Mostrando postagens com marcador geopolítica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador geopolítica. Mostrar todas as postagens

sábado, 30 de novembro de 2013

Os três últimos sustentáculos do dólar

15/11/2013 - 2014 - o ano da internacionalização do yuan,
- da abertura da Arábia Saudita e
- da explosão da UE:
- os três últimos sustentáculos do dólar entram em colapso
- por GEAB (Global Europe Anticipation Bulletin)
- para o portal Resistir.info

"Era noite e a chuva caía. Enquanto caía era chuva, mas depois de caída era sangue".

Estas palavras de Edgar Allan Poe [1] aplicam-se às mil maravilhas ao lento processo de deslocação mundial agora em curso, em que todos os acontecimentos aparentemente anódinos ("a chuva") combinam-se para minar os fundamentos do sistema internacional que está moribundo ("o sangue").

Se este processo é lento, se estes acontecimentos podem parecer anódinos, é paradoxalmente porque a crise atual é a primeira crise sistêmica verdadeiramente mundial: bem mais profunda que a de 1929, ela afeta todos os países e aflige o núcleo do sistema.

Quando a de 1929 foi uma crise de adolescência da nova potência mundial, os Estados Unidos, a que vivemos atualmente corresponde aos últimos dias de um condenado – e este condenado é a super-potência que se conhece desde 1945.

Mas toda a organização do mundo está construída em torno dos Estados Unidos e ninguém tem interesse em que ela se afunde antes de estar completamente desligado.

Trata-se portanto, para todos, de se afastar suavemente salvaguardando as aparências habituais a fim de assegurar um transição sem sobressaltos, o que explica a lentidão do krasch em curso.

É de certa forma como os pais que tentam sair do quarto do seu bebé na ponta dos pés para evitar que ele acorde e se ponha a berrar: o bebé é o dólar e os pais são indignos uma vez que saem para abandoná-lo.

A China é mestra nesta arte, mas vêem-se por toda parte outros países que abandonam progressivamente os Estados Unidos de maneira mais ou menos subtil, como por exemplo a Arábia Saudita [2].

Para a União Europeia, quase o último bastião americanista fora dos EUA, a tarefa é mais árdua. Nossa equipe antecipa que as eleições europeias de 2014, em que a ascensão das direitas extremistas e das forças eurocéticas é inevitável, conduzirão a uma explosão do quadro atual da UE com a possibilidade de a Eurolândia revitalizar-se em sua substituição.

Analisamos em pormenor o caso europeu neste número do GEAB.

Internacionalização acelerada do yuan que vem descredibilizar mais um pouco o papel central do dólar, perda do apoio saudita que era uma peça mestra no edifício do petrodólar e perda do bastião americanista da UE substituído pela Eurolândia que, apoiando-se sobre o euro [NR], constitui uma nova ameaça para os Estados Unidos: três dos últimos apoios essenciais da potência americana desaparecerão em 2014, prosseguindo insidiosamente a convulsão mundial.

Os Estados Unidos fizeram a aposta de que, sendo demasiado doloroso transpor a barreira potencial [3] entre o status quo e o mundo de amanhã, os
países, apesar de terem tudo a ganhar com uma nova organização do mundo, não passarão o Rubicão.

É por exemplo o caso da China com a sua montanha de dólares em reserva que não valerão grande coisa se ela se mexer demasiado ostensivamente; ou ainda a Arábia Saudita que perderá um grande cliente e uma segurança garantida se se desprender dos Estados Unidos.

Salvo se se tratar, nem mais nem menos, de um cálculo frio de custos/benefícios e, para numerosos atores, os benefícios já começam a ultrapassar os custos.

Segundo o LEAP/2020, [Laboratoire Européen d'Anticipation Politique] a aposta americana já está perdida.

Índice do artigo completo: 
1. A Oeste, nada de novo
2. A impossível reativação dos EUA
3. Tudo se volta contra os Estados Unidos
4. Arábia Saudita: a abertura de um país fechado
5. Internacionalização do yuan
6. Fractura Leste/Oeste
7. 2014: resolução da questão norte-coreana pelos BRICS
8. A Europa está morta, viva a Europa!
9. Europa de antes, Europa de depois
10. Emergência de contra-sistemas

Nota: Neste comunicado público comentaremos apenas as partes 1, 2 e 8 relacionadas acima.

1. A OESTE, NADA DE NOVO [4]
Os mercados podem estar contentes. Janet Yellen, que em janeiro sucederá a Ben Bernanke à testa do Fed, sugeriu que deseja continuar o programa de flexibilidade quantitativa do seu antecessor (QE3 [Quantitative Easing]) [5].

