segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Quais são essas "vozes" da nova classe média?

27/09/2012 - Paulo Kliass (*)
- extraído do portal Carta Maior

Renda do capital ainda é renda do capital, assim como renda do trabalho continua sendo renda do trabalho.


Por mais que a remuneração mensal dos despossuídos tenha evoluído, o conceito de classes sociais e seus conflitos de interesses continuam valendo para a análise do modo capitalista de produção.
(Paulo Kliass)

A Presidência da República está colocando em marcha uma delicada operação política, que pode trazer conseqüências perigosas para a análise e a compreensão de nossa realidade social e econômica. Tudo começou com o anúncio, por parte da Secretaria de Assuntos Estratégicas (SAE), do lançamento de um novo programa, considerado prioritário no âmbito do governo. Foi batizado com o nome de “As Vozes da Classe Média”.

Em tese, nada demais a chamar atenção, não é mesmo? Afinal, esse tema da classe média tem ocupado as páginas dos grandes jornais de forma crescente, ao longo dos últimos tempos. No entanto, vale a pena chamar a atenção para alguns elementos do entorno desse programa em especial e do simbolismo político envolvido com o fato. O atual titular da SAE é o dirigente do PMDB/RJ, Wellington Moreira Franco, que substituiu o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães desde o início do mandato da Presidenta Dilma. O órgão mais importante de sua pasta, porém, é o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), que era presidido desde 2007 pelo economista Marcio Pochmann, professor da UNICAMP e pesquisador crítico das correntes mais conservadoras dos vários campos das ciências sociais. Sob tais condições, o ministro carioca pouco conseguia influenciar na política interna do instituto.

As mudanças na direção do IPEA: de Pochmann a Neri
Convencido a disputar a prefeitura de Campinas pelo PT, Pochmann pediu demissão do cargo e Dilma optou há poucos dias pela nomeação definitiva de outro economista: Marcelo Neri, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Com esse passo, a avaliação reinante nos corredores do poder é que o conservadorismo tem todas as possibilidades de retornar às áreas dirigentes do IPEA. 

Independentemente de sua competência técnica e suas qualidades profissionais, o novo presidente do órgão representa grupos e correntes ligados à ortodoxia econômica e à ressonância de todo o pensamento neoliberal em solo tupiniquim. Afinal, as posições da FGV são mais do que conhecidas nesse domínio.

O lançamento do novo programa “Vozes da Classe Média” é a perfeita expressão política de mais um movimento de mudança no interior do governo.


Neri é um estudioso da questão da distribuição de renda e coordenou recentemente uma publicação chamada “A nova classe média – o lado brilhante da base da pirâmide”, onde todo o foco reside nessa suposta nova composição de classe social em nossas terras. Do ponto de vista político, o trabalho articulado pelo pesquisador da fundação carioca cai como sopa no mel para os dirigentes políticos governistas. Tanto que a própria Presidenta fez referência pública ao autor, em um evento no Rio de Janeiro, ainda em abril passado, elogiando e recomendando a leitura da obra.

Bingo: o recado político estava dado, para quem quisesse ouvir. Talvez tampouco seja mera coincidência o fato do PT não ter lançado candidato a prefeito no Rio de Janeiro e do governo federal apoiar o peemedebista Eduardo Paes, sempre ao lado do governador Sérgio Cabral, também do PMDB e muito prestigiado pelo núcleo duro de Dilma. O círculo se fecha.


Max Weber
[O Marcelo Neri está muito impressionado com a expansão e a pujança dos micro-negócios nas favelas do Rio onde se instalaram as UPPs – Unidades Policiais Pacificadoras. As barbearias, tinturarias, biroscas, salões de beleza proliferam. (Por que o Cerra, que se apropria de tudo, não disse que as UPPs são dele e instalou uma na Baixada Santista ?)

Neri mora na Lagoa, no Rio – que horror! – e observa, ao lado, as mudanças ocorridas numa favela com UPP. Daqui a pouco, a gente vai descobrir que o Sergio Cabral jogou o Max Weber no lixo. O que estimula mesmo o “Espírito do Capitalismo” não são os chatos dos calvinistas, mas uma boa UPP na favela!

