mim isso é uma contradição.

Este é um grande problema na América Latina e também em nível planetário. Tenho tomado conhecimento que existem posições semelhantes às nossas, mas houve um tempo em que nos sentíamos muito sozinhos, quando fomos vítimas de um ataque tremendo por não abaixar a cabeça diante de um negócio muitas vezes corrupto e encoberto sob a capa da liberdade de expressão. Essa é a luta, não há luta maior.

Presidente, nestes dias foram divulgados telegramas pelo Wikileaks onde apareceram jornalistas equatorianos que eram considerados informantes pela embaixada dos Estados Unidos. Isso confirma as hipóteses levantadas quando o senhor foi vítima de um golpe de Estado.
Correa: As mentiras deles sempre acabam sendo derrubadas. Entidades que financiam esses empórios midiáticos, certas organizações que, em nome da sociedade civil, nos denunciam ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a SIP, em todos os lados. Agora vemos que esses senhores são identificados via Wikileaks como informantes da embaixada (estadunidense). Wikileaks que nunca é publicado pela maioria da imprensa comercial. Não é só isso. Essa gente é financiada pela USAID, que vocês conhecem. A USAID financiou com 4,5 milhões de dólares a estes supostos defensores da liberdade de expressão, supostamente para fortalecer a democracia e a ação cívica. Na verdade, para fortalecer a oposição aos governos progressistas da América Latina. Os povos da região tem que reagir contra esse tipo de prática.

Independentemente da solicitação do senhor Assange – ele solicitou asilo político -, ele disse que quer vir para o Equador para seguir cumprindo sua missão em defesa da liberdade de expressão sem limites, porque o Equador é um território de paz comprometido com a justiça e a verdade. Isso que o senhor Assange disse é mais próximo da realidade do Equador do que as porcarias que o poder midiático publica todos os dias.

Sabemos que o senhor ainda não tomou uma decisão sobre a situação que está atravessando alguém que revelou informações secretas sobre conspirações dos Estados Unidos e está pagando com a prisão por ter trabalhado pela liberdade de imprensa.
Correa: Se, no Equador, alguém tivesse passado a centésima parte do que passou Assange, nós seríamos chamados de ditadores e repressores, mas como o que Assange divulgou afeta as grandes potências e isso evidencia uma moral dupla e como os Estados nos tratam por meio de suas embaixadas, então é preciso aplicar todo o peso da lei contra Assange. E o chamam de violador.

Eu não quero antecipar minha decisão. Recebemos o pedido de asilo, analisaremos as causas desse pedido e tomaremos uma decisão quando for pertinente. Ele está em nossa em nossa embaixada em Londres sob a proteção do Estado equatoriano.

É claro que há aqui uma dupla moral, uma para os poderosos e outra para os débeis, uma para os que querem manter o status quo e para sua imprensa, e outra para os governos que querem mudar esse status quo e para a imprensa alternativa. Todos os dias há julgamentos em países desenvolvidos contra jornais. Neste caso não há problema, porque isso é civilização, mas, processar em nosso país um jornal ou um jornalista é qualificado como barbárie. E não é verdade que nós criminalizamos a opinião, pois em nosso país todos os dias publicam tudo, todos os dias publicam que há falta de liberdade de expressão. Qualquer um pode dizer que o governo é bom ou mau, que é competente ou incompetente. Mas o que não pode se dizer em um meio de comunicação é que o presidente, ou qualquer cidadão, é um criminoso de lesa humanidade e que ele disparou sem aviso prévio contra um hospital, porque isso é calúnia, isso é delito em qualquer país.

O caso Assange pode dar origem a uma tensão diplomática entre Equador e Grã-Bretanha?
Correa: Isso é a última coisa que queremos, mas nós não vamos pedir permissão a nenhum país para tomar decisões soberanas. O Equador não tem mais alma de colônia nem alma de vassalo. Se dar asilo, refúgio ou residência a fugitivos da justiça provocasse deterioração, a relação da América Latina com os Estados Unidos estaria deterioradíssima. Porque, provavelmente, Argentina, Brasil, México e outros países não devem estar de acordo que qualquer fugitivo viole a justiça. Esse não é o caso do senhor Assange, mas sim de corruptos como os banqueiros que quebraram o Equador em 99 e fugiram para os Estados Unidos, onde gozam hoje de uma vida bastante cômoda.