Ela certamente não tem outra opção uma vez que a ilusão dos Estados Unidos ainda de pé não se sustenta senão graças a este programa que também permitiu relançar artificialmente tanto o mercado imobiliário como os mercados financeiros, ou financiar o governo americano a baixo custo.

Mas apenas os mercados celebram a notícia.

Os países estrangeiros perguntam-se quando as bolhas exportadas pelo Fed vão cessar, como isso vai poder acabar, como deixar de depender dos Estados Unidos e, se ainda não desligaram suficientemente suas economias, quais serão as repercussões internas.

A sociedade civil já sabe que os "benefícios" da QE nunca chegam até ela [6]: como se a totalidade de um New Deal por ano [7] fosse absorvida unicamente pelos mercados e não beneficiasse a população.

E a economia real pergunta-se quando as taxas de juro vão poder subir outra vez para um valor normal a fim de que os investidores sejam novamente estimulados a financiar verdadeiros projetos graças uma remuneração não nula.

Do lado do Fed, nada de novo portanto. Nada de novo tão pouco quanto aos problemas do país que se acumulam e se agravam.


Os jornais de referência [8] já falam de fome nos Estados Unidos;
- os crimes estão em aumento constante desde há dois anos [9];
- o consumo de droga explode [10];
- apesar das reduções orçamentárias que forçam prisões a libertarem seus prisioneiros [11], há mais presos nos Estados Unidos do que engenheiros ou professores do secundário (ver figura acima);
- apesar dos números oficiais encorajadores, o desemprego em massa continua [12];
- as infraestruturas são sacrificadas [13];
- a investigação científica já não é financiada corretamente [14], etc.

[...]

2. A RETOMADA IMPOSSÍVEL DOS EUA
Os problemas dos Estados Unidos na realidade não podem ser resolvidos no quadro atual pois o país encontra-se face a um dilema: se a economia começar a recuperar-se, o Fed deve travar seu programa de apoio, mas então será o pânico nos mercados como se viu em setembro, o que interromperá a retomada...

Mais genericamente, se um mínimo de verdadeiro crescimento ocorrer nos EUA, a montanha de dólares impressos pelo Fed e exportados para os países emergentes vai retornar em parte aos Estados Unidos para aproveitar a sorte inesperada, provocando uma forte inflação e matando a retomada no ovo. [22]

Estas "oscilações" entre esperança e desespero vão portanto continuar enquanto a crise é enfrentada com as ferramentas do mundo de antes, ou até que um choque venha recordar a situação catastrófica.

Pois não é a QE que vai salvar a economia, uma vez que os seus melhores resultados são manter artificialmente em vida zumbis econômicos e inchar bolhas financeiras.

[...]

8. A EUROPA ESTÁ MORTA, VIVA A EUROPA [42] 
Resolução dos conflitos, comércio, finanças... vê-se pois que o fosso se aprofunda com o Ocidente.

Entretanto, à imagem desta nova rota da seda que liga a Ásia e a Europa, esta última ainda pode saltar a tempo no mundo de amanhã se chegar a cortar o cordão umbilical com os Estados Unidos, após as eleições de 2014 que servirão como detonador.

Ascensão das direitas extremistas e dos partidos eurocéticos, déficit democrático, peso do lobbies e afastamento dos cidadãos, centralização bruxelense, burocracia e tecnocracia... a União Europeia morre [43].

Segundo a nossa equipe, as eleições europeias de 2014 vão provocar a explosão do quadro atual na UE e iniciar uma repolitização da União, a começar por um grande debate sobre o futuro da Europa.

Esta recolocação em causa já começou, com os Verdes por exemplo apresentam candidatos comuns em todo o território da UE [44], iniciando assim uma "verdadeira" eleição europeia, ou com os partidos socialistas que pressionam o candidato muito sério Martin Schultz à testa da Comissão Europeia. [45]

Mas segundo o LEAP/2020, esta refundação, se for conseguida, tomará tempo, muito tempo, e a verdadeira oportunidade para uma UE democrática é portanto a eleição de 2019. Analisamos longamente o destino da Europa na secção Telescópio.

Ora, esta União Europeia que morre é a Europa inspirada e infiltrada pelos interesses americanos.

É a Europa reduzida a um vasto mercado comum que deve ampliar-se sem cessar.

É a Europa que se inclina diante da Monsanto e que a remete aos Estados membros [46], deixando assim o campo livre à multinacional americana.

