Mostrando postagens com marcador Antonio Patriota. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Antonio Patriota. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Os BRICS no FMI e no G-20 [1]

18/12/2012 - Paulo Nogueira Batista [2] - Carta Maior

Há controvérsias sobre o real significado e a importância prática dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Os críticos e céticos sustentam que o agrupamento é artificial, mais emblema ou marca do que realidade política.

Apontam para as enormes diferenças – históricas, culturais, políticas e econômicas – entre os integrantes. Duvidam de que os cinco países possam, de fato, atuar de forma coordenada.

É inegável que as dificuldades de coordenação dos BRICS são consideráveis. Mas também é inegável que os BRICS vêm marcando presença no campo internacional.

Tenho vivenciado esse processo de coordenação com seus avanços e suas dificuldades, desde 2008, no âmbito da diretoria do FMI e das reuniões do G-20. Quando cheguei a Washington, em abril de 2007, os BRICS não existiam como aliança e realidade política. Na época, tratava-se realmente de uma mera sigla – inventada, como se sabe, por um economista do banco de investimentos Goldman Sachs, Jim O’Neill.



Na diretoria do FMI e no G-20, a atuação conjunta dos quatro países (a África do Sul só se juntou ao grupo em 2011) começou em 2008, por iniciativa da Rússia.

A primeira cúpula dos líderes dos BRICS realizou-se em Yekaterinburgo, na Rússia, em 2009.

Os BRICS têm altos e baixos, momentos de maior proximidade e de maior distância, mas uma coisa é certa: essa tem sido para o Brasil a principal aliança desde 2008, pelo menos no que se refere ao G-20 e FMI. Ressalto: os BRICS muito mais do que outros países latino-americanos, mesmo os de maior porte.


Por motivos que variam de país para país, os latino-americanos não têm tido papel tão relevante como aliados do Brasil no terreno financeiro internacional.



O diretor executivo da Rússia no FMI, Aleksei Mozhin (foto), que está na instituição há 20 anos, disse em seminário recente na Brookings Institution, em Washington, que o surgimento dos BRICS foi a maior mudança na governança do Fundo desde a sua chegada à diretoria do FMI.


Posso confirmar que, nos últimos cinco anos, a nossa atuação conjunta tem sido uma alavanca importante em vários temas estratégicos. A afinidade de pontos de vista é particularmente nítida entre as cadeiras brasileira, russa e indiana.

Os cinco diretores executivos dos BRICS no FMI se reúnem com muita freqüência para coordenar posições sobre temas na pauta da diretoria ou iniciativas nossas. Cada passo do grupo demanda muita preparação e articulação.

No caso de alguns países, notadamente a China, o processo de tomada de decisão é lento e complexo e inclui consultas a várias instâncias em Pequim. O esforço de articulação é trabalhoso, às vezes penoso, mas produz seus frutos.

Em matéria de reformas de quotas e da governança do FMI, por exemplo, os BRICS atuam freqüentemente de forma coordenada, inclusive preparando statements conjuntos para reuniões da Diretoria.

A principal dificuldade de coordenação interna dos BRICS é o peso desproporcional da China quando comparado ao dos demais países.
Os chineses têm porte e recursos para, em alguns casos, enxergarem vantagens em negociar separadamente com os EUA e os europeus.

Por esse motivo, entendimentos entre Brasil, Rússia e Índia funcionam às vezes como contrapeso à inclinação da China de atuar em faixa própria.

As dificuldades de coordenação entre os BRICS são naturais e inevitáveis. Refletem as diferenças de interesse, de dimensão econômica e de caráter político ou cultural. Apesar dessa diversidade, permanece o fato de que os cinco países têm demonstrado interesse consistente em atuar de maneira coordenada em muitos temas da agenda internacional.

Não se deve tampouco exagerar o significado dessas dificuldades de coordenação. Afinal, mesmo agrupamentos mais homogêneos e mais antigos, 
como o bloco europeu, se debatem com agudas divergências.

No FMI, a aliança entre os BRICS já é reconhecida como parte da paisagem.

Como mecanismo de articulação, os BRICS se tornaram muito mais relevantes do que o G-11, o tradicional agrupamento das 11 cadeiras da Diretoria Executiva comandadas por países em desenvolvimento [3]. Apenas as cadeiras europeias têm coordenação mais estreita. A administração da instituição e os diretores executivos dos países avançados fazem o que podem para detectar e explorar diferenças de posições entre os BRICS.