Vocês têm um Murdoch no Equador?
Correa: No Equador, temos seis famílias que representam heranças familiares, não é propriedade democrática, um capitalismo popular onde há 10 mil acionistas em um empório. Os meios de comunicação no Equador são manejados por meia dúzia de famílias, que decidem o que os equatorianos devem saber e conhecer. Vocês se dão conta da vulnerabilidade que temos como sociedade? A informação depende dos interesses e dos caprichos de meia dúzia de famílias. Mas se um governo soberano e digno não as chama para consultar sobre o nome dos ministros ou sobre a indicação de embaixadores, como ocorria antes, vão com tudo para cima desse governo porque ele não se submete aos seus caprichos. É um problema mundial, mas em outros países é atenuado com participação, profissionalismo muito profundo, uma ética muito forte, tudo o que brilha por sua ausência aqui no Equador.

Presidente, um funcionário da Usaid acaba de dizer que eles estão ajudando as oposições a estes governos.
Correa: Franqueza anglo-saxã.

Impunidade?
Correa: Impunidade e arrogância.

Essa ideia nos fala de um tempo da informação como arma de guerra e a América Latina sofre uma verdadeira invasão dessas fundações como a USAID, a NED, o IRI. Isso não torna muito perigosa a nossa situação? A presença das ONGs destas fundações não é perigosa para o Equador?
Correa: Oxalá consigamos despertar os povos latino-americanos para essa situação. As direitas, os grupos de poder, sabem que nas urnas não conseguirão nos derrotar. Daí as campanhas contínuas de desgastes, de propaganda, de difamação, de enfraquecimento e desestabilização. Nós vivemos isso desde os primeiros dias de governo. Desde o primeiro dia de governo. O mesmo ocorre na Venezuela, na Bolívia, na Argentina e em todos os governos progressistas da região. Sofremos as campanhas desses meios que são a vanguarda do capitalismo, do status quo dos partidos tradicionais de direita que se afundaram por seus próprios erros, para difamar, para distorcer a verdade com a cumplicidade de veículos da mídia internacional.

Essa é a contradição de que fala Ignacio Ramonet. Na Europa hoje há desemprego, estagnação, resgate de milionários, resgate de bancos e não de cidadãos, e os jornais dizem que isso é necessário, que é sério, técnico e correto. Que as pessoas morram de fome, precisamos salvar o capital! Enquanto isso, em países como o Equador, que é um dos que mais crescem na América Latina, que reduziu a pobreza, gerou mais emprego, tem a taxa de desemprego mais baixa da região e da história, todos os dias nos dizem que isso é populismo e demagogia, que é preciso mudar de governo.

Estamos ante uma campanha propagandística para defender os poderes fáticos que sempre dominaram nossos países. A direita perdeu as eleições nos Estados Unidos e agora chegam essas organizações para financiar esses grupos na América Latina. Estamos diante de uma guerra não convencional, mas guerra, de conspiração, desestabilização e desgaste.

Por isso pergunto sobre o tema da informação como arma de guerra, como a arma letal antes do primeiro disparo.
Correa: Estou convencido disso. Alguns ainda imaginam a imprensa, sobretudo na América Latina, como o quarto poder nascente, que floresceu quando chegaram as democracias, quando ocorreram avanços técnicos e se multiplicaram as publicações, quando se avançou na alfabetização e as grandes massas passaram a poder ler. Esse poder impediria que o poder político, o poder do Estado, ultrapasse certos limites. Assim chegou a desinformação. Lembremos, por exemplo, do affair Dreyfus na França, quando por racismo e xenofobia se acusou um capitão judeu, como denunciou Emile Zola em seu famoso editorial “Eu acuso”. Essa imprensa limitava os excessos do poder político, mas esse vigoroso e ingênuo cachorrinho, bem intencionado, que lutava pelos interesses dos cidadãos, converteu-se de repente em um mastim feroz, com um poder ilimitado, raivoso, que não só tenta encurralar o Estado como também os próprios cidadãos.

O poder midiático na América Latina, como ocorre no Equador, é frequentemente superior ao poder político. Precisamos tirar certos estereótipos de cena ou do ambiente de certa burocracia internacional como alma de ONG, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que fala de pobrezinhos jornalistas e de malvados políticos. Isso não é certo. Os políticos são, muitas vezes, patrióticos. A antipatia que certos jornalistas alimentam, desfiando seus ódios e amarguras, acaba fazendo com que se metam inclusive em questões pessoais, com a família, etc.