(O Farol de Alexandria adora Max Weber. Ele e uns colonistas da Folha. No Brasil há mais leitores do Max Weber do que em toda a Prússia.) Acordou, o que Neri chama de “capital que estava adormecido”.
(PHA - Conversa Afiada)]

Já Pochmann, havia lançado um livro com interpretação bastante diferente desse oficialismo chapa branca. A Editora Boitempo publicou há pouco a obra “Qual classe média?”, que chama a atenção logo de início pelo ponto de interrogação no próprio título. Como estudioso sério e crítico, o ex-presidente do IPEA lança uma série de indagações a respeito da suposta unanimidade em torno desse “novo” conceito de classe média. E demonstra que não se pode confundir a inegável melhoria nas condições de renda na base da sociedade com a transformação em sua estrutura de classes sociais. Com a devida vênia de nossa Presidenta, eu recomendaria também a leitura do livro de Pochmann.

No entanto, por se tratar de um estudo que não compartilha desse clima de oba-oba ufanista e irresponsável, ele não é tão útil nem funcional para alavancagem da política governamental no varejo e no cotidiano. Afinal, a honestidade intelectual exige alguns “poréns” e algumas observações de reparo metodológico. Xi, lá vem o chato do Paulo Kliass outra vez... Pois é, são os ossos do ofício!

Voices of the poor” e “Vozes da classe média”: do Banco Mundial à SAE
Em sua apresentação oficial, está dito que o programa “Vozes da classe média” pretende servir como parâmetro para a elaboração de políticas públicas pelo governo federal. Talvez não seja por outra simples coincidência que ele tenha recebido esse nome. Na verdade, trata-se de uma quase versão para o português de um conhecido programa do Banco Mundial lançado lá em 2000, na virada do milênio, que é chamado de “Voices of the poor” (Vozes dos pobres).

Era uma tentativa de ouvir e estudar o fenômeno da pobreza ao redor do mundo, incluindo países como Brasil, Etiópia, Índia, Indonésia, Uzbequistão, entre outros. Mas para além desse vício de paternidade, o caminho que o governo pretende adotar agora contém graves equívocos metodológicos.

Como a idéia é sempre elogiar o suposto sucesso da política de melhoria das condições da população da base da pirâmide, entra em marcha um verdadeiro “vale-tudo” no sentido de organizar, rearranjar e espremer os números e os dados estatísticos. O objetivo é oferecer resultados convincentes e belas conclusões. Tudo perfeito e adequado para o recheio do discurso oficial, a ser faturado politicamente.

Parte-se de um fato inegável: ao longo dos últimos anos, a política de transferência de renda (via programas como Bolsa Família) e a política de valorização do salário mínimo foram o carro chefe de uma transformação significativa nas condições da população mais pobre em nosso País. Com elas vieram também a ampliação dos benefícios concedidos pela previdência social, a melhoria das condições no mercado de trabalho e o acesso ao crédito. No entanto, também é amplamente reconhecido que a política econômica desse período continuou a favorecer e beneficiar as camadas mais ricas de nossa sociedade, por meio da política de juros elevadíssimos (que só começou a mudar no último ano), das isenções fiscais, das desonerações tributárias, da ampliação da privatização e toda a sorte de benesses dirigidas ao capital em geral e ao setor financeiro em particular.

Assim, apesar de ter ocorrido uma melhoria na distribuição na base da sociedade, o restrito topo da pirâmide foi ainda muito mais beneficiado. E como os níveis da desigualdade e de concentração são muito elevados, o aspecto significativo seria analisar o que ocorreu com os 0,5% mais ricos na comparação com os 99,5% restantes. Se pegarmos faixas amplas com os 10% ou 20% das famílias com maior renda, estaremos misturando alhos com bugalhos e as conclusões serão, obviamente, apressadas e equivocadas. Isso porque os dados utilizados vêm da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, onde apenas uma pequena amostra do total das famílias responde a um extenso questionário de forma voluntária. Com isso, os domicílios familiares de renda mais elevada tendem a subestimar as informações fornecidas a respeito dos valores e das fontes de seu rendimento efetivo.

