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domingo, 5 de janeiro de 2014

Europa, terreno de luta

02/01/2014 - Quebrar o feitiço neoliberal: Europa, terreno de luta
- Euronomade - Sandro Mezzadra e Toni Negri [*]
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu - Redecastorphoto

Países da Zona do Euro (moeda única da Europa)
(para aumentar, clique na imagem)

Quem, como nós, não tem interesses eleitorais, está na melhor posição para reconhecer a grande importância que terão em 2014 as eleições ao Parlamento Europeu.

É fácil prever que na maior parte dos países implicados haverá alta abstenção e significativa afirmação das forças “eurocéticas”, unindo à retórica da “soberania nacional”, a hostilidade contra o euro e contra os “tecnocratas de Bruxelas”. Para nós, não é nada bom.

Estamos convencidos há tempos de que por baixo do perfil normativo, como por baixo da ação governamental capitalista, há uma Europa cuja integração já ultrapassou o portal do irreversível.

O realinhamento geral dos poderes na crise – em torno da centralidade do Banco Central Europeu e o que se define como “federalismo executivo” – modificou sem dúvida a direção do processo de integração, mas não pôs em discussão a continuidade daquele processo.

A própria moeda única mostra-se hoje consolidada na perspectiva da união bancária: é necessário responder à violência com que essa união bancária manifesta o mando capitalista; mas a volta às moedas nacionais significa não entender qual é o terreno no qual se disputa hoje a luta de classes.

Angela Merkel, chanceler alemã
É verdade que a Europa é hoje uma “Europa alemã”, cuja geografia econômica e política vai-se reorganizando em torno de relações concretas de força e de dependência, que se refletem até no nível monetário.

Mas só o feitiço neoliberal explica que se confundam a irreversibilidade do processo de integração, de um lado; e de outro a impossibilidade de modificar os conteúdos e as direções; de fazer agitarem-se dentro do espaço europeu a força e a riqueza de uma nova hipótese constituinte.

Quebrar esse feitiço neoliberal significa redescobrir hoje o espaço europeu como espaço de luta, de experimentação e de invenção política.

Como terreno sobre o qual a nova composição social dos trabalhadores, das trabalhadoras e dos pobres abrirá talvez uma perspectiva de organização política.

Lutando sobre o terreno europeu, uma organização assim terá a possibilidade de golpear diretamente a nova acumulação capitalista.

E só no terreno europeu é possível propor tanto a questão do salário como da renda; redefinir os direitos como nova dimensão do Welfare; tanto as transformações constitucionais internas nos países individuais, como a questão constituinte europeia. Hoje, não há realismo político se não nesse terreno.

Parece-nos que as forças de direita compreenderam há tempo que a irreversibilidade da integração assinala hoje o perímetro do que resulta política e praticamente pensável na Europa.

Em torno da hipótese de aprofundamento substancial do neoliberalismo, já se organizou um bloco hegemônico que inclui variantes significativamente heterogêneas (das aberturas não só táticas na direção de uma hipótese socialdemocrata de Angela Merkel, à violenta constrição repressiva e conservadora de Mariano Rajoy [foto]).

As mesmas forças de direita que se apresentam como “antieuropeias”, pelo menos nos seus componentes mais informados, jogam sua opção sobre o terreno europeu, com vistas a ampliar os espaços de autonomia nacional que estão bem presentes na Constituição Europeia, e recuperando, num plano meramente demagógico, o ressentimento e a fúria disseminados em amplos setores da população, depois de anos de crise.

A referência à nação mostra-se como o que é: transfiguração de um sentido de impotência em agressividade xenófoba; defesa de interesses particulares imaginados como arquitrave de uma “comunidade de destino”.

Por outro lado, a esquerda socialista, embora não fazendo parte do bloco hegemônico neoliberal, não consegue diferençar-se eficazmente daquele bloco no momento de elaborar propostas programáticas de signo claramente inovador.

A candidatura de Alexis Tsipras [foto], líder do partido Syriza, à presidência da Comissão Europeia, tem importância indubitável nessa ordem de coisas; já determinou em muitos países uma positiva abertura do debate de esquerda.

Em outros países, contudo, ainda parecem prevalecer os interesses de pequenos grupos ou “partidos”, incapazes de desenvolver discurso político plenamente europeu.

Com as coisas nesse pé, por que as eleições europeias de maio próximo nos parecem importantes?

Em primeiro lugar, porque tanto o relativo reforço dos poderes do Parlamento, como a designação pelos partidos de um candidato à Presidência da Comissão, fazem da campanha eleitoral, necessariamente, um momento de debate europeu, no qual as diversas forças ficarão obrigadas a definir e anunciar, pelo menos, algum esboço de programa político europeu.

Parece-nos pois que aqui se apresenta a ocasião para uma intervenção política dos que se batem para quebrar tanto o feitiço neoliberal como seu corolário, segundo o qual a única oposição possível à atual forma da União Europeia seria o “populismo” antieuropeu.

