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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

AS RESERVAS E O BNDES



Por Mauro Santayana*


(JB) - Depois de terem sido apanhadas de calças na mão pelas crises internacionais, as agências de qualificação voltam de novo sua nefasta atenção para o Brasil, desta vez para defender o enfraquecimento e o desmonte do sistema de financiamento público.

E o nosso país, que deveria tratá-las como aos cães que ladram, enquanto a caravana passa, parece que vai  ceder à chantagem, e tolher a concorrência entre bancos públicos e privados, diminuindo a  o papel dos primeiros na expansão do crédito pessoal e de capital de giro – providência que nos salvou, desde o início da crise, em 2008, até agora.

Como na fábula do lobo e do cordeiro – para a imprensa financeira e os arautos do capitalismo internacional - o país tem que estar indo sempre mal em alguma coisa.

Se não estamos negativos no crescimento, que será de 2.5%  em 2013, mais de duas vezes maior que o do México - o aluno espionado, adulador e obediente do Consenso de Washington - talvez o problema seja com a inflação.

Mas como a inflação desceu para menos de 6% nos últimos 12 meses, e o tomate não chegou a vinte dólares o quilo, como esperavam os “analistas”, o vilão da vez é a dívida bruta, que, no conceito do FMI, está em 68%, e que o governo diz estar em 58% - se descontarmos os títulos que estão em posse do tesouro.

O FMI e as agências falam da dívida bruta, mas se esquecem da dívida líquida, que é de apenas 34%, subtraídos os 375 bilhões de dólares que o país tem em reservas, a maior parte deles em títulos dos EUA, o que nos torna o terceiro maior credor individual dos norte-americanos.

Para evitar que o Brasil fugisse da restrição ao crédito imposta pelos bancos privados no auge da crise de 2008, o governo expandiu em 7% a dívida bruta, e essa é a principal razão, para que ela tenha se transformado agora, na bola da vez, para as agências internacionais.

Essa é a principal causa de as agências internacionais terem rebaixado a perspectiva – vejam bem, por enquanto, apenas a perspectiva - da qualidade da dívida soberana do Brasil, de positiva para “estável” nas últimas semanas.

Bem, o Brasil continua com grau de investimento – e não está na situação dos EUA, com a maior dívida do mundo, a ponto de paralisar, por falta de dinheiro, todo o setor público, daqui a uma semana, se não conseguir licença para assinar novos “papagaios” e aumentar o orçamento federal.

No entanto, neste como em outros embates, principalmente na economia, o governo – pressionado pelo Congresso, pela mídia conservadora, a Europa e os EUA, que desejam impedir o surgimento de um novo concorrente no plano geopolítico – prepara-se, mais uma vez, para reagir mal, aos trancos e barrancos, adotando um comportamento errático e hesitante, ditado muito mais pela pauta dos adversários, do que por um projeto próprio e coerente de país.

É isso que ocorre, por exemplo, na área de telecomunicações, sob quase total domínio do capital estrangeiro desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Uma situação que nos leva a pagar, segundo a última pesquisa da União Geral de Telecomunicações, divulgada nesta semana, as mais altas tarifas de telefonia celular do mundo. Preços várias vezes superiores aos que cobram as operadoras estrangeiras, de seus concidadãos, em seus países de origem, pelos mesmos serviços. Sem quase nenhuma atitude do governo, a não ser a de providenciar financiamento farto e barato, e isenção de obrigações e impostos, para multinacionais que enviam bilhões de dólares para o exterior todos os anos - a não ser o recuo em uma frustrada tentativa de retorno da Telebras, como operadora plena, ao mercado, para a prestação de serviços diretos ao consumidor.

Com regras claras, voltadas para a montagem de consórcios com participação privada nacional, estatal e estrangeira, em bases iguais, também na infra-estrutura, o dinheiro injetado em nosso principal banco de fomento poderia ter gerado resultados muito melhores na economia desde a crise de 2008.

No lugar disso, o que vimos, nos últimos anos, foi o BNDES financiando, às vezes, 60%, até 80% do montante de projetos para empresas que, em vez de reinvesti-los aqui mesmo, enviam a maior parte de seus lucros para o exterior.

