sábado, 29 de dezembro de 2012

Dilma x Mídias inglesas financeiras

27/12/2012 - A guerra das usinas midiáticas do setor financeiro contra Dilma
- Marcelo Justo - Carta Maior

Londres - A The Economist primeiro, o Financial Times depois: o governo de Dilma Rousseff entrou na mira dos grandes meios de comunicação financeiros britânicos internacionais.

Ambos zombam do governo brasileiro, pedem a renúncia de Guido Mantega e qualificam Dilma como a rena do nariz vermelho.

Não que as coisas na casa destas publicações andem melhor. Justamente o contrário.

A economia britânica acaba de sair da segunda recessão em três anos graças ao pequeno estímulo dos jogos olímpicos, mas a maioria dos analistas acredita que no próximo trimestre ela voltará a se contrair.


A Eurozona salvou-se raspando neste ano de 2012, mas ninguém se atreve a apostar no que pode acontecer no próximo ano, apesar de o diretor do Banco Central da Europa, Mario Draghi (foto), assegurar desde julho que fará tudo o que está ao seu alcance para salvar o euro.

Por último, os Estados Unidos estão fazendo o impossível para evitar o abismo fiscal, um incremento de impostos e um corte de gastos públicos que entraria em vigor automaticamente no dia 1º de janeiro se não houver um acordo político.

Apesar deste cenário do primeiro mundo, as críticas a Dilma não surpreendem.

Para as usinas midiáticas do setor financeiro, a presidenta cometeu um pecado imperdoável: forçou a baixa das taxas de juro.

Quando esta crítica à presidenta brasileira vem do primeiro mundo aparece como uma variante do famoso “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Desde o estouro financeiro de 2008, Estados Unidos, Reino Unido e Banco Central Europeu se dedicaram à emissão de dinheiro eletrônico, um mecanismo conhecido em inglês como “quantitative easing”, e a baixar as taxas de juros a mínimos históricos para estimular o consumo.

A ideia é que mantendo essas taxas de juros o setor privado terminará investindo, algo que não está fazendo porque a demanda está estagnada. Em resumo, o problema mais grave é que esta política monetarista não está funcionando”, disse à Carta Maior, Ismail Erturk, catedrático sênior de finanças da Universidade de Negócios de Manchester.

Este monetarismo foi debatido no chamado mundo desenvolvido, mas sem a estridência desqualificadora reservada ao governo de Dilma Rousseff.

No caso do Reino Unido e da Eurozona a comparação se torna mais absurda se tomamos como parâmetro a crise provocada pelos programas de austeridade vigentes na Europa.


No Reino Unido, a coalizão conservadora-liberal democrata que assumiu em maio de 2010 encabeçada pelo primeiro-ministro David Cameron herdou um forte déficit fiscal produto do estouro financeiro de 2008-2009 e uma incipiente recuperação de 1,7% pela mão do estímulo fiscal do governo trabalhista de Gordon Brown.

A coalizão prometeu equilibrar as contas fiscais ao final de seu período de governo, em 2015, e projetou um crescimento de 2,1% para 2011 e 2,5% para 2012. A chave-mestra para esse passe de mágica era um programa de austeridade com cortes de 80 bilhões de libras (cerca de 140 bilhões de dólares) com uma perda de mais de meio milhão de empregos públicos. O resultado desse apequenamento logo ficou evidente. Em 2011, o crescimento real foi de 0,8%, enquanto que, em 2012, foi negativo (menos 0,4%). Quanto ao equilíbrio fiscal, o próprio governo admitiu em dezembro que para atingi-lo terá que ampliar a política de austeridade até... 2018.

As coisas não andam melhor pela Eurozona.

Com a bandeira da austeridade, a União Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional (a Troika) conseguiram converter a debacle fiscal de um país que representava pouco mais de 2% do PIB da Eurozona em uma crise que pode colocar em perigo todo o projeto pan-europe.