Não se exclua, de início, que essa intervenção possa encontrar interlocutores entre as forças que se movem no terreno eleitoral.

Mas estamos pensando, antes de tudo, numa intervenção de movimento, que consiga deitar raízes no interior das lutas que se desenvolveram nos últimos meses, embora de diferentes maneiras, em muitos países europeus – com intensidade significativa inclusive na Alemanha.

É decisivamente importante voltar a habilitar um discurso programático – e isso não é possível exclusivamente dentro e contra o espaço europeu.

Não vemos como se poderia questionar sociologicamente, de modo adequado, a “composição técnica de classe” de um ponto de vista messiânico acima da “composição política” adequada.

Do mesmo modo, não haverá movimentos de classe vitoriosos que não tenham interiorizado a dimensão europeia. Não seria a primeira vez, mesmo na história recente das lutas, que esses movimentos ver-se-iam forçados pelo marco político a se modificarem, voltando a experiências locais, até se verem asfixiadas em clausuras sectárias.

Trata-se de reconstruir imediatamente um horizonte geral de transformação, de elaborar coletivamente uma nova gramática política e um conjunto de elementos de programa que possam agregar força e poder no interior das lutas.

Aqui e agora – repetimos – a Europa nos parece ser o único espaço no qual isso é possível.

Um ponto nos parece particularmente importante.

A violência da crise fará sentir seus efeitos ainda por muito tempo. Não há “recuperação” à vista, se por recuperação se entender diminuição significativa do desemprego, diminuição do precarismo [1] e relativo reequilíbrio dos ganhos.

Mesmo assim, parece que se possa descartar o aprofundamento da crise.

O acordo sobre o salário mínimo, sobre o qual se fundamenta a nova coalizão na Alemanha, parece indicar, mais, um ponto de mediação no terreno do salário social que pode funcionar – em geometria e geografia variáveis – como critério de referência geral para a definição de um cenário de relativa estabilidade capitalista na Europa.

É um cenário, não a realidade atual, é um cenário de relativa estabilidade capitalista.

Para a força de trabalho e para as formas da cooperação social, esse cenário assume como dados de partida a extensão e a intensificação do precarismo, a mobilidade forçada dentro do espaço europeu e fora dele, o desclassamento de quotas relevantes do trabalho cognitivo e a formação de novas hierarquias dentro do trabalho cognitivo, determinados pela crise.

Mas em geral, o cenário de relativa estabilidade de que falamos constata a plena hegemonia de um capital cujas operações fundamentais têm natureza extrativa, quer dizer: combinam a persistência de uma exploração de tipo tradicional, com intervenções de “subtração” direta da riqueza social (mediante dispositivos financeiros, mas também porque assumem “bens comuns”, como, dentre outros, saúde e educação, como terreno privilegiado de valoração).

Não por acaso, os movimentos compreenderam que nesse terreno travam-se as lutas que podem golpear o novo regime de acumulação.

Nesse cenário trata-se, obviamente, de saber perceber a especificidade das lutas que se desenvolvem, de analisar sua heterogeneidade; e de medir sua eficácia em contextos políticos, sociais e territoriais que podem ser muito diferentes.

Mas trata-se também de propor os problemas de tal modo que as lutas possam convergir, multiplicando sua própria potência “local”, mas dentro do marco europeu.

Enquanto isso, delinear os novos elementos do programa pode ser feito mediante a escrita coletiva de uma série de princípios dos quais não se pode abrir mão, no terreno do Welfare e do trabalho; da fiscalidade e da mobilidade; das formas de vida e do precarismo, em todos os terrenos sobre os quais se expressaram os movimentos na Europa.

O que estamos pensando não seria uma carta de direitos redigida de baixo para cima que se apresentaria a alguma instância institucional: é mais, um exercício de definição programática que, como começa a mostrar a “Carta de Lampeduza” essas semanas, no que tenha a ver com migração e asilo, possa converter-se em instrumento de organização no nível europeu.

Sem esquecer que, nesse trabalho, podem aparecer impulsos decisivos, mesmo, imediatos, para construírem-se coalizões de forças locais e europeias, sindicais e cooperativas, em movimento.

Nota dos tradutores
[1] Há uma tendência no Brasil, a preferir-se “precariedade” a “precarismo”.
Optamos por “precarismo” para evitar uma arapuca semântica: todos os substantivos construídos com o sufixo “-idade” (como “precariedade”) são, necessariamente, sempre, substantivos abstratos (de fato, em praticamente todas as línguas em que o sufixo ocorre).
Não nos parece razoável acrescentar, a todas as dificuldades do precariato, mais essa dificuldade – terrível! – apresentar precariato mediante exclusivamente por um traço abstrato.
Por piores que sejam os “-ismos”, entendemos que nenhum deles seria o que é sem a luta muito concreta dos que lutaram por eles, ou neles e, claro, também contra eles.
______________________

[*] Autores: Sandro Mezzadra e Toni Negri

Sandro Mezzadra é professor na Universidade de Bolonha. Os seus estudos concentram-se na história das ideias políticas e na teoria política. Nos últimos anos, tem-se debruçado sobre a relação entre globalização, migração e cidadania. Esteve igualmente envolvido na luta pelo direitos dos migrantes, nomeadamente no âmbito do primeiro dia de acção contra a reunião do G-8 em Génova (Itália) em 2001, dedicado às questões da migração, bem como nos fóruns sociais italianos. Entre as suas publicações, destacamos Diritto di fuga. Migrazioni, cittadinanza, globalizzazione, Verona, Ombre corte, 2001.

