quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Surge uma esperança e Aldeia Maracanã pode ser preservada


Sentindo-se cada vez mais poderoso e sem oposição consistente, o governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral (abaixo, na habitual confraria com a elite 'global' fluminense), vive um janeiro de fúria e extrapolou nas últimas semanas. O show de autoritarismo vai da insistência em demolir prédios de valor artístico e cultural, para abrir vagas de estacionamento no Complexo do Maracanã, à sanção de lei para "revisão sobre os valores morais" no estado, apontada por ativistas dos direitos humanos como ameaça a direitos de gays e políticas de saúde da mulher (leia também o próximo post e não deixe de conferir os links no final de ambas as postagens). 

No dia 12, a PM foi enviada à ocupação formada por cerca de 60 indígenas no antigo Museu do Índio, um dos prédios anexos ao Estádio Maracanã que - já anunciou o Palácio Guanabara - deverão ser demolidos para permitir a abertura de cerca de 8 mil vagas de estacionamento. Jurava o governador Cabral, uma exigência da FIFA para a Copa de 2014. Não havia ordem judicial para reintegração de posse e a sanha do governo estadual acabou frustrada. Como resposta às críticas, no dia 17 Cabral chegou a propor transferir o Museu do Índio para o terreno de um presídio que está sendo desativado, no vizinho bairro de São Cristóvão. Vinte e quatro horas depois, a Procuradoria do Estado conseguiu ordem de despejo, determinando que os índios deixassem o terreno em até dez dias. Esta semana, além do apoio de artistas e movimentos sociais de todo o país, surgiu uma esperança para a Aldeia Maracanã: possível tombamento do imóvel pelo Iphan. [R.B.]



















Aldeia Maracanã pode ser preservada

Por Henrique de Almeida*
No oitavo andar do Edifício Gustavo Capanema, no centro do Rio, uma nova esperança se acendeu segunda-feira (21) para os índios da Aldeia Maracanã. Uma reunião com membros do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Rio de Janeiro deixou a certeza de que o assunto será levado rapidamente à presidente do Instituto, Jurema Machado, a fim de proteger o antigo Museu do Índio da demolição pretendida pelo governo do estado do Rio de Janeiro.



"Tenho certeza que a presidenta, Jurema Machado, é extremamente sensível a essa questão", disse Lia Motta, arquiteta e coordenadora de pesquisa e documentação do Iphan. 

Devido à urgência do assunto, o instituto encaminhará um ofício, com o conteúdo da reunião, que indica a necessidade de um posicionamento do Iphan até a próxima sexta, 26, último dia do prazo dado para uma resposta do Governo Federal a respeito da demolição do prédio.

Além do caminho institucional, os índios continuam com um objetivo em mente: tentar encontrar o documento de doação das terras do museu, em 1865, para pesquisas sobre a cultura indígena. A doação da área foi feita pelo Duque de Saxe, genro de D.Pedro II. Tal documento seria uma arma para pedir o tombamento de toda área da Aldeia Maracanã.

"Nós já sabíamos que o governo ia tentar fazer isso ilegalmente, desapropriar uma área que foi retomada por nós em 2006. As pessoas estão se conscientizando do valor histórico, e não só arquitetônico, do prédio", lembrou o cacique Carlos Tucano, sorridente após o encerramento da reunião. Sobre o documento, ele disse: "sempre buscamos este documento, e os juízes e advogados que temos ao nosso lado podem nos ajudar juridicamente a achá-lo".

Observador em todo o caso, o advogado Antônio Modesto Da Silveira, membro da comissão de ética da Presidência da República, fez um recuo histórico para definir o espírito dos que apóiam a causa indígena após a reunião desta segunda:

"Os sobreviventes do genocídio indígena desde 1500 veem, agora, uma esperança para a preservação da sua cultura", comentou o advogado.



Reconhecimento histórico
João Batista Damasceno, membro da Associação de Juízes Para a Democracia, lembrou que a propriedade do antigo Museu do Índio é do Governo Federal, conforme consta no 11º Registro de Imóveis(RGI), sob o número 62.610. Mas, demolir o prédio do Museu do Índio não seria um fato isolado no Rio de Janeiro. "O Rio de Janeiro tem uma cultura de demolir os prédios antigos", lembrou ele. "Aquela aldeia é a maior prova de que o índio pode viver em um espaço urbano", pontuou.



Marize Oliveira, que faz trabalhos com diversas escolas para divulgar a cultura índigenas na rede municipal de ensino, disse que "demolir o prédio é enterrar a cultura indígena no Rio de Janeiro". Ela reforçou o argumento de que o prédio foi abandonado e retomado pelos índios em 2006, legitimando a Aldeia Maracanã como um espaço de cultura indígena.

Em um dado momento da reunião, o cacique Carlos Tukano pediu a Lia Motta, coordenadora do Iphan, que tomasse a frente deste projeto e ajudasse nessa questão. Ela prometeu o apoio à questão dos índios, e fez uma análise da situação:

"O olhar sobre o tombamento do Museu do Índio está sendo do ponto de vista do imóvel, e não do ponto de vista dos sentidos e significados históricos do antigo Museu do Índio", explicou, classificando ainda a demolição como "um absurdo", e lembrando que o Iphan "sempre manteve independência das políticas de governo".

A advogada Valéria Lima, que representa os índios, lembrou que a desembargadora Maria Helena Cisne, presidente do Tribunal Regional Federal, 2ª Região, quando derrubou as liminares, argumentou que os índios não possuíam um documento de tombamento do Iphan. "Precisamos de documentos para um parecer curto e preliminar, para que possamos acionar as autoridades competentes", pediu Valéria.