Desde o começo da crise grega em 2010, quatro nações (Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre) terminaram regatadas pela Troika, a banca espanhola foi salva com uma injeção de 100 bilhões de euros do Banco Central Europeu e a Grécia recebeu um novo pacote de ajuda em dezembro, no valor de 34 bilhões euros, que todos sabem que não será o último.

Em 2012, a Eurozona teve um crescimento negativo de 0,5% que esconde em seu interior extraordinárias disparidades (a queda da Grécia superou 7%, enquanto que a Alemanha cresceu 0,8%).

Segundo um informe da ONU, divulgado em 20 de dezembro, com estas políticas de austeridade as coisas vão piorar. O cálculo é que a região crescerá um magro 0,5% em 2013.

O governo de Barack Obama não apostou na austeridade e conseguiu evitar uma queda como a do Reino Unido ou da eurozona, mas sua recuperação é menor do que a esperada e está ameaçada por uma obra prima do terror econômico: o abismo fiscal.

Em agosto, o Congresso estabeleceu o 1º de janeiro como prazo para chegar a um acordo sobre o gasto público e as reduções tributárias aprovadas durante a presidência de George Bush que finalizam nesta data.

Se não houver acordo e as medidas entrarem em vigor, o resultado será uma recessão nos Estados Unidos e um forte impacto em uma economia mundial que, nas atuais projeções, crescerá 2,4%, muito menos do que é necessário para recuperar o terreno perdido desde o estouro do Lehman Brothers.

A responsabilidade fiscal das reduções de impostos de George Bush foi discutida em seu momento, mas nenhuma usina midiática econômica teve a ideia de colocar um nariz vermelho no artífice da invasão ao Iraque.

Assim são as coisas.

Tradução:
Marco Aurélio Weissheimer

Fonte:
http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21448

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Desespero de um lado, comodismo do outro

12/12/2012 - por Luiz Carlos Azenha em seu blog Viomundo


Na política brasileira, até parece que o mundo vai acabar.

O julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal e as renovadas denúncias contra o ex-presidente Lula demonstram que a oposição está fazendo o que restou a ela fazer no Brasil: política.

Independentemente do conteúdo das denúncias, o timing levanta suspeitas: julgamento do mensalão durante o período eleitoral, denúncias envolvendo funcionária pública ligada a Lula logo depois da vitória de Fernando Haddad em São Paulo e depoimento de Marcos Valério acusando Lula no que já parece ser a campanha de 2014.

Primeiro José Dirceu, depois Lula, em seguida Dilma…

Mas os ataques ao ex-presidente são os que mais podem afetar o futuro do PT.

Foi Lula, afinal, quem elegeu dois “postes” contra todas as previsões da mídia.

Apesar de todas as denúncias, o Partido dos Trabalhadores cresce seguidamente desde 2002.

A partir de janeiro de 2013 voltará a governar o maior orçamento municipal, o de São Paulo.

A oposição encolheu.
Corre o sério risco de perder o governo do estado de São Paulo em 2014 e Dilma Rousseff é favorita para se reeleger em 2014.

O quadro político altamente polarizado não é exclusivo do Brasil.

Se você analisar detidamente os processos de mudança em curso na América Latina verá que situações paralelas à nossa, vividas na vizinhança, também envolveram as chamadas dores do parto.

Na Venezuela a elite local, tradicionalmente associada aos Estados Unidos, inventou um locaute, a paralisação da principal artéria do país (a petroleira PDVSA) e um golpe cívico-midiático-militar.

Na Bolívia houve o levante de Santa Cruz de la Sierra.

Na Argentina houve os caminhonaços.

No Equador, uma revolta de policiais.

A mídia associada a Washington teve e continua tendo papel relevante na reação à ampliação de direitos em geral — particularmente os trabalhistas — na região.

No Brasil, de tradição conciliadora na política, houve menos confrontos abertos. Mas o que foi a cobertura dos escândalos em 2005 que não uma tentativa de impedir a reeleição de Lula em 2006?

E, no entanto, Lula se reelegeu. E elegeu Dilma. E elegeu Fernando Haddad.

Fez isso com um estilo político que eu chamaria de pêndulo. Fazendo concessões ora à direita, ora à esquerda. Formando, lentamente, consensos em torno de políticas públicas.