Antonio Negri, também conhecido como Toni Negri é um filósofo político italiano, tradutor dos escritos de Filosofia do Direito de Hegel, especialista em Descartes, Kant, Espinosa, Leopardi, Marx e Dilthey, tornou-se conhecido no meio universitário sobretudo por seu trabalho sobre Espinosa, mas sua atividade acadêmica sempre foi intimamente ligada à atividade política. Negri ganhou notoriedade internacional nos primeiros anos do século XXI, após o lançamento do livro Império - que se tornou um manifesto do movimento anti-globalização - e de sua sequência, Multidão, ambos escritos em co-autoria com seu ex-aluno Michael Hardt.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/01/quebrar-o-feitico-neoliberal-europa.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed:+redecastorphoto+(redecastorphoto)

sábado, 30 de novembro de 2013

Os três últimos sustentáculos do dólar

15/11/2013 - 2014 - o ano da internacionalização do yuan,
- da abertura da Arábia Saudita e
- da explosão da UE:
- os três últimos sustentáculos do dólar entram em colapso
- por GEAB (Global Europe Anticipation Bulletin)
- para o portal Resistir.info

"Era noite e a chuva caía. Enquanto caía era chuva, mas depois de caída era sangue".

Estas palavras de Edgar Allan Poe [1] aplicam-se às mil maravilhas ao lento processo de deslocação mundial agora em curso, em que todos os acontecimentos aparentemente anódinos ("a chuva") combinam-se para minar os fundamentos do sistema internacional que está moribundo ("o sangue").

Se este processo é lento, se estes acontecimentos podem parecer anódinos, é paradoxalmente porque a crise atual é a primeira crise sistêmica verdadeiramente mundial: bem mais profunda que a de 1929, ela afeta todos os países e aflige o núcleo do sistema.

Quando a de 1929 foi uma crise de adolescência da nova potência mundial, os Estados Unidos, a que vivemos atualmente corresponde aos últimos dias de um condenado – e este condenado é a super-potência que se conhece desde 1945.

Mas toda a organização do mundo está construída em torno dos Estados Unidos e ninguém tem interesse em que ela se afunde antes de estar completamente desligado.

Trata-se portanto, para todos, de se afastar suavemente salvaguardando as aparências habituais a fim de assegurar um transição sem sobressaltos, o que explica a lentidão do krasch em curso.

É de certa forma como os pais que tentam sair do quarto do seu bebé na ponta dos pés para evitar que ele acorde e se ponha a berrar: o bebé é o dólar e os pais são indignos uma vez que saem para abandoná-lo.

A China é mestra nesta arte, mas vêem-se por toda parte outros países que abandonam progressivamente os Estados Unidos de maneira mais ou menos subtil, como por exemplo a Arábia Saudita [2].

Para a União Europeia, quase o último bastião americanista fora dos EUA, a tarefa é mais árdua. Nossa equipe antecipa que as eleições europeias de 2014, em que a ascensão das direitas extremistas e das forças eurocéticas é inevitável, conduzirão a uma explosão do quadro atual da UE com a possibilidade de a Eurolândia revitalizar-se em sua substituição.

Analisamos em pormenor o caso europeu neste número do GEAB.

Internacionalização acelerada do yuan que vem descredibilizar mais um pouco o papel central do dólar, perda do apoio saudita que era uma peça mestra no edifício do petrodólar e perda do bastião americanista da UE substituído pela Eurolândia que, apoiando-se sobre o euro [NR], constitui uma nova ameaça para os Estados Unidos: três dos últimos apoios essenciais da potência americana desaparecerão em 2014, prosseguindo insidiosamente a convulsão mundial.

Os Estados Unidos fizeram a aposta de que, sendo demasiado doloroso transpor a barreira potencial [3] entre o status quo e o mundo de amanhã, os
países, apesar de terem tudo a ganhar com uma nova organização do mundo, não passarão o Rubicão.

É por exemplo o caso da China com a sua montanha de dólares em reserva que não valerão grande coisa se ela se mexer demasiado ostensivamente; ou ainda a Arábia Saudita que perderá um grande cliente e uma segurança garantida se se desprender dos Estados Unidos.

Salvo se se tratar, nem mais nem menos, de um cálculo frio de custos/benefícios e, para numerosos atores, os benefícios já começam a ultrapassar os custos.

