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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

AS RESERVAS E O BNDES



Por Mauro Santayana*


(JB) - Depois de terem sido apanhadas de calças na mão pelas crises internacionais, as agências de qualificação voltam de novo sua nefasta atenção para o Brasil, desta vez para defender o enfraquecimento e o desmonte do sistema de financiamento público.

E o nosso país, que deveria tratá-las como aos cães que ladram, enquanto a caravana passa, parece que vai  ceder à chantagem, e tolher a concorrência entre bancos públicos e privados, diminuindo a  o papel dos primeiros na expansão do crédito pessoal e de capital de giro – providência que nos salvou, desde o início da crise, em 2008, até agora.

Como na fábula do lobo e do cordeiro – para a imprensa financeira e os arautos do capitalismo internacional - o país tem que estar indo sempre mal em alguma coisa.

Se não estamos negativos no crescimento, que será de 2.5%  em 2013, mais de duas vezes maior que o do México - o aluno espionado, adulador e obediente do Consenso de Washington - talvez o problema seja com a inflação.

Mas como a inflação desceu para menos de 6% nos últimos 12 meses, e o tomate não chegou a vinte dólares o quilo, como esperavam os “analistas”, o vilão da vez é a dívida bruta, que, no conceito do FMI, está em 68%, e que o governo diz estar em 58% - se descontarmos os títulos que estão em posse do tesouro.

O FMI e as agências falam da dívida bruta, mas se esquecem da dívida líquida, que é de apenas 34%, subtraídos os 375 bilhões de dólares que o país tem em reservas, a maior parte deles em títulos dos EUA, o que nos torna o terceiro maior credor individual dos norte-americanos.

Para evitar que o Brasil fugisse da restrição ao crédito imposta pelos bancos privados no auge da crise de 2008, o governo expandiu em 7% a dívida bruta, e essa é a principal razão, para que ela tenha se transformado agora, na bola da vez, para as agências internacionais.

Essa é a principal causa de as agências internacionais terem rebaixado a perspectiva – vejam bem, por enquanto, apenas a perspectiva - da qualidade da dívida soberana do Brasil, de positiva para “estável” nas últimas semanas.

Bem, o Brasil continua com grau de investimento – e não está na situação dos EUA, com a maior dívida do mundo, a ponto de paralisar, por falta de dinheiro, todo o setor público, daqui a uma semana, se não conseguir licença para assinar novos “papagaios” e aumentar o orçamento federal.

No entanto, neste como em outros embates, principalmente na economia, o governo – pressionado pelo Congresso, pela mídia conservadora, a Europa e os EUA, que desejam impedir o surgimento de um novo concorrente no plano geopolítico – prepara-se, mais uma vez, para reagir mal, aos trancos e barrancos, adotando um comportamento errático e hesitante, ditado muito mais pela pauta dos adversários, do que por um projeto próprio e coerente de país.

É isso que ocorre, por exemplo, na área de telecomunicações, sob quase total domínio do capital estrangeiro desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Uma situação que nos leva a pagar, segundo a última pesquisa da União Geral de Telecomunicações, divulgada nesta semana, as mais altas tarifas de telefonia celular do mundo. Preços várias vezes superiores aos que cobram as operadoras estrangeiras, de seus concidadãos, em seus países de origem, pelos mesmos serviços. Sem quase nenhuma atitude do governo, a não ser a de providenciar financiamento farto e barato, e isenção de obrigações e impostos, para multinacionais que enviam bilhões de dólares para o exterior todos os anos - a não ser o recuo em uma frustrada tentativa de retorno da Telebras, como operadora plena, ao mercado, para a prestação de serviços diretos ao consumidor.

Com regras claras, voltadas para a montagem de consórcios com participação privada nacional, estatal e estrangeira, em bases iguais, também na infra-estrutura, o dinheiro injetado em nosso principal banco de fomento poderia ter gerado resultados muito melhores na economia desde a crise de 2008.

No lugar disso, o que vimos, nos últimos anos, foi o BNDES financiando, às vezes, 60%, até 80% do montante de projetos para empresas que, em vez de reinvesti-los aqui mesmo, enviam a maior parte de seus lucros para o exterior.

Isso ocorreu no setor de telecomunicações, mas também na indústria automobilística. Não se negociou qualquer participação direta do governo nas novas fábricas de automóveis construídas com quase 100% de dinheiro do BNDES e generosa isenção fiscal, para que ao menos parte dos ganhos auferidos com o boom de vendas, gerado pela diminuição do IPI, ficasse no país.

Não se negociou mudanças nas novas fábricas e em novos modelos, que contemplassem exigências de eficiência energética, diminuindo a necessidade de importação de combustível estrangeiro que aumentou com a expansão da frota. Aplicou-se dinheiro que poderia ter sido investido no subsídio à produção local de etanol, em projetos megalomaníacos, como os do Senhor Eike Batista, por exemplo.

O governo precisa perder o medo pânico de investir diretamente em atividades estruturais e produtivas que são estratégicas para o país. Quando não for possível estabelecer um equilíbrio entre capital privado nacional, capital estatal, capital estrangeiro, por eventual falta de interesse privado, que se busque associação direta com estatais de outros países, como a China, na base de 51% para o Brasil e 49% para o parceiro internacional.

O governo não deveria ter se endividado para colocar dinheiro na economia sem a contrapartida de aporte de recursos por parte de quem domina e se beneficia do negócio, principalmente, quando se trata de estrangeiros. Nessa parceria, que lembra a famosa joint-venture dos porcos com as galinhas, as multinacionais entram costumeiramente com os ovos, e o estado brasileiro, via BNDES, com o bacon.

Quem busca financiamento público precisa colocar em cima da mesa pelo menos um real, ou um dólar – vindo de seu próprio bolso ou de fonte de financiamento interna ou externa - para cada real, ou dólar, colocado pelo governo, senão nunca poderemos sair do baixíssimo patamar de investimento no qual nos encontramos.

Pois bem, agora, pressionado pela ameaça de rebaixamento  da nota do país pelas agências internacionais, o governo pretende, para se livrar do problema, jogar a criança fora junto com a água da bacia.

No lugar de aprofundar e corrigir o papel do financiamento estatal, estabelecendo rumos, previsíveis, racionais, para os próximos anos, que levem à otimização da aplicação de recursos na economia, o governo cogita diminuir a participação dos bancos públicos no sistema financeiro e restringir o crédito para o consumo e o capital de giro, e os bancos privados declararam que não têm interesse em cobrir essa demanda.

E, mais, para assegurar os compromissos de financiamento do BNDES até o fim do ano, da ordem de 30 bilhões de reais, o governo fala em vender açodadamente sua participação em  empresas – algumas delas estratégicas – em um momento em que essas ações - que foram responsáveis por metade do lucro do banco nos últimos anos – estão, por causa da desvalorização da bolsa, com seus preços muito abaixo de seu valor real.

Alternativas a esse recuo existem, assim como recursos para continuar com o financiamento público, sem vender os ativos da BNDESpar. Até ontem o Brasil dispunha, - segundo o site do Banco Central - de 375.951 bilhões de dólares em reservas internacionais. Destes, aproximadamente 240 bilhões estão aplicados em títulos do tesouro norte-americano, o que aponta para um risco, nada desprezível, de se tomar um gigantesco calote, caso o governo e o congresso não cheguem a um acordo sobre o orçamento e o novo teto da dívida pública dos EUA.

Esse dinheiro, hoje aplicado a menos de dois por cento ao ano, poderia dar melhor retorno, se uma décima parte dele fosse aplicada, paulatinamente, via BNDES e outros bancos públicos, na expansão de nossa economia, sem necessidade – já que essa é a “preocupação” das agências internacionais de risco - de novos aportes do tesouro ou do aumento da dívida bruta.

No lugar de ficar tirando, a cada momento, coelhos da cartola, para driblar as cascas de banana lançadas pelos seus adversários, o governo precisa de um projeto claro de governo, defensável e fácil de ser explicado e entendido pelos outros entes e poderes da República e a opinião pública nacional e internacional.


Ou o PT corrige seu rumo, ou corre o risco de tomar outro rumo a partir do ano que vem.
Postado por Mauro Santayana às 05:00  AS RESERVAS E O BNDES



(JB) - Depois de terem sido apanhadas de calças na mão pelas crises internacionais, as agências de qualificação voltam de novo sua nefasta atenção para o Brasil, desta vez para defender o enfraquecimento e o desmonte do sistema de financiamento público.

E o nosso país, que deveria tratá-las como aos cães que ladram, enquanto a caravana passa, parece que vai  ceder à chantagem, e tolher a concorrência entre bancos públicos e privados, diminuindo a  o papel dos primeiros na expansão do crédito pessoal e de capital de giro – providência que nos salvou, desde o início da crise, em 2008, até agora.

Como na fábula do lobo e do cordeiro – para a imprensa financeira e os arautos do capitalismo internacional - o país tem que estar indo sempre mal em alguma coisa.

Se não estamos negativos no crescimento, que será de 2.5%  em 2013, mais de duas vezes maior que o do México - o aluno espionado, adulador e obediente do Consenso de Washington - talvez o problema seja com a inflação.

Mas como a inflação desceu para menos de 6% nos últimos 12 meses, e o tomate não chegou a vinte dólares o quilo, como esperavam os “analistas”, o vilão da vez é a dívida bruta, que, no conceito do FMI, está em 68%, e que o governo diz estar em 58% - se descontarmos os títulos que estão em posse do tesouro.