- Lembram-se como era a reação ao Bolsa Família no primeiro mandato de Lula?
- E às cotas raciais?
- E aos direitos indígenas, especialmente durante o debate sobre a demarcação da Raposa/Serra do Sol em Roraima?
- E aos aumentos reais do salário mínimo?

Muitos dos argumentos usados então contra as políticas de Lula hoje soariam bizarros. Tanto que foram descartados. Restou à oposição o mar de lama, que não tem nada de original na nossa história.

E, no entanto, em todos os debates fundamentais acima citados as propostas do PT acabaram vingando.

Não sem múltiplas concessões, refletindo a estratégia petista de enfraquecer a oposição “por dentro”. Hoje não seria surpresa se Kátia Abreu assumisse um ministério no governo Dilma. Há quem sustente que em nome da governabilidade o PT ficou muito parecido com tudo aquilo que combateu no passado. 

Seja como for, o comodismo político do partido tem uma explicação óbvia: funcionou política e eleitoralmente até agora.

O partido cresceu. Tem mais orçamento sob sua administração que nunca.

E terá muito mais em 2013. O PT é o principal gestor da modernização conservadora.

Enquanto recebeu benefícios das políticas econômica e social, o povão ficou majoritariamente ao lado de Lula.

A novidade é o aprofundamento da crise econômica internacional e seus reflexos no Brasil.

Desde 2002 o PT nunca governou sob a ameaça de uma crise prolongada ou de crescimento econômico medíocre de longo prazo.

A expansão de direitos promovida por Lula se deu num quadro em que os empresários nacionais se beneficiaram diretamente do crescente mercado interno. Agora, eles enfrentam retração no mercado internacional e redução da margem de lucros.

O lulismo como fiador da conciliação de classes corre risco.

Notem como a redução dos direitos sociais é vendida pela mídia como solução para as crises da Europa e dos Estados Unidos. Os jornais alemães deitaram e rolaram denunciando que a crise na Grécia teria sido provocada… pelos próprios gregos. A Europa mediterrânea seria “preguiçosa”, “gastadora”, “ineficiente”. Nos Estados Unidos o programa de saúde aprovado pelo presidente Barack Obama foi taxado de “socialista” pela Fox News. Um gasto desnecessário de um governo inchado, argumentava o Tea Party.

A crise que nasceu da desregulamentação dos mercados financeiros e se aprofundou com a transferência de trilhões de dólares em dinheiro público para os banqueiros agora é atribuída… àqueles que pagaram a conta.

Tal é o poder da mídia associada ao capital financeiro.

Não surpreende, portanto, que empresários brasileiros que se acomodaram com os governos petistas agora se voltem para uma opção mais “eficiente”, que é justamente o mote com o qual o senador Aécio Neves vem se vendendo. É o neoliberalismo na versão light.

De repente, o PT se vê diante da encruzilhada.

O partido é suficientemente “confiável” para promover o esgarçamento dos direitos sociais antevisto pelo empresariado como necessário à competitividade internacional e à retomada das margens de lucros?

Independentemente da resposta, parece estar claro ao governo Dilma que a retomada do crescimento robusto é essencial para a sobrevivência do lulismo nos moldes em que ele se instalou no Planalto.

O risco para o futuro do PT não está no STF, mas na crise econômica, se as concessões do partido à direita implicarem em freada brusca na sensação de avanço social da maioria.

Como escrevi anteriormente, o PT é hoje o partido do establishment.
Os saudosistas querem vê-lo militando como nos anos 80. Ao partido no poder nunca interessou fazer marola, especialmente quando ele cresceu sem fazer marola, ainda que na defensiva.

Portanto, se o Brasil retomar o crescimento econômico robusto acredito que teremos adiante mais do mesmo: desespero de um lado, comodismo do outro. Evidentemente, com os trancos que tanto animam a blogosfera.

Porém, no quadro de incertezas atual, não deixa de ser estranho o imobilismo do PT diante da campanha eleitoral antecipada da oposição que, de olho em 2014, morre de medo do Lula.