Isso ocorreu no setor de telecomunicações, mas também na indústria automobilística. Não se negociou qualquer participação direta do governo nas novas fábricas de automóveis construídas com quase 100% de dinheiro do BNDES e generosa isenção fiscal, para que ao menos parte dos ganhos auferidos com o boom de vendas, gerado pela diminuição do IPI, ficasse no país.

Não se negociou mudanças nas novas fábricas e em novos modelos, que contemplassem exigências de eficiência energética, diminuindo a necessidade de importação de combustível estrangeiro que aumentou com a expansão da frota. Aplicou-se dinheiro que poderia ter sido investido no subsídio à produção local de etanol, em projetos megalomaníacos, como os do Senhor Eike Batista, por exemplo.

O governo precisa perder o medo pânico de investir diretamente em atividades estruturais e produtivas que são estratégicas para o país. Quando não for possível estabelecer um equilíbrio entre capital privado nacional, capital estatal, capital estrangeiro, por eventual falta de interesse privado, que se busque associação direta com estatais de outros países, como a China, na base de 51% para o Brasil e 49% para o parceiro internacional.

O governo não deveria ter se endividado para colocar dinheiro na economia sem a contrapartida de aporte de recursos por parte de quem domina e se beneficia do negócio, principalmente, quando se trata de estrangeiros. Nessa parceria, que lembra a famosa joint-venture dos porcos com as galinhas, as multinacionais entram costumeiramente com os ovos, e o estado brasileiro, via BNDES, com o bacon.

Quem busca financiamento público precisa colocar em cima da mesa pelo menos um real, ou um dólar – vindo de seu próprio bolso ou de fonte de financiamento interna ou externa - para cada real, ou dólar, colocado pelo governo, senão nunca poderemos sair do baixíssimo patamar de investimento no qual nos encontramos.

Pois bem, agora, pressionado pela ameaça de rebaixamento  da nota do país pelas agências internacionais, o governo pretende, para se livrar do problema, jogar a criança fora junto com a água da bacia.

No lugar de aprofundar e corrigir o papel do financiamento estatal, estabelecendo rumos, previsíveis, racionais, para os próximos anos, que levem à otimização da aplicação de recursos na economia, o governo cogita diminuir a participação dos bancos públicos no sistema financeiro e restringir o crédito para o consumo e o capital de giro, e os bancos privados declararam que não têm interesse em cobrir essa demanda.

E, mais, para assegurar os compromissos de financiamento do BNDES até o fim do ano, da ordem de 30 bilhões de reais, o governo fala em vender açodadamente sua participação em  empresas – algumas delas estratégicas – em um momento em que essas ações - que foram responsáveis por metade do lucro do banco nos últimos anos – estão, por causa da desvalorização da bolsa, com seus preços muito abaixo de seu valor real.

Alternativas a esse recuo existem, assim como recursos para continuar com o financiamento público, sem vender os ativos da BNDESpar. Até ontem o Brasil dispunha, - segundo o site do Banco Central - de 375.951 bilhões de dólares em reservas internacionais. Destes, aproximadamente 240 bilhões estão aplicados em títulos do tesouro norte-americano, o que aponta para um risco, nada desprezível, de se tomar um gigantesco calote, caso o governo e o congresso não cheguem a um acordo sobre o orçamento e o novo teto da dívida pública dos EUA.

Esse dinheiro, hoje aplicado a menos de dois por cento ao ano, poderia dar melhor retorno, se uma décima parte dele fosse aplicada, paulatinamente, via BNDES e outros bancos públicos, na expansão de nossa economia, sem necessidade – já que essa é a “preocupação” das agências internacionais de risco - de novos aportes do tesouro ou do aumento da dívida bruta.

No lugar de ficar tirando, a cada momento, coelhos da cartola, para driblar as cascas de banana lançadas pelos seus adversários, o governo precisa de um projeto claro de governo, defensável e fácil de ser explicado e entendido pelos outros entes e poderes da República e a opinião pública nacional e internacional.


Ou o PT corrige seu rumo, ou corre o risco de tomar outro rumo a partir do ano que vem.
Postado por Mauro Santayana às 05:00  AS RESERVAS E O BNDES



(JB) - Depois de terem sido apanhadas de calças na mão pelas crises internacionais, as agências de qualificação voltam de novo sua nefasta atenção para o Brasil, desta vez para defender o enfraquecimento e o desmonte do sistema de financiamento público.