O FMI e as agências falam da dívida bruta, mas se esquecem da dívida líquida, que é de apenas 34%, subtraídos os 375 bilhões de dólares que o país tem em reservas, a maior parte deles em títulos dos EUA, o que nos torna o terceiro maior credor individual dos norte-americanos.

Para evitar que o Brasil fugisse da restrição ao crédito imposta pelos bancos privados no auge da crise de 2008, o governo expandiu em 7% a dívida bruta, e essa é a principal razão, para que ela tenha se transformado agora, na bola da vez, para as agências internacionais.

Essa é a principal causa de as agências internacionais terem rebaixado a perspectiva – vejam bem, por enquanto, apenas a perspectiva - da qualidade da dívida soberana do Brasil, de positiva para “estável” nas últimas semanas.

Bem, o Brasil continua com grau de investimento – e não está na situação dos EUA, com a maior dívida do mundo, a ponto de paralisar, por falta de dinheiro, todo o setor público, daqui a uma semana, se não conseguir licença para assinar novos “papagaios” e aumentar o orçamento federal.

No entanto, neste como em outros embates, principalmente na economia, o governo – pressionado pelo Congresso, pela mídia conservadora, a Europa e os EUA, que desejam impedir o surgimento de um novo concorrente no plano geopolítico – prepara-se, mais uma vez, para reagir mal, aos trancos e barrancos, adotando um comportamento errático e hesitante, ditado muito mais pela pauta dos adversários, do que por um projeto próprio e coerente de país.

É isso que ocorre, por exemplo, na área de telecomunicações, sob quase total domínio do capital estrangeiro desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Uma situação que nos leva a pagar, segundo a última pesquisa da União Geral de Telecomunicações, divulgada nesta semana, as mais altas tarifas de telefonia celular do mundo. Preços várias vezes superiores aos que cobram as operadoras estrangeiras, de seus concidadãos, em seus países de origem, pelos mesmos serviços. Sem quase nenhuma atitude do governo, a não ser a de providenciar financiamento farto e barato, e isenção de obrigações e impostos, para multinacionais que enviam bilhões de dólares para o exterior todos os anos - a não ser o recuo em uma frustrada tentativa de retorno da Telebras, como operadora plena, ao mercado, para a prestação de serviços diretos ao consumidor.

Com regras claras, voltadas para a montagem de consórcios com participação privada nacional, estatal e estrangeira, em bases iguais, também na infra-estrutura, o dinheiro injetado em nosso principal banco de fomento poderia ter gerado resultados muito melhores na economia desde a crise de 2008.

No lugar disso, o que vimos, nos últimos anos, foi o BNDES financiando, às vezes, 60%, até 80% do montante de projetos para empresas que, em vez de reinvesti-los aqui mesmo, enviam a maior parte de seus lucros para o exterior.

Isso ocorreu no setor de telecomunicações, mas também na indústria automobilística. Não se negociou qualquer participação direta do governo nas novas fábricas de automóveis construídas com quase 100% de dinheiro do BNDES e generosa isenção fiscal, para que ao menos parte dos ganhos auferidos com o boom de vendas, gerado pela diminuição do IPI, ficasse no país.

Não se negociou mudanças nas novas fábricas e em novos modelos, que contemplassem exigências de eficiência energética, diminuindo a necessidade de importação de combustível estrangeiro que aumentou com a expansão da frota. Aplicou-se dinheiro que poderia ter sido investido no subsídio à produção local de etanol, em projetos megalomaníacos, como os do Senhor Eike Batista, por exemplo.

O governo precisa perder o medo pânico de investir diretamente em atividades estruturais e produtivas que são estratégicas para o país. Quando não for possível estabelecer um equilíbrio entre capital privado nacional, capital estatal, capital estrangeiro, por eventual falta de interesse privado, que se busque associação direta com estatais de outros países, como a China, na base de 51% para o Brasil e 49% para o parceiro internacional.

O governo não deveria ter se endividado para colocar dinheiro na economia sem a contrapartida de aporte de recursos por parte de quem domina e se beneficia do negócio, principalmente, quando se trata de estrangeiros. Nessa parceria, que lembra a famosa joint-venture dos porcos com as galinhas, as multinacionais entram costumeiramente com os ovos, e o estado brasileiro, via BNDES, com o bacon.

Quem busca financiamento público precisa colocar em cima da mesa pelo menos um real, ou um dólar – vindo de seu próprio bolso ou de fonte de financiamento interna ou externa - para cada real, ou dólar, colocado pelo governo, senão nunca poderemos sair do baixíssimo patamar de investimento no qual nos encontramos.

Pois bem, agora, pressionado pela ameaça de rebaixamento  da nota do país pelas agências internacionais, o governo pretende, para se livrar do problema, jogar a criança fora junto com a água da bacia.

No lugar de aprofundar e corrigir o papel do financiamento estatal, estabelecendo rumos, previsíveis, racionais, para os próximos anos, que levem à otimização da aplicação de recursos na economia, o governo cogita diminuir a participação dos bancos públicos no sistema financeiro e restringir o crédito para o consumo e o capital de giro, e os bancos privados declararam que não têm interesse em cobrir essa demanda.

E, mais, para assegurar os compromissos de financiamento do BNDES até o fim do ano, da ordem de 30 bilhões de reais, o governo fala em vender açodadamente sua participação em  empresas – algumas delas estratégicas – em um momento em que essas ações - que foram responsáveis por metade do lucro do banco nos últimos anos – estão, por causa da desvalorização da bolsa, com seus preços muito abaixo de seu valor real.

Alternativas a esse recuo existem, assim como recursos para continuar com o financiamento público, sem vender os ativos da BNDESpar. Até ontem o Brasil dispunha, - segundo o site do Banco Central - de 375.951 bilhões de dólares em reservas internacionais. Destes, aproximadamente 240 bilhões estão aplicados em títulos do tesouro norte-americano, o que aponta para um risco, nada desprezível, de se tomar um gigantesco calote, caso o governo e o congresso não cheguem a um acordo sobre o orçamento e o novo teto da dívida pública dos EUA.

Esse dinheiro, hoje aplicado a menos de dois por cento ao ano, poderia dar melhor retorno, se uma décima parte dele fosse aplicada, paulatinamente, via BNDES e outros bancos públicos, na expansão de nossa economia, sem necessidade – já que essa é a “preocupação” das agências internacionais de risco - de novos aportes do tesouro ou do aumento da dívida bruta.

No lugar de ficar tirando, a cada momento, coelhos da cartola, para driblar as cascas de banana lançadas pelos seus adversários, o governo precisa de um projeto claro de governo, defensável e fácil de ser explicado e entendido pelos outros entes e poderes da República e a opinião pública nacional e internacional.


Ou o PT corrige seu rumo, ou corre o risco de tomar outro rumo a partir do ano que vem.


*Fonte:http://www.maurosantayana.com/2013/10/as-reservas-e-o-bndes.html

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A geração bit se assenhora da comunicação, mas a revolta está no ar


Uma guerra de titãs se processa no campo da comunicação e da tecnologia da informação, envolvendo pelo menos três atores essenciais: os grandes grupos financeiros, as grandes corporações do mundo da informação e da comunicação e os governos. A velha mídia está derretendo sob o sol a pino de novas formas de consumo da informação.

Antonio Lassance* - Carta Maior
 
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A velha mídia está derretendo sob o sol a pino de novas formas de consumo da informação. Os abalos sofridos por ícones tradicionais do jornalismo se sucedem. O que sobrará dos velhos modelos?

Uma guerra de titãs se processa no campo da comunicação e da tecnologia da informação, envolvendo pelo menos três atores essenciais: os grandes grupos financeiros (bancos e seus financistas), as grandes corporações do mundo da informação e da comunicação e os governos.

Quem agora puxa o ritmo das transformações na comunicação são o que chamo de barões digitais, ou Geração Bit (de Bill Gates, da Microsoft; do finado Steve Jobs, da Apple; Mark Zuckerberg, do Facebook; Sergey Brin e Larry Page, do Google, Jeff Bezos, da Amazon, e tantos outros que não param de surgir), todos de trajetória meteórica.

Por enquanto, eles agem em conluio com os velhos gigantes das telecomunicações. O problema é que o principal negócio das telecons está se transformando. Dentre em breve, será quase exclusivamente o de entregar os produtos empacotados pelos barões digitais, pura e simplesmente. A sorte das telecons está, literalmente, por um fio. Se houver inovações que tornem a interligação física dispensável ou menos rentável do que o necessário para cobrir os custos de sua infraestrutura, as telefônicas passarão a ser a bola da vez do canibalismo dos barões digitais.

Mais cedo ou mais tarde, os velhos capitães das telecons terão que encarar diretamente os criadores da atual fase da era digital. Ambos os lados irão reinstalar o teatro que, há um século, se dava em torno de ferrovias, petróleo, energia elétrica e siderurgia. Na segunda metade do século XIX, esses barões ladrões se abraçavam e se apunhalavam o tempo todo. Algo similar deve ocorrer na era digital entre o baronato sem fio e o com fio, em duelos em que as armas serão telefones (fixos e móveis), computadores portáteis e televisores. Nenhum deles deve desaparecer. A grande incógnita não é quem irá vencer, mas sim como e quando os barões digitais da Geração Bit irão enterrar os telecons, e se alguém dentre as telefônicas irá mudar de lado a tempo para evitar ficar pequeno, como aconteceu com a IBM, a Xerox e a Kodak.