Fonte:
http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/desespero-de-um-lado-comodismo-do-outro.html

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Mundo pós-EUA nasceu em Phnom Penh

20/12/2012 - original de 27/11/2012, Spengler, Asia Times Online
- “Post-US world born in Phnom Penh- por David P. Goldman (Spengler)
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


É sintomático, da condição nacional em que estão os EUA, que a maior humilhação jamais sofrida pelo país como nação, e por um presidente dos EUA pessoalmente, tenha passado praticamente sem qualquer comentário, semana passada.

Refiro-me ao anúncio, dia 20 de novembro, em reunião que acontecia em Phnom Penh, de que 14  nações asiáticas, nas quais vive metade da população do planeta, estão formando uma Parceria Econômica Regional Ampla [orig. Regional Comprehensive Economic Partnership], que exclui os EUA.

O presidente Barack Obama participou da reunião para vender uma Parceria Trans-Pacífico com base nos EUA que excluiria a China. Não vendeu.

A parceria liderada pelos americanos virou festa para a qual nenhum convidado apareceu.

Regional Comprehensive Economic Partnership (mapa)
Diferente disso, a Associação de Nações do Sudeste Asiático [orig. Association of Southeast Asian Nations] “mais” China, Índia, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia, formará um clube que deixa de fora os EUA.

Com 3 bilhões de asiáticos cada dia mais prósperos, desvanece-se o interesse pela contribuição possível de 300 milhões de norte-americanos – especialmente quando os americanos cada vez menos assumem os riscos de novas tecnologias.

Da grande força econômica dos EUA, a saber, de sua capacidade para inovar, existe principalmente a lembrança, com a crise econômica já entrando no quarto ano, desde 2008.

Regional Comprehensive Economic Partnership (países membros)
Questão deixada de lado na campanha eleitoral, a iniciativa da Parceria Trans-Pacífico foi objeto de muita agitação no circuito político. Salon.com exaltava, dia 23/10:

"Esse acordo é parte nuclear do movimento de “pivô” na direção da Ásia e ocupou inúmeros think tanks e políticos em Washington, mas permaneceu encoberto pelo alarido e alvoroço da eleição. Mas mais que qualquer outra política, as tendências que a Parceria Trans-Pacífico representa podem reestruturar as relações exteriores dos EUA e, potencialmente, a própria economia."

De fato, essa visão grandiosa, de mudança de jogo, só mobilizou aquela gente triste, estranha, que agita a política nos intestinos do governo Obama.

A importância relativa dos EUA está sumindo.

Para pôr esses temas em contexto: as exportações dos países asiáticos cresceram mais de 20% a partir do pico de antes da crise econômica de 2008; enquanto as exportações europeias caíram mais de 20%. As exportações norte-americanas cresceram só marginalmente (cerca de 4%) a partir do pico pré-2008.

Prova 1: Exportações da Ásia, Europa e EUA
As exportações da China para a Ásia, por sua vez, cresceram 50% a partir do pico pré-crise; as exportações para os EUA cresceram cerca de 15%. Em US$90 bilhões, as exportações da China para a Ásia são três vezes o que o país exporta para os EUA.

Depois de meses e ousadas (além de completamente erradas) previsões de que a economia chinesa teria pouso turbulento, é hoje evidente que a China não terá pouso algum, nem turbulento, nem não turbulento. O consumo doméstico, como as exportações para a Ásia estão ambos próximos de 20% acima dos níveis do ano passado, compensando a fragilidade de alguns mercados de exportação e do setor de construção. Estagnadas estão, isso sim, as exportações para a moribunda economia dos EUA.

Prova 2: Exportações da China para a Ásia vs EUA
Fonte: Bloomberg
Em 2002, a China importou cinco vezes mais da Ásia do que dos EUA. Hoje, importa 10 vezes mais da Ásia, que dos EUA.

Prova 3: Importações chinesas dos EUA e da Ásia
Fonte: Bloomberg
Seguindo padrões comerciais, as moedas asiáticas começaram a ser negociadas em termos mais próximos do renminbi chinês, que do dólar norte-americano.