Segundo o LEAP/2020, [Laboratoire Européen d'Anticipation Politique] a aposta americana já está perdida.

Índice do artigo completo: 
1. A Oeste, nada de novo
2. A impossível reativação dos EUA
3. Tudo se volta contra os Estados Unidos
4. Arábia Saudita: a abertura de um país fechado
5. Internacionalização do yuan
6. Fractura Leste/Oeste
7. 2014: resolução da questão norte-coreana pelos BRICS
8. A Europa está morta, viva a Europa!
9. Europa de antes, Europa de depois
10. Emergência de contra-sistemas

Nota: Neste comunicado público comentaremos apenas as partes 1, 2 e 8 relacionadas acima.

1. A OESTE, NADA DE NOVO [4]
Os mercados podem estar contentes. Janet Yellen, que em janeiro sucederá a Ben Bernanke à testa do Fed, sugeriu que deseja continuar o programa de flexibilidade quantitativa do seu antecessor (QE3 [Quantitative Easing]) [5].

Ela certamente não tem outra opção uma vez que a ilusão dos Estados Unidos ainda de pé não se sustenta senão graças a este programa que também permitiu relançar artificialmente tanto o mercado imobiliário como os mercados financeiros, ou financiar o governo americano a baixo custo.

Mas apenas os mercados celebram a notícia.

Os países estrangeiros perguntam-se quando as bolhas exportadas pelo Fed vão cessar, como isso vai poder acabar, como deixar de depender dos Estados Unidos e, se ainda não desligaram suficientemente suas economias, quais serão as repercussões internas.

A sociedade civil já sabe que os "benefícios" da QE nunca chegam até ela [6]: como se a totalidade de um New Deal por ano [7] fosse absorvida unicamente pelos mercados e não beneficiasse a população.

E a economia real pergunta-se quando as taxas de juro vão poder subir outra vez para um valor normal a fim de que os investidores sejam novamente estimulados a financiar verdadeiros projetos graças uma remuneração não nula.

Do lado do Fed, nada de novo portanto. Nada de novo tão pouco quanto aos problemas do país que se acumulam e se agravam.


Os jornais de referência [8] já falam de fome nos Estados Unidos;
- os crimes estão em aumento constante desde há dois anos [9];
- o consumo de droga explode [10];
- apesar das reduções orçamentárias que forçam prisões a libertarem seus prisioneiros [11], há mais presos nos Estados Unidos do que engenheiros ou professores do secundário (ver figura acima);
- apesar dos números oficiais encorajadores, o desemprego em massa continua [12];
- as infraestruturas são sacrificadas [13];
- a investigação científica já não é financiada corretamente [14], etc.

[...]

2. A RETOMADA IMPOSSÍVEL DOS EUA
Os problemas dos Estados Unidos na realidade não podem ser resolvidos no quadro atual pois o país encontra-se face a um dilema: se a economia começar a recuperar-se, o Fed deve travar seu programa de apoio, mas então será o pânico nos mercados como se viu em setembro, o que interromperá a retomada...

Mais genericamente, se um mínimo de verdadeiro crescimento ocorrer nos EUA, a montanha de dólares impressos pelo Fed e exportados para os países emergentes vai retornar em parte aos Estados Unidos para aproveitar a sorte inesperada, provocando uma forte inflação e matando a retomada no ovo. [22]

Estas "oscilações" entre esperança e desespero vão portanto continuar enquanto a crise é enfrentada com as ferramentas do mundo de antes, ou até que um choque venha recordar a situação catastrófica.

Pois não é a QE que vai salvar a economia, uma vez que os seus melhores resultados são manter artificialmente em vida zumbis econômicos e inchar bolhas financeiras.

[...]

8. A EUROPA ESTÁ MORTA, VIVA A EUROPA [42] 
Resolução dos conflitos, comércio, finanças... vê-se pois que o fosso se aprofunda com o Ocidente.

Entretanto, à imagem desta nova rota da seda que liga a Ásia e a Europa, esta última ainda pode saltar a tempo no mundo de amanhã se chegar a cortar o cordão umbilical com os Estados Unidos, após as eleições de 2014 que servirão como detonador.

Ascensão das direitas extremistas e dos partidos eurocéticos, déficit democrático, peso do lobbies e afastamento dos cidadãos, centralização bruxelense, burocracia e tecnocracia... a União Europeia morre [43].

Segundo a nossa equipe, as eleições europeias de 2014 vão provocar a explosão do quadro atual na UE e iniciar uma repolitização da União, a começar por um grande debate sobre o futuro da Europa.

Esta recolocação em causa já começou, com os Verdes por exemplo apresentam candidatos comuns em todo o território da UE [44], iniciando assim uma "verdadeira" eleição europeia, ou com os partidos socialistas que pressionam o candidato muito sério Martin Schultz à testa da Comissão Europeia. [45]

Mas segundo o LEAP/2020, esta refundação, se for conseguida, tomará tempo, muito tempo, e a verdadeira oportunidade para uma UE democrática é portanto a eleição de 2019. Analisamos longamente o destino da Europa na secção Telescópio.