Entre as capitais, a coordenação é dificultada pela distância geográfica. Mesmo assim, os ministros de Finanças e presidentes de Banco Central dos BRICS se reúnem com certa periodicidade – duas ou três vezes por ano, em média, nos anos recentes. E se falam com freqüência, apesar das diferenças de fuso horário.

Os chefes de Estado e governo se encontram nas cúpulas anuais – foram quatro desde 2009, a última delas na Índia, em março de 2012. A próxima será na África do Sul, em março de 2013. A de 2014 será no Brasil.

Os líderes dos BRICS também se reúnem por ocasião das cúpulas do G-20. Por exemplo, em Cannes, em novembro de 2011 e em Los Cabos, em junho de 2012. No espaço de oito meses, os líderes dos BRICS se reuniram nada menos do que três vezes.

O que os BRICS têm em comum?
Para além de todas as diferenças, fundamentalmente o seguinte: são países de grande dimensão econômica, geográfica e populacional.


Brasil, Rússia, Índia e China fazem parte dos dez maiores países do mundo em termos de PIB, área e população. Por isso mesmo, todos eles têm capacidade de atuar com autonomia em relação às potências ocidentais – os Estados Unidos e a Europa. Isso vale, sobretudo, para os quatro integrantes originais do grupo mas, creio, que crescentemente também para a África do Sul.

Esse é o aspecto crucial: a capacidade de decidir de forma independente. A grande maioria dos demais países emergentes e em desenvolvimento – mesmo os que têm certo porte – não possui essa capacidade, pelo menos não na mesma medida. Em muitos casos, o que ainda se vê é uma relação de estreita dependência e alinhamento mais ou menos automático aos Estados Unidos ou aos principais países da Europa.
Essa atuação independente reflete, evidentemente, a posição econômico-financeira dos BRICS.

Nenhum deles depende de capitais externos europeus ou norte-americanos ou da assistência financeira do FMI ou de outros organismos ainda controladas pelas potências tradicionais.

Isso reflete inter alia a sua solidez fiscal, de balanço de pagamentos e de reservas internacionais.

Nos anos recentes, os BRICS tornaram-se inclusive credores líquidos do FMI, participando com grandes somas dos empréstimos levantados pela instituição para fazer face à crise iniciada nos países avançados em 2008.



Um dos acontecimentos mais significativos da cúpula do G20 em Los Cabos, no México, em junho, foi a reunião prévia dos líderes dos BRICS. A reunião foi antecedida de muita discussão entre os cinco países e tratou principalmente de dois temas – um deles totalmente novo.

O primeiro tema foi a decisão de confirmar o anúncio de novas contribuições ao financiamento do FMI. A China anunciou a intenção de contribuir com US$ 43 bilhões adicionais; o Brasil, a Rússia e a Índia anunciaram US$ 10 bilhões cada; África do Sul entrará com US$ 2 bilhões.

Na rodada anterior de levantamento de empréstimos para o FMI em 2009, os BRIC entraram com o equivalente a US$ 92 bilhões – a China com US$ 50 bilhões, Brasil, Rússia e Índia com US$ 14 bilhões cada.

O total de US$ 75 bilhões anunciado em Los Cabos ficou condicionado ao entendimento de que o FMI só lançará mão desses novos recursos depois que os fundos existentes na instituição tenham sido substancialmente utilizados. Esse ponto é importante para promover uma adequada distribuição do ônus entre os diferentes credores do FMI, como mencionou o comunicado emitido após a reunião dos BRICS.


O comunicado dos BRICS observou, também, que as contribuições foram anunciadas com base no entendimento de que as reformas do FMI serão plenamente implementadas, conforme acordo a que se chegou no G-20 em 2010. Isso inclui, como se sabe, uma revisão abrangente do poder de voto e das quotas.

Essa observação reflete a insatisfação dos BRICS com o ritmo de implementação das reformas do FMI, que expressaram em mais de uma ocasião.

Há muita inércia institucional e apego ao status quo no Fundo. Em razão disso, aumentou a disposição dos BRICS de considerar iniciativas na área monetária internacional fora do âmbito do FMI.

