sábado, 9 de março de 2013

Lula: A América Latina depois de Chávez

07/03/2013 - A América Latina depois de Chávez
- por Luiz Inácio Lula da Silva, no blog Desenvolvimentistas

Lula, no NY Times: Se uma figura pública morre sem deixar ideais, seu legado chega ao fim.

A História vai afirmar, justificadamente, o papel que Hugo Chávez desempenhou na integração da América Latina e o significado de seus 14 anos na presidência para o povo pobre da Venezuela, onde ele morreu na terça-feira [5/3] depois de uma longa batalha contra o câncer.

No entanto, antes que a História defina nossa interpretação do passado, precisamos ter primeiro um entendimento claro da importância de Chávez no contexto da política doméstica e internacional.

Só depois os líderes e povos da América do Sul, o continente mais dinâmico nos dias de hoje, podem claramente definir as tarefas diante de nós para que consolidemos os avanços em busca da unidade internacional obtida na década passada.

Essas tarefas ganharam nova importância agora que não contamos com a ajuda da energia sem limites de Chávez;

de sua profunda crença no potencial de integração das nações da América Latina;

de seu compromisso com as transformações sociais necessárias para enfrentar a miséria de seu povo.

Os projetos sociais de Chávez, especialmente nas áreas de saúde pública, moradia e educação, foram bem sucedidas na melhoria do padrão de vida de dezenas de milhões de venezuelanos.

Não é necessário concordar com tudo o que Chávez disse ou fez.

Não há como negar que ele era uma figura controversa, às vezes polarizadora, mas que nunca fugiu de um debate e para quem nenhum tópico era tabu.

Preciso admitir que senti que muitas vezes teria sido mais prudente se Chávez não tivesse dito o que disse.

Mas esta era uma característica pessoal dele que não deveria, nem de longe, diminuir suas qualidades.

É possível discordar da ideologia de Chávez e de seu estilo político que os críticos viam como autocrático.

Ele não fez escolhas políticas fáceis e nunca titubeou em suas decisões.

No entanto, nenhuma pessoa remotamente honesta, nem mesmo seu mais vigoroso adversário, pode negar a camaradagem, a confiança e mesmo o amor que Chávez sentia pelos pobres da Venezuela e pela causa da integração da América Latina.

De todos os líderes que encontrei em minha vida, poucos acreditaram tanto quanto ele na unidade de nosso continente e de seus povos diversos — indígenas, descendentes de europeus, africanos e imigrantes recentes.

Chávez foi instrumental no tratado de 2008 que estabeleceu a União das Nações Sul Americanas, uma organização intergovernamental de 12 membros que algum dia levará o continente para um modelo próximo da União Europeia.

Em 2010, a Comunidade de Estados Latino Americanos e do Caribe saiu do papel, se tornando um fórum político paralelo à Organização dos Estados Americanos. (Não inclui os Estados Unidos e o Canadá, como a OEA).

O Banco do Sul, uma nova instituição de financiamento, independente do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, também teria sido impossível sem a liderança de Chávez.

Finalmente, ele estava vitalmente interessado em promover relações mais próximas da América Latina com a África e o mundo árabe.

Se uma figura pública morre sem deixar ideais, seu legado e espírito chegam ao fim.

Não foi o caso de Chávez, uma figura forte, dinâmica e inesquecível cujas ideias serão discutidas por décadas em universidades, sindicatos, partidos políticos e em qualquer lugar onde existam pessoas preocupadas com a justiça social, o alívio da miséria e uma distribuição mais justa de poder entre os povos do mundo.

Talvez suas ideias vão inspirar jovens no futuro, assim como as ideias de Simon Bolívar, o grande libertador da América Latina, inspiravam Chávez.

O legado de Chávez no campo das ideias precisa de trabalho para se tornar realidade no mundo da política, onde são debatidas e contestadas.

Um mundo sem ele requer que outros líderes demonstrem a força que Chávez demonstrou, para que seus sonhos não fiquem apenas no papel.

Para manter seu legado, os simpatizantes de Chávez na Venezuela tem muito trabalho pela frente para construir e reforçar as instituições democráticas.

- Terão de ajudar a tornar o sistema político mais orgânico e transparente;

- tornar a participação política mais acessível;

- aumentar o diálogo com os partidos de oposição; fortalecer os sindicados e os grupos da sociedade civil.

A unidade venezuelana e a sobrevivência das duras conquistas de Chávez requerem isso.

É sem dúvida a aspiração de todos os venezuelanos — alinhados ou em oposição a Chávez, soldados ou civis, católicos ou evangélicos, ricos ou pobres – realizar o potencial tão promissor de uma Nação como a Venezuela.

Apenas a paz e a democracia podem tornar estas aspirações realidade.

As instituições multilaterais que Chávez ajudou a criar vão ajudar a consagrar a unidade da América do Sul.

Ele não estará mais presente nos encontros de cúpula mas seus ideais e o governo venezuelano vão continuar a ser representados.

A camaradagem democrática entre os líderes da América Latina e do Caribe será a melhor garantia da unidade política, econômica, social e cultural que nossos povos querem e precisam.

O caminho da unidade não tem retorno.

Mas por mais determinados que estejamos, precisamos ser ainda mais ao negociar a participação de nossas nações em fóruns internacionais como as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Estas instituições, nascidas das cinzas da Segunda Guerra Mundial, não respondem suficientemente às realidades do mundo multipolar de hoje.

Carismático e idiossincrático  capaz de construir amizades e de se comunicar com as massas como poucos, Chávez deixará saudade.

Sempre darei valor à amizade e parceria que, durante os oito anos nos quais trabalhamos juntos como presidentes, produziram tantos benefícios para os povos do Brasil e da Venezuela.

PS: A tradução do original em português para o inglês foi de Benjamin Legg e M. Robert Sarwark

Fonte:
http://www.desenvolvimentistas.com.br/blog/blog/2013/03/07/lula-no-ny-times-se-uma-figura-publica-morre-sem-deixar-ideais-seu-legado-chega-ao-fim/

Não deixe de ler:
- A Morte e as mortes de Hugo Chávez - Arnóbio Rocha
- A árvore das três raízes - Rafael Betencourt
Uma grande perda para a América Latina - Mário Augusto Jakobskind

E mais:
- Hugo Chávez - Laerte Braga
- Nasce Hugo Chávez, o mito - Eduardo Guimarães
- Lições de Chávez - Beto Almeida

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.