Então, vejamos a realidade. Trata-se de tabus e nos ensinaram a ter medo de criticar esses negócios, como se, criticando-os, estivéssemos criticando a liberdade de expressão. Esses são os negócios da má imprensa.

Presidente, viremos a página e passemos à crise
Correa: É que esse tema (da mídia) me apaixona. É um tema acadêmico que me apaixona, ao qual dedicarei meu tempo quando sair da presidência. Pretendo me dedicar a ele, investigar e escrever porque se trata de um problema gravíssimo, porque estamos nas mãos de um poder midiático que superou inclusive o poder financeiro e político, e domina o mundo.

Você resumiu ontem em uma palavra o documento final da Rio+20, classificando-o como “lírico”...
Correa: É assim. Não há compromisso concreto. Podem verificar. Onde há um compromisso em cifras, por exemplo, com o limite de emissões de gases, compensações, acordos, acordos vinculantes como seria uma declaração de direitos da natureza em um tribunal internacional do meio ambiente, como propôs o Equador. Não há nada disso. Fala-se de cuidar melhor do planeta, mas não há um compromisso concreto. O avanço é muito pequeno.

A que atribui a ausência dos Estados Unidos e da Alemanha? Elas podem ter contribuído para essa falta de compromissos concretos?
Correa: Vai mais além. O problema não é técnico. Todo mundo sabe qual é o problema, todo o mundo sabe quais são as respostas. O problema é político. Quem gera os bens ambientais e quem consome esses bens ambientais? Se os países ricos ou os países em desenvolvimento podem consumir gratuitamente um bem que outros geram por que é que vão se comprometer a compensar e cuidar. Não farão isso a não ser que esteja em perigo evidente sua própria existência ou seus próprios interesses.

Então, o problema é político, é a relação de poder. Imagine que a situação fosse a inversa, que a Floresta Amazônica, por exemplo, estivesse nos Estados Unidos e que eles fossem geradores de bens ambientais e que nós dos países em desenvolvimento fôssemos os consumidores. Já teriam nos invadido em nome dos direitos humanos, da justiça, da liberdade, etc., para exigir compensações. Então, esse é um problema de poder. Enquanto não mudarem as relações de poder, muito pouco se irá avançar.

Considera então que o saldo provisório da Rio+20 é um fracasso?
Correa: Sim. Não se conseguiu avançar quase nada. Não há compromisso concreto, nada concreto. Nem sequer dinheiro. Houve uma reunião do G-20 no México e a maioria, 80% dos que estavam lá, regressaram para suas casas. Não vieram para a Rio+20. Não interessa. Apenas alguns poucos vieram para a Cúpula, sobretudo latino-americanos.

Houve também a Cúpula dos Povos, um encontro muito interessante.
Correa: Quisemos participar, mas não foi possível, estava muito longe. Infelizmente foi um problema de logística. Mas vamos ter um evento de direitos da natureza, paralelo à Cúpula, nos mesmos locais da Cúpula, para o qual convidamos 400 dirigentes de organizações sociais alternativas, progressistas de esquerda que buscam a justiça de nossa América e do mundo inteiro. O presidente Evo Morales também participará dessa conferência.

Eu queria perguntar-lhe sobre o que representam estas alianças como a do Pacífico (Colômbia, Chile, Peru e México) e o anúncio feito pelo presidente Felipe Calderón do Transpacífico, que é algo novo. Isso pode ser visto como uma ameaça à integração e à unidade da América Latina?
Correa: Bom, o maior problema em essência sobre o tema do cuidado com o meio ambiente e que também está na base da crise da Europa e dos Estados Unidos é que tudo foi mercantilizado. Eles não querem ver isso porque afeta os interesses dominantes. O mercado é uma realidade econômica que não podemos negar, mas o grande desafio da humanidade é que a sociedade deve conseguir dominar o mercado. O que temos hoje é o mercado dominando a sociedade e as pessoas, mercantilizando tudo. Como o mercado só se interessa pelo que é mercadoria, pelo que tem preços explícitos, não administra adequadamente bens públicos como o meio ambiente. Por isso pode consumir irresponsavelmente bens ambientais, bens públicos globais, depredar a natureza, etc., porque não têm preços explícitos, porque não são mercadoria.