Arvind Subramanian e Martin Kessler escreveram, em outubro de 2012, em estudo para o Peterson Institute:

"O crescimento de um país para a dominância econômica tende a ser acompanhado por sua moeda tornar-se um ponto de referência, com outras moedas acompanhando-a, implícita ou explicitamente. Para uma amostra de economias de mercado emergentes, mostramos que, nos últimos dois anos, o renminbi (RMB/yuan) tornou-se crescentemente moeda de referência, o que definimos como aquela que mostra alto grau de comovimento com outras moedas."

"No Leste da Ásia já há um bloco renminbi, porque o renminbi tornou-se moeda dominante de referência, eclipsando o dólar, o que é desenvolvimento histórico. Nessa região, sete moedas, dentre 10, comovimentam-se mais próximas do renminbi do que do dólar, com o valor médio do comovimento com o renminbi sendo 40% maior do que com o dólar. Descobrimos que comovimentos com uma moeda de referência, especialmente para o renmimbi, estão associados com integração comercial."


"Extraímos algumas lições das prospectivas para o bloco do renminbi de mover-se além da Ásia, baseadas numa comparação entre a situação de hoje do bloco renminbi e a do yen japonês no início dos anos 1990s."


"Se o comércio fosse a única força, um bloco renminbi mais global pode emergir em meados dos anos 2030s, mas reformas complementares do setor financeiro e externo podem acelerar consideravelmente o processo."

Tudo isso é bem conhecido e está exaustivamente discutido. A questão é o quê os EUA farão sobre isso, se é que farão alguma coisa.

Onde os EUA têm uma vantagem competitiva?
Além da aviação comercial, equipamento de geração de energia e da agricultura, há algumas poucas áreas de real destaque industrial. O gás natural barato ajuda algumas indústrias de baixo valor agregado, como a de fertilizantes, mas os EUA estão ficando para trás no espaço industrial.


Há quatro anos, quando Francesco Sisci e eu propusemos um acordo monetário sino-americano, como âncora para a integração comercial, os EUA ainda dominavam a indústria de usinas nucleares.

Com a venda do braço de energia nuclear da Westinghouse à Toshiba, e das joint-ventures da Toshiba com a China para construir usinas nucleares locais, aquela vantagem evaporou.

O problema é que os americanos pararam de investir em indústrias de alta tecnologia e alto valor agregado que produzem manufaturas de que a Ásia carece. Os pedidos de bens de capital de manufaturas estão 38% abaixo do pico de 1999, descontada a inflação. E as alocações de capital de risco em manufatura high tech secaram.

Prova 4: Colapso das alocações de capital de risco para indústrias relacionadas às exportações (Março 2003=100)
Fonte: National Venture Capital Association

Prova 5: Pedidos de bens de capital norte-americanos quase 40% abaixo do pico de 1999 em termos reais
Fonte: Bureau of Economic Analysis
Sem inovação e investimento, todos os acordos comerciais que o circuito político em Washington conceba pouco ou nada ajudarão. Nem ajudará, deve-se acrescentar, algum ajuste nas taxas de câmbio.

Difícil imaginar o que o presidente Obama teria em mente ao chegar à Ásia com proposta de uma Parceria Trans-Pacífico desenhada para manter a China ao largo.

O que os EUA têm a oferecer aos asiáticos?

Estão tomando emprestados $600 bilhões por ano, do resto do mundo, para financiar uma dívida estatal de $1,2 trilhões, principalmente do Japão (a China foi vendedora líquida de seguros do Tesouro durante o ano passado).

São tomadores de capital, não provedores de capital.

São grande mercado importador, mas o mercado está diminuindo rapidamente, em importância relativa, enquanto o comércio intra-asiático cresce mais rapidamente que o comércio com os EUA.

E a força dos EUA como inovadores e incubadores de empreendedores diminuiu drasticamente desde a crise de 2008, sem agradecimentos ao governo Obama, que impôs dura tarefa aos que pensem em iniciar um negócio, sob a forma de seu programa de assistência à Saúde.