A grande novidade em Los Cabos foi exatamente o lançamento de um fundo ou pool de reservas dos BRICS. A iniciativa foi pacientemente costurada em entendimentos ao longo de maio e junho. Na cúpula dos BRICS, formalizou-se a decisão de iniciar a discussão de um fundo de reservas comum dos BRICS.

Os líderes dos BRICS pediram a seus ministros de Finanças e presidentes de Banco Central que trabalhem conjuntamente nesse tema e tragam os resultados para a próxima Cúpula dos Líderes dos BRICS, na África do Sul, em março de 2013. Posteriormente, foi criado um grupo de trabalho com representantes dos cinco países, sob coordenação brasileira.



Um fundo de reservas dos BRICS teria natureza preventiva e representaria a criação de um mecanismo de solidariedade financeira entre os cinco países, a ser acionado em momentos de dificuldade. As reservas somadas dos cinco países alcançam aproximadamente US$ 4,3 trilhões – uma base mais do que suficiente para respaldar a iniciativa.

O fundo comum de reservas poderia ser acionado por qualquer país que eventualmente precisasse de apoio, de acordo com regras e procedimentos que estão sendo negociados. O fundo pode ser “virtual”, isto é, as reservas continuariam nos bancos centrais de cada um dos BRICS só sendo desembolsadas se algum dos cinco países necessitar de acesso aos recursos do fundo.

Ainda que não venha a ser utilizado com freqüência, dado que a posição dos BRICS é sólida, a existência do fundo proporciona importante reforço adicional de confiança.

A disposição de formalizar o início de uma discussão conjunta revela o estreitamento dos laços entre os BRICS e a sua disposição de enfrentar em conjunto os desafios do quadro internacional.


**********


O ministro Antonio Patriota (foto) acertou, no meu entender, quando comparou a coordenação entre os BRICS à nossa aproximação com os EUA no início do século XX, época do Barão de Rio Branco [4] . Um grande legado do Barão, disse Patriota, é a capacidade de apreensão das mudanças.

Na época em que o dinamismo econômico e o eixo de poder mudavam da Europa para os Estados Unidos, ele teve a capacidade de estabelecer uma boa relação com os EUA.

Transferindo para hoje, o movimento equivalente é a coordenação com os BRICS.

NOTAS
[1] Versão ampliada e revista de texto que serviu de base a apresentação em mesa-redonda organizada pela Fundação Alexandre Gusmão e pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, em 31 de julho de 2012.

[2] Paulo Nogueira Batista é diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países (Cabo Verde, Equador, Guiana, Haiti, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Suriname, Timor Leste e Trinidad e Tobago). As opiniões expressas neste texto não devem ser atribuídas ao FMI nem aos governos que o autor representa na diretoria da instituição.

[3] O G-11 inclui as cadeiras comandadas por Arábia Saudita, Argentina, Brasil, China, Egito, México/Venezuela, Índia, Irã, as duas cadeiras da África Sul-Saariana e a do Sudeste Asiático.

[4] Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, publicada em 10 de fevereiro de 2012.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21427

Não deixe de ler:
Mundo pós-EUA nasceu em Phnom Penh - por David P. Goldman

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A diplomacia brasileira está em crise? (*)

16/07/2012 - Francisco Carlos Teixeira (**)
original extraído do site Carta Maior

Durante os dois governos de Lula da Silva (2003-2010) a diplomacia brasileira atingiu o ápice de dinamismo e autonomia pouca vezes praticada na políticas externa do país, servindo de comparação com a chamada Política Externa Independente dos anos de 1961-1964.

O chamado “Novo Protagonismo Mundial” do Brasil – tendo à frente o chanceler Celso Amorim e, como verdadeiro mentor, o embaixador Samuel Pinheiro Guimaraes, um intelectual de porte – foi, por isso mesmo, alvo de atenção, elogios e duríssimas críticas.

O Governo Dilma Rousseff, tendo o chanceler Antonio Patriota como condutor, mostrou, até o momento, pouco interesse e pouca ação nas relações internacionais, com duros revezes na agenda internacional.