O entrechoque vai ditar os novos rumos da comunicação global. Aqueles que prevalecerem desse confronto irão transformar definitivamente o mundo das comunicações.

Os Cavalos de Troia
Os governos aparecem como peças chave dessa equação. Eles são propulsores das estratégias comerciais e industriais dos grupos econômicos que estão à frente das inovações que reinventam o mundo em que vivemos. Patrocinam as estratégias desses grupos, compram seus produtos e os alimentam de informação vendida como notícia.

O complexo militar é normalmente responsável por investir recursos maciços em tecnologias inovadoras que, posteriormente, ganham versões de mercado. Hoje se sabe o quanto tais tecnologias continuam sendo capturadas por objetivos militares e de influência geopolítica.

Celulares, tablets, notebooks e televisores, vendidos em lojas de varejo e dados aos montes em época de Natal, aniversário e Dia dos Namorados, são presentes de grego que trazem em suas barrigas soldados digitais (como era Edward Snowden), recrutados para abrir os portões das atividades, das preferências e dos pensamentos de cidadãos, empresas e governos, onde quer que estejam.

A comunidade de informação dos EUA continua se banqueteando de todos nós, a cada clique, como vermes escondidos. Graças a Snowden, descobrimos que o grande problema da internet não são os piratas, são os corsários, ladrões de informações preciosas a serviço dos governos. Ao invés de empunharem a bandeira de ossos cruzados, vestem uniformes e hasteiam as bandeiras de seus países.

Em meio a tudo, o outrora grande negócio do jornalismo tornou-se apenas um detalhe. Neste instante, completa-se uma longa trajetória que começou, no século XIX, com o jornalismo, enquanto profissão - “profissão liberal”, como se dizia no passado daqueles que trabalhavam por conta própria e recebiam o quanto lhes era pago diretamente por seus clientes. No século XX, o jornalismo abriu um grande mercado – o da comunicação de massa. Suas corporações carregavam o portentoso título de “a grande mídia”. Eram titãs nos velhos tempos. Alguns ainda são. Em pouco tempo dirão, como a personagem do filme “Crepúsculo dos deuses”: “eu sou grande! O mundo é que ficou pequeno”.

A trajetória hoje se completa com o jornalismo e a informação sendo transformados simplesmente em um produto. Um produto cada vez menor, rasteiro e descartável. Em uma visão dialética, se percebe que esse já era o destino para o qual os grandes veículos estavam transformando o caráter da notícia. Hoje, provam sua amarga colheita e se sentem envenenados.

Entre tantos sinais do derretimento colossal, o mais recente e apoteótico foi a compra do Washington Post pelo fundador e chefão da Amazon.com, Jeff Bezos. O Post custou o preço de um quadro de Paul Cézanne.

Pior destino tiveram muitos outros jornais. Eles se dividem entre os que desapareceram, os que permanecem em estado vegetativo e os que entraram em autofagia. A maioria resiste fazendo dos jornalistas suas principais vítimas, com demissões em massa e enxugamento das redações e editorias.

O titã tornou-se, ao fim, um Titanic. Foi essa a metáfora mais emblemática da venda do Washington Post a Bezos. O jornal encontrou seu iceberg, e é sobre ele que o negócio do jornalismo, prostrado, lança suas esperanças de abrigar-se. É sobre sua plataforma gigantesca e reluzente que se busca refúgio e alívio contra um destino pior: afundar.

O mesmo Bezos já havia vaticinado:

"A internet está transformando quase todos os elementos do negócio das notícias: reduziu os ciclos noticiosos, erodiu as fontes confiáveis de receita e abriu espaço a novas formas de competição, entre as quais as que têm pouco ou nenhum custo para a produção de notícias". (“Jeff Bezos, el multimillonario que compró el alicaído Washington Post”, BBC, 6/8/2013).

A notícia como mercadoria
O grande negócio do jornalismo, ao transformar a notícia em mercadoria, hipotecou sua independência. O “jornalismo independente” significava, no princípio, que o jornalismo era um negócio próprio, autônomo. Sua principal fonte de receita era a venda em bancas e as assinaturas. É esse modelo que está em crise.

Cada vez mais, os velhos jornalões estão sendo comprados ou por grandes financistas (como John W. Henry e Warren Buffett) ou por grupos de telecomunicações e novas mídias digitais (como Carlos Slim e, agora, Bezos).

Bezos é o primeiro da Geração Bit a entrar pela porta da frente do mundo jornalístico. Antes dele, e pela porta dos fundos, o Google ameaçou fazer um estrago no jornalismo tradicional similar ao provocado pelo Youtube na indústria do entretenimento. Rodando resumos de notícias extraídas diretamente dos jornais, em tempo real, em seu motor de busca, ele provocou uma diminuição na propensão dos leitores de gastarem um clique a mais para visitar as páginas dos jornais, definhando a estatística que alimenta sua publicidade.

O jornalismo de grande escala é cada vez menos um negócio em si e cada vez mais uma parte de outros negócios. É um item a mais na grande lista de produtos das grandes corporações digitais de entretenimento.

Porém, a dialética da nova comunicação digital, se em escala global levou à sua transformação completa em mercadoria, em escala local produziu uma nova versão do jornalismo enquanto atividade militante, dedicada ao desmascaramento das relações ocultas entre o público e o privado. Também tem se revelado fundamental à proclamação da identidade de novos atores, com novas agendas na relação entre Estado e sociedade.

De fato, esse jornalismo militante estava presente na origem do jornalismo contemporâneo. Desde os tempos longínquos de Marat (1743-1793) e seu jornal “O Amigo do Povo”, fagulha essencial para a Revolução Francesa. Também no jornalismo operário do século XIX e na imprensa revolucionária dos partidos proscritos pelos governos aristocráticos da velha Europa. Estava igualmente visível na primeira imprensa dos Estados Unidos, que Alexis de Tocqueville (1805-1859) registrou como uma das bases essenciais “Da Democracia na América” (título de seu livro de 1835). Naquela república que, segundo ele, trazia um padrão de governança que se espalharia por todo o mundo, havia um cidadão com uma característica peculiar: o gosto por ler jornais.

Não à toa, ali se conformaria uma ética e uma estética do jornalismo que se tornariam um padrão internacional, pelas mãos do célebre Joseph Pulitzer (1847–1911). Pulitzer, celebrizado pelo prêmio que funciona como um Nobel para os profissionais da área, reproduziu seu modelo de “independência”, zelo pela precisão das informações e rigor na apuração. Consolidou também a preferência por jornais de títulos grandes e chamativos, imagens fartas, frases curtas, objetivas, diretas.

É importante lembrar o contexto de Pulitzer, de combate intenso do jornalismo contra os barões ladrões e crítica à política corrupta, capturada pelo interesse dos cartéis. Pulitzer fez parte de um processo importante de formação da consciência nacional que contribuiu para a luta contra a cartelização econômica, o que forçou os partidos Republicano e Democrata a um realinhamento de suas plataformas e de suas relações com a sociedade.

Nos tempos de Pulitzer, o leitor era a fonte essencial da sustentação dos veículos. Para vender, os jornais, em alguma medida precisavam expressar o ímpeto por mudanças. Paulatinamente, esse modelo foi superado. O jornalismo baseado no interesse do leitor foi transformado em jornalismo comercial, no qual a publicidade passou a ocupar um espaço fundamental. Ele já não podia, francamente, se reivindicar independente. Ele não podia revelar suas relações íntimas com os grandes grupos econômicos e seus governos liberais. Como alternativa, sua pregação iconoclasta, sua simulação de independência e sua indignação se voltaria contra movimentos sociais, permanentemente estigmatizados, e contra governos progressistas, quase sempre nivelados por baixo e carimbados de corruptos.

A situação chegou ao paroxismo no Brasil, onde, como lembra o professor Mário Schapiro, a corrupção e as práticas ilícitas “parecem corresponder a um mercado de ficção: o mercado em que só há a demanda, mas não há a oferta" (SCHAPIRO, Cartel no Metrô e as Respostas do Direito. Blog do Estadão, 2/8/2013). Há corruptos por todo o Estado, mas o mercado de corruptores é apenas negócio.

O novo mundo da comunicação se encaminha para o que Manuel Castells (Communication, Power and Counter-power in the Network Society. International Journal of Communication, vol. 1, 2007, págs. 238-266) denominou “autocomunicação de massa”. Uma comunicação que não é mais absolutamente unívoca e depois massificada, e sim proveniente de uma profusão de atores e autores. Por meio da troca multimodal, algumas mensagens geradas por muitos e endereçadas a muitos ganham uma notoriedade viral.

Essa comunicação, dificílima de ser engarrafada pelos meios de comunicação tradicionais, é revolucionária por criar e recriar, o tempo todo, novos padrões comunicativos e narrativas inovadoras. Ao mesmo tempo, é uma comunicação descartável, que se desmancha no ar. Tende a gerar um Walter Cronkite por dia (Cronkite, 1916-2009, foi o respeitado âncora da CBS entre os anos 1960 e 1980), descartando-o no dia seguinte. É essa lógica do efêmero, movida pelo “on-line” e pela inovação de formatos e narrativas, que torna constante o descarte de profissionais, a repaginação dos layouts e a migração para novas plataformas eletrônicas. Estamos diante de um processo acelerado de destruição da atividade jornalística tradicional. O jornalismo não está morrendo. Está se reinventando. O que está morrendo é uma forma específica e datada de jornalismo.