Modesto da Silveira, conhecido defensor dos Direitos Humanos, usou um exemplo recente para exemplificar o seu temor a respeito da desapropriação da Aldeia Maracanã: "Temo que tenhamos um novo Pinheirinho, um novo massacre em um caso de reintegração de posse", disse ele.

Restauração
Carlos Tukano, um dos líderes da Aldeia Maracanã, mostrou ao Jornal do Brasil plantas do Museu do Índio, sob o nome Casa Tamoios: Restauração do Patrimônio Material, um abrigo para o Patrimônio Imaterial, do Prêmio Arquiteto do Amanhã de 2008. O prêmio é dado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil.




Conforme mostrou Tukano, no projeto estão fotos e desenhos do antes (2008), do hoje e do depois do prédio do Museu do Índio, inaugurado em 1910. As propostas de restauração do prédio chamaram a atenção. "No nosso projeto, a gente quer colocar um reforço na estrutura para impedir que ela desabe. Vamos também restaurar o mezanino", enumerou o cacique. "Não estamos esperando sentados. Isso é uma prova de que estamos trabalhando há tempos com alternativas de restauração do prédio", comentou Tukano.

Na primeira planta, que mostra o estado do prédio em 2008, fica evidente a falta de material em diversos pontos da estrutura do museu. Com os projetos em mãos mostrados e encaminhados ao Iphan em Brasília, no entanto, ele adquiriu novas esperanças, e pediu o apoio da população:

"É preciso preservar a história e a cultura de todos os povos que lá estão, cerca de 20 etnias indígenas", finalizou.

Comentários e ironias
Na última quarta-feira, o governador Sérgio Cabral, ao ser perguntado sobre o motivo de nada ter sido feito antes em relação ao Museu do Índio, disse que era "porque não havia Copa do Mundo".

Afonso Apurinã, ao saber da frase do governador, ficou indignado: "Então ele está fazendo o trabalho apenas para empresários, brasileiros e internacionais. E agora, ele está desesperado. Mas nós não temos culpa disso tudo", declarou Apurinã.

Já Tukano lembrou do Pan-americano de 2007 como exemplo de respeito ao espaço do Museu do Índio. "Quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa, ele começou a se alvoroçar. Depois da Cúpula dos Povos e do Rio +20, em julho, ele disse que compraria o prédio. Nós sabíamos que o tiro viria, e viria forte. Mas ele esperou até depois dos eventos com os líderes mundiais para fazer qualquer coisa", finalizou Tukano.
*no JB On Line

Relacionadas:
-De Brasília: Comissão de DH da Câmara Federal manifesta apoio à Aldeia Maracanã e cobra explicações
-Nota de Apoio da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados à Aldeia Maracanã
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-Declaração da FIFA à DPU negando suposta exigência da entidade para demolições no entorno do Maracanã 

Journal du Mali: O Mali, a França e os extremistas


Por Tariq Ramadan*
O mundo observa, e a classe política francesa parece unanimemente de acordo quanto ao início de uma intervenção militar ao norte do Mali contra os “islamistas”, “jihadistas”, “extremistas”. Nada a criticar por o governo ter-se engajado sozinho, mas a decisão de iniciar ação militar foi considerada “justa”. O presidente francês, François Hollande (acima), que parecia perdido no coração de governo confuso e desorientado, aplica belo polimento ao brasão e reconstrói para si a imagem de homem de Estado, de chefe de guerra, que quer “destruir o inimigo”, “impedi-lo de avançar”. E assim a França vê luzir no norte do Mali, afinal, a imagem de um presidente firme, forte, determinado, instalado em Paris.

É preciso começar pelo começo e assumir posição clara. A ideologia e as práticas das redes, grupos e grupúsculos de salafistas jihadistas e extremistas devem ser condenadas com absoluta firmeza. O modo como compreendem o Islã, o modo odioso como instrumentalizam a religião é abominável, os castigos físicos e corporais são absolutamente inaceitáveis.

Mais uma vez, a consciência muçulmana contemporânea internacional deve manifestar-se alto e forte para dizer e repetir que aquela compreensão e aquela aplicação do Islã são traição, são horrendas, são vergonhosas. Os primeiros a oporem-se àquilo têm de ser os muçulmanos, pessoalmente, e as sociedades majoritariamente muçulmanas. Politicamente, intelectualmente e com toda a força da consciência e do coração, sem restrições, sem concessões.

A essa firme posição de princípio, é preciso acrescentar a análise geoestratégica, e não confundir a clara posição moral, de um lado; com uma posição política ingênua, binária, simplista. Ser contra os extremistas jihadistas não implica, não, de modo algum, aceitar sem protesto a política francesa naquela região.

A expressão “estão conosco ou estão contra nós” de George W. Bush é falsa nos fundamentos e perigosa tanto na substância como nas consequências. Por trás do engajamento “nobre” da França ao lado dos povos africanos ameaçados, há algumas questões que têm de ser expostas e explicadas com clareza.

O ocidente em geral e a França em particular esqueceram aqueles povos durante décadas, sob ditaduras na Tunísia, no Egito e na Líbia, antes de porem-se a entoar loas a “revoluções”, à “primavera árabe” e à liberdade. Na Líbia, a intervenção humanitária encobriu aspectos sombrios, odores de interesses petroleiros e econômicos mal dissimulados, quando não declarados.