Ora, esta União Europeia que morre é a Europa inspirada e infiltrada pelos interesses americanos.

É a Europa reduzida a um vasto mercado comum que deve ampliar-se sem cessar.

É a Europa que se inclina diante da Monsanto e que a remete aos Estados membros [46], deixando assim o campo livre à multinacional americana.

Esta camuflagem das políticas anglo-saxônicas, esta terceira muleta americana, afunda-se.

Mas estas decisões ditadas pelo primo americano passam cada vez mais dificilmente [47].

Um outro exemplo é dado pela adesão da Turquia à UE, escolhida pela agenda americana e não pelos cidadãos europeus e nem pelos turcos [48]: já difícil, esta estará condenada definitivamente quando partidos de extrema-direita irromperem no Parlamento Europeu em 2014.

Mas o continente não esperará por 2019 para se reorganizar e a questão refere-se à forma que assumirá a Europa de amanhã.

Enquanto isso, como veremos na secção Telescópio, a Eurolândia tem a capacidade de construir um projeto político que virá preencher o vazio deixado pela União Europeia. [...] 

Notas:
[1] Extraído de "Silence", 1837. 

[2] Algo inconcebível antes... 

[3] Em física, esta noção designa um obstáculo que uma partícula não pode transpor senão quando ela ter energia suficiente. 

[4] Título de um romance de Erich Maria Remarque (1929). 

[5] Fonte: Business Insider , 13/11/2013.
[QE] Política monetária não convencional empregada por Bancos Centrais para estimular a economia.

[6] Ler o artigo edificante "Confessions of a Quantitative Easer" (Wall Street Journal, 11/11/2013) ou sua tradução em francês em les-crises.fr

[7] As despesas do New Deal são estimadas em 50 mil milhões de dólares no total entre 1933 e 1940 (fonte: Forbes).
Com a inflação, esta quantia representa cerca de 850 a 900 mil milhões de dólares actuais (cf. US inflation calculator, quando o Fed injecta 1020 mil milhões de dólares por ano, ou seja, mais de um New Deal por ano.
Ver também Answers.com
Entretanto, deve-se contextualizar este números uma vez que o QE3 representa 6% do PIB enquanto na época os 50 mil milhões do New Deal representam cerca de 50% do PIB (repartidos ao longo de 8 anos, ou seja, igualmente 6% por ano). 

[8] "America's new hunger crisis", MSNBC (30/10/2013). Ver também Reuters, 12/09/2013. 

[9] Fonte: Time, 24/10/2013. 

[10] Fonte: Bloomberg, 13/11/2013. 

[11] Fonte: por exemplo CBS27/02/2013. 

[12] Fontes: CNS News (22/10/2013), ZeroHedge(08/11/2013). 

[13] Fonte: Business Insider, 01/11/2013. 

[14] Fontes: ThinkProgress, (30/08/2013), The Tech (07/05/2013), etc.
Mesmo o prestigioso MIT é fortemente afectado: Boston Globe, 20/05/2013. 

[...] 

[22] Ler a respeito a análise de Andy Xie, Caixin, (05/11/2013). 

[...] 

[42] Referência à fórmula "o rei está morto, viva o rei!" pronunciada inicialmente na sucessão de Carlos VI em 1422. Fonte: Wikipedia

[43] É interessante constatar que todas as "uniões" (União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos) estão em graves dificuldades; em particular, a escolha deste nome reflete princípios de governação que não estão mais adaptados à nossa época em que uma governança descentralizada em rede torna-se imperativa para gerir os grandes blocos regionais. 

[44] Fonte: EUObserver, 11/11/2013. 

[45] Fonte: Huffington Post10/10/2013. 

[46] Fonte: Die Zeit, 06/11/2013. 

[47] Assim, o milho da Monsanto mencionado acima teria ainda de ser bloqueado por numerosos países. 

[48] Apenas 20% dos europeus e 44% dos turcos pensam que a integração da Turquia seria "uma coisa boa" Hurriyet19/09/2013).
Enquanto Hillary Clinton em novembro de 2010 dizia: "the United States [...] support the membership of Turkey inside the EU. [...] We don't have a vote, but if we were a member, we would be strongly in favor of it". 

[NR] Parece absurdo dizer que a recuperação da dita Eurolândia após a derrocada da UE possa apoiar-se no Euro. O mais provável é que seja a derrocada do Euro a arrastar a da UE. 

O original encontra-se em www.leap2020.eu/...  