A Guerra e a Paz do Governo Dilma
A presidente – nego a flexão de gênero da palavra por feia e desnecessária! – assumiu o governo do Brasil com três grandes desafios para enfrentar. O primeiro, e de longe o mais importante, reside na eliminação da pobreza e da miséria no país. Trata-se de cerca de 16 milhões de pessoas que recebem menos de R$70 por mês e não possuem, em sua maioria, acesso à água encanada, esgotamento sanitário e luz. Esta é a linha da extrema pobreza, como definida pelo IBGE, no Brasil. E é ela que embasa o Programa Brasil sem Miséria, criado por Dilma e administrado pela ministra do desenvolvimento social e combate à fome, Tereza Campelo.

O programa, em cerca de 18 meses de governo, já representou a incorporação ao Bolsa Família de cerca de 2.7 milhões de crianças [1]. Este é uma avanço concreto na luta pelo fim da miséria no país. Dilma impôs a si mesma a meta de eliminar, nesta geração, a vergonha da miséria absoluta num país tão rico como nosso.

Uma segunda, e duríssima frente de luta, é a manutenção do crescimento econômico no, com a geração de emprego e renda no país. Sem o crescimento econômico todas as demais metas – incluindo aí a eliminação da pobreza – estarão comprometidas. Entretanto, a crise mundial – com o afundamento das economias europeias, paralisia do Japão, a “gangorra” americana e a desaceleração da China Popular – bate com força ás portas do Brasil. O modelo usado com sucesso por Lula em 2008/09 para enfrentar a crise – aumento do consumo interno, redução dos juros e redução fiscal – embora benfazejo no momento não parece mais surtir os efeitos anteriores (crescimento de 7.5% do PIB em 2010).

Na verdade, o momento é de aumento dos investimentos, ampliação da infraestrutura e criação condições permanentes e sustentáveis de crescimento. Isso tem sido lento, pela dificuldade de fazer os investimentos – o PAC, por exemplo – e pela qualidade da gestão no nível local, além da praga da corrupção que paralisa obras públicas. De qualquer forma, mesmo crescendo a pouco mais de 2.5% o Brasil é uma exceção entre as grandes economias.

Por fim, Dilma teve que lidar com uma ampla sucessão de “malfeitos”, obrigando-a a tratar com uma base aliada sempre fisiológica, sem ideologia e ávida de cargos e sinecuras.

Assim, nestas condições, não é de se estranhar a pouca atenção aos assuntos externos, deixados aos cuidados dos “especialistas” do Itamaraty. Aí talvez residam as origens da atual situação.

A crise da Rio+20
Para falar toda a verdade, a Presidente Dilma foi quem mais se esforçou para o sucesso da Rio+20, utilizando suas, poucas, viagens ao exterior para pedir a presença de chefes de Estado e de Governo na conferência. Contudo, a agenda internacional era negativa. Com a agudização da crise econômica – que coincidiu com o auge da crise da Espanha e do euro – e a gastança mundial para socorrer bancos e banqueiros, a ideia original de um fundo mundial de obras e ações de sustentabilidade, foi perdida.

Da mesma forma, a proposta de criação de Agência Mundial de Meio-Ambiente – da qual não sabemos até o momento se o Brasil é favorável em razão do silêncio do Itamaraty – e posta na mesa pelo Presidente François Hollande, não prosperou. O resultado foi o rompimento das organizações não-governamentais com a direção da conferência e a “pequena crise” entre o Brasil, o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon e a primeira-ministra da Dinamarca, na ocasião representante da União Europeia.

Foi necessário e útil para a Rio+20 e o Brasil tal crise? Creio que não. Em Copenhague, em 2009, na própria presença de Dilma, quando foi armado o impasse pelos Estados Unidos e a China Popular – que não queriam nem metas nem compromissos sobre sustentabilidade – Lula deslocou-se até a capital do Príncipe Hamlet, e, ao lado de Nicolás Sarkozy, fez um imenso esforço de desbloquear a conferência e avançar metas e propostas, mesmo que auto-impostas.

Para ser mais explícito vamos citar a mídia da época: “... no último dia da conferência das Nações Unidas [ em Copenhague, 2009], o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confessou sua frustração em relação ao desenvolvimento das negociações e garantiu que o Brasil está disposto a fazer sacrifícios para financiar os países pobres a se adaptarem aos efeitos da mudança climática” [2]. Na ocassião Lula buscou apoio da Índia, da África do Sul e outros emergentes contra um “diktat” das duas grandes economias mundiais. Foi, então, o Brasil que criticou a fragilidade do docuemnto. Ao chegar a nossa vez de avançar, aceitamos um consenso murcho e frouxo...