Poucos meses adiante, a França intervém no Norte do Mali para o bem do povo, com a única intenção declarada de proteger aquele país “amigo” do perigo dos extremistas aliados a rebeldes tuaregues. É o que dizem. Em todas as exposições políticas e midiáticas dos fatos, faltam dados econômicos e geoestratégicos – o que é grave. Nada se diz da história longa, nem da história recente, das alianças da França com vários e sucessivos governos do Mali. Tudo se passa como se a França não fizesse outra coisa além de exprimir solidariedades políticas gratuitas aos povos, generosamente, sem outra intenção ou projeto.

De fato, nos bastidores dos recentes tumultos políticos jamais deixou de haver o dedo da França, que interveio, que pressionou, que descartou os atores malineses que a perturbavam (fossem políticos ou militares), que fez alianças úteis, que participou de reuniões do governo e também de reuniões em territórios tribais, em espaços civis e militares. Amadou Toumani Touré, derrubado por um golpe de Estado dia 22/3/2012, foi enormemente fragilizado e acabou isolado após a queda do coronel Kadafi.

Parece ter pago o preço político que lhe foi imposto por suas políticas favoráveis ao Norte e por suas ideias sobre a atribuição de futuros mercados de exploração do petróleo. Os laços (várias vezes difíceis) entre a França e a organização separatista “Movimento Nacional para a Libertação do Azawad” (MNLA) não são segredo; aqueles laços levaram a que se instalasse uma fratura entre o sul e o norte do Mali, bem útil para os que se programavam para explorar riquezas minerais muito promissoras. A presença da Al-Qaeda no Magreb Islâmico e a aliança que fez com as tribos tuaregues no Norte são já há três anos, e ainda mais agora, como se vê, fatores que explicam também, mas nada explicam sozinhos, a presença militar francesa na região – a qual foi afinal oficializada depois de declarada “a guerra”, há poucos dias.

O governo francês e os executivos da transnacionais de petróleo e gás sempre minimizaram o mais possível as descobertas de recursos minerais na região do Sahel entre a Mauritânia, o Mali, o Niger e a Argélia. Em certo momento, falou-se de um “milagre malinês”. Mas fato é que os dados são bem mais conhecidos e comprovados do que fazem crer as “declarações”.

Jean François Arrighi de Casanova, diretor da Total francesa para o norte da África, não hesitou em falar de “um novo Eldorado”, ante a descoberta de gigantescas jazidas de petróleo e gás. Há naquela área nada menos que cinco bacias muito promissoras. A bacia de Touadenni, na fronteira com a Mauritânia, já revelou a importância de seus recursos. A essa se acrescentam as bacias de Tamesna e de Lullemeden (na fronteira com o Niger), a bacia de Nara (perto de Mopti) e a bacia de Gao.

A Autoridade para Pesquisa de Petróleo [orig. Autorité pour la Recherche Pétrolière (AUREP)] confirma o potencial do subsolo do norte do Mali (essencialmente, são reservas de gás e petróleo). O Mali, a Mauritânia, a Argélia e o Niger são os primeiros afetados e – com a queda do coronel Kadafi – as perspectivas de exploração abriram-se para empresas francesas (à frente delas, a Total), italianas (ENI) e argelinas (Sipex, filial de Sonatrach) que já investiram mais de 100 milhões de dólares (segundo estimativas) em estudos e sondagens, apesar das dificuldades devidas à aridez da região e à segurança precária.

O amigo povo malinês vale bem que a França o defenda, seu sangue, sua liberdade e sua dignidade, sobretudo se se sabe que, acessoriamente, o trabalho implicará farta sobremesa em gás e petróleo. Os recursos minerais do norte do Mali não são fantasia, nem são miragem. Miragem é, isso sim, a descolonização.

Ninguém pode negar a existência de grupos extremistas violentos e radicalizados que constroem e disseminam compreensão pervertida e inaceitável do Islã. É verdade e já o dissemos: é necessário condená-los. É preciso ver e mostrar que esses grupos adotam estratégias políticas contraditórias, além da muito suspeita tendência a aparecerem e se instalarem exatamente onde haja recursos minerais em disputa. Lá estavam, no Afeganistão (numa área imensamente rica de petróleo, gás, ouro, lítio...) e agora, outra vez... Não se entende por que os “loucos” extremistas aparecem agora instalados no Sahel malinês, para ali aplicar sua “xaria” desumana e tão pouco islâmica. No Sahel desértico!

É preciso dizer e repetir, para que não reste qualquer dúvida. Não se contesta que esses grupúsculos de islamistas existam. Mas é preciso explicar inúmeros detalhes de como seus grupos podem ter sido infiltrados (os serviços de informação USAmericanos, e também os europeus, já admitiram o uso de táticas de infiltração e de agentes provocadores ou instigadores). Os pontos onde os grupos islamistas instalaram-se e seus métodos de operação podem bem ter sido orientados, induzidos. Já se viu acontecer durante o governo de George W.Bush, vê-se agora outra vez no Mali, o quanto “terroristas” podem ser úteis.

Um chefe malinês falou de seus problemas, em nossa mais recente visita à região: “Temos ordem de exterminá-los, de destruí-los, mesmo que estejam desarmados. Não fazer prisioneiros! Fazemos de tudo para enlouquecê-los e empurrá-los para o radicalismo”. Espantosa estratégia de guerra!

O jornal Le Canard Enchaîné noticia que o aliado francês, o Qatar, teria assinado um acordo com a empresa Total – para as explorações no Sahel – e, paradoxalmente, daria também apoio logístico e financeiro a grupos radicais, como os “insurgentes do MNLA (independentistas e laicos) e os movimentos Ansar Dine, AQIM e MUJAO”. Caso tudo isso seja comprovado... haveria aí alguma contradição descabida? Ou seria modo de estimular a ação dos pirômanos extremistas, até o ponto em que se torne necessário, urgente, inadiável chamar os bombeiros (franceses)?