E o nosso país, que deveria tratá-las como aos cães que ladram, enquanto a caravana passa, parece que vai  ceder à chantagem, e tolher a concorrência entre bancos públicos e privados, diminuindo a  o papel dos primeiros na expansão do crédito pessoal e de capital de giro – providência que nos salvou, desde o início da crise, em 2008, até agora.

Como na fábula do lobo e do cordeiro – para a imprensa financeira e os arautos do capitalismo internacional - o país tem que estar indo sempre mal em alguma coisa.

Se não estamos negativos no crescimento, que será de 2.5%  em 2013, mais de duas vezes maior que o do México - o aluno espionado, adulador e obediente do Consenso de Washington - talvez o problema seja com a inflação.

Mas como a inflação desceu para menos de 6% nos últimos 12 meses, e o tomate não chegou a vinte dólares o quilo, como esperavam os “analistas”, o vilão da vez é a dívida bruta, que, no conceito do FMI, está em 68%, e que o governo diz estar em 58% - se descontarmos os títulos que estão em posse do tesouro.

O FMI e as agências falam da dívida bruta, mas se esquecem da dívida líquida, que é de apenas 34%, subtraídos os 375 bilhões de dólares que o país tem em reservas, a maior parte deles em títulos dos EUA, o que nos torna o terceiro maior credor individual dos norte-americanos.

Para evitar que o Brasil fugisse da restrição ao crédito imposta pelos bancos privados no auge da crise de 2008, o governo expandiu em 7% a dívida bruta, e essa é a principal razão, para que ela tenha se transformado agora, na bola da vez, para as agências internacionais.

Essa é a principal causa de as agências internacionais terem rebaixado a perspectiva – vejam bem, por enquanto, apenas a perspectiva - da qualidade da dívida soberana do Brasil, de positiva para “estável” nas últimas semanas.

Bem, o Brasil continua com grau de investimento – e não está na situação dos EUA, com a maior dívida do mundo, a ponto de paralisar, por falta de dinheiro, todo o setor público, daqui a uma semana, se não conseguir licença para assinar novos “papagaios” e aumentar o orçamento federal.

No entanto, neste como em outros embates, principalmente na economia, o governo – pressionado pelo Congresso, pela mídia conservadora, a Europa e os EUA, que desejam impedir o surgimento de um novo concorrente no plano geopolítico – prepara-se, mais uma vez, para reagir mal, aos trancos e barrancos, adotando um comportamento errático e hesitante, ditado muito mais pela pauta dos adversários, do que por um projeto próprio e coerente de país.

É isso que ocorre, por exemplo, na área de telecomunicações, sob quase total domínio do capital estrangeiro desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Uma situação que nos leva a pagar, segundo a última pesquisa da União Geral de Telecomunicações, divulgada nesta semana, as mais altas tarifas de telefonia celular do mundo. Preços várias vezes superiores aos que cobram as operadoras estrangeiras, de seus concidadãos, em seus países de origem, pelos mesmos serviços. Sem quase nenhuma atitude do governo, a não ser a de providenciar financiamento farto e barato, e isenção de obrigações e impostos, para multinacionais que enviam bilhões de dólares para o exterior todos os anos - a não ser o recuo em uma frustrada tentativa de retorno da Telebras, como operadora plena, ao mercado, para a prestação de serviços diretos ao consumidor.

Com regras claras, voltadas para a montagem de consórcios com participação privada nacional, estatal e estrangeira, em bases iguais, também na infra-estrutura, o dinheiro injetado em nosso principal banco de fomento poderia ter gerado resultados muito melhores na economia desde a crise de 2008.

No lugar disso, o que vimos, nos últimos anos, foi o BNDES financiando, às vezes, 60%, até 80% do montante de projetos para empresas que, em vez de reinvesti-los aqui mesmo, enviam a maior parte de seus lucros para o exterior.

Isso ocorreu no setor de telecomunicações, mas também na indústria automobilística. Não se negociou qualquer participação direta do governo nas novas fábricas de automóveis construídas com quase 100% de dinheiro do BNDES e generosa isenção fiscal, para que ao menos parte dos ganhos auferidos com o boom de vendas, gerado pela diminuição do IPI, ficasse no país.