Os números do programa e as conclusões equivocadas

De acordo, com o programa “Vozes da classe média”, os limites para fazer parte desse novo recorte de “classe” são os seguintes: de R$ 291 a R$1.091 como renda mensal familiar per capita. Dessa forma, as conclusões são uma maravilha! Mais de 50% da população brasileira estão nesse perfil – um total superior a 100 milhões de pessoas. Então, vamos lá verificar – na realidade concreta da vida real - quem está enquadrado dentro dessa inovadora definição de “nova classe média” e quem já está recebendo uma renda tão elevada que está até acima desse nível, passa a fazer parte das elites, da classe alta.

Consideremos o caso de um jovem casal, sem filhos. Um dos cônjuges recebe um salário mínimo e o outro está desempregado. Sua renda mensal é de R$ 620, o que nos permite concluir uma renda per capita de R$ 310 a cada 30 dias. Imaginemos ainda que seus vizinhos sejam um casal com 2 filhos, onde os pais trabalham e recebem cada um deles salário mínimo também. A renda mensal da família é de R$ 1.240, com uma renda per capita de R$ 310, como no caso anterior. Vejam que ambas as famílias são integrantes da “nova classe média”, pois estão acima do patamar mínimo de R$ 291, o que lhes permitiria a chave de acesso ao paraíso do consumo, segundo as capas das revistas semanais penduradas nas bancas de jornal.

Pouco se fala a respeito da qualidade dos serviços públicos que recebem, como saúde, educação, saneamento, transporte público, etc. O que importa é a renda auferida.

Cabe ao leitor optar: o estabelecimento arbitrário desses valores seria ato de ingenuidade ou de maldade? Afinal, não é lá muito difícil contabilizar os níveis de despesa mensal dessas unidades familiares: o transporte coletivo numa grande cidade; o aluguel de moradia em péssimas condições; as contas de água, luz e telefone celular; o gás para cozinha; as compras de cesta básica e seus complementos; etc. Ora, o retrato é de uma sobrevivência nesse nível básico, que não permite quase nenhuma capacidade de poupança, nem o usufruto das boas condições de vida. Quem teria a coragem de afirmar que esses indivíduos seriam integrantes da “nova classe média”? Em sentido oposto, Pochmann nos oferece uma interessante reflexão a respeito do fenômeno, na apresentação de seu livro:
O adicional de ocupados na base da pirâmide social reforçou o contingente da classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova classe média. Talvez não seja bem um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais.

Por outro lado, tão ou mais impressionantes são as conseqüências da definição casuística do limite superior para o enquadramento em “nova classe média”. Imaginemos outra vez a situação de um casal típico de assalariados, com um filho. Ele acabou de conseguir um emprego numa empresa automobilística no ABC e recebe o piso da categoria. Ela é empregada de um banco e também recebe o piso salarial assegurado pelos acordos dos sindicatos com a FENABAN. A renda mensal do trio familiar supera R$ 3.300, com um equivalente per capita superior aos R$ 1.091 do programa oficial do governo. Dessa forma, a conclusão é assustadora: pasmem, mas essa família de trabalhadores não seria mais integrante da “nova classe média”. Em função dessa “estupenda” remuneração mensal, eles já teriam sido alçados à condição da elite, fazem parte das classes altas da sociedade brasileira! Uma loucura, para dizer o mínimo!

Trabalhadores ou classe média?
As políticas desenvolvidas ao longo da última década contribuíram para a melhoria das condições de vida da maioria da população. No entanto, o elevado grau de desigualdade social e econômica nos coloca ainda entre os países mais injustos do planeta.

Assim, não se “acaba com a pobreza” da noite para o dia, apenas com uma canetada, estabelecendo um limite arbitrário de renda de forma injustificada. O caminho é longo e passa pelo aprofundamento das políticas de distribuição de renda. Não será por força dos limites quantitativos constantes de um eventual Decreto que o Brasil amanhecerá menos pobre ou menos injusto.

Reconhecer as significativas transformações ocorridas com a população de menor renda em nosso País ao longo dos últimos 10 anos não nos permite tentar avançar na deturpação dos dados da realidade. Não se pode ser conivente com a utilização política e eleitoral de informações aviesadas, com o fim exclusivo de propiciar análises encomendadas para usufruto do governo de plantão.