Então, quanto mais se ampliar essa lógica do mercado, mais esses problemas se agravarão e os perigos serão ainda maiores para a conservação do planeta. Eu diria que nós somos muito críticos destes tratados de livre comércio, somos muito críticos da mercantilização da vida e da humanidade em geral. Esse é um dos grandes desafios que enfrentamos. Insisto, o mercado é um fenômeno econômico irrefutável, mas o grande desafio é fazer com que as sociedades dominem o mercado e não o contrário.

Senhor presidente, que medidas os países da América Latina deveriam tomar para não perder o rumo da histórica na direção de uma integração regional soberana e progressista. Como vê os avanços no Mercosul, na Unasul e na Comunidade Andina de Nações (CAN)?
Correa: Avançou-se como nunca antes. Isso não quer dizer que estejamos bem. Teremos que avançar muito mais rápido. Creio que há uma vocação concreta e uma posição integracionista sincera, não uma integração mercantilista como havia antes. O Mercosul nasceu na noite neoliberal dos anos 90. A CAN nasceu a todo vapor e depois diminuiu. A integração mercantilista não quer fazer grandes sociedades de nações, mas sim grandes mercados, não fazer cidadãos de nossa América, mas sim consumidores. A concepção da Unasul é diferente. Nós temos uma concepção integral, onde uma parte é comercial, que sempre é importante, mas não é o mais importante, e as outras partes tem a ver com conectividade, nova arquitetura financeira regional, harmonização de políticas, políticas de defesa.

Oxalá consigamos avançar também em políticas trabalhistas para que nunca mais caiamos na América Latina na armadilha de competir para atrair investimentos, deteriorando e precarizando as forças de trabalho. Ao invés de atrair capitais na base do suor e das lágrimas de nossos trabalhadores, pensamos em outro mundo. Como disse, creio que avançamos, mas precisamos ir muito mais rápido.

O senhor tocou de passagem o tema do Conselho de Defesa Sulamericano, que está objetivamente estancado, e seu país sofreu um ataque estrangeiro em 2008. Na sua avaliação, com a chegada do presidente Santos na Colômbia, a hipótese de tensões entre Colômbia e Equador está completamente dissipada?
Correa: As relações bilaterais entre Equador e Colômbia gozam de um extraordinário momento. Há uma grande coordenação com o governo do presidente Santos. A Colômbia sempre foi o vizinho com o qual tivemos a melhor relação em nossa história. Infelizmente, essa história, séculos de irmandade, foi rompida pela traição de um presidente como Uribe. Mas, graças a deus, com o governo do presidente Santos isso foi superado e creio que ele também tem uma vocação integracionista muito profunda e apoia – de fato, tem apoiado – a proposta do Conselho de Defesa.

O Conselho de Defesa teve seus primeiros estremecimentos com o anúncio da radicação de tropas dos Estados Unidos na Colômbia. Essa possível radicação de tropas norte-americanas na Colômbia está definitivamente abortada?
Correa: Não tenho maiores conhecimentos a respeito desse assunto. Até onde sei há uma estreita colaboração norteamericana com o pretexto da luta antidrogas e oxalá que a ajuda se concentre aí. Mas temos que fazer um esforço de bastante ingenuidade para nos convencermos disso porque muitas vezes se fazem outras coisas com essas supostas ajudas, sobretudo com governos que não sigam a linha de Washington.

A pergunta anterior está associada a outras situações graves como a remilitarização com novas bases no Panamá e outros três centros operacionais do comando Sul , uma base nova no Chile e nas Malvinas o grande problema é a base britânica ali instalada. Toda esta expansão dos Estados Unidos não é ameaçadora para a região?
Correa: Nós queremos nos convencer que com Barack Obama, que acreditamos ser uma boa pessoa, a política internacional dos EUA mudou, mas as evidências nos mostram que não é assim, que tudo continua lamentavelmente igual, sobretudo no que diz respeito à América Latina, cujos governos comprometidos com justiça, dignidade e soberania passaram a ser vistos como uma ameaça para seus interesses. Devemos estar muito atentos a essa presença das forças armadas norte-americanas em nossa América e a esse processo de rearmamentismo que está ocorrendo nesta época tão difícil e complexa.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20436

Os videos que compõem essa entrevista podem ser acessados em:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=4t1pNQicRbg
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=IR48HKl0FnQ
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=88U5EYGr3i0
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=yvqaQM8V_1Q
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=xLEJndzkV6I

sábado, 30 de junho de 2012

O GOLPE EM ASSUNÇÃO E A TRÍPLICE FRONTEIRA

27/06/2012 - por Mauro Santayana em seu blog

A moderação dos Estados Unidos, que dizem estranhar a rapidez do processo de impeachment do Presidente Lugo, não deve alimentar o otimismo continental.