No Rio, os diplomatas brasileiros buscaram, às pressas, um consenso mínimo e se declararam “ofendidos” pelas críticas aos parcos resultados, admoestando o secretário-geral da ONU e brandindo ofensas contra Helle Torning-Schmidt, a “premier” da Dinamarca, que havia, em verdade, criticado os Estados Unidos e pedido maior empenho em um resultado mais impositivo para a Rio+20 [3].

Ao contrário de Lula em Copenhague, a diplomacia brasileira optava pelo consenso mínimo, eximia-se de criticar os grandes poluidores – Estados Unidos à frente – e criava embaraços para a ONU e a União Européia. Ora, em Copenhague o Brasil aliara-se a U.E. e a ONU, exatamente na crítica aos EUA e a China Popular. Na ocasião, Lula não aceitara que os “dois grandes” criassem um novo “condomínio bipolar” no mundo, ressaltando o protagonismos dos emergentes.

Perdemos, na Rioi+20, a oportunidade de melhorar o perfil dos produtos brasileiros frente aos países poluidores, aceitando recomendações aquém da legislação brasileira.

Enquanto isso avolumava-se a crise no Paraguai.

A crise no Paraguai
A crise paraguaia deu-se simultaneamente a Rio+20, num momento que todas as atenções estavam voltadas para a aprovação do fraco documento proposto pela diplomacia brasileira.

O caráter “relâmpago” dos procedimentos já foi, aqui mesmo na Carta Maior, destrinchados e amplamente desmascarados seus procedimentos golpistas. Tratou-se, ainda uma vez, de um “golpe constitucional, expresso”, quando uma maioria atropela a Lei e seu espírito e letra – isso mesmo a letra da lei! – para depor um presidente constitucional, mas minoritário. Honduras, em 2009, foi o protótipo experimentado visando dar ares legais ao ilegal. A insistência da mídia brasileira em destacar os trâmites legais do golpe esbarra no Artigo 17, dos Procedimentos Processuais, Item 7, da prórpia Constituição Nacional do Paraguai que estabelece que todo acusado, em juizo, deve usufruir “...dos meios e prazos indispensáveis para a preparação de sua defesa de forma livre".

Foi tudo o que não houve no Paraguai.

Em suma, a diplomacia brasileira agiu certo ao impor, até próximas eleições, uma suspensão do país guarani no âmbito do Mercosul. No entanto, aí explicitam-se as dúvidas e dubiedades dos diplomatas brasileiros. O que houve com o acompanhamento da crise paraguaia pela diplomacia brasileira em Assunção antes do golpe? Somente no momento da crise acordamos para o, já então, inevitável?

Sem dúvida, houve erros de acompanhamento, já que a diplomacia venezuelana já havia detectado possibilidades de golpe e denunciando a situação de cerco de Lugo.

Além disso, após a “suspensão” do Paraguai, na Cúpula de Mendoza (Mercosul+UNASUL, 29/06/2012), se permitiu uma evolução ridícula da diplomacia de Assunção: primeiro cheia de elogios a Dilma Rousseff, depois tornou-se agressiva e, no limitem, injuriosa. Chegou-se ao ponto de acusar a política externa brasileira de reeditar a Tríplice Aliança – Uruguai, Argentina e Brasil na Guerra do Paraguai – reavivando o velho modelo da oligarquia do Paraguai de vitimizar-se para manter seu poder de mando. Já o embaixador paraguaio em Washington – satisfeito com a posição do governo Obama- definiu o Brasil como uma elefante numa loja de louças, sempre quebrando a “harmonia e paz” [4].

Por fim, aceitou-se a formação de uma “missão” da OEA – o mesmo organismo que se calou perante a crise de Honduras de 2009, como o Itamaraty já sabia e já experimentara com amargura – para fazer uma avaliação da “crise”, como se não fosse claro o golpe perpetrado. A missão, liderada por José Miguel Insulza, do Chile, era composta pelos EUA, Canadá, México – três países do NAFTA, extremamente críticos do Mercosul, antes defensores da ALCA, e estranhos e contrários a Unasul, além de Honduras – onde o governo é um produto do primeiro golpe constitucional das Américas e do pobre e desmantelado Haiti, de nenhuma experiência democrática.