Renda do capital ainda é renda do capital, assim como renda do trabalho continua sendo renda trabalho.

Por mais que a remuneração mensal dos despossuídos tenha evoluído, o conceito de classes sociais e seus conflitos de interesses continuam valendo para a análise do modo capitalista de produção.

(*) Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5788

domingo, 30 de setembro de 2012

O Veredicto da História

28/09/2012 - Mauro Santayana em seu blog

Cabe aos tribunais julgar os atos humanos admitidos previamente como criminosos.

Cabe aos cidadãos, nos regimes republicanos e democráticos, julgar os homens públicos, mediante o voto.

Não é fácil separar os dois juízos, quando sabemos que os julgadores são seres humanos e também cidadãos, e, assim, podem ser contaminados pelas paixões ideológicas ou partidárias – isso, sem falar na inevitável posição de classe.

Dessa forma, por mais empenhados sejam em buscar a verdade, os juízes estão sujeitos ao erro.

O magistrado perfeito, se existisse, teria que encabrestar a própria consciência, impondo-lhe sujeitar-se à ditadura das provas.

Mesmo assim, como a literatura jurídica registra, as provas circunstanciais costumam ser tão frágeis quanto as testemunhais, e erros judiciários terríveis se cometem, muitos deles levando inocentes à fogueira, à forca, à cadeira elétrica. 

Estamos assistindo a uma confusão perigosa no caso da Ação 470, que deveria ser vista como qualquer outra. Há o deliberado interesse de transformar o julgamento de alguns réus, cada um deles responsável pelo seu próprio delito – se delito houve – no julgamento de um partido, de um governo e de um homem público.

Não é a primeira vez que isso ocorre em nosso país. O caso mais clamoroso foi o de Vargas em 1954 – e a analogia procede, apesar da reação de muitos, que não viveram aqueles dias dramáticos, como este colunista viveu. Ainda que as versões sobre o atentado contra Lacerda capenguem no charco da dúvida, a orquestração dos meios de comunicação conservadores, alimentada por recursos forâneos – como documentos posteriores demonstraram – se concentrou em culpar o presidente Vargas.

Quando recordamos os fatos – que se repetiram em 1964, contra Jango – e vamos um pouco além das aparências, comprova-se que não era a cabeça de Vargas que os conspiradores estrangeiros e seus sequazes nacionais queriam. Eles queriam, como antes e depois, cortar as pernas do Brasil. Em 1954, era-lhes crucial impedir a concretização do projeto nacional do político missioneiro – que um de seus contemporâneos, conforme registra o mais recente biógrafo de Vargas, Lira Neto, considerava o mais mineiro dos gaúchos. Vargas, que sempre pensou com argúcia, e teve a razão nacional como o próprio sentido de viver, só encontrou uma forma de vencer os adversários, a de denunciar, com o suicídio, o complô contra o Brasil.

Os golpistas, que se instalaram no Catete com a figura minúscula de Café Filho, continuaram insistindo, mas foram outra vez derrotados em 11 de novembro de 1955. Hábil articulação entre Jango, Oswaldo Aranha e Tancredo, ainda nas ruas de São Borja, depois do sepultamento de Vargas, levara ao lançamento imediato da candidatura de Juscelino, preenchendo assim o vácuo de expectativa de poder que os conspiradores pró-ianques pretendiam ocupar. Juscelino não era Vargas, e mesmo que tivesse a mesma alma, não era assistido pelas mesmas circunstâncias e teve, como todos sabemos, que negociar. E deu outro passo efetivo na construção nacional do Brasil.

Os anos sessenta foram desastrosos para toda a América Latina. Em nosso caso, além do cerco norte-americano ao continente, agravado pelo espantalho da Revolução Cubana (que não seria ameaça alguma, se os ianques não houvessem sido tão açodados), tivemos um presidente paranoico  com ímpetos bonapartistas, mas sem a espada nem a inteligência de Napoleão, Jânio Quadros. Hoje está claro que seu gesto de 25 de agosto de 1961, por mais pensado tenha sido, não passou de delírio psicótico. A paranoia (razão lateral, segundo a etimologia), de acordo com os grandes psiquiatras, é a lucidez apodrecida. 

