14/02/2014 - Gilmar Mendes não sabe o que diz ou não diz o que sabe
- Paulo Moreira Leite, em seu blog na IstoÉ-Independente
Insinuações e ironias de ministro do STF não tem apoio nos autos da AP 470
O esforço de Gilmar Mendes [foto no alto] para tentar desmoralizar a campanha de solidariedade de tantos brasileiros aos condenados da AP 470 ajuda a entender o caráter precário do foi chamado de “maior julgamento da história.”

Faz afirmações que não pode provar, insinua o que não consegue demonstrar.
A atitude de Gilmar é política.
As doações, em escala que surpreendeu os próprios condenados, mostram o repúdio de um número crescente de brasileiros diante dos abusos do julgamento.
Veja só: um ex-ministro do Supremo, como Nelson Jobim - um dos responsáveis pela indicação do próprio Gilmar ao STF -, deu um cheque de R$ 10 000,00 para Genoíno.

Ao lado de militantes e de cidadãos comuns, a presença de respeitáveis homens de Direito na campanha pelas doações mostra até onde vai a crítica à AP 470.
Não é para menos.
A ideia de que houve desvio de recursos públicos é desmentida pelo processo.
A noção que eles chegam a R$ 100 milhões não tem base real alguma. É apenas um novo chute.
Quando o julgamento começou, os ministros falavam num desvio de R$ 115 milhões. Recuaram sem maiores explicações para uma estimativa de R$ 73,8 com base num cálculo desinformado, absurdo mas cômodo. Explico os três adjetivos.

Nenhuma página de jornal, nem um spot de rádio, nem 30 segundos na TV.
É claro que é uma conta de chegar.
Era preciso falar em desvio, era preciso dar um número – apontou-se para aquele que estava à mão. Parece absurdo e é.
Mas absurdos ganham verossimilhança e circulam como afirmações verdadeiras em sociedades onde nenhuma instituição cumpre seu papel de fiscalizar e conferir o que dizem as autoridades.
Este papel, como se sabe, deve ser cumprido pela imprensa.
Mas você e eu sabemos muito bem onde os repórteres se encontravam no julgamento, certo?

Solicitam apenas que elas confirmem – ou desmintam – aqueles recursos que a DNA declara ter enviado a elas.
Em novembro de 2005, os parlamentares da CPMI dos Correios receberam um documento “para uso interno – confidencial” da Visanet.
Os parlamentares perguntaram lá atrás:
“A Visanet é uma empresa pública?
Resposta. “Não. É uma empresa de capital privado.”

Ali se diz, com base no estatuto da Visanet, que seus recursos deveriam ser destinados a ações de incentivo, “não pertencendo os mesmos ao BB investimento nem ao Banco do Brasil.”
Se a denúncia de desvio de dinheiro público está errada, como conceito, também se desmente, nos números.
As contas batem, com diferenças contábeis que podem ser explicadas por razões técnicas – e que nem de longe chegam aos R$ 100 milhões a que Gilmar Mendes se referiu.

Nenhuma delas, por sinal, foi chamada a prestar contas no julgamento. Nenhuma. Foi assim que se pretendia “punir os poderosos” , entendeu?)
Por fim, a afirmação de que foram dirigentes do PT que fizeram esses desvios é ainda mais absurda. Não estou falando de Delúbio Soares, por exemplo, que distribuía recursos para o partido e negociava apoio de empresas.
Estou falando de quem tinha acesso ao cofre. Sem ele nada se faz, certo?

O relator Joaquim Barbosa pergunta a quem “competia fazer o gerenciamento dos recursos” do Fundo Visanet repassados a agencia DNA?
Em bom português, o relator queria saber quem fazia os pagamentos – sem o quê, obviamente, não dá para tirar nem uma nota de 1 real de forma indevida.
O Banco do Brasil responde: quatro diretores eram responsáveis pela gestão do fundo de incentivo entre 2001 e 2005.
(Estamos falando dos dois últimos anos do governo FHC, quando a DNA ganhou um bom pedaço da verba publicitária do Banco do Brasil, e dos dois primeiros anos do governo Lula).

Até uma criança pode entender: nenhum dirigente indicado pelo PT encontra-se entre eles.
Os responsáveis eram todos executivos indicados pelo PSDB. Está lá, numa tabela.
Nenhum deles sentou-se no banco dos réus. Repito porque é escandaloso: nenhum.
Quem assinava os cheques ficou de fora. Eram afilhados tucanos.
Cabe a cada um fazer a pergunta que não quer calar: por que o laudo 2828, com uma informação tão preciosa, foi mantido em sigilo no próprio STF, e só foi distribuído para o plenário de ministros DEPOIS que a denuncia da AP 470 já fora aceita?

Imagine se fosse possível criminalizar o governo Lula - até se falava em impeachment, em 2005 - se a denúncia envolvesse o PSDB, também. Imagine se alguém começasse a perguntar assim: se haviam tucanos no comando do esquema, quem é que colocou essa turma ali?
Política, meu caro. Política.
Foi a mesma atitude de 2011, quando os ministros resolveram levar o julgamento em frente sem conhecer o inquérito 2474, com revelações que contrariavam o final feliz já anunciado e prometido.
Veja você: desistiram de ler o inquérito 2474 sem saber o que tinha lá dentro.
Não é de espantar que, agora, se veja uma situação constrangedora e grave de um ministro que faz afirmações que contrariam aquilo que se encontra no processo.
Ou Gilmar Mendes não sabe o que diz. Ou não diz o que sabe.
Você decide o que é mais grave.
(*) Paulo Moreira Leite é Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
Fonte:
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE
Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.
Leituras afins: são inúmeras as matérias já publicadas neste blog, desde quando, em janeiro de 2013, se comprovaram os erros cometidos por alguns dos juízes do STF no julgamento da Ação Penal 470.