domingo, 27 de janeiro de 2013

Tragédia no Sul [III]: Crônica da tragédia anunciada

Dilma visitando familiares das vítimas. Foto: Roberto Stuckert Filho/ABr















Por Matheus Pichonelli, no site da CartaCapital
Levantado o tamanho da tragédia – ao menos 232 mortos, superior ao número de vítimas dos acidentes da TAM, em 2007, e do Edifício Joelma, em 1974 – é bem provável que um pente-fino das autoridades na Boate Kiss, em Santa Maria, descubra em poucos minutos todos os pontos que levaram ao incêndio. Despreparo dos profissionais? Fogos em local proibido? Ânsia para sair da claustrofobia? Falta de ventilação? Alvará de funcionamento vencido?

A fatalidade logo ganhará outras nomenclaturas: erro humano, ausência de prevenção, negligência. Fatalmente os responsáveis serão investigados, eventualmente condenados, provavelmente cumprirão penas. Mas o estrago para as famílias jamais será reparado – o que é forçoso dizer, por óbvio que seja.

Mas, num país onde tudo é legalizado fora da legalidade, é possível supor que esta não será a última tragédia anunciada.

No mundo ideal, no dia seguinte pela manhã todos os jornais das pequenas e médias cidades, os únicos com capilaridade suficiente para fiscalizar as esquinas mais distantes do País, mandariam para as ruas os seus repórteres para contar quantas casas noturnas locais têm condições de reunir multidões com um mínimo de segurança.

Junto com órgãos competentes, levantariam alvarás, números de portas corta-fogo, saídas de emergência, tetos com materiais inflamáveis, fios desencapados e normas internas sobre pirotecnias.

Os levantamentos, em forma de reportagem, serviriam como vacina e alerta sobre tragédias como as de Santa Maria. E as pessoas, aos poucos, se negariam a pagar fortunas para serem tratadas como gado – em boates, restaurantes, rodeios e outros espaços culturais onde pequenas tragédias diárias se repetem. Seria bem mais útil do que espetar microfone no rosto de familiares e perguntar: “como se sente?”

Mas isso, na prática, simplesmente não vai acontecer. Casas de shows (como todo negócio) são potenciais anunciantes. E o silêncio é um valor embutido na bem-sucedida parceria entre empresários em busca de lucro, autoridades inoperantes e a imprensa oficialesca Brasil afora.

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