Admitamos que Jango não teve o pulso que a ocasião reclamava. Ele poderia ter governado com o estado de sítio, como fizera Bernardes. Jango, no entanto, não contava – como contava o presidente de então – com a aquiescência de maioria parlamentar, nem com a feroz vigilância de seu conterrâneo, o Procurador Criminal da República, que se tornaria, depois, o exemplo do grande advogado e defensor dos direitos do fraco, o jurista Heráclito Sobral Pinto.

Jango era um homem bom, acossado à direita pelos golpistas de sempre, e à esquerda pelo radicalismo infantil de alguns, estimulado pelos agentes provocadores. Tal como Vargas, ele temia que uma guerra civil levasse à intervenção militar estrangeira e ao esquartejamento do país. 

Vozes sensatas do Brasil, começam a levantar-se contra a nova orquestração da direita, e na advertência necessária aos ministros do STF. Com todo o respeito à independência e ao saber dos membros do mais alto tribunal da República, é preciso que o braço da justiça não vá alem do perímetro de suas atribuições.

É um risco terrível admitir a velha doutrina (que pode ser encontrada já em Dante em seu ensaio sobre a monarquia) do domínio do fato. É claro que, ao admitir-se que José Dirceu tinha o domínio do fato, como chefe da Casa Civil, o próximo passo é encontrar quem, sobre ele, exercia domínio maior. Mas, nesse caso, e com o apelo surrado ao data venia, teremos que chamar o povo ao banco dos réus: ao eleger Lula por duas vezes, os brasileiros assumiram o domínio do fato. 

Os meios de comunicação sofrem dois desvios à sua missão histórica de informar e formar opinião. Uma delas é a de seus acionistas, sobretudo depois que os jornais se tornaram empresas modernas e competitivas, e outra a dos próprios jornalistas. A profissão tem o seu charme, e muitos de nossos colegas se deixam seduzir pelo convívio com os poderosos e, naturalmente, pelos seus interesses. 

O poder executivo, o parlamento e o poder judiciário estão sujeitos aos erros, à vaidade de seus titulares, aos preconceitos de classe e, em alguns casos, raros, mas inevitáveis, ao insistente, embora dissimulado, racismo residual da sociedade brasileira.

Lula, ao impor-se à vida política nacional, despertou a reação de classe dos abastados e o preconceito intelectual de alguns acadêmicos sôfregos em busca do poder.


Ele cometeu erros, mas muito menos graves e danosos ao país do que os de seu antecessor. Os saldos de seu governo estão à vista de todos, com a diminuição da desigualdade secular, a presença brasileira no mundo e o retorno do sentimento de auto-estima do brasileiro, registrado nos governos de Vargas e de Juscelino.

É isso que ficará na História. O resto não passará de uma nota de pé de página, se merecer tanto. 


Fonte:
http://www.maurosantayana.com/2012/09/o-veredicto-da-historia.html

sábado, 29 de setembro de 2012

A reação entreguista interna ao pronunciamento de Dilma na ONU


26/09/2012 - J. Carlos de Assis (*) - Carta Maior


É repulsiva a tentativa dos dois principais comentaristas de noticiários da Globo, Carlos Sardenberg, na economia, e Arnaldo Jabor, na política, de enxovalhar cada um dos pronunciamentos da Presidenta Dilma Roussef, inclusive o recente discurso na ONU.

Sabemos que eles falam para um público muito específico, os inconformados com o exercício do poder pelo PT, mas se tratando de um órgão de comunicação de massa era de se esperar algum pudor, mesmo porque a esmagadora maioria da opinião pública apoia Dilma.


Jabor não me incomoda muito: é um retórico vulgar mais obcecado pelo efeito das palavras do que pelo seu significado. Ouvindo-o, temos a sensação de que o que está errado com a política externa brasileira é não declararmos logo guerra ao Irã.