A revolta da comunicação das ruas
Frente a um novo contexto e muitas dificuldades, a velha mídia do Brasil pisou distraída nas jornadas de junho - como foram apelidadas as manifestações ocorridas neste ano. Diante de novos padrões comunicativos e narrativas inovadoras, produzidas por atores multifacetados, os veículos de maior audiência resolveram brincar com fogo.

Os maiores veículos não estavam seriamente interessados em saber o que estava acontecendo, e sim em direcionar o alvo do desgaste. Os especialistas de plantão eram os de sempre, inaptos a dar opiniões que realmente fizessem algum sentido em relação às pautas das manifestações.

Em pouco tempo, uma imprensa desacostumada a uma pluralidade de atores, sobre os quais praticou a delicada censura do silêncio, tornou-se ela própria um alvo evidente dos protestos. As grandes multidões eram compostas de inúmeras e diversas “multidinhas”. Em comum elas tinham, no mínimo, uma desconfiança em relação à velha mídia, mas alguns grupos demonstraram uma franca aversão e até ódio aos veículos mais tradicionais.

A tentativa da velha mídia de dublar as opiniões das multidões, com uma tradução enviesada por seus próprios interesses, gerou revolta e foi rechaçada de forma agressiva pelos manifestantes, que hostilizaram e expulsaram todos os jornalistas que se apresentaram na multidão com o símbolo dos grandes grupos de comunicação. Mesmo alguns de nossos melhores jornalistas, críticos e acostumados a mostrar o outro lado, foram nivelados por baixo. Algo que não se justifica, mas se explica.

De positivo, houve a eclosão de uma infinidade de comunicadores populares, com uma ideia na cabeça e um smartphone ou uma pequena câmera na mão. No Brasil, um desses grupos ganhou identidade em torno da Mídia Ninja. Mas há uma centena de pessoas e de grupos populares de comunicação espalhados pelo Brasil, surgidos em torno da vontade de mostrar o que ninguém vê. Se somarmos a isso a comunicação popular comunitária, a conta passa dos milhares. A única diferença para os Ninjas é que eles não surgiram das manifestações de ontem, e sim há um bom tempo, e ainda não escreveram seu manifesto.

Ao por em ação um novo padrão comunicativo, colocam em xeque o padrão tradicional de comunicação jornalística, publicitária, de eventos (como a Copa), e mesmo da comunicação digital. O jornalismo impresso era responsável por apresentar, diariamente, “uma condensação totalizante de determinada visão de mundo”, como lembra Maringoni (Jornal, o fim de uma concepção). O jornalismo alternativo e popular ganha sentido com uma visão horizontal, crítica da sobredeterminação do mercado sobre as políticas públicas do Estado. Longe do mito da isenção e da imparcialidade, sua objetividade é garantida justamente pela possibilidade de estar próximo à ação popular ou de ser parte dessa própria ação.

Também essa visão engajada estava presente na origem do jornalismo. No entanto, o novo padrão comunicativo não é mais o velho engajamento dos publicistas, como o de Émile Zola (1840 - 1902) em seu “J’accuse”, ou o jornalismo de Samuel Weiner (1912-1980), que tomava partido pró-Getúlio Vargas (1930-1945). O velho publicismo e o jornalismo partidário faziam, no primeiro caso, um apelo à consciência nacional. A comunicação popular e alternativa é parte do próprio alinhamento de setores da sociedade que ganham expressão comunicativa. Em meio a uma feroz disputa política, os velhos publicistas eram heróis da consciência nacional adormecida. Hoje, os que fazem a comunicação de movimentos sociais e de atos de revolta buscam sobretudo registrar e potencializar, e não orientar tais iniciativas.

O engajamento hoje se dá na relação com movimentos populares, dos quais sua comunicação brota e depende. Se (ou quando) tais movimentos se recolhem, essa comunicação tende ou a murchar ou a ganhar maturidade e permanência, como foi no caso da experiência da TV dos Trabalhadores. Quando não, hibernam junto com um outono das mobilizações, até que ressurjam com força, ou ganham nova forma e novo sentido.

O jornalismo mambembe diante dos governos que se comportam como empresas
Infelizmente, as formas de comunicação plurais, de pequena escala, que interessam ao cidadão que vê o mundo de sua janela, estão fora do radar da comunicação governamental. Os governos, que deveriam ser os principais interessados em comunicar para a cidadania, agem no mercado publicitário sem qualquer diferença em relação ao que fazem as fábricas de cerveja, as lojas de varejo e as montadoras de automóvel.

Há preocupações extremadas com a possibilidade, por exemplo, de financiar mídias que cobrem protestos - possivelmente, mais pelo fato de que as manifestações criticam todos os governos, como é próprio da luta pela cidadania. A luta por direitos sempre foi antecipada por revoltas, algumas violentas. Do ludismo dos ingleses e das sabotagens dos franceses, que jogavam seus “sabots” (tamancos) dentro das máquinas, contra a Revolução Industrial; dos protestos violentos de 1º. de maio de 1886 pela redução da jornada de trabalho; das passeatas pelo voto das mulheres (as sufragistas); das greves operárias de 1978 e 1980 que confrontaram a ditadura no Brasil; dos Occupy, nos EUA; dos indignados, na Espanha, aos revoltosos da Primavera Árabe.

Os movimentos que historicamente se tornaram vitoriosos foram aqueles que transformaram a revolta e a destruição em politização das pautas e em partidarização de bandeiras que foram sendo progressivamente institucionalizadas, ou seja, se tornaram regras. Uma dessas bandeiras ainda à espera de quem as empunhe com mais firmeza é a da democratização da comunicação.

Dizem que não se pode financiar mídias que, entre outras coisas, podem verbalizar protestos, mas não se tem pudor algum em anunciar em programas cujos apresentadores defendem que bandido bom é bandido morto, ou programas humorísticos em que as principais piadas são contra negros, mulheres, nordestinos e homossexuais. Se os índices de audiência justificam o gasto, não importa o gosto; não importa, nem mesmo, a mensagem anti-cidadã que pronunciem. Financiar o conservadorismo é normal. Financiar a mudança é um perigo.

Os governos chamam de “mídia técnica” aquela que é medida pelo Ibope e pelo Índice de Veiculação de Circulação de jornais e revistas (o IVC). Mas esquecem de dizer que o Ibope e IVCs dessas mídias é diariamente alimentado por um mercado de informações privilegiadas e das entrevistas exclusivas concedidas apenas para “os grandes”.

A informação produzida pelo Estado é um bem imaterial, mas que custa dinheiro público para ser produzida. Pois ela é rotineiramente dada privadamente de bom grado, conforme relações de amizade e interesses de evidência, ou jogada pela janela da cizânia de autoridades maiores e menores dos próprios governos. Sem licitação, sem transparência, sem critérios republicanos. Muitas vezes em segredo, o que é algo proibido pela lei que rege o serviço público (salvo raras exceções), mas é afrontosamente tolerado sob o charmoso apelido de “off”.

A “mídia técnica” gasta absurdamente mais recursos em TV do que em rádio, embora o consumo de informação dos brasileiros pelo rádio esteja praticamente no mesmo patamar do da TV. Gasta-se injustificadamente mais do que se deveria em jornais e revistas do que em internet. Gasta-se muito com poucas empresas de comunicação, e pouco com os profissionais que fazem a comunicação. Afinal, a esmagadora maioria dos profissionais da comunicação está fora do pequeno circuito da velha mídia.

Esse é um debate essencial e que precisa mudar de patamar. É preciso olhar ao redor o que acontece no mundo da nova comunicação digital e no que ocorreu bem debaixo de nosso nariz, após os protestos. A comunicação alternativa e popular não pode ser tratada como um jornalismo mambembe, que sobrevive de centavos jogados pelos transeuntes sobre um chapéu virado.

Sua principal virtude é tratada como um defeito pela visão oficial, dado o viés meramente comercial. A comunicação popular e a alternativa não são estritamente jornalismo, são comunicação em sentido amplo. Sua principal atividade não é apenas relatar e opinar (isso também), e sim dar voz, documentar ações e personagens muitas vezes invisíveis, contar histórias de quem é silenciado pelos meios tradicionais. Sua vocação não é a da massificação, mas a de públicos segmentados – melhor seria dizer, públicos especiais. Ela caminha pelo que Castells chama de “pequenos meandros”, as redes de relacionamento social que precederam as ferramentas eletrônicas criadas para facilitar a produção e entrega de suas mensagens.

Essa comunicação não se dedica ao mercado, e sim à cidadania. Talvez por isso a maioria das áreas de publicidade dos governos, colonizada pela visão marqueteira e focada nos índices de popularidade, não sabe exatamente o que fazer com ela.

Deveria ser acolhida de forma pública e transparente nas estratégias de financiamento das políticas públicas que interessam ao fortalecimento da pluralidade, da democracia, da radicalização dos direitos de cidadania. É claro que essa possibilidade inovadora só poderia existir em governos que também não encarassem a notícia como mercadoria. É difícil encontrá-los.