Não se negociou mudanças nas novas fábricas e em novos modelos, que contemplassem exigências de eficiência energética, diminuindo a necessidade de importação de combustível estrangeiro que aumentou com a expansão da frota. Aplicou-se dinheiro que poderia ter sido investido no subsídio à produção local de etanol, em projetos megalomaníacos, como os do Senhor Eike Batista, por exemplo.

O governo precisa perder o medo pânico de investir diretamente em atividades estruturais e produtivas que são estratégicas para o país. Quando não for possível estabelecer um equilíbrio entre capital privado nacional, capital estatal, capital estrangeiro, por eventual falta de interesse privado, que se busque associação direta com estatais de outros países, como a China, na base de 51% para o Brasil e 49% para o parceiro internacional.

O governo não deveria ter se endividado para colocar dinheiro na economia sem a contrapartida de aporte de recursos por parte de quem domina e se beneficia do negócio, principalmente, quando se trata de estrangeiros. Nessa parceria, que lembra a famosa joint-venture dos porcos com as galinhas, as multinacionais entram costumeiramente com os ovos, e o estado brasileiro, via BNDES, com o bacon.

Quem busca financiamento público precisa colocar em cima da mesa pelo menos um real, ou um dólar – vindo de seu próprio bolso ou de fonte de financiamento interna ou externa - para cada real, ou dólar, colocado pelo governo, senão nunca poderemos sair do baixíssimo patamar de investimento no qual nos encontramos.

Pois bem, agora, pressionado pela ameaça de rebaixamento  da nota do país pelas agências internacionais, o governo pretende, para se livrar do problema, jogar a criança fora junto com a água da bacia.

No lugar de aprofundar e corrigir o papel do financiamento estatal, estabelecendo rumos, previsíveis, racionais, para os próximos anos, que levem à otimização da aplicação de recursos na economia, o governo cogita diminuir a participação dos bancos públicos no sistema financeiro e restringir o crédito para o consumo e o capital de giro, e os bancos privados declararam que não têm interesse em cobrir essa demanda.

E, mais, para assegurar os compromissos de financiamento do BNDES até o fim do ano, da ordem de 30 bilhões de reais, o governo fala em vender açodadamente sua participação em  empresas – algumas delas estratégicas – em um momento em que essas ações - que foram responsáveis por metade do lucro do banco nos últimos anos – estão, por causa da desvalorização da bolsa, com seus preços muito abaixo de seu valor real.

Alternativas a esse recuo existem, assim como recursos para continuar com o financiamento público, sem vender os ativos da BNDESpar. Até ontem o Brasil dispunha, - segundo o site do Banco Central - de 375.951 bilhões de dólares em reservas internacionais. Destes, aproximadamente 240 bilhões estão aplicados em títulos do tesouro norte-americano, o que aponta para um risco, nada desprezível, de se tomar um gigantesco calote, caso o governo e o congresso não cheguem a um acordo sobre o orçamento e o novo teto da dívida pública dos EUA.

Esse dinheiro, hoje aplicado a menos de dois por cento ao ano, poderia dar melhor retorno, se uma décima parte dele fosse aplicada, paulatinamente, via BNDES e outros bancos públicos, na expansão de nossa economia, sem necessidade – já que essa é a “preocupação” das agências internacionais de risco - de novos aportes do tesouro ou do aumento da dívida bruta.

No lugar de ficar tirando, a cada momento, coelhos da cartola, para driblar as cascas de banana lançadas pelos seus adversários, o governo precisa de um projeto claro de governo, defensável e fácil de ser explicado e entendido pelos outros entes e poderes da República e a opinião pública nacional e internacional.


Ou o PT corrige seu rumo, ou corre o risco de tomar outro rumo a partir do ano que vem.


*Fonte:http://www.maurosantayana.com/2013/10/as-reservas-e-o-bndes.html

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Feliz Ano Novo: Lula reabre o calendário das ruas

20/12/2012 - Saul Leblon em seu Blog das Frases
- Carta Maior



[Há um ano, quando Lula completava seu primeiro ano fora do governo, destacamos aqui em  "Lula e um canto de um herói", alguns dos momentos e seus significados, quando  de sua passagem pelo Planalto. 