Este comunicado público encontra-se em http://resistir.info/

Fonte:
http://resistir.info/crise/geab_79.html

Veja também:
As consequências do declínio americano - Immanuel Wallersten
- A morte do dólar - Paul Craig Roberts

sábado, 5 de outubro de 2013

A Alemanha engana-se e engana a Europa

23/09/2013 - por Juan Torres López [*], no site Resistir.info 

Nos últimos meses foi atribuída grande importância às eleições alemãs de domingo 22/9, sendo consideradas precursoras de uma mudança de políticas na Europa mas creio que não as vão ter, pois parece-me que a situação política e económica não se alterará muito ali nem na Europa, seja qual for o resultado. 

Uma nova vitória dos conservadores não só não modificará a política de Merkel como inclusive é possível que leve a enfraquecer o impulso que o seu governo havia dado à economia nos últimos meses a fim de melhorar sua imagem diante do eleitorado e reforçar o seu fundamentalismo.


Cartoon de Fernão Campos
E não é possível esperar nem sequer alguma tímida reformulação do discurso europeu se não for endurecida com firmeza a posição de outros sócios da eurozona. 

Tão pouco mudariam muito as coisas com uma vitória social-democrata, pouco previsível, ou inclusive de Os Verdes.

Ainda que nos seus programas tentem sempre diferenciar-se dos democrata-cristãos e agora proponham o arranque de uma espécie de novos planos Marshall para reactivar as economias, se chegassem de novo a governar não se afastariam do que fez e tornará a fazer Angela Merkel. 

Será assim porque os partidos políticos governantes na Alemanha são materialmente escravos desde há muito da classe empresarial e financeira que é quem na verdade marca o passo da política naquele país.

Não se esqueça que foram os sociais-democratas que puseram em andamento as reformas reaccionárias que provocaram o grande incremento da desigualdade e a actual deterioração das classes trabalhadoras alemãs, e é bem sabido que suas posições sobre a Europa, o Euro ou a estratégia do Banco Central Europeu não diferem praticamente em nada das que são mantidas pela direita mais recalcitrante. 

Não haverá mudanças porque o que os grandes poderes económicos puseram na mesa aproveitando a crise económica e o que agora se ilustra na Alemanha e em toda a União Europeia não é outra coisa senão a mudança radical do modelo social, ou seja, uma alteração profunda do equilíbrio de forças sociais e, portanto, uma redefinição dos direitos económicos e inclusive políticos dos cidadãos. 

É um objectivo muito diferente das preferências maioritárias dos cidadãos, tal como demonstram todo tipo de inquéritos, e isso faz com que as instituições representativas onde possam reflectir-se tornam-se cada dia mais incómodas para os grandes poderes económicos.


É por isso que estes últimos vêm impulsionando por todos os meios ao seu alcance o desmantelamento da democracia em toda a Europa, como denunciou entre outros o grande filósofo alemão Jürgen Habermas [foto], pois só assim podem ser impostas as políticas que levam a essa mudança de modelo e que são tão contrárias às que desejam que se apliquem a imensa maioria da população. 

Não cabem, pois, grandes mudanças após a competição eleitoral na Alemanha. 

Os grupos de pressão tiveram muito cuidado em impedi-las, sobretudo generalizando um discurso político carregado de mentiras que pouco a pouco 
penetra toda a Europa, e particularmente na Alemanha, para ir conformando uma cidadania submissa e convencida de que o que os grandes grupos 
financeiros propõem em seu benefício é justamente o que mais interessa aos de baixo. 

As eleições gerais celebradas na Alemanha têm muito a ver com tudo isso porque são precisamente as grandes corporações e grupos financeiros desse 
país os que mais combativamente impulsionam essa mudança de modelo social e porque a população alemã foi especialmente bombardeada e convencida pelas mentiras e enganos em que foram envolvidas pela sua colocação em andamento. 

TEIA DE ENGANOS 

Se há europeus que estão a ser especialmente enganados são os alemães e se alguém engana os demais europeus são os dirigentes políticos e económicos alemães.

* Engana-se aos alemães ao fazer-lhes crer que é a Alemanha a que financia o resto da Europa, quando se verifica que suas grandes empresas e bancos foram desde há anos os grandes beneficiários de uma construção europeia e do Euro mal concebidos por ter sido feito à sua medida.

A Alemanha não é generosa, aproveita-se sim do seu imenso poder para tratar de submeter os demais, outra vez, num espaço económico que seus grandes grupos económicos consideram seu em toda a Europa. 

* São enganados quando se lhes faz acreditar que o desperdício e a irresponsabilidade dos cidadãos de outros países foram o que produziu a crise e os males que se sofrem, quando a verdade é que foram os bancos alemães aqueles que financiaram espontaneamente e sem medida as bolhas e os excessos que destroçaram as economias para engordar, durante anos, suas contas de resultados. 

* São enganados quando se lhes faz acreditar que são outros países que se aproveitam do esforço e dos rendimentos dos trabalhadores alemães quando na realidade são seus próprios grupos de poder económico e financeiro os que impuseram em seu favor políticas que criam desigualdade crescente e mais pobreza e o que colocaram fora da Alemanha o colossal excedente que obtiveram seus trabalhadores nos últimos anos. 