Uma divisão de funções, tão eficaz quanto cínica.

O mundo observa, e a recente captura de reféns na Argélia mobilizará ainda mais fortemente sentimentos nacionais em apoio à operação militar. Reféns americanos, ingleses, noruegueses, etc. e tudo em solo da Argélia: o contexto extravasa da França. O povo do Mali rejubila-se, na maioria, muitos não são ingênuos: a França amiga é mais amiga sempre de seus interesses; e o seu modo de intervir seletivamente (na Líbia ou no Mali, mas não na Síria ou na Palestina) nada tem de novidade. A política enviesada da “France-Afrique” acabou, nos dizem, e as colonizações políticas e/ou econômicas já são cinza; raiou a liberdade; “soou a hora da dignidade das nações e da democracia”! É indispensável, pois, aderir beatamente a essa hipocrisia generalizada.

É preciso denunciar os extremismos, condenar ações extremistas e a instrumentalização da religião e das culturas, mas chega afinal o dia quando se tem também de olhar cara a cara as responsabilidades. Olhar cara a cara a responsabilidade dos Estados africanos e árabes que esquecem os princípios elementares da autonomia e da responsabilidade política (além do respeito e da dignidade de seus povos). Olhar cara a cara as elites africanas e árabes, e nós todos, que somos tão altamente incapazes de propor uma visão clara da independência política, econômica e cultural. Olhar cara a cara os povos que se deixam arrastar por emoções populares e miragens de “potências amigas”. Olhar cara a cara nós mesmos, todos, políticos, intelectuais e cidadãos preocupados com manter a dignidade e a justiça nos países do Sul. É preciso olhar firmemente o espelho da nossa responsabilidade decisiva quanto ao que se passa sob nossos olhos.

A “destruição” dos extremistas jihadistas do norte do Mali não é nem promessa, nem garantia de liberdade para o povo do Mali; é, isso sim, no longo prazo, uma forma, sofisticada, de nova alienação. Contudo, nunca como hoje as forças de resistência dos países do “Sul Global” (com os movimentos políticos e engajados do norte), nunca como hoje, dizíamos, essas forças encontraram melhor oportunidade para abrir novos horizontes e abrir novas trilhas da direção da própria liberdade.

Nada se vê hoje além dessa euforia, a celebração, ou então o silêncio, a ação libertadora da França e da “comunidade internacional” que unanimemente apoia a França. Como se o Oriente Médio e a África tivessem aceito ser submissos ante os últimos cartuchos lançados por esse ocidente que agoniza, ferido por suas dívidas, suas dúvidas e as crises econômicas, políticas e identitárias que o atravessam.

O melhor serviço que a África pode prestar a ela mesma, e ao ocidente, é não curvar-se à nostalgia e aos delírios de poder do ocidente, mas resistir-lhes com dignidade, com coerência, em nome dos valores que o próprio ocidente e a própria França defendem quase tanto quanto traem, diariamente, sob o peso de suas políticas de mentira e hipocrisia, na América Latina, na África, como na Ásia.

O norte do Mali é revelador. Ali se vê em ação o que mais medo nos deve causar: um povo que canta sua liberdade política à qual aparece associado um novo desenvolvimento econômico. E há políticos ou intelectuais africanos ou árabes que aplaudem o que veem (conscientes ou inconscientes, ingênuos, arrivistas ou interesseiros).

A hipocrisia e a covardia dos interesseiros espelha a hipocrisia e a manipulação das “grandes potências”.
*via 'redecastorphoto', com tradução do coletivo Vila Vudu

Leia também:
Não à intervenção colonial no Mali

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Não à intervenção colonial no Mali


A França abusa do imperialismo mais desenfreado. Após realizar com os britânicos o massacre 'terceirizado' - e regado a bombas de urânio empobrecido - à Líbia de Kadafi em 2011, agora volta sua artilharia contra o Mali. Está prestes a fazer o mesmo com a Argélia. Para proteger interesses de seu país no noroeste africano, sobretudo ativos ambientais e commodities explorados por multinacionais francesas nas ex-colônias, o presidente François Hollande não poupa esforços e tem com isso garantido alta aprovação de seu eleitorado, o mesmo que meses após levá-lo ao Palácio do Eliseu (maio de 2012) demonstrava crescente insatisfação com o governo. Para atacar e invadir o Mali, Hollande tem contado com a preciosa ajuda da Itália do eterno 'premiê interino' Mario Monti.

O secretário de Relações Internacionais do Partido dos Comunistas Italianos (PdCI), Fausto Sorini, distribuiu nota repudiando a intervenção colonial francesa no Mali e o envolvimento da Itália nessa ação de guerra.


Via Rede Democrática*

"Somos totalmente contrários à intervenção militar francesa no Mali e à decisão do governo italiano de dar apoio “logístico” às operações bélicas e ao envio de militares ao terreno. 

A decisão assumida pelo presidente “socialista” Hollande (que tinha avalizado a decisão de Sarkozy de fazer a guera contra a Líbia) se alinha com as tradições de intervencionismo neoimperialista das classes dominantes francesas e desmente uma vocação progressista que de maneira muito apressada e incauta foi-lhe atribuída por amplos setores da esquerda italiana e europeia.

Associamo-nos à crítica clara feita ao presidente Hollande pelos comunistas franceses e pela Frente de Esquerda. A intervenção militar francesa não corresponde de nenhum modo à orientação do Conselho de Segurança da ONU e se destina a estender, e não resolver, as agudas contradições e a conflitualidade política de que a região é um ponto culminante (como se vê pelos enfrentamentos militares que também estão ligados à captura de centenas de reféns e ao massacre que se seguiu: o episódio que já envolveu a Argélia, agora com o risco de estender-se a outros países circunvizinhos, como o Niger).