Decorridos mais 365 dias, nosso olhar se desliga agora do passado e se volta para o futuro, apresentando-lhes este texto. Como o autor, desejamos aos leitores uma boa leitura e um FELIZ ANO-NOVO.
(Equipe Educom)

Recorrente, como um soluço no imaginário social, o milenarismo não contagia apenas mentes ingênuas e visões de mundo primitivas.

Autoridades e forças políticas muitas vezes se comportam também como peças de uma inexorável mecânica de desfecho datado e irreversível.

O milenarismo tem origem numa contabilidade religiosa fatídica: um milênio sob Cristo; depois, o Diabo.

Às vezes o fatalismo pega carona em 'sinais' correlatos, como agora. Interpretações apocalípticas, ou apenas oportunistas, anunciaram o fim do mundo neste dia 21 de dezembro de 2012, ao término do 13º giro, de 393 anos cada, do calendário maia.

Na concepção religiosa original um círculo iniciado há milhares de anos se fecha. Reabre-se um novo.

Para o milenarismo ligeiro é o apocalipse, o fim, a tragédia. Contra ela não há apelação. É esperar e sucumbir.

A concepção da história como um destino que caminha para o esgotamento, um fio de azeite sugado no miolo do pão, ressurge não raro quando massas de força de aparência incontrolável conduzem a humanidade a um horizonte engessado, como que desprovido da dialética.

A crise sistêmica do capitalismo, blindada desde 2008 pelo poder de persuasão do seu aparato ideológico, encerra certo incentivo ao desespero milenarista.

A percepção do matadouro existe; seus contornos se estreitam. Alternativas são desautorizadas. O velho aparato interdita a busca de novos caminhos.

Instituições são capturadas pela crise; a sociedade é destituída das suas salvaguardas. Governantes mugem como gado no rumo do abate. Pode ser no próximo ajuste. Ou nas urnas.

Seria preciso reformar as instituições democráticas para enfrentar a abrangência e a profundidade de uma crise como a atual.

O dispositivo midiático cuida de interditar esse debate. E toma a lição de casa a cada dia. No café da manhã, à tarde e na sabatina da noite.


Como discutir novos caminhos e repactuar consensos se o espaço da liberdade de expressão foi congestionado pelo monólogo da reiteração conservadora?

A pergunta argui o milenarismo de governos que aceitam as limitações institucionais com a mesma fatalidade dos que aguardam o apocalipse no fecho do círculo maia.

A economia brasileira é parte indissociável dessa paralisia mundial.

A travessia iniciada em 2008 avançou do arcabouço neoliberal para um modelo de desenvolvimento em que o comando do Estado subtraiu algum espaço à supremacia financeira asfixiante.

A redução de cinco pontos nas taxas de juros em 12 meses abalou o chão firme do dinheiro grosso.

Hoje ele anda em círculos diante da encruzilhada: ou derruba o governo e sobe a Selic; ou comete a eutanásia do rentista e se transfigura em capital produtivo, como aconselhava Keynes, que não era um bolchevique.

A supremacia financeira uiva, ruge e manda recados, em idioma local e forâneo. Fica bem pedir a cabeça de Mantega em inglês. Ou elogiar o sultanato do judiciário incentivando prisões de petistas antes do Natal.

O fim de 2012 marca a intersecção dessas travessias e impasses.

A redução imposta às taxas de juros dará ao Estado brasileiro uma folga da ordem de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões em 2013. Dinheiro subtraído ao rentismo à disposição do investimento público.

O governo poderá destiná-lo a desonerações fiscais e a investimentos em infraestrutura. Poderá beneficiar as condições de vida da população e a engrenagem da produção.

O governo Dilma só não pode desmoralizar o comando estatal das finanças com dinheiro parado no cofre.

Os anos 90 criaram no Brasil um monumento neoliberal.
Um Estado feito para não funcionar.

Uma engrenagem desprovida de agilidade, sem quadros de ponta capaz de ativa-la, necrosada na capacidade de planejamento, corroída na gestão operacional; drenada pelo rentismo; sem fundos públicos suficientes e carente de legitimidade política.

Muita coisa mudou para melhor em 10 anos de gestão petista - sobretudo na esfera das políticas sociais.

Mas a joia do legado tucano não foi superada, está longe de sê-lo e se engana quem pretender que o seja apenas com o lubrificante da boa gestão -indispensável, mas insuficiente.