Países participantes da reunião de Phnon Penh (note local da bandeira dos EUA) Washington pode querer muito “pivotar-se” na direção da Ásia.

Em Phnom Penh, contudo, líderes asiáticos, de fato, convidaram Obama a fazer um pivô de 360 graus e voltar para casa. 

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/12/mundo-pos-eua-nasceu-em-phnom-penh.html

Não deixe de ler:
Os BRICS no FMI e no G-20, de Paulo Nogueira Batista

Nota:
A inserção de algumas imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e inexistem no texto original.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Os BRICS no FMI e no G-20 [1]

18/12/2012 - Paulo Nogueira Batista [2] - Carta Maior

Há controvérsias sobre o real significado e a importância prática dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Os críticos e céticos sustentam que o agrupamento é artificial, mais emblema ou marca do que realidade política.

Apontam para as enormes diferenças – históricas, culturais, políticas e econômicas – entre os integrantes. Duvidam de que os cinco países possam, de fato, atuar de forma coordenada.

É inegável que as dificuldades de coordenação dos BRICS são consideráveis. Mas também é inegável que os BRICS vêm marcando presença no campo internacional.

Tenho vivenciado esse processo de coordenação com seus avanços e suas dificuldades, desde 2008, no âmbito da diretoria do FMI e das reuniões do G-20. Quando cheguei a Washington, em abril de 2007, os BRICS não existiam como aliança e realidade política. Na época, tratava-se realmente de uma mera sigla – inventada, como se sabe, por um economista do banco de investimentos Goldman Sachs, Jim O’Neill.



Na diretoria do FMI e no G-20, a atuação conjunta dos quatro países (a África do Sul só se juntou ao grupo em 2011) começou em 2008, por iniciativa da Rússia.

A primeira cúpula dos líderes dos BRICS realizou-se em Yekaterinburgo, na Rússia, em 2009.

Os BRICS têm altos e baixos, momentos de maior proximidade e de maior distância, mas uma coisa é certa: essa tem sido para o Brasil a principal aliança desde 2008, pelo menos no que se refere ao G-20 e FMI. Ressalto: os BRICS muito mais do que outros países latino-americanos, mesmo os de maior porte.


Por motivos que variam de país para país, os latino-americanos não têm tido papel tão relevante como aliados do Brasil no terreno financeiro internacional.



O diretor executivo da Rússia no FMI, Aleksei Mozhin (foto), que está na instituição há 20 anos, disse em seminário recente na Brookings Institution, em Washington, que o surgimento dos BRICS foi a maior mudança na governança do Fundo desde a sua chegada à diretoria do FMI.


Posso confirmar que, nos últimos cinco anos, a nossa atuação conjunta tem sido uma alavanca importante em vários temas estratégicos. A afinidade de pontos de vista é particularmente nítida entre as cadeiras brasileira, russa e indiana.

Os cinco diretores executivos dos BRICS no FMI se reúnem com muita freqüência para coordenar posições sobre temas na pauta da diretoria ou iniciativas nossas. Cada passo do grupo demanda muita preparação e articulação.

No caso de alguns países, notadamente a China, o processo de tomada de decisão é lento e complexo e inclui consultas a várias instâncias em Pequim. O esforço de articulação é trabalhoso, às vezes penoso, mas produz seus frutos.

Em matéria de reformas de quotas e da governança do FMI, por exemplo, os BRICS atuam freqüentemente de forma coordenada, inclusive preparando statements conjuntos para reuniões da Diretoria.

A principal dificuldade de coordenação interna dos BRICS é o peso desproporcional da China quando comparado ao dos demais países.
Os chineses têm porte e recursos para, em alguns casos, enxergarem vantagens em negociar separadamente com os EUA e os europeus.

Por esse motivo, entendimentos entre Brasil, Rússia e Índia funcionam às vezes como contrapeso à inclinação da China de atuar em faixa própria.