O Mali é objeto de uma guerra civil onde, ao Norte do país, atuam componentes islâmcos radicais, que são uma consequência da desestabilização regional provocada pela guera contra a Líbia de Kadaff, e que foram alimentados pelo recente golpe no Mali que dividiu o país e radicalizou as facções em luta.

Nesta situação, a ONU autorizou uma intervenção pacificadora de capacetes azuis compostos exclusivamente de contingentes interafricanos; ao contrário, a intervenção unilateral francesa – que já recebeu o apoio da OTAN – se insere arbitrariamente em tal contexto com finalidades meramente neocoloniais, a retomada do controle da região e das riquezas (ouro, pedras preciosas, petróleo, urânio) de que o Mali é ditado.

O ex-presidente francês gaulista Valéry Giscard d'Estaing, em uma entrevista concedida em 13 de janeiro ao Le Monde, denuncia os riscos da intervenção e afirma que quer “pôr-se em guarda contra uma evolução da ação francesa no Mali, que seria de tipo neocolonialista”. Também os principais jornais argelinos acusam Hollande de reacender antigas veleidades coloniais da França.

A decisão do governo italiano de dar apoio político e militar “logístico” à intervenção francesa – governo demissionário que deveria estar encarregado apenas da administração! - viola o artigo 11º da Constituição, que repudia a guerra como instrumento de solução das controvérsias internacionais. É grave que não só o Pólo da Liberdade [direita] e o polo centrista, mas também a direção do Partido Democrático [centro-esquerda] – consultados por Monti [primeiro-ministro demissionário] – tenha avalizado a escolha do governo, enquanto não se vê até agora nenhuma dissociação clara em relação a Grillo [ministro das relações Exteriores].

Um motivo a mais para convencer a opinião pública que se inspira nos valores da paz da nossa Constituição de quanto é importante dar força política – e uma consistente presença no Parlamento – às forças comunistas, de esquerda e democráticas que hoje se agrupam na chapa de Ingroia. Esta lista eleitoral deverá, a partir deste acontecimento, dar impulso a uma consolidação política e programática à própria orientação contrária à guerra e por uma política externa de paz na Itália, no espírito e na lera da nossa Constituição."
*traduzido do italiano pela redação do Vermelho

Relacionadas:
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-Argélia: Paris diz que sequestro em campo de gás foi 'ato de guerra'
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domingo, 20 de janeiro de 2013

Era para serem outros 500

14/01/2013 - Política indigenista: era para serem outros 500
- Cristiano Navarro - da Redação Brasil de Fato


Em uma década o movimento indígena passou da expectativa por mudança à inviabilidade do diálogo.

A história brasileira se repetiu em sua então mais importante efeméride.

Ao relembrar a data dos 500 anos da invasão portuguesa às terras onde mais tarde seriam reconhecidas como Brasil, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso mandou construir réplicas de Caravelas e organizou uma grande festa convidando políticos, religiosos, militares e puxa-sacos para comemorar a trágica colonização europeia.

Em resposta, indígenas de todo Brasil, militantes sem-terra, quilombolas, estudantes, sindicalistas e parlamentares da oposição se dirigiram em marcha para participar do convescote mesmo sem convite.

No caminho da marcha de Santa Cruz de Cabrália até Porto Seguro, onde se realizavam as comemorações, os “penetras” foram interceptados pela Polícia Militar da Bahia com bombas, helicópteros, gás lacrimogêneo, cachorros e balas de borracha.

As imagens da batalha que terminou com militantes feridos e presos evocavam a ideia de que dali em diante seriam outros 500, especialmente para o movimento indígena, que participou mais massivamente.


Assim, a chegada de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da República fez crescer o sentimento de mudança.


Mas não foi bem assim.


Apoiados em números que mostram a redução das demarcação de terras, o aumento dos casos de violência praticados pelo Estado contra as comunidades e a redução orçamentária para regularização fundiária dos territórios, o movimento indígena e seus apoiadores observam os dez anos de governo Lula e Dilma Rousseff como sendo de profundo retrocesso.

Retrocedemos muito neste período. Se antes lutávamos pelo cumprimento dos nossos direitos, hoje lutamos para não perder esses direitos reconhecidos na Constituição”, lamenta Sônia Guajajara, coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Em média, os governos dos presidentes Lula e Dilma homologaram menos terras, em número e extensão, do que os antecessores José Sarney, Fernando Collor de Melo, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
Na avaliação dos defensores dos direitos indígenas, a razão para este retrocesso está na opção de modelo desenvolvimentista para o campo e para as florestas adotado pelos governos nesta última década. “Pela origem do governo ligado aos movimentos sociais, o movimento indígena criou muita expectativa, mas ele fez uma aliança com os latifundiários e as mineradoras, deixando os nossos interesses de lado”, lembra Rildo Kaingang, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

Mais grave do que o não reconhecimento dos territórios foi a utilização do decreto 1775/96 como instrumento redutor de terras indígenas. A partir de sua edição, várias terras sofreram redução durante o governo FHC. Embora durante a campanha o presidente Lula houvesse prometido a intenção de revogar o decreto, não apenas o manteve inalterado como também o utilizou para reduzir terras, a exemplo da exclusão de 230 mil hectares da terra indígena Baú, do povo Kayapó, no estado do Pará, em 2004.