Assim que Jeff Bezzos comprou o Washington Post, surgiram várias especulações sobre o que ele afinal pretende. Se Bezos estiver pensando grande, pode criar um novo modelo de negócio para o jornalismo, fazendo desaparecer muitos jornais, assim como, com o Kindle, seu leitor de livros digitais, ajudou a fechar várias livrarias por todo o país. Outra hipótese é a de que, se estiver pensando pequeno, Bezos usará o Post apenas como instrumento para aumentar sua influência em Washington - convenhamos, Bezos não precisa do Post para isso, basta seu dinheiro. Alguns ainda disseram que ele quer, além da marca do Post, se aproveitar de uma parcela preciosa da inteligência nacional, aquela formada pelo excelente time de profissionais da notícia que vive sob o manto e o mito do jornal que derrubou Nixon. Provavelmente, Bezos está pensando não em uma, mas em todas as opções anteriores.

A que me parece mais instigante é justamente a da inteligência nacional. No Brasil, ela está sendo demitida dos jornais e partindo para voos solo, em blogs ou em novas organizações coletivas, micro, pequenas e médias; comunitárias ou cooperativas. Isso deveria interessar aos governos que pretendam uma política ousada e republicana de comunicação, capaz de relacioná-la mais aos direitos de cidadania do que ao Ibope. Uma política que se aproveitasse mais da extraordinária capacidade e inteligência dos jornalistas do que das marcas dos veículos que as transmitem. Afinal, tais marcas são efêmeras e decadentes. É melhor investir em quadros de Paul Cézanne. No futuro, eles valerão bem mais.

*Antonio Lassance é cientista político e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.

Publicado originalmente no site da Carta Maior, onde  há  versão em PDF e links remissivos

http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6243

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O charlatanismo econômico por trás das agências de risco


Hoje, a maior influência das agências de risco é exercida através da grande mídia, sobretudo no plano ideológico, para forçar mudanças na política econômica. No caso atual, elas exigem juros altos, câmbio valorizado e superávit primário elevado, em nome de uma suposta austeridade na gestão econômica. 

Por J. Carlos de Assis*   Carta Maior
   
Uma agência de risco diz que pode rebaixar a nota brasileira. A grande mídia faz disso o maior estardalhaço. É como se fôssemos alunos de escola primária ameaçados de reprovação. Algumas autoridades do próprio governo, por sua vez, intimidadas, passam a dar justificativas no sentido de atenuar a previsão - o que resulta, em última análise, num procedimento de legitimação de espúria intervenção de uma entidade privada internacional na condução da política econômica do país.

As agências de classificação de risco não conseguiram prever a maior crise da história do capitalismo iniciada em 2008. Classificaram como bons créditos, hipotecas e bancos podres. Interrogados por representantes de uma comissão especial do Congresso norte-americano, seus gestores alegaram que apenas emitiam opiniões. Foi a maior confissão de subjetivismo jamais feita por parte de instituições que influem em grande parte do movimento de crédito do mundo. Puro charlatanismo econômico.

Para compreensão da atividade atual dessas agências, é preciso recuar não propriamente a sua criação, mas ao papel que passaram a ter, sobretudo em relação a países em desenvolvimento, depois da crise da dívida externa dos anos 80. Até então, o papel de xerife das políticas econômicas dos países em desenvolvimento era exercido pelo FMI. Com a crise da dívida, esse papel tomou dimensões exorbitantes na forma de condicionalidades para financiar nações em dificuldade.

Entretanto, na medida em que os países, por conta própria, ou auxiliados pelo boom de exportações de commodities para a China a partir do início do anos 2000, começaram a constituir grandes reservas internacionais em relação ao tamanho de suas economias, sua dependência do FMI caiu até desaparecer completamente. O Brasil, por exemplo, pagou ao Fundo a dívida de US$ 30 bilhões feita no fim do governo FHC dele herdada e acabou no Governo Lula tornando-se credor ele por um empréstimo de US$ 10 bilhões.

Diante desse contexto, quem assumiu o papel de xerife da política econômica dos países em desenvolvimento? O FMI, naturalmente, não poderia mais exercê-lo através de condicionalidades, pois os países já não precisavam de seus empréstimos. Foi então que entrou em cena, com todo o seu peso bancado pela ideologia neoliberal, as agências de risco. Embora sendo privadas, elas se arrogam a prerrogativa de fiscalizar e avaliar a atuação de governos a pretexto de estabelecer escalas de risco dos países. Com isso, influem nas decisões de investimento dos fundos e dos bancos.

Nos países em crise da zona do euro a situação permanece sob o controle tríplice da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do FMI (a troika). Este último acaba de emitir relatório reconhecendo que a política de austeridade imposta a países como Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha trouxe conseqüências em termos de queda de crescimento e alta do desemprego bem mais altas que as previstos. Isso apenas acentua o caráter regressivo das políticas neoliberais que, agora, entre nós, fora do âmbito do FMI, querem nos exigir via agências de risco privadas.

Agências de risco existem há décadas. Em tese, seriam úteis a investidores que não têm, eles próprios, departamentos de acompanhamento de performance para avaliação de risco de países, créditos e títulos. Os grandes atores do sistema financeiro internacional, contudo, dispõem internamente de seus analistas. Pelo que as agências de risco assumiram crescentemente um papel ideológico, infelizmente corroborado, no caso de países, por governos que pagam, eles próprios, pela avaliação. Com isso, o pais abre mão de soberania economia em favor do mercado.

Que, nos tempos heroicos do desenvolvimento brasileiro, o papel das agências de risco era irrisório ou ineficaz pode ser aquilatado pelo governo, que rompeu com o FMI confiante nos créditos do setor bancário privado, os quais, por sinal, não pediram permissão às agências para concedê-los. Hoje, a maior influência das agências de risco é exercida através da grande mídia, sobretudo no plano ideológico, para forçar mudanças na política econômica. No caso atual, elas exigem juros altos, câmbio valorizado e superávit primário elevado, em nome de uma suposta austeridade na gestão econômica. Resta saber se o governo agirá de acordo com os interesses do desenvolvimento nacional ou segundo os ditames de agências corrompidas pelo interesse privado imediato e pelo interesse eleitoral que se seguirá.

*Economista e professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros de economia política, de “O Universo Neoliberal em Desencanto” (co-autoria com o matemático Francisco Antonio Doria) e “A Razão de Deus”, pela ed. Civilização Brasileira.

Fonte: Carta Maior..http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22173



sexta-feira, 31 de maio de 2013

CONSPIRAÇÃO CONTRA A PÁTRIA



O Jornal do Brasil mantém a confiança na chefia do estado Democrático

O mundo inteiro passa por uma crise econômica e social, decorrente da ganância dos banqueiros, que controlam o valor das moedas, o fluxo de crédito, o preço internacional das commodities. Diante deles, os governos se sentem amedrontados, ou cúmplices, conforme o caso e poucos resistem.

A União Europeia desmantela-se: o fim do estado de bem-estar, o corte nos orçamentos sociais, a desconfiança entre os países associados, a indignação dos cidadãos e a incapacidade dos governantes em controlar politicamente a crise, que tem a sua expressão maior no desemprego e na pauperização de povos. Se não forem adotadas medidas corajosas contra os grandes bancos, podemos esperar o caos planetário, que a irresponsabilidade arquiteta.

A China, exposta como modelo de crescimento, é o caso mais desolador de crescente desigualdade social no mundo, com a ostentação de seus bilionários em uma região industrializada e centenas de milhões de pessoas na miséria no resto do país. Isso sem falar nas condições semiescravas de seus trabalhadores – já denunciadas como sendo inerentes ao “Sistema Asiático de Produção”. Os Estados Unidos, pátria do capitalismo liberal e neoliberal, foram obrigados a intervir pesadamente no mercado financeiro a fim de salvar e reestruturar bancos e agências de seguro, além de evitar a falência da General Motors.

Neste mundo sombrio, o Brasil se destaca com sua política social. Está eliminando, passo a passo, a pobreza absoluta, ampliando a formação universitária de jovens de origem modesta, abrindo novas fronteiras agrícolas e obtendo os menores níveis de desemprego de sua história.

Não obstante esses êxitos nacionais, o governo está sob ataque histérico dos grandes meios político-financeiros. Na falta de motivo, o pretexto agora é a inflação. Ora, todas as fontes demonstram que a inflação do governo anterior a Lula foi muito maior que nos últimos 10 anos.

O Jornal do Brasil, fiel a sua tradição secular, mantém a confiança na chefia do Estado Democrático e denuncia, como de lesa-pátria, porque sabota a economia, a campanha orquestrada contra o Governo – que lembra outros momentos de nossa história, alguns deles com desfecho trágico e o sofrimento de toda a nação.

Editorial do Jornal do Brasil - em 31 de maio de 2013, denuncia o golpe

Fonte:http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/05/jornal-do-brasil-denuncia-o-golpe.html

sábado, 29 de outubro de 2011

A Islândia põe os seus banqueiros na prisão


Escrito por  Claudi Pérez

Islandia
“A primeira vítima da crise financeira constitui-se como uma valente tentativa de pedir responsabilidades”. Claudi Pérez (El País) conta neste artigo a história da ascensão e da queda da economia islandesa.