Sardenberg é mais insidioso. Manipula a ideologia econômica de um jeito maneiroso, próprio de todo difusor ideológico, que transforma as vítimas das políticas econômicas regressivas em culpados, recobrindo muito manhosamente a responsabilidade dos ricos.

Para entender a extensão na qual Sardenberg, como homem de frente da Globo, faz o jogo entreguista cumpre entender alguns elementos básicos de economia política que ele deliberadamente omite em seus comentários.

Não existe uma receita única contra a recessão e a depressão econômica. Há um conjunto delas.

Três são bem conhecidas: a política cambial, a política monetária e a política fiscal.

Todas visam ao mesmo objetivo: recuperar a demanda interna, favorecer o investimento e estimular o emprego, gerando um círculo virtuoso de crescimento.


Contudo, essas políticas não são neutras do ponto de vista distributivo.


A política fiscal certamente favorece a distribuição da riqueza e da renda, sobretudo quando o gasto público é financiado por aumento da dívida e aplicado em setores de interesse social. Sim, porque se o gasto público, numa recessão, for financiado por receita fiscal, estamos diante de um jogo de soma zero: tiram-se recursos do setor privado que são repassados ao setor público e que por sua vez voltam ao setor privado, sem gerar necessariamente aumento líquido da demanda agregada.

A política monetária é concentradora de renda. Sim, porque quando os bancos centrais emitem dinheiro e o tornam disponível para os bancos privados, a custo baixo, os favorecidos são os tomadores últimos dos recursos – sem falar nos intermediários bancários -, que só têm acesso a esse dinheiro se ofereceram garantias para seus empréstimos. Quem pode oferecer garantias senão os que têm renda alta e patrimônio? Por certo alguns consumidores se beneficiarão do crédito mais barato, mas trata-se de uma proporção pequena da economia. Em qualquer hipótese, pagarão juros aos bancos, concentrando renda.

A política cambial geralmente adotada na recessão é a desvalorização da moeda nacional de forma a estimular as exportações. É o que os Estados Unidos estão fazendo. O pressuposto é que o aumento das exportações leva ao aumento da atividade econômica interna e do emprego, gerando, também aqui, um efeito virtuoso de retomada de crescimento. O Japão tem procurado desvalorizar a sua moeda e a Europa provavelmente seguirá o mesmo caminho, pelo menos enquanto não mudar sua política econômica, o que é muito pouco provável a curto e médio prazos, por razões basicamente políticas.


Agora, vejamos o discurso de Dilma na ONU

Veja aqui: Discurso da Dilma na 67ª Assembleia Geral da ONU

Ela criticou duramente a política do Fed, banco central americano, por inundar o mercado de dinheiro e forçar a desvalorização do dólar.

Ben Bernanke do Fed
Sardenberg se apressou a apoiar a posição americana contra Dilma.


Paul Krugman, Nobel de Economia
Recorreu a uma citação de Paul Krugman, um dos mais notáveis economistas americanos, segundo o qual, nas suas palavras, a posição da Presidente não se justificava por se tratar de uma iniciativa do Governo americano de fazer retomar a economia do país.


Bem, essa citação de Krugman é falsa, ou ao menos incompleta. O que Krugman diz é o seguinte: numa recessão, deve-se adotar, de preferência, uma política fiscal expansiva. Na falta dela, deve-se apoiar a iniciativa monetária como último recurso.


Assim, traduzindo em miúdos, o recado que a Presidenta deu na ONU foi o seguinte: vocês, os países ricos, estão mergulhando o mundo no caos econômico e financeiro por se recusarem a fazer políticas fiscais expansivas.

E como seu sistema político incompetente não é capaz de gerar essas políticas, nos impõem políticas regressivas no campo monetário.

Desculpem, mas não temos alternativa a não ser levantar barreiras comerciais contra os seus produtos, na medida em que suas políticas monetárias e cambiais, desvalorizando suas moedas, pretendem inundar nossos mercados de manufaturados, liquidando nosso parque produtivo.

Não aceitaremos isso. O nosso dever é proteger nosso mercado de trabalho.


(*) Economista e professor de Economia Internacional na UEPB, autor de vários livros sobre economia política brasileira e de “A Razão de Deus”, recém-lançado pela Editora Civilização Brasileira.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20983