No congresso
O fortalecimento político e econômico dos setores ligados ao agronegócio e a exploração de energia e minérios, se traduziu em pressão não só sobre o poder executivo, mas também sobre o legislativo e o judiciário. Assim, não só as terras deixaram de ser reconhecidas pelo Estado como também as leis que asseguram este direito às populações indígenas passaram a ser ameaçadas. As Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 38, de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti do PTB de Roraima, e 215 sob responsabilidade do deputado Osmar Serraglio do PMDB do Paraná, colocam o Congresso como um dos responsáveis pelo reconhecimento das terras indígenas.

No caso da PEC 38, além de submeter as demarcações de terras indígenas à aprovação do Senado, a proposta também estipula que as demarcações ou unidades de conservação ambiental não excedam 30% do território dos estados. Ou seja, alguns estados, especialmente os do Norte, teriam de rever as áreas já reconhecidas.

O ataque direto aos povos indígenas se concretiza no avanço destas PEC´s. A bancada ruralista não se contenta com as pressões no Executivo e no Judiciário. Eles próprios querem decidir se uma terra é ou não indígena, se uma terra é ou não quilombola, ou se uma terra é ou não Reserva Ambiental”, avalia Buzatto.

Em meio às pressões pelas mudanças na Constituição, a governabilidade se põe em favor dos ruralistas.“Hoje fica complicado contar com os deputados do PT que tradicionalmente defenderam os direitos indígenas”, crítica Rildo Kaingang.

Surdez
Uma das principais reclamações do movimento indígena durante este período é falta de ouvidos do Executivo. Após muita cobrança por mais diálogo, o governo criou em março de 2006 a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). Composta por representantes do governo, representantes do movimento indígena e indigenista, a comissão foi pensada para acompanhar a tramitação de projetos de lei e propor diretrizes para a política indigenista do governo federal. Seis anos após sua criação, inúmeras são as críticas a este canal de interlocução.

Para Sônia Guajajara, a surdez do Palácio do Planalto impossibilita o entendimento entre as partes. “Com o tempo percebemos que estes espaços só serviam para legitimar as políticas do governo. Porque o governo pensava seus projetos em cima de nossos direitos e nossas terras e os tocava sem nos consultar. As coisas sempre vêm prontas do Executivo, como a Portaria 303 e a usina de Belo Monte. Este procedimento veio a interromper qualquer possibilidade de diálogo”, sintetiza.

A portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU) citada pela representante da Coiab é a grande dor de cabeça do movimento indígena.

Entre outras determinações que ferem os direitos indígenas, a portaria afirma que as terras indígenas podem ser ocupadas por militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais, sem consulta aos povos; autoriza a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas; relativiza o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes em suas terras; e cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas demarcadas.

O governo não tem uma agenda de diálogo com o movimento indígena. As discussões que não interessaram ao governo são bloqueadas na CNPI atendendo sempre a interesses de mineradoras e do agronegócio”, ressalta Rildo Kaingang.

Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/11545

Nota:
A inserção de algumas imagens, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.




sábado, 19 de janeiro de 2013

A cara do Rio que se mobiliza

                                        19/01/2013 - Antonio Fernando Araujo (*)

Mais uma vez o Rio de Janeiro volta a se movimentar.

Em defesa da Aldeia Maracanã foram milhares os que, no último dia 13/01 se viram compelidos a sair em defesa dos índios dessa aldeia urbana.

Um batalhão de choque da PM cercou a aldeia e só não concretizou mais uma de suas ações porque encontrou reação de militantes e movimentos sociais”, escreveria mais tarde o professor de História, Antonio Elias Sobrinho, o que deixaria a todos assombrados buscando encontrar explicações sobre o porquê de tanta voracidade do governo sobre duas dezenas de brasileiros que, num prédio em ruínas, ali se encontram há mais de uma década tangenciando a miséria a que foram relegados, e, ainda assim, procuram manter intactas suas tradições e sua cultura já semidestroçadas pelo forçado convívio urbano com uma grande metrópole.

No entanto, como prossegue o autor, “a compreensão dessa realidade deve servir para que todas as forças sociais que se opõem” entendam ser “necessário a união e a ação do maior número de pessoas possíveis, não só para se opor a esta ordem como também para tentar construir um projeto que seja alternativo”. 

Em tudo semelhante a construção de um projeto alternativo, foi como percebemos em um primeiro momento, a convocação que ontem iluminou as redes sociais e até o próximo dia 30 vai se espalhar pela mídia alternativa de todo o país e, quiçá, do exterior.

O Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, com sede em São Paulo, em conjunto com Blogueiros e Internautas Progressistas do Rio de Janeiro, conhecidos por sua sigla RioBlogProg e apoiados pela Central Única dos Trabalhadores, também do Rio, lançaram uma ampla CONCLAMAÇÃO – CONVITE, subtitulada, EM DEFESA DA DEMOCRACIA - QUEREMOS UM JULGAMENTO SEM ERROS.

O anúncio de um Abaixo-assinado em que pedem a realização de um novo julgamento, em decorrência dos erros que alegam ter encontrado ao longo do processo que condenou praticamente todos os réus da AP 470, a do chamado “mensalão petista”, serve de epígrafe para um “JOGO DOS SETE ERROS” que por sua vez antecipa aquilo que só mais adiante nos permitirá compreender, ao menos em parte, as razões que se ocultam por detrás desse processo e como seu desenrolar deixou nítidas as pegadas de um dos erros mais clamorosos praticados por uma instituição jurídica que, garantem, querem ver preservada acima de tudo, pelo bem de uma Democracia que ainda engatinha.