Esta camuflagem das políticas anglo-saxônicas, esta terceira muleta americana, afunda-se.

Mas estas decisões ditadas pelo primo americano passam cada vez mais dificilmente [47].

Um outro exemplo é dado pela adesão da Turquia à UE, escolhida pela agenda americana e não pelos cidadãos europeus e nem pelos turcos [48]: já difícil, esta estará condenada definitivamente quando partidos de extrema-direita irromperem no Parlamento Europeu em 2014.

Mas o continente não esperará por 2019 para se reorganizar e a questão refere-se à forma que assumirá a Europa de amanhã.

Enquanto isso, como veremos na secção Telescópio, a Eurolândia tem a capacidade de construir um projeto político que virá preencher o vazio deixado pela União Europeia. [...] 

Notas:
[1] Extraído de "Silence", 1837. 

[2] Algo inconcebível antes... 

[3] Em física, esta noção designa um obstáculo que uma partícula não pode transpor senão quando ela ter energia suficiente. 

[4] Título de um romance de Erich Maria Remarque (1929). 

[5] Fonte: Business Insider , 13/11/2013.
[QE] Política monetária não convencional empregada por Bancos Centrais para estimular a economia.

[6] Ler o artigo edificante "Confessions of a Quantitative Easer" (Wall Street Journal, 11/11/2013) ou sua tradução em francês em les-crises.fr

[7] As despesas do New Deal são estimadas em 50 mil milhões de dólares no total entre 1933 e 1940 (fonte: Forbes).
Com a inflação, esta quantia representa cerca de 850 a 900 mil milhões de dólares actuais (cf. US inflation calculator, quando o Fed injecta 1020 mil milhões de dólares por ano, ou seja, mais de um New Deal por ano.
Ver também Answers.com
Entretanto, deve-se contextualizar este números uma vez que o QE3 representa 6% do PIB enquanto na época os 50 mil milhões do New Deal representam cerca de 50% do PIB (repartidos ao longo de 8 anos, ou seja, igualmente 6% por ano). 

[8] "America's new hunger crisis", MSNBC (30/10/2013). Ver também Reuters, 12/09/2013. 

[9] Fonte: Time, 24/10/2013. 

[10] Fonte: Bloomberg, 13/11/2013. 

[11] Fonte: por exemplo CBS27/02/2013. 

[12] Fontes: CNS News (22/10/2013), ZeroHedge(08/11/2013). 

[13] Fonte: Business Insider, 01/11/2013. 

[14] Fontes: ThinkProgress, (30/08/2013), The Tech (07/05/2013), etc.
Mesmo o prestigioso MIT é fortemente afectado: Boston Globe, 20/05/2013. 

[...] 

[22] Ler a respeito a análise de Andy Xie, Caixin, (05/11/2013). 

[...] 

[42] Referência à fórmula "o rei está morto, viva o rei!" pronunciada inicialmente na sucessão de Carlos VI em 1422. Fonte: Wikipedia

[43] É interessante constatar que todas as "uniões" (União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos) estão em graves dificuldades; em particular, a escolha deste nome reflete princípios de governação que não estão mais adaptados à nossa época em que uma governança descentralizada em rede torna-se imperativa para gerir os grandes blocos regionais. 

[44] Fonte: EUObserver, 11/11/2013. 

[45] Fonte: Huffington Post10/10/2013. 

[46] Fonte: Die Zeit, 06/11/2013. 

[47] Assim, o milho da Monsanto mencionado acima teria ainda de ser bloqueado por numerosos países. 

[48] Apenas 20% dos europeus e 44% dos turcos pensam que a integração da Turquia seria "uma coisa boa" Hurriyet19/09/2013).
Enquanto Hillary Clinton em novembro de 2010 dizia: "the United States [...] support the membership of Turkey inside the EU. [...] We don't have a vote, but if we were a member, we would be strongly in favor of it". 

[NR] Parece absurdo dizer que a recuperação da dita Eurolândia após a derrocada da UE possa apoiar-se no Euro. O mais provável é que seja a derrocada do Euro a arrastar a da UE. 

O original encontra-se em www.leap2020.eu/...  

Este comunicado público encontra-se em http://resistir.info/

Fonte:
http://resistir.info/crise/geab_79.html

Veja também:
As consequências do declínio americano - Immanuel Wallersten
- A morte do dólar - Paul Craig Roberts

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

As consequências do declínio americano

20/11/2013 - Immanuel Wallersten (*)
- Tradução: Antonio Martins - blog Outras Palavras

Jacob Jordaens, O Rei Feijão

Quando o enfraquecimento da potência hegemônica torna-se nítido, abre-se um período de caos geopolítico. É quando surge, além de oportunidades, risco de loucuras destrutivas.