A aceitação de tal missão, sabendo-se o que a OEA fez no caso de Honduras, e de tal composição da missão, foi um erro desde de sua criação. O resultado foi uma extrapolação dos objetivos e um claro endosso ao golpe. A bem da verdade, o Brasil só tem colecionado derrotas na OEA, incluindo aí casos como Honduras e questões de legislação. Hegemonizada pelos os Estados Unidos e seus dois aliados do Nafta – Canadá e México – seria o momento da Diplomacia brasileira romper tais laços e declarar a Doutrina Monroe – base de criação da OEA -, alma da hegemonia americana nas Américas, bem como o TIAR, como letra morta.

Por sinal, não é compreensível a razão pela qual o Itamaraty insiste em aconselhar a não abertura das investigações dos crimes contra os direitos humanos, como o caso Vladimir Herzog, opondo-se com leguleio e casuísmos perante a OEA. Em vez de sermos condenados em cortes internacionais deveríamos, ter as iniciativas da questão, como é, de fato, a política de Dilma Rousseff.

Algumas poucas verdades sobre o Paraguai
Além do Paraguai, desde décadas, nada fazer para controlar o fluxo de drogas, carros roubados e de lavagem de dinheiro, a postura internacional do país, cria sérios problemas para a diplomacia brasileira. Mesmo no âmbito Mercosul o Paraguai é um entrave. O Governo de Assunção – com outros países do Caribe e América Central e ilhas do Pacifico, sob injunções norte-americanas – reconhece o governo de Taiwan, criando sérios obstáculos para acordos entre o Mercosul e a China Popular.

Taiwan, para manter sua embaixada aberta em Assunção, oferece – como “ajuda” – cerca de 300 milhões de dólares anuais às autoridades paraguaias – no Malauí eram 400 milhões! – que são distribuídos segundo critérios políticos [5]. Uma das ameaças de Lugo, temida pelos “ajudados”, era exatamente o reconhecimento de Beijing, trocando os titulares das embaixadas. Quando a mídia brasileira “alertou” para a possibilidade de uma aproximação entre Assunção e Beijing como retaliação a sua suspensão do Mercosul, na verdade, estava trocando as bolas. As ameaças de Assunção são, sempre, de romper com o Mercosul para se aproximar dos... Estados Unidos.

Governo do Paraguai acusa Chávez
Mais uma vez a mídia brasileira apressou-se em desviar a atenção do “golpe expresso” em Assunção para acusar Chávez de intervenção nos assuntos internos do Paraguai. Mais uma vez, ainda, a Diplomacia brasileira, mesmo atingida e chamada de marionete de Chávez, manteve silêncio. Acusação, feita pela ministra da defesa Maria Liz Garcia ( portanto um ato de Estado) de que o chanceler Nicolas Maduro ( da Venezuela) tentou mobilizar o exército paraguaio para um golpe foi amplamente noticiada, mas o filme feito “provando” tal intervenção jamais foi exibido na TV brasileira. Por uma razão simples: a edição e a montagem eram primárias.

Na verdade, a Comissão de Inquérito criada para verificar a “intervenção da Venezuela” – o que ocasionou, antes de qualquer comprovação a declaração do embaixador venezuelano e do chancelar Maduro “persona non grata” em Assunção – e presidida pela Procuradora Geral da República Paraguaia Estella Marys Cano comprovou não ter havido qualquer ato ou proposta de intervenção ou conluio entre militares paraguaios e diplomatas venezuelanos.

Tal notícia, contrariando o “furo” da mídia brasileira, não foi notícia de relevo no Brasil [6].

Mais uma vez o Brasil, agora sob forte ataque da diplomacia paraguaia, decidiu por não comentar o resultado do inquérito paraguaio. Da mesma forma, as ofensas dirigidas pelo Congresso Paraguaio contra a Presidente Dilma ficaram sem resposta, inclusive da Comissão de relações Exteriores do Congresso Brasileiro, presidida pelo senador (PTB-AL) Fernando Collor.

As primeiras nomeações do novo presidente do Paraguai – uma irmã para presidir a empresa Itaipu Binacional e um cunhado como ministro – também não mereceram atenção.