A Interpol emitiu um mandado de busca em nome de Sigurdur Einarsson, presidente executivo de um dos maiores bancos da Islândia, o Kaupthing, que acabou nacionalizado quando da crise de 2008.
Procura-se. Homem, 48 anos, 1,80 metros, 114 quilos. Calvo, olhos azuis. A Interpol acompanha esta descrição de uma foto na qual aparece um tipo bem barbeado enfiado num desses fatos escuros de 2000 euros e enfeitado com um impecável nó de gravata. Vê-se à légua que se trata de um banqueiro: este não é um desses cartazes do oeste selvagem. A delinquência mudou muito com a globalização financeira. E contudo esta história tem contornos de western de Sam Peckinpah ambientado para o Árctico. Isto é a Islândia, o lugar onde os bancos vão à ruína e os seus dirigentes podem ir para a cadeia sem que o céu se abata sobre as nossas cabeças; a ilha onde apenas meio milhar de pessoas armadas com perigosos tachos podem derrubar um governo.
Isto é a Islândia, o pedaço de gelo e rocha vulcânica que em tempos foi o país mais feliz do mundo (assim, tal como consta) e onde agora os taxistas lançam os mesmos olhares furibundos que em todas as partes quando se lhes pergunta se estão mais chateados com os banqueiros ou com os políticos. Enfim, Isto é a Islândia: paraíso sobrenatural, reza o cartaz que se avista do avião, mesmo antes de desembarcar.
O tipo da foto chama-se Sigurdur Einarsson. Era o presidente executivo dum dos grandes bancos da Islândia e o mais temerário de todos, Kaupthing (literalmente, "a praça do mercado"; os islandeses têm um estranho sentido de humor, para além duma língua milenar e impenetrável). Einarsson já não está na lista da Interpol. Foi detido há uns dias na sua mansão de Londres. E é um dos protagonistas do livro mais lido na Islândia: nove volumes e 2400 páginas para uma espécie de saga delirante sobre os desmandes que a indústria financeira pode chegar a perpetrar quando está totalmente fora de controlo.
Nove volumes: praticamente episódios nacionais em que se demonstra que nada disso foi um acidente. A Islândia foi saqueada por cerca de 20 ou 30 pessoas. Uma dezena de banqueiros, uns poucos empresários e um punhado de políticos formaram um grupo selvagem que levou o país inteiro à ruína: 10 dos 63 parlamentares islandeses, incluindo os dois líderes do partido que governou quase ininterruptamente desde 1944, tinham empréstimos pessoais concedidos por um valor de quase 10 milhões de euros por cabeça. Está por demonstrar que isso seja delito (embora pareça que parte desse dinheiro servia para comprar acções dos próprios bancos: para fazer inchar as cotações), mas pelo menos é um escândalo enorme.
A Islândia é uma excepção, uma singularidade; uma raridade. E não só por deixar os seus bancos ir à falência e perseguir os banqueiros. A ilha é uma paisagem lunar com apenas 320 000 habitantes a meio caminho entre a Europa, os EUA e o círculo polar, com um clima e uma geografia extremos, com uma das tradições democráticas mais antigas da Europa e, último tópico, com uma gente de indomável carácter e uma forma de ser e fazer do mais peculiar. Um lugar onde um desses taxistas furibundos, depois de deixar para trás a capital, Reikiavik, se mete por uma língua de terra rodeada de água e deixa o jornalista ao pé da distinta residência presidencial, com o mesmíssimo presidente esperando na soleira da porta: qualquer um pode aproximar-se sem problemas, não há medidas de segurança, nem sequer um polícia. Só o pormenor exótico duma enorme pele de urso polar no alto duma escadaria tira do pasmo quem numa primeira entrevista com um presidente dum país dá com um mandatário - Ólagur Grímsson, que considera "uma loucura" que os seus concidadãos "tenham de pagar a factura da banca sem serem consultados".
E do presidente ao cidadão de pé-no-chão: da particularidade à categoria. Arnar Arinbjarnarsson é capaz de resumir o apocalipse da Islândia com surpreendente impavidez, à frente dum fumegante capuchino no central Café Paris, a dois passos do Althing, o Parlamento. Arnar tem 33 anos e estudou engenharia na universidade, mas, ao acabar nem sequer lhe passou pela cabeça desenhar pontes: um dos bancos contratou-o, apesar de não ter formação financeira. "A banca estava a experimentar um crescimento explosivo, e para um engenheiro é relativamente simples aprender matemática financeira, sobretudo se o ordenado for estratosférico", alega.
A Islândia costumava ser o país mais pobre da Europa nos princípios do século XX. Nos anos oitenta, o governo privatizou a pesca: dividiu-a em quotas e fez uns quantos pescadores milionários. A partir daí, sob o influxo de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, o país converteu-se na quintessência do modelo liberal, com uma política económica de baixos impostos, privatizações, desregulamentações e além do mais: a sombra de Milton Friedman, que viajou durante essa época para Reikiavik, é alargada. Aquilo funcionou. O rendimento per capita situou-se entre os mais altos do mundo, o desemprego estabilizou em 1% e o país investiu em energia verde, unidades industriais de alumínio e tecnologia. O cúmulo deu-se com o novo século: o Estado privatizou a banca e os banqueiros iniciaram uma corrida desaforada pela expansão dentro e fora do país, ajudados pelas mãos deixadas livres com a falta de regulamentação e com taxas de juro à volta de 15% que atraíam as poupanças dos dentistas austríacos, dos reformados alemães e dos comerciantes holandeses. Uma economia sã, assente em sólidas bases, converteu-se numa mesa de black jack. Nem sequer faltou uma campanha nacionalista a favor da supremacia racial da casta empresarial, o que talvez demonstre como é perigoso meter esse tipo de tontarias na cabeça das pessoas, seja "as casas nunca baixam de preço" ou "os islandeses controlam melhor o risco pelo seu passado viking".
A festa descontrolou-se: os activos dos bancos chegaram a multiplicar o PIB por 12. Apenas a Irlanda, outro exemplo de modelo liberal, se aproxima dessas cifras. Até que da noite para o dia - com o colapso da Lehman Brothers e o estouro financeiro mundial - tudo se desmoronou, no que foi "o choque mais brutal e fulminante da crise internacional", assegura Jon Danielsson, da London School of Economics.
Mas voltemos a Arnar e ao seu relato: "a banca começou a desbaratar dinheiro em farras com champanhe e estrelas de rock; comprou ou ajudou a comprar meia Oxford Street, vários clubes de futebol da liga inglesa, bancos na Dinamarca, empresas por toda a Escandinávia: tudo o que estivesse à venda e tudo a crédito". Os executivos concediam créditos milionários a si mesmos, a familiares, a amigos e aos políticos próximos, frequentemente sem garantias. A Bolsa multiplicou o seu valor por nove entre 2003 e 2007. Os preços dos andares triplicaram. "Os bancos levantaram um obsceno castelo de cartas que levou tudo à frente", conta Arnar, que conserva o seu emprego, mas com metade do ordenado. Acaba de comprar um barco a meias com o pai com a intenção de mudar de vida: quer dedicar-se à pesca.
A fábula duma ilha de pescadores que se converteu num país de banqueiros tem uma moral: "Talvez seja a hora de voltar ao começo", reflecte o engenheiro. "Talvez todo esse dinheiro e esse talento que a banca absorve quando cresce demasiado não só se converta num foco de instabilidade, como que subtraia recursos a outros sectores e possa chegar a ser nocivo ao impedir que uma economia desenvolva todo o seu potencial", diz o presidente Grímsson.
A magnitude da catástrofe foi espectacular. A inflação descontrolou-se, a coroa veio por ali abaixo, o desemprego cresceu a toda a velocidade, o PIB caiu 15%, os bancos perderam uns 100 mil milhões de dólares (há-de passar muito tempo até haver números definitivos) e os islandeses continuaram a ser ricos, mais ou menos: metade do que eram antes. De quem foi a culpa? Dos bancos e dos banqueiros, naturalmente. Dos seus excessos, daquele forrobodó de crédito, da sua desmedida cobiça. Os bancos são o monstro, a culpa é deles e, de toda a forma, dos políticos que lhes permitiram tudo isso. OK. Não há dúvida. Somente dos bancos?
"O país inteiro viu-se apanhado numa bolha. A banca sentiu um desenvolvimento repentino, coisa que agora vemos como algo estúpido e irresponsável. Mas as pessoas fizeram algo parecido. As regras normais das finanças permaneceram suspensas e entramos na era do vale tudo: duas casas, três casas por família, um Range Rover, uma moto de neve. Os salários subiam, a riqueza parecia sair do nada, os cartões de crédito deitavam fumo", explica Ásgeir Jonsson, ex-economista chefe da Kaupthing. O também economista Magnus Skulasson assume que essa loucura colectiva levou um país inteiro a parecer dominado pelos valores de Wall Street, da banca de investimento mais especulativa. "Nós islandeses contribuímos decisivamente para que se passasse o que passou, por permitirmos que o governo e a banca fizessem o que fizeram, mas também participamos dessa combinação de cobiça e estupidez. Os bancos merecem ficar afastados do jogo e nós merecemos uma parte do castigo: mas só uma parte", afirma no restaurante dum hotel central.