Criou-se neste país um Estado anti-estatal. Um aparato esquizofrênico que se acanha de si mesmo, fatiado em normas labirínticas que exaurem o impulso do desenvolvimento em vez de alimenta-lo.

O que trava o passo seguinte da economia hoje no Brasil não é a falta de recurso, mas a falta de poder de comando do Estado.

O milenarismo economicista deduz daí que não há alternativa à restauração privatista.

O fato, porém, é que sob a névoa da maior crise do capitalismo em 80 anos, a iniciativa privada não vai a lugar nenhum sem a indução estatal do comboio.

Desobstruir o Estado - despi-lo dos torniquetes neoliberais - seria encrespar ainda mais o embate político num calendário já congestionado pela largada eleitoral de 2014, argumenta-se.

A essa altura pode ser verdade. Mas à contabilidade dos interditos vem somar-se as operações conjuntas - bem sucedidas - das togas, da mídia e demais interesses contrariados nessa transição. O espaço se estreita de forma exasperante.

É esse o objetivo conservador.

A areia da ampulheta empurra o país para o escrutínio político dos conflitos.

2013 será um longo e sanguinário ensaio de 2014.

Insistir na inércia fatalista é quase um contrato de pronta-entrega da cabeça ao matadouro.

A opção à paralisia converge cada vez mais para quatro letras que romperam seu ostracismo no vocabulário do PT e de ministros próximos a Lula nos últimos dias: ruas.

Coube ao ex-presidente da República nesta quarta-feira - às vésperas do 'fatídico' 21-12-2012 - dar a esse resgate vernacular a dimensão de um compromisso que reabre o calendário das ruas na história brasileira.

Em discurso no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Lula anunciou um novo ciclo ciclo de mobilizações, cujo esgotamento havia sido perigosamente incorporado à visão fatalista da crise dentro e fora do governo.

De volta à estrada, Lula despacha o Ano Velho e anuncia a pauta do Ano Novo:

"No ano que vem, para alegria de muitos e tristeza de poucos, voltarei a andar por este país. Vou andar pelo Brasil porque temos ainda muita coisa para fazer, temos de ajudar a presidenta Dilma e trabalhar com os setores progressistas da sociedade."
(Lula, na posse da nova diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, 19-12-12).

Feliz 2013.

Fonte:
http://cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1160

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

sábado, 29 de setembro de 2012

A reação entreguista interna ao pronunciamento de Dilma na ONU


26/09/2012 - J. Carlos de Assis (*) - Carta Maior


É repulsiva a tentativa dos dois principais comentaristas de noticiários da Globo, Carlos Sardenberg, na economia, e Arnaldo Jabor, na política, de enxovalhar cada um dos pronunciamentos da Presidenta Dilma Roussef, inclusive o recente discurso na ONU.

Sabemos que eles falam para um público muito específico, os inconformados com o exercício do poder pelo PT, mas se tratando de um órgão de comunicação de massa era de se esperar algum pudor, mesmo porque a esmagadora maioria da opinião pública apoia Dilma.


Jabor não me incomoda muito: é um retórico vulgar mais obcecado pelo efeito das palavras do que pelo seu significado. Ouvindo-o, temos a sensação de que o que está errado com a política externa brasileira é não declararmos logo guerra ao Irã.

Sardenberg é mais insidioso. Manipula a ideologia econômica de um jeito maneiroso, próprio de todo difusor ideológico, que transforma as vítimas das políticas econômicas regressivas em culpados, recobrindo muito manhosamente a responsabilidade dos ricos.

Para entender a extensão na qual Sardenberg, como homem de frente da Globo, faz o jogo entreguista cumpre entender alguns elementos básicos de economia política que ele deliberadamente omite em seus comentários.

Não existe uma receita única contra a recessão e a depressão econômica. Há um conjunto delas.

Três são bem conhecidas: a política cambial, a política monetária e a política fiscal.

Todas visam ao mesmo objetivo: recuperar a demanda interna, favorecer o investimento e estimular o emprego, gerando um círculo virtuoso de crescimento.


Contudo, essas políticas não são neutras do ponto de vista distributivo.