Por fim, a Diplomacia brasileira sabia, e calou-se sobre isso, que o veto do parlamento paraguaio a admissão da Venezuela ao Mercosul era uma chantagem, visando arrancar dinheiro de Caracas da mesma forma que arrancam de Taiwan. No entanto, deixamos ser armada , pela política uruguaia anti-Mujica e pelos senadores paraguaios sobre os quais paira a acusação de benevolência perante o narcotráfico, uma pretensa ofensa brasileira aos brios da “democracia guarani”. O presidente Mujica, enfim, veio à público e confirmou as ligações do Partido Colorado – motor da demissão de Lugo – com os traficantes que, em última instância, infestam as grandes cidades brasileiras.

A crise com a Argentina
O país vizinho, nosso grande parceiro e aliado em fóruns internacionais – futebol à parte – passa por séria crise econômica, derivada de fatores múltiplos, incluindo uma tremenda seca e perda de lavouras (o que afeta também o Brasil). Neste contexto, Buenos Aires optou por controlar os fluxos de comércio com o Brasil, tomando uma série de medidas restritivas. A maioria delas contradiz fortemente o espírito das medidas que amparam o Mercosul.

Apesar de todas as restrições, o comércio bilateral, no entanto, alcançou a casa dos 40 bilhões de dólares, com crescimento de cerca de 35% das exportações brasileiras para a Argentina, gerando um déficit para os argentinos de mais de 6 bilhões de dólares. Tais dificuldades sempre foram comuns, e algumas vezes ásperas. Na administração Lula tais questões eram resolvidas através da chamada “diplomacia presidencial”, com entendimentos diretos entre o Planalto e a Casa Rosada. Essa era a política implantada por Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães – e que a mídia espezinhava como “diplomacia companheira” e que, em verdade, gerava emprego e renda no Brasil.

Hoje, a diplomacia brasileira – aliada com a burocracia dos ministérios brasileiros, fortemente anti-argentina – apela para uma denúncia na OMC, para além do entendimento direto com Buenos Aires. Não há, no entanto, qualquer iniciativa de discussão aberta e franca entre Cristina K. e Dilma, como antes se dava com Lula e Nestor K.

É interessante ressaltar que o comércio Brasil-Estados Unidos, a quem a Diplomacia brasileira atribui hoje grande relevância e se diz “apaziguadora” (numa crítica velada ao anterior secretário executivo do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães), é fortemente deficitário para o Brasil, e Washington prejudica claramente as exportações brasileiras de aço, sapatos, tecidos, suco de laranja, açúcar, algodão, etc...

Da visita de Obama conseguimos, em verdade, o reconhecimento da cachaça como produto nacional e a abertura de mais consulados, facilitando a ida de turistas para Miami. O Brasil exporta empregos para os estados Unidos – cerca de 900 mil postos de trabalho – com as compras brasileiras. Nem isso alenta a Diplomacia brasileira a exigir maior consideração pelos interesses brasileiros, seja no caso do Paraguai, seja na intervenção a licitação pública que anulou a compra de aviões Embraer pela Força Aérea Norte-Americana!

Projetos e Perspectivas
Sem dúvida o conjunto de iniciativas, e de ausências de iniciativas, da Diplomacia brasileira nos últimos meses explica a demissão do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães da presidência do Mercosul no último dia 29 de junho, em Mendoza. A Diplomacia brasileira volta a ser corriqueira, banal e fascinada pelos Estados Unidos – que trata o Brasil como piada, como aquela feita por Hillary Clinton na véspera de sua viagem para a Rio+20.

Em grande parte isso se deve a ausência de interesse, talvez conhecimentos, do cenário mundial por parte da presidente Dilma Rousseff. Mas, deve-se mais ainda, pela condução atual do Itamaraty.

Assim, as propostas em pauta da agenda brasileira são, exatamente, contrárias à dinâmica política externa anterior do país. Por exemplo, a proposta der aproximação com o México e sua adesão como “membro associado” ao Mercosul. Trata-se de um tremendo equívoco. O México, membro do Nafta e aliado dos Estados Unidos, será um cavalo de Tróia para produtos e serviços americanos ( além de vetar a reforma do Conselho de Segurança da ONU, visando impedir a entrada do Brasil). Além disso, criou, em 2011, com a Colômbia, Peru e Chile – países com Tratados de Livre Comércio com os EUA – a Associação de Países do Pacífico, visando contrapor-se às políticas brasileiras de integração sul-americana.