Uma coisa salva os islandeses, de alguma maneira os redime de parte desses pecados. No seu incisivo Indignai-vos!, Stephane Hessel descreve como os financeiros na Europa e nos EUA, culpados indiscutíveis da crise, salvaram o buraco e continuam com a sua vida como sempre: voltaram os lucros, os bónus, essas coisas. Em compensação, as suas vítimas não recuperaram o nível de ganhos, e muito menos o emprego. "O poder do dinheiro nunca havia sido tão grande, insolente, egoísta com todos", acusa e, contudo, "os banqueiros mal suportaram as consequências dos seus desaforos", acrescenta no prólogo do livro o escritor José Luis Sampedro.
Assim é: salvo talvez no Árctico. A Islândia fez uma valente tentativa de pedir responsabilidades. "Deixar falir os bancos e dizer aos credores que não vão cobrar tudo o que se lhes deve ajudou a mitigar algumas das consequências das loucuras dos seus banqueiros", assegura por telefone a partir do Texas o economista James K. Galbraith.
Contada assim, a versão islandesa da crise tem um toque romântico. Mas a economia é sempre mais prosaica do que parece. Há quem relate uma historia diferente: "Simplesmente, não havia dinheiro para resgatar os bancos: caso contrário, o Estado tê-los-ia salvado: Chegamos a pedi-lo à Rússia!", critica o politólogo Eirikur Bergmann. "Foi um acidente: não queríamos, mas tivemos de deixá-los falir e agora os políticos tratam de vender essa lenda de que Islândia deu outra resposta".
Seja como for, a crise deixou uma cicatriz enorme que continua bem visível: há controlo de capitais, um delicioso eufemismo do que no hemisfério Sul (e mais concretamente na Argentina) costuma chamar-se corralito. O desemprego continua acima dos 8%, taxas desconhecidas por estes lares. A queda da coroa empobreceu todo o país, excepto as empresas exportadoras. Quatro em cada dez lares endividaram-se em divisas ou com créditos ligados à inflação (parece que, em geral, para comprar segundas residências e carros de luxo), o que deixou um buraco considerável no bolso das pessoas. Depois de deixar falir o sistema bancário, o Estado nacionalizou-o e acabou a injectar montões de dinheiro - o equivalente a uma quarta parte do PIB - para que a banca não deixasse de funcionar e agora começa a reprivatizá-lo: a vida, de algum modo, continua igual.
Tudo isso elevou a dívida pública acima de 100% do PIB e para controlar o défice os islandeses nem sequer se livraram da maré de austeridade que percorre a Europa desde o Estreito de Gibraltar até à costa da Gronelândia: mais impostos e menos gastos públicos. No final a Islândia teve que pedir um resgate ao FMI e o Fundo aplicou as receitas habituais: elevaram o IRS e o IVA islandeses e criaram novos impostos, e pelo lado dos gastos baixaram os salários e benefícios sociais e estão a fechar escolas; reduziu-se o Estado social. Que é o que costuma suceder quando de repente um país é menos rico do que pensava.
"Andámos uma década para trás", encerra Bergman. E mesmo assim o governo e o FMI asseguram que a Islândia crescerá este ano uns 3%: a queda da coroa permitiu um arranque das exportações, há sectores de ponta - como o alumínio - que estão a ter uma crise muito proveitosa, e, ao fim e ao cabo, a Islândia é um país jovem com um nível educativo excelente. Entre a dezena de fontes consultadas para esta reportagem, contudo, não abunda o optimismo. Um dos economistas mais brilhantes da Islândia, Gylfi Zoega, desenha um panorama preocupante: "os bancos ainda não estão operacionais, os balanços das empresas estão prejudicados, o acesso ao mercado de capitais está fechado, o governo mostra uma debilidade alarmante. Não há consenso sobre que lugar deve Islândia e a sua economia ocupar no mundo. Vamos à deriva... não se engane: nem sequer o colapso dos bancos foi uma opção; não havia alternativa. A Islândia não pode ser modelo de nada".
Há quem duvide inclusivamente de que os banqueiros venham finalmente a dar com os ossos na cadeia: "os executivos foram detidos várias vezes, e depois, postos em liberdade: como tantas outras vezes, isso é mais uma brincadeira com a opinião pública que outra coisa", assegura Jon Danielsson. Hannes Guissurasson, assessor do anterior governo e conhecido pela sua férrea defesa de postulados neoliberais, até traça uma estreita linha entre o delito e algumas das práticas bancárias dos últimos anos. "Muito poucos banqueiros vão parar à prisão, se é que algum vai: a excessiva tomada de riscos infringe que lei?" pergunta-se.
Mas os mitos são os mitos (e um jornalista deve defender a sua reportagem até ao último parágrafo) e a Islândia deixa várias lições fundamentais. Uma: não está claro se deixar cair um banco é um acto reaccionário ou libertário, mas o custo, ao menos para Islândia, é surpreendentemente baixo; o PIB da Irlanda (cujo governo garantiu toda a dívida bancária) caiu o mesmo e as suas perspectivas de recuperação são piores. Dois: ter moeda própria não é um mau negócio. Em caso de aflição desvaloriza-se e vitória, vitória que se acabou a história; isso permite sair da crise com exportações, algo que nem a Grécia nem a Irlanda (nem a Espanha) podem fazer.
O último e definitivo ensinamento vem da mão do grupo selvagem que ninguém viu vir: nem as agências de notação nem os auditores anteciparam os problemas (ainda que o que uma boa auditoria não descobre, uma boa crise desvela: Pricewaterhousecoopers está acusada de negligência). Mas os problemas estavam aí: a prova é que a imensa maioria dos executivos da banca estão na rua e alguns aguardam julgamento. O nosso Sigurdur Einarsson, o banqueiro mais procurado, tratou de comprar uma mansão em Chelsea, um dos bairros mais exclusivos de Londres, por 12 milhões de euros. A maioria dos banqueiros que tem problemas com a justiça fizeram o mesmo durante os anos do boom, e menos mal que o fizeram: as pessoas apupavam-nos no teatro, atiravam-lhes bolas de neve em plena rua, lançavam bocas nos restaurantes ou deixavam espirituosas pinturas nas casas. Saíram a correr da Islândia. O caso é que Einarsson não teve de sair: vivia na sua estupenda mansão londrina desde 2005. A hipoteca não era problema: Einarsson decidiu alugá-la ao banco enquanto vivia na casa; ao fim e ao cabo, um presidente é um presidente e esse é o tipo de demonstrações de talento financeiro que só trazem surpresas no improvável caso de que a justiça se meta no meio.
A Islândia parece o lugar adequado para que sucedam coisas improváveis: segundo as estatísticas, mais de metade dos islandeses acredita em elfos. No avião de volta percebe-se melhor a publicidade do aeroporto, sobretudo porque as fontes consultadas descartam que, se finalmente há condenação dos banqueiros, o governo islandês vai conceder apenas um indulto. Isto é a Islândia: paraíso sobrenatural. Ai não que não é!
IslandiaO 'caso Icesave' (e outras peculiaridades)
O tubarão putrefacto é um dos pratos típicos da Islândia, que tem uma noite infindável (não só pelas horas de escuridão), uma das poucas primeiras-ministras do mundo (Johana Sigurdardottir, abertamente lésbica) e um museu do pénis (e isto não é uma gralha). A lista de peculiaridades é infindável: é mais fácil entrevistar o presidente da Islândia que o presidente da câmara de Reikiavik, Jon Gnarr, célebre por fazer acordos só com quem tenha visto as quatro temporadas de The Wire. Com a crise, as singularidades alcançaram mesmo o sempre aborrecido sector financeiro: em Londres chegaram a aplicar-lhe métodos antiterroristas.
Landsbanki, um dos três grandes bancos islandeses, abriu uma filial pela Internet com uma conta de poupança a altas taxas de juro, Icesave, que fez furor entre britânicos e holandeses. Quando as coisas começaram a dar para o torto e o governo britânico detectou que o banco estava a repatriar capitais, aplicou-lhe a lei antiterrorista para congelar os fundos. Esse foi o detonador de toda a crise: provocou a falência em cadeia de toda a banca. E continua a dar tremendas dores de cabeça à Islândia.
A Holanda e o Reino Unido devolveram aos seus cidadãos 100% dos depósitos e agora exigem esse dinheiro: 4 mil milhões de euros, um terço do PIB islandês, nada menos. O governo chegou a um acordo para que os cidadãos pagassem em 15 anos e a 5,5% de juro: as pessoas organizaram-se para deitá-lo abaixo num referendo, depois do veto do presidente. Assim chegou um segundo pacto, mais vantajoso (juros de 3%, a pagar em 37 anos), e de novo as pessoas decidirão em Abril em referendo se pagam ou não pelos desmandes dos seus bancos [o artigo foi escrito antes do referendo de dia 9 de Abril, do qual saiu recusado este novo acordo – quase 60% dos islandeses votaram não]. Agni Asgeirsson, ex-executivo que foi despedido da Kaupthing e agora trabalha como engenheiro em Río Tinto, é cortante a esse respeito: "o primeiro acordo era claramente uma fraude. Este é mais discutível. Não queremos pagar, mas isso acrescentaria incerteza legal sobre o futuro do país. Mas interessante é como reagiram as pessoas". Esse é talvez o maior atractivo da resposta islandesa: a parlamentar e ex-magistrada francesa Eva Joly (a quem se atribuiu o início da investigação sobre a banca) assegura que o mais chamativo na Islândia é que num país "que se considerava a si mesmo um milagre neoliberal e onde se tinha perdido gradualmente todo o interesse pela política, agora as pessoas querem ter o destino nas suas próprias mãos".
"Isso sim: a fé nos políticos e nos banqueiros demorará a voltar, antes de muito, muito, tempo", diz a terminar o cônsul de Espanha, Fridrik S. Kristjánsson.