A política fiscal certamente favorece a distribuição da riqueza e da renda, sobretudo quando o gasto público é financiado por aumento da dívida e aplicado em setores de interesse social. Sim, porque se o gasto público, numa recessão, for financiado por receita fiscal, estamos diante de um jogo de soma zero: tiram-se recursos do setor privado que são repassados ao setor público e que por sua vez voltam ao setor privado, sem gerar necessariamente aumento líquido da demanda agregada.

A política monetária é concentradora de renda. Sim, porque quando os bancos centrais emitem dinheiro e o tornam disponível para os bancos privados, a custo baixo, os favorecidos são os tomadores últimos dos recursos – sem falar nos intermediários bancários -, que só têm acesso a esse dinheiro se ofereceram garantias para seus empréstimos. Quem pode oferecer garantias senão os que têm renda alta e patrimônio? Por certo alguns consumidores se beneficiarão do crédito mais barato, mas trata-se de uma proporção pequena da economia. Em qualquer hipótese, pagarão juros aos bancos, concentrando renda.

A política cambial geralmente adotada na recessão é a desvalorização da moeda nacional de forma a estimular as exportações. É o que os Estados Unidos estão fazendo. O pressuposto é que o aumento das exportações leva ao aumento da atividade econômica interna e do emprego, gerando, também aqui, um efeito virtuoso de retomada de crescimento. O Japão tem procurado desvalorizar a sua moeda e a Europa provavelmente seguirá o mesmo caminho, pelo menos enquanto não mudar sua política econômica, o que é muito pouco provável a curto e médio prazos, por razões basicamente políticas.


Agora, vejamos o discurso de Dilma na ONU

Veja aqui: Discurso da Dilma na 67ª Assembleia Geral da ONU

Ela criticou duramente a política do Fed, banco central americano, por inundar o mercado de dinheiro e forçar a desvalorização do dólar.

Ben Bernanke do Fed
Sardenberg se apressou a apoiar a posição americana contra Dilma.


Paul Krugman, Nobel de Economia
Recorreu a uma citação de Paul Krugman, um dos mais notáveis economistas americanos, segundo o qual, nas suas palavras, a posição da Presidente não se justificava por se tratar de uma iniciativa do Governo americano de fazer retomar a economia do país.


Bem, essa citação de Krugman é falsa, ou ao menos incompleta. O que Krugman diz é o seguinte: numa recessão, deve-se adotar, de preferência, uma política fiscal expansiva. Na falta dela, deve-se apoiar a iniciativa monetária como último recurso.


Assim, traduzindo em miúdos, o recado que a Presidenta deu na ONU foi o seguinte: vocês, os países ricos, estão mergulhando o mundo no caos econômico e financeiro por se recusarem a fazer políticas fiscais expansivas.

E como seu sistema político incompetente não é capaz de gerar essas políticas, nos impõem políticas regressivas no campo monetário.

Desculpem, mas não temos alternativa a não ser levantar barreiras comerciais contra os seus produtos, na medida em que suas políticas monetárias e cambiais, desvalorizando suas moedas, pretendem inundar nossos mercados de manufaturados, liquidando nosso parque produtivo.

Não aceitaremos isso. O nosso dever é proteger nosso mercado de trabalho.


(*) Economista e professor de Economia Internacional na UEPB, autor de vários livros sobre economia política brasileira e de “A Razão de Deus”, recém-lançado pela Editora Civilização Brasileira.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20983

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Paralelismos: Sankara, o herói que desafiou os credores

sábado, 18 de fevereiro de 2012 - rede castorphoto
em 16/2/2012 - Leonidas Oikonomakis* - Λεωνίδας Οικονομάκης - ROARMAG.org - “Parallelisms: Sankara, the hero who defied his creditors”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu para Eduardo Galeano

Nos retumbantes protestos anti-austeridade da Grécia, podemos ouvir o eco de Sankara – o Che Guevara da África - o herói que desafiou os seus credores.


 Aconteceu em 1987

A Conferência da Organização da Unidade Africana reuniu-se em Addis Abbeba, Etiópia, nos últimos dias daquele julho de muito calor. E lá estava ele. No uniforme caqui, com seu invencível bom humor, Thomas Sankara, presidente revolucionário de Burkina Faso, o Che Guevara da África. Foi seu último discurso, e ali conquistou os corações dos pobres e explorados. Hasta siempre.