Em plena campanha eleitoral, a equipe de Obama (mesmo a Sra. Clinton) caminha com cautela, e não lhe convém tomar atitudes drásticas nestas semanas.

Esta razão os leva a deixar o assunto, neste momento, nas mãos da OEA.

Na verdade, se as autoridades de Washington não ordenaram a operação relâmpago contra Lugo, não há dúvida de que o parlamento paraguaio vem sendo, e há muito, movido pelo controle remoto do Norte.

E é quase certo que, ao agir como agiram, os inimigos de Lugo contavam com o aval norte-americano.

E ainda contam.

Conforme o Wikileaks revelou, a embaixada norte-americana informava a Washington, em março de 2009, que a direita preparava um “golpe democrático” contra Lugo, mediante o parlamento. Infelizmente não sabemos o que a embaixada dos Estados Unidos em Assunção comunicou ao seu governo depois e durante toda a maturação do golpe: Assange e Manning estão fora de ação.

Não é segredo que os falcões ianques sonham com o controle da Tríplice Fronteira. Nãohá, no sul do Hemisfério, ponto mais estratégico do que o que une o Brasil ao Paraguai e à Argentina.

É o ponto central da região mais populosa e mais industrializada da América do Sul, a pouco mais de duas horas de vôo de Buenos Aires, de São Paulo e de Brasília. Isso sem falar nas cataratas do Iguaçu, no Aqüífero Guarani e na Usina de Itaipu.

Por isso mesmo, qualquer coisa que ocorra em Assunção e em Buenos Aires nos interessa, e de muito perto.

Não procede a afirmação de Julio Sanguinetti, o ex-presidente uruguaio, de que estamos intervindo em assuntos internos do Paraguai. É provável que o ex-presidente - que teve um desempenho neoliberal durante seu mandato – esteja, além de ao Brasil e à Argentina, dirigindo suas críticas também a José Mujica, lutador contra a ditadura militar, que o manteve durante 14 anos prisioneiro, e que vem exercendo um governo exemplar de esquerda no Uruguai.

Não houve intervenção nos assuntos internos do Paraguai, mas a reação normal de dois organismos internacionais que se regem por tratados de defesa do estado de direito no continente, o Mercosul e a Unasul – isso sem se falar na OEA, cujo presidente condenou, ad referendum da assembléia, o golpe parlamentar de Assunção. É da norma das relações internacionais a manifestação de desagrado contra decisões de outros países, mediante medidas diplomáticas. Essas medidas podem evoluir, conforme a situação, até a ruptura de relações, sem que haja intervenção nos assuntos internos, nem violação aos princípios da autodeterminação dos povos.

A prudência – mesmo quando os atos internos não ameacem os países vizinhos – manda não reconhecer, de afogadilho, um governo que surge ex-abrupto, em manobra parlamentar de poucas horas. E se trata de sadia providência expressar, de imediato, o desconforto pelo processo de deposição, sem que tenha havido investigação minuciosa dos fatos alegados, e amplo direito de defesa do presidente.

Registre-se o açodamento nada cristão do núncio apostólico em hipotecar solidariedade ao sucessor de Lugo, a ponto de celebrar missa de regozijo no dia de sua posse.

O Vaticano, ao ser o primeiro a reconhecer o novo governo, não agiu como Estado, mas, sim, como sede de uma seita religiosa como outra qualquer.

O bispo é um pecador, é verdade, mas menos pecador do que muitos outros prelados da Igreja. Ele, ao gerar filhos, agiu como um homem comum. Outros foram muito mais adiante nos pecados da carne – sem falar em outros deslizes, da mesma gravidade - e têm sido “compreendidos” e protegidos pela alta hierarquia da Igreja.

O maior pecado de Lugo é o de defender os pobres, de retornar aos postulados da Teologia da Libertação.

Lugo parece decidido a recuperar o seu mandato – que duraria, constitucionalmente, até agosto do próximo ano. Não parece que isso seja fácil, embora não seja improvável. Na realidade, Lugo não conta com a maior parcela da classe média uruguaia, e possivelmente enfrente a hostilidade das forças militares. Os chamados poderes de fato – a começar pela Igreja Católica, que tem um estatuto de privilégios no Paraguai – não assimilaram o bispo e as suas idéias. Em política, no entanto, não convém subestimar os imprevistos.