Artigo de Claudi Pérez/El País. Tradução de Paula Sequeiros.

Fonte: Rede Democrática

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Às suas ordens, Dotô Mercado!


O mercado “pensa”, o mercado “avalia”, o mercado “propõe”, o mercado “desconfia”, o mercado “sugere”, o mercado “reage”. E aí sim, de vez em quando, o tom de voz sobe e o mercado “exige”!! E, aos poucos, o que era antes um sujeito, o indivíduo “mercado” também vai ganhando ares de divindade
Paulo Kliass*

         Uma das inúmeras lições que a atual crise econômica tem a nos oferecer é a possibilidade de compreender um pouco melhor os mecanismos de funcionamento da economia capitalista em sua fase de tão ampla e profunda internacionalização financeira. Depois de baixada a poeira e dado o devido distanciamento temporal, imagino a quantidade de teses que serão desenvolvidas para tentar entender e explicar aquilo que estamos vivendo a quente pelos quatro cantos do planeta.
         As alternativas de enfoque são muitas. A relação conflituosa entre os interesses do capital produtivo e os do capital financeiro stricto sensu. A autonomia – na verdade, uma quase independência – do circuito monetário em relação ao chamado lado “real” da economia. A contradição entre o discurso liberal ortodoxo patrocinado pelos dirigentes dos países mais ricos até anteontem e a prática atual de medidas protecionistas de seus próprios interesses nacionais. A postura inequívoca e amplamente expandida de defesa das vontades das grandes instituições financeiras em primeiro lugar, sempre às custas de cortes nos gastos orçamentários na área social voltados à maioria da população de seus países. A dita solidez das estruturas do mercado financeiro, agora tão confiável quanto a de um castelo de cartas. A perda completa de credibilidade das instituições financeiras, a exemplo das chamadas agência de rating, que passam a escancarar a sua relação incestuosa com setores econômicos. O fim do mito da chamada “independência” dos Bancos Centrais, cujas políticas monetárias estariam sendo implementadas de forma neutra e isenta, uma vez que baseadas em critérios técnicos e científicos (sic...) do conhecimento econômico acumulado. A falência das correntes que se apegavam às teorias chamadas da “racionalidade dos agentes” para buscar assegurar que não haveria o que temer com o funcionamento das livres forças de mercado, pois o equilíbrio entre oferta e demanda sempre apontaria a solução mais racional possível. E por aí vai. A lista é quase infindável.
         Mas um elemento, em especial, chama a atenção em meio a essa enormidade de aspectos. E trata-se de algo importante, pois diz respeito à tentativa de legitimação de toda e qualquer ação dos poderes públicos na busca da saída para a crise econômica. Com isso procura-se fugir da conseqüência mais próxima em caso de fracasso: colocar em risco a sua própria legitimidade política. Ainda que nos momentos de maior tensão seja perceptível uma contradição entre os desejos dos representantes do capital financeiro e as possibilidades oferecidas pelos agentes do governo, no final quase tudo acaba se resolvendo no conluio entre o público e o privado. Nos bastidores do poder, a ação do Estado é ditada, via de regra, pelos interesses do capital.
         Mas nas conjunturas de crise profunda, como a atual, passa a operar também a chamada opinião pública. Os temas de economia e de finanças, antes restrito às páginas dos jornais especializados, ganham as manchetes de capa e se convertem em preocupação de amplos setores da sociedade. A população se assusta, exige mais explicações, quer entender melhor! Porém, não se consegue tornar tão claros os mecanismos de funcionamento da dinâmica econômica em tão pouco tempo e em tão poucas linhas. E nesse momento ganham importância os interlocutores chamados a explicar: os economistas dos grandes bancos, os analistas das instituições financeiras, os responsáveis pelas empresas de consultoria, enfim os chamados “especialistas”. Cabe a eles a tarefa de convencimento do grande público de que a crise é causada por este ou aquele fator, ou então de que as medidas anunciadas há pouco por um determinado Ministro da Economia são ou não adequadas para resolver os problemas a que se propõem.
         E aqui entra em campo um elemento essencial na dinâmica do discurso. Uma entidade que passa a ser reverenciada em ampla escala, coisa que era antes reduzida a uma platéia restrita. Trata-se do famoso “mercado” – muito prazer!. Um dos grandes enigmas da história da humanidade, tanto estudado e ainda tão pouco desvendado em seus aspectos essenciais, passa a ser tratado como um ser humanizado, um quase indivíduo. Isso porque para justificar a necessidade das decisões duras e difíceis a serem tomadas - sempre às custas de muitos e para favorecer uns bem poucos – recorre-se às opiniões de “alguém” que conheça, que assegure que não há realmente outra solução. Tem-se a impressão de que o mercado vira gente, um dos nossos!
         As matérias dos grandes jornais, as páginas das revistas de maior circulação, os sítios da internet, os programas na televisão e no rádio, enfim, por todos os meios de comunicação passamos a conhecer aquilo que nos é vendido como sendo a opinião dessa entidade, dessa quase pessoa. As frases e os estilos podem variar, mas no fundo, lá no fundo, tudo é sempre mais do mesmo. Recorrer a um mecanismo que beira a abstração para justificar as medidas mais do que concretas. Fazer um chamamento a uma entidade externa, com ares de messianismo e divindade, para convencer de que as proposições - expostas numa linguagem e numa lógica incompreensíveis para a maioria - são realmente necessárias. Sim, sim, é preciso também ter fé! Pois em caso contrário, aquilo que nos espera é ainda pior do que o péssimo do vivido agora. Será o caos!
         É o que tem acontecido na atual crise da dívida norte-americana ou na seqüência dos diversos capítulos da crise dos países da União Européia. O mercado “pensa”, o mercado “avalia”, o mercado “propõe”, o mercado “desconfia”, o mercado “sugere”, o mercado “reage”. E aí sim, de vez em quando, o tom de voz sobe e o mercado “exige”!! E depois o mercado “ameaça”. O mercado “cai”, o mercado “sobe”, o mercado “se recompõe”. O mercado “se sente inseguro”, o mercado “fica satisfeito”, o mercado “comemora”. O mercado “não aceita” tal medida, o mercado “se rebela” contra tal decisão.
         E assim, à força de repetir à exaustão essa fórmula aparentemente tão simples, o que se busca, na verdade, é fazer um movimento de aproximação. Tornar a convivência com um ser que conhece de forma tão profunda a dinâmica da economia um ato quase amical e familiar para cada um de nós. Mas o “mercado” - sujeito de tantos verbos de ação e de percepção - não tem nome! Ele não pode ser achado, pois o mercado não tem endereço. Ele não pode ser entrevistado, pois o mercado nunca comparece fisicamente nos compromissos. Ele tampouco pode ser fotografado, pois o mercado não tem rosto. O que há, de fato, são uns poucos indivíduos que fazem a transmissão de suas idéias, de seus pensamentos, de seus sentimentos. São verdadeiros profetas, que têm o poder de fazer a interlocução entre o “mercado” e o povo. Pois, não obstante a tentativa de torná-la íntima de todos nós, essa entidade não se revela para qualquer um.
         Ele escolhe uns poucos iluminados para representá-lo aqui entre nós. Como se, estes sim, tivessem a procuração sagrada para falar em seu nome e representar aqui seus interesses. E aos poucos o que era antes um sujeito, o indivíduo “mercado” também vai ganhando ares de divindade. Tudo se passa como ele se manifestasse exclusivamente por meio de seus oráculos, os únicos capazes de captar e interpretar o desejo do deus mercado. Pois ele pensa, fala, acha, opina, mas não se apresenta para um aperto de mão, ou mesmo para uma prosinha que seja, para confirmar o que andam falando e fazendo em seu nome aqui pelos nossos lados.
         Mas, apesar de toda evidente fragilidade da cena construída, não há como contestá-la. O mercado é legitimado por quem tem poder de legitimar. O discurso dos que não acreditam e dos que desconfiam não chega à maioria. Sim, pois aqui tampouco pode haver espaço para a dúvida. Nenhuma chance para o ato irresponsável que seria dar o espaço para o contraditório. A única certeza é de que o mercado sempre tem razão. E ponto final. Assim, todos passam horas na angústia e na agonia para saber como o mercado “reagirá” na abertura das bolsas de valores na manhã seguinte ou para tentar antecipar como o mercado “avaliará” hipotéticas medidas anunciadas para as transações de câmbio na noite da véspera.
         O resultado de toda essa construção simbólica pode ser sintetizado na tentativa do convencimento político e ideológico dos caminhos escolhidos para a solução da crise. O mercado “alertou”, o mercado “ponderou”, o mercado “pressionou”, o mercado “exigiu”. E, finalmente, o mercado “conseguiu”. Por todo e qualquer lado que se procure, tentam nos convencer que não havia realmente outra forma possível de evitar o pior dos mundos. Como somos todos mesmo ignorantes em matéria de funcionamento dessa coisa tão complexa como a economia, somos chamados a delegar também as formas de solução para a crise. E, como sempre acontece em nossa tradição, estamos às suas ordens, Dotô Mercado...
         *Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte: texto enviado pelo jornalista Ernesto Germano Perés, ( no clipping   do dia 17/08/11)