As dificuldades de coordenação entre os BRICS são naturais e inevitáveis. Refletem as diferenças de interesse, de dimensão econômica e de caráter político ou cultural. Apesar dessa diversidade, permanece o fato de que os cinco países têm demonstrado interesse consistente em atuar de maneira coordenada em muitos temas da agenda internacional.

Não se deve tampouco exagerar o significado dessas dificuldades de coordenação. Afinal, mesmo agrupamentos mais homogêneos e mais antigos, 
como o bloco europeu, se debatem com agudas divergências.

No FMI, a aliança entre os BRICS já é reconhecida como parte da paisagem.

Como mecanismo de articulação, os BRICS se tornaram muito mais relevantes do que o G-11, o tradicional agrupamento das 11 cadeiras da Diretoria Executiva comandadas por países em desenvolvimento [3]. Apenas as cadeiras europeias têm coordenação mais estreita. A administração da instituição e os diretores executivos dos países avançados fazem o que podem para detectar e explorar diferenças de posições entre os BRICS.


Entre as capitais, a coordenação é dificultada pela distância geográfica. Mesmo assim, os ministros de Finanças e presidentes de Banco Central dos BRICS se reúnem com certa periodicidade – duas ou três vezes por ano, em média, nos anos recentes. E se falam com freqüência, apesar das diferenças de fuso horário.

Os chefes de Estado e governo se encontram nas cúpulas anuais – foram quatro desde 2009, a última delas na Índia, em março de 2012. A próxima será na África do Sul, em março de 2013. A de 2014 será no Brasil.

Os líderes dos BRICS também se reúnem por ocasião das cúpulas do G-20. Por exemplo, em Cannes, em novembro de 2011 e em Los Cabos, em junho de 2012. No espaço de oito meses, os líderes dos BRICS se reuniram nada menos do que três vezes.

O que os BRICS têm em comum?
Para além de todas as diferenças, fundamentalmente o seguinte: são países de grande dimensão econômica, geográfica e populacional.


Brasil, Rússia, Índia e China fazem parte dos dez maiores países do mundo em termos de PIB, área e população. Por isso mesmo, todos eles têm capacidade de atuar com autonomia em relação às potências ocidentais – os Estados Unidos e a Europa. Isso vale, sobretudo, para os quatro integrantes originais do grupo mas, creio, que crescentemente também para a África do Sul.

Esse é o aspecto crucial: a capacidade de decidir de forma independente. A grande maioria dos demais países emergentes e em desenvolvimento – mesmo os que têm certo porte – não possui essa capacidade, pelo menos não na mesma medida. Em muitos casos, o que ainda se vê é uma relação de estreita dependência e alinhamento mais ou menos automático aos Estados Unidos ou aos principais países da Europa.
Essa atuação independente reflete, evidentemente, a posição econômico-financeira dos BRICS.

Nenhum deles depende de capitais externos europeus ou norte-americanos ou da assistência financeira do FMI ou de outros organismos ainda controladas pelas potências tradicionais.

Isso reflete inter alia a sua solidez fiscal, de balanço de pagamentos e de reservas internacionais.

Nos anos recentes, os BRICS tornaram-se inclusive credores líquidos do FMI, participando com grandes somas dos empréstimos levantados pela instituição para fazer face à crise iniciada nos países avançados em 2008.



Um dos acontecimentos mais significativos da cúpula do G20 em Los Cabos, no México, em junho, foi a reunião prévia dos líderes dos BRICS. A reunião foi antecedida de muita discussão entre os cinco países e tratou principalmente de dois temas – um deles totalmente novo.

O primeiro tema foi a decisão de confirmar o anúncio de novas contribuições ao financiamento do FMI. A China anunciou a intenção de contribuir com US$ 43 bilhões adicionais; o Brasil, a Rússia e a Índia anunciaram US$ 10 bilhões cada; África do Sul entrará com US$ 2 bilhões.

Na rodada anterior de levantamento de empréstimos para o FMI em 2009, os BRIC entraram com o equivalente a US$ 92 bilhões – a China com US$ 50 bilhões, Brasil, Rússia e Índia com US$ 14 bilhões cada.