Por outro lado, abandonamos nossa posição construída lentamente no Oriente Médio. As relações com a pujante Turquia foram adormecidas, e a chancelaria brasileira recusou um encontro com os iranianos na Rio+20.

Ok, podemos entender que Dilma não goste de governos que permitem o apedrejamento legal de mulheres – ninguém gosta!

Mas, cabe dizer isso aos interessados e ter um papel construtivo numa crise – o uso de tecnologias nucleares – que envolvem, querendo ou não, o Brasil e nossos interesses. Perdeu-se uma ocasião de ouvir-se a voz do Brasil.

Enfim, seria bom, muito bom mesmo, que Dilma Rousseff encontre mais tempo para ocupar-se da Diplomacia brasileira e busca de identificá-la com as metas justas e claras de seu governo, em vez de deixar as relações exteriores no domínio da banalidade dos “especialistas”.

NOTAS
(*) Peço perdão aos leitores pela extensão do artigo, ocorre que o tema – bastante controverso – não permite uma abordagem menos clara.

[1] Ver http://blog.planalto.gov.br/brasil-sem-miseria-foco-sera-16267-milhoes-de-brasileiros-que-vivem-na-extrema-pobreza/.
[2] “Lula deixa a conferência de Copenhague”
[3] “Dinamarca critica texto da Rio+20 e pede mais empenho aos EUA” In:
[4] Embaixador paraguaio na OEA: Brasil é 'como um elefante em loja de cristal' In: BBC 'http://www.bbc.co.uk/portuguese.
[5] Paraguai vai retirar apoio a Taiwan e se aproximar da China In: http://www.felsberg.com.br/m3.asp?cod_pagina=393&conteudo=sim&i=33456&desc=if&frmArea=416&palavrachave=
[6] Manipulação das notícias no Paraguai In: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-manipulacao-das-noticias-no-paraguai

(**) Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5686

Nota da editora do Blog
Discordo da opinião do autor. Mas acho fundamental que o público a conheça. A posição do Itamaraty quanto Rio+20 foi correta, corajosa e diplomática. Acompanhei a imprensa francesa durante 20 anos, como assistente. Há 30 anos faço coberturas na área de meio ambiente. Participei da Eco-92. É fácil criticar, mas o jogo foi muito duro. Porque tudo que os europeus queriam era essa tal Agencia Ambiental. Não é preciso explicar porque. Nossos leitores são inteligentes. Regular a Amazônia, é claro!!
Zilda Ferreira

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Itamaraty pede paz nos países árabes e critica ataques à Líbia


Brasília, 27 abr (EFE).- O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou nesta quarta-feira que os países árabes precisam de "paz e desenvolvimento" e reiterou suas críticas aos ataques da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) contra a Líbia, pois, disse, podem ter efeitos contrários aos desejados.
Patriota participou de uma audiência realizada na Comissão de Relações Exteriores do Senado, na qual abordou diversos aspectos da agenda internacional, com especial ênfase na conflituosa situação provocada pelas revoltas em diversos países árabes.

O ministro indicou que a comunidade internacional deve buscar fórmulas que permitam levar "paz, desenvolvimento e segurança" a essas nações, das quais, segundo ele, que ficaram "excluídas" do processo de globalização e da "prosperidade" levada a outras regiões.

Em relação ao caso particular da Líbia, que é alvo de uma ofensiva militar da Otan autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, Patriota considerou que a situação "se voltou mais complexa" desde o início dos bombardeios.

Patriota ressaltou que o Brasil, membro rotativo do Conselho de Segurança, se absteve da votação que autorizou os ataques justamente pelo temor de que eles provocassem um efeito contrário ao desejado, que é a proteção da população civil.

Ele reiterou as críticas do Brasil aos bombardeios que foram lançados por aviões da Otan contra propriedades do líder líbio Muammar Kadafi, que, em sua opinião, estão fora do marco traçado pela resolução do Conselho de Segurança da ONU.

Segundo Patriota, esses ataques poderiam não ser "compatíveis" com as resoluções adotadas pelo Conselho de Segurança, pois vão além do objetivo de "proteger a população civil". EFE

Fonte Yahoo Notícias