Os fazendeiros brasileiros que se aproveitaram dos preços relativamente baixos das terras paraguaias e lá se fixaram, não podem colocar os seus interesses econômicos acima dos interesses permanentes da nação. É natural que aspirem a boas relações entre os dois países e que, até mesmo, peçam a Dilma que reconheça o governo. Mas o governo brasileiro não parece disposto a curvar-se diante dessa demanda corporativa dos “brasiguaios”.

No Paraguai se repete uma endemia política continental, sob o regime presidencialista. O povo vota em quem se dispõe a lutar contra as desigualdades e em assegurar a todos a educação, a saúde e a segurança, mediante a força do Estado. Os parlamentos são eleitos por feudos eleitorais dominados por oligarcas, que pretendem, isso sim, manter seus privilégios de fortuna, de classe, de relações familiares. Nós sofremos isso com a rebelião parlamentar, empresarial e militar (com apoio estrangeiro) contra Getúlio, em 1954, que o levou ao suicídio; contra Juscelino, mesmo antes de sua posse, e, em duas ocasiões, durante seu mandato. Todas foram debeladas. A conspiração se repetiu com Jânio, e com Jango – deposto pela aliança golpista civil e militar, patrocinada por Washington, em 1964.

A decisão dos paises do Mercosul de suspender o Paraguai de sua filiação ao Mercosul, e a da Unasul de só reconhecer o governo paraguaio que nasça das novas eleições marcadas para abril, não ferem a soberania do Paraguai, mas expressam um direito de evitar que as duas alianças continentais sejam cúmplices de um golpe contra o estado democrático de direito no país vizinho.

Fonte:
http://www.maurosantayana.com/2012/06/o-golpe-em-assuncao-e-triplice.html

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Economia verde divide a Ásia

28/6/2012 - por Marwaan Macan-Markar, da IPS (Inter Press Service)
extraído do site Envolverde

Bangcoc, Tailândia, 28/6/2012 – A cúpula Rio+20 fez ressaltar o descontentamento de ativistas e de alguns governos da Ásia com os conceitos de “economia verde” e “crescimento verde”, considerados uma fachada para manter um modelo que depreda os recursos naturais.

A Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico (Cespap), agência regional da Organização das Nações Unidas (ONU) integrada por 58 países, é favorável a empregar esses enfoques, mas gigantes como China, Índia, Irã e Rússia são contra.

A economia verde promove transformações nas formas de produção e de consumo para atender as problemáticas ambientais, mediante a inovação tecnológica e atribuindo valor econômico aos bens naturais. Ativistas afirmam que este enfoque só reforça o atual modelo de desenvolvimento, baseado na produção e no consumo excessivos. Esta divergência ficou evidente nos dias finais da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada este mês no Rio de Janeiro.

O embaixador chinês na Tailândia, Guan Mu, publicou no dia 21 uma longa coluna no jornal The Nation, de Bangcoc, destacando a importância do desenvolvimento sustentável, mas evitando sempre usar conceitos como “economia verde” ou “crescimento verde”. “A China não só encontrou o caminho para um desenvolvimento sustentável adequado às suas condições nacionais, como fez importantes contribuições ao desenvolvimento sustentável em todo o mundo”, afirmou. “A China está disposta a fortalecer a cooperação e a unir esforços com outras partes para fazer mais contribuições ao desenvolvimento sustentável global sob o princípio de responsabilidades comuns mas diferenciadas”, destacou.

No dia anterior, em Manila, ativistas liderados pela Kalikasan, uma rede de grupos ambientalistas com sede nas Filipinas, protestaram diante da embaixada dos Estados Unidos contra a economia verde porque “enriquece as corporações”. “Nós, o povo, a quem não permitem falar na Rio+20 e que vemos nossos direitos pisoteados, não nos calaremos”, afirmou durante o protesto a secretária-geral da Asia Pacific Research Network, Lyn Pano. “Fortaleceremos nossas fileiras e lutaremos de forma constante” para rechaçar a economia verde, enfatizou.