Não podemos pagar essa dívida, primeiro porque, se não pagarmos, os credores não morrem. Isso é garantido. Mas se pagarmos, morremos nós. Isso também é garantido” – disse ele. E continuou: “Os que nos empurraram para que nos endividássemos, jogaram como se estivessem num cassino. Enquanto ganharam, ninguém discutiu coisa alguma. Mas agora, que estão perdendo muito, exigem pagamento. E nós só falamos de crise. Não, Sr. Presidente. Eles jogaram e perderam. É a regra do jogo. Não pagaremos. E a vida continua”.

Mas Sankara também sabia muito bem que não poderia estar sozinho na resistência. E portanto conclamou os demais chefes de Estado africanos a seguir seu exemplo:

“Se Burkina Faso for o único Estado que se recusa a pagar a dívida, eu não estarei aqui, na nossa próxima Conferência”, disse ele, profético. E todos riram.

Hoje, está acontecendo outra vez.

O Parlamento Grego reuniu-se no domingo à noite (na madrugada da 2ª-feria, para ser bem preciso) para votar um novo memorando que imporá ainda mais restrições à classe média e aos mais pobres naquele país, que já enfrentam terríveis dificuldades. E, isso, para obter mais um empréstimo, 70% do qual será gasto para pagar o serviço da dívida anterior. A sessão foi orquestrada por um governo preposto (não eleito) – comandado por um primeiro-ministro banqueiro (também preposto, não eleito) – formado, dentre outros, de gente da extrema direita.

As novas medidas incluem corte de 22% no salário mínimo (32% para os de menos de 25 anos), 15.000 demissões no setor público em 2012 e 150 mil até 2015 (num país cuja taxa de desemprego já é superior a 20%!), cortes em serviços públicos (saúde, educação e assistência social), privatização de patrimônio público (rentável!), mais a promessa assinada de que as medidas serão implementadas, seja qual for o resultado das eleições previstas para abril – como decretou recentemente “Sua Alteza” Wolfgang Schäuble.
Adote-me

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Na rua, à frente do Parlamento, centenas de milhares de pessoas (entre as quais Manolis Glezos e Mikis Theodorakis, heróis da resistência grega) reuniram-se para manifestar sua oposição ao memorando, à “Troika”, ao modelo econômico dominante e àqueles políticos gregos que votavam, no Parlamento. No que gritavam, ouvia-se um eco que chegava de Addis Abbeba e do fundo dos tempos:

“Não podemos pagar essa dívida, primeiro porque, se não pagarmos, os credores não morrem. Isso é garantido. Mas se pagarmos, morremos nós. Isso também é garantido”.

À primeira vista, parece que não fez diferença alguma. O memorando foi aprovado pelo Parlamento. Mas, agora, a “Troika” está em pânico, com medo de ser derrubada pelo poder do povo, nas eleições de abril. Então, os credores tentam pateticamente adiar o pagamento do “resgate” para depois das eleições, quando o novo governo grego, depois de eleito, tiver sido obrigado a jurar que também cumprirá os termos do memorando.

Temam o povo! Vivemos grandes tempos para a democracia!

Thomas Sankara, o homem que acreditava que revolucionários podem ser assassinados, mas não suas ideias, não chegou à Conferência da Organização da Unidade Africana do ano seguinte. Foi assassinado três meses depois daquele famoso discurso em Addis Abbeba, por seu ex-amigo e companheiro em armas, Blaise Compaoré, que continua lá, presidente de Bukina Faso, até hoje.

*Leonidas Oikonomakis é um ativista, membro do grupo de hip hop Social Waste. Bacharel em Estudos Internacionais e Europeus da Universidade de Piraeus (2005) e mestrado em Desenvolvimento Internacional: Pobreza, Conflitos e Reconstrução pela Universidade de Manchester (2006). Foi professor associado para Pesquisas na Universidade de Creta, bem como no Centro de Estudos Europeus da Middle East Technical University, em Ankara, na Turquia. Atualmente é pesquisador do Instituto Universitário Europeu, Florença. Seus principais interesses de investigação incluem teorias e práticas de desenvolvimento internacional, mudança social, pobreza, sustentabilidade e os movimentos sociais. Seus artigos têm sido traduzidas para o francês, o urdu, hindi, árabe, bahasa da Indonésia e italiano.