O total de US$ 75 bilhões anunciado em Los Cabos ficou condicionado ao entendimento de que o FMI só lançará mão desses novos recursos depois que os fundos existentes na instituição tenham sido substancialmente utilizados. Esse ponto é importante para promover uma adequada distribuição do ônus entre os diferentes credores do FMI, como mencionou o comunicado emitido após a reunião dos BRICS.


O comunicado dos BRICS observou, também, que as contribuições foram anunciadas com base no entendimento de que as reformas do FMI serão plenamente implementadas, conforme acordo a que se chegou no G-20 em 2010. Isso inclui, como se sabe, uma revisão abrangente do poder de voto e das quotas.

Essa observação reflete a insatisfação dos BRICS com o ritmo de implementação das reformas do FMI, que expressaram em mais de uma ocasião.

Há muita inércia institucional e apego ao status quo no Fundo. Em razão disso, aumentou a disposição dos BRICS de considerar iniciativas na área monetária internacional fora do âmbito do FMI.

A grande novidade em Los Cabos foi exatamente o lançamento de um fundo ou pool de reservas dos BRICS. A iniciativa foi pacientemente costurada em entendimentos ao longo de maio e junho. Na cúpula dos BRICS, formalizou-se a decisão de iniciar a discussão de um fundo de reservas comum dos BRICS.

Os líderes dos BRICS pediram a seus ministros de Finanças e presidentes de Banco Central que trabalhem conjuntamente nesse tema e tragam os resultados para a próxima Cúpula dos Líderes dos BRICS, na África do Sul, em março de 2013. Posteriormente, foi criado um grupo de trabalho com representantes dos cinco países, sob coordenação brasileira.



Um fundo de reservas dos BRICS teria natureza preventiva e representaria a criação de um mecanismo de solidariedade financeira entre os cinco países, a ser acionado em momentos de dificuldade. As reservas somadas dos cinco países alcançam aproximadamente US$ 4,3 trilhões – uma base mais do que suficiente para respaldar a iniciativa.

O fundo comum de reservas poderia ser acionado por qualquer país que eventualmente precisasse de apoio, de acordo com regras e procedimentos que estão sendo negociados. O fundo pode ser “virtual”, isto é, as reservas continuariam nos bancos centrais de cada um dos BRICS só sendo desembolsadas se algum dos cinco países necessitar de acesso aos recursos do fundo.

Ainda que não venha a ser utilizado com freqüência, dado que a posição dos BRICS é sólida, a existência do fundo proporciona importante reforço adicional de confiança.

A disposição de formalizar o início de uma discussão conjunta revela o estreitamento dos laços entre os BRICS e a sua disposição de enfrentar em conjunto os desafios do quadro internacional.


**********


O ministro Antonio Patriota (foto) acertou, no meu entender, quando comparou a coordenação entre os BRICS à nossa aproximação com os EUA no início do século XX, época do Barão de Rio Branco [4] . Um grande legado do Barão, disse Patriota, é a capacidade de apreensão das mudanças.

Na época em que o dinamismo econômico e o eixo de poder mudavam da Europa para os Estados Unidos, ele teve a capacidade de estabelecer uma boa relação com os EUA.

Transferindo para hoje, o movimento equivalente é a coordenação com os BRICS.

NOTAS
[1] Versão ampliada e revista de texto que serviu de base a apresentação em mesa-redonda organizada pela Fundação Alexandre Gusmão e pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, em 31 de julho de 2012.

[2] Paulo Nogueira Batista é diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países (Cabo Verde, Equador, Guiana, Haiti, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Suriname, Timor Leste e Trinidad e Tobago). As opiniões expressas neste texto não devem ser atribuídas ao FMI nem aos governos que o autor representa na diretoria da instituição.

[3] O G-11 inclui as cadeiras comandadas por Arábia Saudita, Argentina, Brasil, China, Egito, México/Venezuela, Índia, Irã, as duas cadeiras da África Sul-Saariana e a do Sudeste Asiático.

[4] Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, publicada em 10 de fevereiro de 2012.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21427

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Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.