Enquanto isso, o discurso da Cespap na Rio+20 sugeria que os países da Ásia e do Pacífico estavam a favor de adotar a economia verde em seus planos. “Estamos satisfeitos pelo fato de as políticas da economia verde serem reconhecidas como uma ferramenta importante para o desenvolvimento sustentável e para a erradicação da pobreza”, afirmou a secretária-executiva da agência, Noeleen Heyzer, durante uma reunião de alto nível.

A pressa das agências da ONU, incluindo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), para adotar as políticas de economia verde ignora temores asiáticos de que “sejam usados para prejudicar o marco aceito de desenvolvimento sustentável”, alertou Shalmali Guttal (foto ao lado), pesquisadora principal do centro de estudos Focus on the Global South, com sede em Bangcoc. “Preocupa que esta seja uma tentativa dos países industrializados, os maiores poluidores do mundo, para imporem o protecionismo verde no mercado internacional”, declarou Guttal à IPS.

As nações em desenvolvimento da Ásia têm uma razão para estarem nervosas, porque este é outro esforço dos países industrializados de evitar os compromissos que assumiram de ajudar as nações do Sul a cumprirem suas metas de desenvolvimento”, ressaltou.

Os órgãos da ONU deveriam ouvir o povo, a que, supõe-se, estão ajudando”, acrescentou.

Os desacordos entre a Cespap e alguns governos da região sobre economia verde já havia ficado evidentes na sexta Conferência Ministerial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Ásia e do Pacífico (MCED-6), realizada no Cazaquistão em outubro de 2010. O comunicado de imprensa final desse encontro teve que ser reformulado. China, Índia, Irã e Rússia objetaram a expressão “economia verde” que tinha um grande destaque no texto e inclusive no título. O comunicado a mencionava como a estratégia apoiada pelos ministros asiáticos. A Cespap foi obrigada a divulgar novo comunicado de imprensa identificando o crescimento verde como “um enfoque (a mais) de desenvolvimento sustentável”.

Para um diplomata asiático em Bangcoc que pediu para não ser identificado, “este é um tema que se tornou polêmico. A partir de então, fiscalizamos a forma com a Cespap emprega os termos crescimento verde e economia verde sem seus documentos”, contou.

No âmbito interno, a maioria dos países contribui para o desenvolvimento de alternativas baixas em carbono e investimentos em tecnologia verde. Contudo, resistimos a sermos pressionados para apoiar a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável”, afirmou o diplomata.

A Cespap estava, de fato, na vanguarda do debate sobre crescimento verde, reconhecendo-o como uma alternativa de desenvolvimento sustentável. O conceito foi promovido na MCED-5, realizada na Coreia do Sul, em 2005. Três anos depois, após a crise financeira de 2008, muitos outros também apoiaram o conceito de economia verde, desde o Pnuma até o Grupo dos 20 países industrializados e emergentes.

Os países asiáticos enfrentam a restrição de recursos, o preço do combustível sobe e isto é um impedimento ao seu desenvolvimento”, afirmou Rae Kwon Chung (foto ao lado), diretor de meio ambiente e desenvolvimento da Cespap. “A pobreza não pode ser erradicada sem se resolver essa falta de recursos. As recentes crises energética e alimentar devem desatar uma grande mudança. Os países em desenvolvimento requerem um sistema energético distinto. A economia verde é uma das estratégias para pôr em prática o desenvolvimentos sustentável”, explicou à IPS.

A necessidade dessa mudança é evidente quando se observa que para produzir um dólar a região consome três vezes mais recursos naturais do que o resto do mundo, segundo informe da Cespap divulgado pouco antes da Rio+20. Muitas economias da Ásia e do Pacífico são importadoras de recursos e matérias-primas e sensíveis às altas de preços. Em 2011, as altas dos alimentos e do petróleo afundaram na pobreza 42 milhões de pessoas, enquanto no ano anterior 19 milhões haviam tido a mesma sorte.

Grandes nações, como China e Índia, e outras menores, como Camboja e Vietnã, são elogiadas no informe por adotarem programas para “reverdecer suas economias”.

No entanto, as maiores economias regionais erguem uma bandeira vermelha quando o crescimento verde é colocado em outro contexto, como uma nova receita internacional e vinculante para o desenvolvimento sustentável do Sul global.

Isto continuará sendo um tema de divisão e as sessões da Cespap vão refletir isso. Alguns governos já disseram basta”, afirmou a fonte diplomática.

Envolverde/IPS
Fonte:
http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/economia-verde-divide-asia/?utm_source=CRM&utm_medium=cpc&utm_campaign=28