* Engana-se os alemães quando se lhes diz que seu modelo social é insustentável por culpa da Europa e do custo da solidariedade com outras nações, quando na realidade se há problemas de financiamento é pela cada vez menor contribuição dos proprietários de capitais alemães ao financiamento dos interesses colectivos e pela colocação dos excedentes que obtêm fora da Alemanha. 

São enganados quando se lhes diz que hão de trabalhar mais que os trabalhadores de qualquer outro país, quando as estatísticas mostram que apesar de serem mais produtivos nos sectores de vanguarda, pelo maior avanço das suas economias, trabalham menos, felizmente para eles, ainda que certamente com condições de trabalho e de rendimento cada vez piores. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães estão a enganar os cidadãos europeus quando se lhes diz que as políticas de austeridade são a melhor forma de avançar e que além disso são necessárias pela dívida de outros países, quando a Alemanha a teve sempre mais elevada que muitos deles e quando é uma evidência clamorosa que estas políticas empobrecem toda a Europa e, por fim, os próprios trabalhadores alemães e quando só estão a servir para justificar a privatização e o desaparecimento de serviços públicos e direitos sociais. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam toda a Europa quando se lhes diz que a dívida que há que reduzir deriva do excessivo de gasto público destinado ao bem estar social, quando na realidade decorre dos juros gigantescos que se pagam aos bancos privados ao impor um banco 
central na Europa que não o é e que só serve para apoiar e salvar os bancos privados. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam os europeus normais e comuns quando se lhes diz que países como Grécia, Portugal ou Espanha exigem ajudas ou resgates multimilionários para levá-los em frente, quando na realidade esses resgates só servem para salvar os bancos alemães ou as grandes empresas que vivem de fazer investimentos imperiais no resto da Europa, em muitos casos promovendo e financiando todo tipo de práticas corruptas. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam os europeus quando se lhes diz que há que rebaixar os salários para criar emprego e dessa forma só se consegue que aumente o lucro empresarial e a pobreza; ou que há que flexibilizar os mercados laborais, quando isso só se traduz em maior poder de negociação dos grandes empresários mas não em mais e sim em pior emprego; ou que há que reduzir a despesa pública quando são cada vez maiores suas aventuras e despesas militares ou as despesas financeiras que graciosamente se pagam aos bancos privados. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam todos os cidadãos quando se apresentam como justos e eficientes reclamando estritas condições de pagamento aos agora devedores. Ocultando que países como a Grécia foram generosos com a Alemanha quando era esta quem tinha que pagar sua dívida.

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Não cabe esperar grandes mudanças destas eleições alemãs porque são celebradas em meio a um cinismo institucional gigantesco, no âmbito de um colossal roubo intelectual e político que não se pode combater no seio de instituições que deixaram de ser democráticas ou por governos que são marionetas dos grupos financeiros e grandes empresários. 

A estratégia da mentira triunfa, e desgraçadamente de forma muito particular na Alemanha, graças ao poder imenso que acumularam as classes mais ricas.

A riqueza dos 10% mais ricos da Alemanha, por exemplo, passou dos 45% do total em 1998 para 53% em 2008; as dos 40% seguintes dos 46% para 40% e a dos 50% mais pobres dos 4% para 1%. 

Isso é o que explica que apesar de 70% dos alemães afirmarem estarem conscientes e reprovarem a injustiça que implicam as actuais políticas 
económicas e laborais voltem a votar, na sua grande maioria, nos partidos que as executam. 

Na Alemanha, como nos demais países europeus, conseguiram converter cidadãos e cidadãs titulares de direitos nos "súbditos dóceis" dos quais dizia o grande Thomas Mann, em A Montanha Mágica, "que demonstram em todo escritório e em todos local de trabalho o respeito devido à autoridade". 


Quando os eleitores tiverem deixado de ser dóceis e ingénuos, como vêem sendo a maioria dos alemães e europeus em geral, e quando enfrentarem com decisão as autoridades corruptas e totalitárias que nos governam, as eleições começarão a ter outro significado e então sim abrirão caminho para verdadeiras mudanças políticas.

[*] Juan Torres López é catedrático no Departamento de Teoria Económica e Economia Política da Universidade de Sevilha. O original encontra-se no Público.es de 22/Setembro/2013 e em juantorreslopez.com/...

Este artigo traduzido encontra-se em http://resistir.info/ 

Fonte:
http://resistir.info/alemanha/lopez_23set13.html

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Por que a Europa do euro afunda na crise que ela própria alimenta

20/10/2012 - por J. Carlos de Assis(*)
- para o portal Carta Maior


Qualquer pessoa com nível razoável de reflexão é capaz de entender a essência da crise financeira mundial que se concentra, sobretudo, nos países mais ricos do mundo, e principalmente na área do euro.