E eles não parecem estar falando à toa quando asseguram:

O julgamento da Ação Penal 470 apresentou erros.
Erros graves, porque ocorreram principalmente naquilo que sustentou a tese condenatória do relator juiz Joaquim Barbosa. Na lista abaixo nós os identificamos integralmente. Daí a razão deste Abaixo-Assinado.

Não pleiteamos aqui a absolvição dos réus.

O que queremos é um novo julgamento, de forma correta, rigorosamente assentado nos documentos constantes dos Autos, coisa que, no nosso entender, não foi feito, ou as falhas aqui apontadas não teriam sido detectadas. Ei-las, no que chamamos de:

O JOGO DOS SETE ERROS NO JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470

1. Erro 1: Considerar que o dinheiro do Fundo Visanet era público.
Não era; não pertencia ao Banco do Brasil (BB). Pertencia à empresa privada Visanet, controlada pela multinacional Visa Internacional, como comprovam os documentos.

2. Erro 2: Considerar que o Banco do Brasil colocava dinheiro na Visanet.
O BB nunca colocou dinheiro na Visanet. A multinacional Visa Internacional pagava pelas campanhas publicitárias realizadas por bancos brasileiros que vendessem a marca VISA.

3. Erro 3: Considerar que houve desvio de dinheiro e que as campanhas
publicitárias não existiram.
Não houve desvio algum. Todas as campanhas publicitárias, com a marca VISA foram realizadas pelo BB, fiscalizadas e pagas pela Visanet. Toda a documentação pertinente encontra-se arquivada na Visanet e o Ministro relator teve acesso a ela.

4. Erro 4: Omitir ou, no mínimo, distorcer informações contidas em documentos. 
A Procuradoria Geral da República/Ministério Público Federal falseou e omitiu informações de documentos produzidos na fase do inquérito para acusar pessoas. Exemplo de omissão: somente representantes autorizados do Banco do Brasil tinham acesso ao Fundo Visanet.

5. Erro 5: Desconsiderar e ocultar provas e documentos.
Documentos e provas produzidos na fase da ampla defesa foram desconsiderados e ocultados. Indícios, reportagens, testemunhos duvidosos, relatórios preliminares da fase do inquérito prevaleceram. No entanto foram desconsiderados todos os depoimentos em juízo que favoreciam os réus.

6. Erro 6: Utilizar a “Teoria do Domínio Funcional do Fato” para condenar sem provas.
Bastaria ser “chefe” para ser acusado de “saber”. O próprio autor da teoria desautorizou essa interpretação: "A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ‘ter que saber’ não basta".

7. Erro 7: Criar a falsa tese de que parlamentares foram pagos para aprovar leis. 
Não existe prova alguma para sustentar esta tese. De qualquer forma, não faria sentido comprar votos de 7 deputados, que já eram da base aliada, dentre 513 integrantes da Câmara Federal, quando 257 votos eram necessários para se obter maioria simples.












Resta ainda considerar alguns outros equívocos:

* O duplo grau de jurisdição para réus é uma exigência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ao não garanti-lo, o STF violou o Pacto de São José da Costa Rica.

* Assim, 35 dos 38 réus não tiveram direito à segunda instância. Por decisão do Supremo, o julgamento de todos foi apenas em uma instância, o STF, embora 35 não tivessem direito ao chamado foro privilegiado.

* O uso da dupla-função. Quem preside a fase de investigação não pode depois participar do julgamento, porque nesse caso cumpre os papéis de investigador e de juiz;

* “O Supremo deu grande relevância à prova indiciária, até então considerada a mais perigosa de todas”, como disse o juiz Murilo Kieling. Tal prova é perigosa porque pode permitir a manipulação dos indícios por juízes inescrupulosos ou a serviço de interesses políticos ou econômicos.

Considerando o exposto, pode-se entender como os Procuradores, primeiro Antonio Fernando de Souza e em seguida Roberto Gurgel, junto com o Ministro Joaquim Barbosa, construíram a tese da acusação. A partir dessa construção desenrolaram a trama que condenaria praticamente todos os réus.

Foi desta forma que a AP 470, a ação penal do chamado "mensalão petista", se tornou a mais eficaz e sedutora arma que a grande mídia, liderada pela poderosa Família GAFE da Imprensa (Globo/Abril/Folha/Estadão), conseguiu construir desde 2002 para finalmente empunhá-la em 2012. Seu alvo é o projeto de nação que há 10 anos o Partido dos Trabalhadores concebeu e vem construindo, um projeto dificílimo de ser derrubado nas urnas.

O que esse projeto tem de mais?
Ele bate de frente com interesses vitais do chamado “mercado financeiro", aquele dos capitalistas e investidores do mundo dos negócios privados não-produtivos, em estreita sintonia com o empresariado ligado às exportações de commodities (agropecuária e minérios) assentados no topo da pirâmide socioeconômica, lugar das corporações e megacorporações nacionais e, principalmente, internacionais.

E a Família GAFE da Imprensa - centrada no Rio e em São Paulo - é a porta-voz desse povo. Nela, apenas essa gente e seus interesses - com o endosso da classe média alta - têm direito a voz. Ela atua diretamente através de seus próprios órgãos de divulgação ou por meio dos veículos do seu partido, o PIG (Partido da Imprensa Golpista), composto por seus afiliados em todas as redações desse Brasil afora. Seu Instituto, o Millenium, com sede no Rio, funciona como o cérebro pensante. É, principalmente, de lá que saem as teses defensoras dos privilégios dessa classe alta.

Para elas o país é visto apenas como um celeiro de oportunidades de negócios para que seus membros se tornem, a cada ano, ainda mais ricos e poderosos, aqui ou no exterior.

No caso deste julgamento, todavia, algo se tornou ainda mais preocupante.

Nos golpes recentes ocorridos em Honduras e Paraguai, vimos a Corte Suprema e Parlamentares desses países funcionarem como legitimadores da quebra da ordem institucional e contando sempre com o apoio da mídia empresarial local.





No instante em que testemunhamos aqui nosso Supremo Tribunal Federal (STF), conscientemente ou não, pondo-se a serviço desse poder hegemônico, representado, como vimos, pela mídia-empresa, num país em que a democracia ainda engatinha, assombra-nos o risco enorme que ela corre.

Sim, tememos que um golpe semelhante, também institucional, ocorra entre nós, lembrando que em 1964 já tivemos essa mesma Família GAFE apoiando e saudando com júbilo o advento do golpe militar quando as Reformas de Base que Jango propunha “ameaçavam” suprimir, em especial das elites do campo, alguns poucos privilégios.

Devem-se apurar os supostos desvios, processar e julgar os eventuais denunciados nessa AP 470. Mas quando isso se transforma, nas mãos do que existe de mais egoísta e retrógrado no país, em uma arma que visa unicamente torpedear um projeto de nação voltado à redução das desigualdades sociais e ao crescimento sustentável e que implica apenas em uma tênue redução dos privilégios dos 1% do topo da pirâmide, não estamos mais diante de alternativas. É nosso dever e missão contribuir para reduzir o poder desse monstro midiático que desde 2002 voltou a nos ameaçar.

Entendemos ser nossa obrigação fazer o que estiver ao nosso alcance para que o STF seja preservado como uma Instituição soberana à salvo de interesses outros que não os da Justiça.

“Costuma-se dizer que decisão judicial não se discute, cumpre-se. De fato, devem ser cumpridas, sob pena de caos institucional. Mas, sempre que se entender apropriado, devem ser discutidas. Contestadas, criticadas e corrigidas. Pois é isso que faz toda instituição crescer e vicejar - inclusive o Judiciário, que não é um poder absoluto", escreveu um dos condenados, José Dirceu. E é isso que queremos.

Por conta dessa ameaça, nossa luta contra a poderosa Família e seus tentáculos adquiriu um emblema especial em 2012 e deve ser objeto de muitas batalhas neste 2013. Esta é apenas uma delas: neutralizar ou destruir, ainda que parcialmente, os erros cometidos no julgamento da AP 470.

E é também pelo mesmo motivo que nos recusamos a aceitar a ‘tese’ de que esse julgamento é uma "página virada". Muito pelo contrário. Que esta campanha e este evento que se anunciam como partes dessa luta sejam percebidos como um enfrentamento tático de um combate mais amplo, voltado contra os superpoderes da mídia empresarial tornada um imenso e poderoso oligopólio no Brasil.

Por conseguinte, desta AP 470 só deve restar aquilo que, comprovadamente, se configurar como um delito, sujeito, portanto, às penas da lei, tal e qual rezam nossa Constituição, o Código Penal, as garantias processuais, ritos e jurisprudências.






















Só então poderemos anunciar que nesta batalha lutamos pela Democracia e nos impusemos vitoriosamente sobre essa mídia que, segundo avaliamos, pode muito bem estar à espreita de um possível golpe ao qual possa atribuir, também, ares de legalidade.

Assim, realizaremos no Rio de Janeiro, no próximo dia 30/01, um debate do mais alto nível, tendo como foco os erros cometidos pelo STF ao julgar os réus da Ação Penal.

Esperamos poder contar com expressiva parcela da sociedade civil e de personalidades profundamente conhecedoras dos meandros desse processo e de suas implicações políticas e jurídicas.

Para isso estamos empenhados em uma ampla mobilização para a qual queremos não só sua participação pessoal, mas também a do seu círculo social e profissional. Seu apoio, sua parceria enfim e até mesmo sua ajuda, serão imprescindíveis para que este acontecimento fique registrado como algo representativo da sociedade como um todo, um êxito dos mais retumbantes.

O anúncio do Abaixo-Assinado com o qual abrimos esta CONCLAMAÇÃO-CONVITE dará a partida nesta mobilização para que ela atinja a dimensão de um brado enorme contra os erros cometidos nesse processo. Em seguida virão folders, mensagens e entrevistas em rádios, charges, filminhos, jornais de bairro, etc. Sinta-se à vontade para também produzir outros, envie-nos que os divulgaremos.

Imaginamos assim que uma ampla rede de comunicadores estará montada e voltada para esse objetivo, o de pleitear a correção desse julgamento e o de convocar a sociedade civil para estar presente no evento do dia 30, cujo local, hora e componentes da Mesa divulgaremos em um comunicado específico, tão logo estejam todos definidos.”

Essa é a cara alegre do Rio, a mesma que assume, sempre que se vê diante de qualquer autoritarismo, ainda mais quando exibem com mais relevo seus ares de injustiça.

As feições de um Rio alegre e solidário que volta a se mobilizar estão estampadas em cada um desses gestos que de tempos em tempos revelam o quanto de recusa de submissão à vontade de outrem, atos com os quais, historicamente, os cidadãos desta cidade se contrapõem, em especial quando esses outros são os que “jogam um peso enorme, inclusive usando a violência, para afastar todos os sinais de resistência”, exatamente como deixou escrito o professor, Elias Sobrinho.


(*) Antonio Fernando Araujo é engenheiro. Articulista, colabora neste blog.

Leia também:
- A encenação do mensalão - Revista Retrato do Brasil - ed. 65
- STF: Mais um erro? - Megacidadania
- A verdade o absolverá - Lia Imanishi e Raimundo Pereira

Nota:
A inserção de algumas imagens, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.