Entretanto, essa percepção fica comprometida por um bombardeio ideológico de mídia que se manifesta ora pela distorção dos fatos ora pela manipulação de conceitos econômicos tendo em vista a defesa de interesses específicos de grupos.

Vejamos como isso tem funcionado.

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A crise originou-se de uma bacanal especulativa nos Estados Unidos e na Europa pela qual trilhões de dólares emprestados e rolados no mercado virtual de tomadores essencialmente insolventes revelaram-se impagáveis. Diante da quebra iminente, o Governo norte-americano, isto é, o Tesouro e o Fed intervieram no mercado para salvar os bancos ilíquidos. A crise financeira privada migrou para a Europa, forçando os governos locais a também intervirem para salvar os bancos.


A contrapartida do socorro aos bancos foi a absorção das suas dívidas pelos governos. No caso norte-americano, o Fed e o Tesouro atuaram conjuntamente, no primeiro caso através de trilhões de dólares de empréstimos de liquidez, e no segundo através de um programa especial (TARF) adotado ainda no Governo Bush, da ordem de 700 bilhões. Além disso, no caso americano, já no Governo Obama aprovou-se um programa adicional de 767 bilhões de dólares de estímulos fiscais, que em parte funcionou.


Disso tudo resultou um aumento vertiginoso do déficit e da dívida pública norte-americana, esta alcançando cerca de 90% do PIB. Não é uma dívida nada extraordinária, considerando-se o tamanho da recessão e do desemprego. Contudo, é uma dívida muito grande para o Partido Republicano. Tendo este último ganhado as eleições para a Câmara em 2009, tratou imediatamente de bloquear no Congresso um novo programa de estímulo proposto por Obama em 2010 de 400 bilhões de dólares. Portanto, os Estados Unidos poderiam ter perfeitamente insistido no programa de recuperação não fosse a postura fundamentalmente ideológica republicana.


Isso teria custado alguns pontos percentuais adicionais da dívida pública, os quais seriam provavelmente recuperados com uma aceleração do crescimento e da receita pública, como acontece em todos os ciclos de crises. Afinal, a despeito do valor absoluto da dívida, o país continua financiando-a a taxas extremamente baixas (3,5%). De qualquer modo, é preciso esperar o resultado das eleições para especular sobre qual destino os Estados Unidos escolherão levando boa parte do mundo consigo.


Na área do euro a situação tornou-se bem mais complexa. Os governos, para salvar os bancos, tiveram de levar a níveis recordes o déficit e a dívida pública. O que surgiu como crise financeira devida à pornográfica especulação foi transformada em crise fiscal pelos governos neoliberais. Assim mesmo, teria sido possível enfrentar a crise mediante um programa de estímulo fiscal caso esses governos, justamente por serem neoliberais, não estivessem obcecados pela ideia de cortar o déficit e a dívida.


E aqui não se trata apenas de ideologia, mas da institucionalidade européia estabelecida a partir da ideologia neoliberal. A Europa do euro criou um Banco Central independente (BCE) que se subordina aos mercados privados, não aos governos. Quando um governo, digamos, a Espanha, decide captar empréstimos, aumentando a dívida pública, fica exclusivamente em mãos do mercado financeiro, que exige a taxa de juros que quiser. Diferentemente do Fed americano, que irriga o mercado de moeda para facilitar a colocação desses títulos a taxas mais baixas, o BCE mantém rígida a oferta monetária, não prestando qualquer ajuda aos governos.


Mais recentemente, Mario Draghi [foto], o presidente do BCE, anunciou a disposição do banco de adquirir títulos dos governos em dificuldade de forma ilimitada desde que subordinem sua política fiscal a programas de austeridade. Isso ajuda muito pouco. É que a compra será no mercado secundário, criando grande conforto para os investidores, mas não liberando dinheiro diretamente para os governos A hipótese é que os donos privados dos títulos no mercado secundário vendam esses títulos ao BCE criando espaço para a compra de títulos novos emitidos pelos governos. Contudo, atenção: os governos não poderão fazer gastos novos financiados por esses títulos porque estarão limitados pelo programa de austeridade.


Assim, a Europa do euro, pela ideologia de seus dirigentes e por sua institucionalidade, mergulhou nas tramas de um oximoro: com a decisão do BCE, ela pode ter uma maior capacidade de gasto público, sim, mas desde que não use essa capacidade do lado fiscal, já que tem que reduzir o déficit e a dívida pública.






Enquanto isso, a demanda continua estagnada, o desemprego se eleva às nuvens – 13% em média, 25% na Espanha e na Grécia, 50% entre jovens, contração na maioria dos países e queda da taxa de crescimento até na orgulhosa Alemanha, que tem feito tudo para matar o seu mercado impondo-lhe políticas restritivas do gasto público!



(*) Economista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros, do recém-lançado “A Razão de Deus”, pela editora Civilização Brasileira.
Esta coluna sai também nos sites Brasilianas e Rumos do Brasil, e, às terças, no jornal carioca “Monitor Mercantil”.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21114