Tenho sustentado há muito que o declínio dos Estados Unidos como potência hegemônica começou por volta de 1970; e que este processo, no início lento, precipitou-se durante a presidência de George W. Bush [foto].

Comecei a escrever sobre o tema em 1980.

À época, a reação a tal argumento, em todos os campos políticos, foi rejeitá-lo como absurdo. Nos anos 1990, acreditava-se em todas as faixas do espectro político que, ao contrário, os EUA tinham alcançado o ápice de seu domínio unipolar.

No entanto, depois do estouro da bolha financeira, em 2008, a opinião de políticos, teóricos e do público em geral começou a mudar.

Hoje, uma ampla percentagem das pessoas (embora não todas) aceita a realidade de ao menos algum declínio relativo do poder, prestígio e influência norte-americanos.

Nos EUA, este fato é aceito com muita relutância. Políticos e teóricos rivalizam-se em apresentar fórmulas sobre como o declínio ainda pode ser revertido. Acredito que ele é irreversível.

A questão real, a meu ver, é sobre as consequências do declínio.

A primeira é uma clara redução da capacidade dos EUA para controlar a situação mundial, e em particular a perda de confiança, por parte dos que eram os principais aliados de Washington.

No último mês, devido às evidências apresentadas por Edward Snowden, soube-se que a Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) espionou diretamente os principais líderes da Alemanha, França, México e Brasil, entre outros (assim como, é claro, inúmeros cidadãos destes países).

Estou certo de que os EUA envolveram-se em atividades similares em 1950. Mas em 1950, nenhum destes países teria ousado transformar sua ira em escândalo público, ou em reivindicar que os EUA interrompessem a ação.

Se o fazem hoje, é porque agora os EUA precisam deles mais do que eles próprios precisam dos EUA.

Os líderes atuais sabem que os EUA não tem outra escolha exceto comprometer-se – como fez o presidente Obama – a cessar estas práticas (mesmo que os EUA não pretendam cumprir a promessa…).

E os líderes destes quatro países sabem, todos, que sua posição interna será fortalecida, e não enfraquecida, por apontarem publicamente para o nariz de Washington.

Até o momento, enquanto a mídia debate o declínio norte-americano, a maior parte das atenções voltam-se para a China, como um potencial novo hegemônico. Também aqui, há falta de percepção.

A China é, sem dúvida, um país cuja potência geopolítica está em ascensão. Mas chegar ao papel de potência hegemônica é um processo longo e árduo.

Em condições normais, qualquer país precisaria de ao menos outro meio século para tornar-se capaz de exercer poder hegemônico. É um longo intervalo, durante o qual muito pode acontecer.

Num primeiro momento, não há sucessor imediato para o papel.

O que costuma acontecer, quando o enfraquecimento da antiga potência hegemônica torna-se nítido para outros países, é que a relativa ordem do sistema-mundo é substituída por uma luta caótica entre múltiplos polos de poder, nenhum dos quais pode controlar a situação.

Os EUA ainda são um gigante, mas um gigante com pés de barro. Ainda têm a força militar mais poderosa, mas não são muito capazes de usá-la em seu proveito.

Tentaram minimizar seus riscos concentrando-se em guerras de drones.

O ex-secretário de Defesa Robert Gates acada de denunciar que esta visão é totalmente irrealista, do ponto de vista militar. Ele lembra que as guerras só são vencidas com tropas no chão, e o presidente dos EUA está agora sob enorme pressão, vinda de políticos dos dois partidos e do sentimento popular, para não usar tropas no chão.

O problema, para todo mundo, numa situação de caos geopolítico, é o alto nível de ansiedade que ela produz e os riscos que oferece para que prevaleçam loucuras destrutivas.

Os EUA, por exemplo, podem não ser mais capazes de vencer guerras, mas podem causar enorme dano para si mesmos e para outros por meio de ações imprudentes.

Todas as suas tentativas de agir no Oriente Médio são derrotadas.

No presente, nenhum dos atores na região (sim, eu disse “nenhum”) aposta mais no taco dos EUA. Isso inclui Egito, Israel, Turquia, Síria, Arábia Saudita, Iraque, Irã e Paquistão (para não falar da Rússia e China).

Os dilemas políticos resultantes para os Estados Unidos foram tratados em grande detalhe no New York Times.

A conclusão do debate interno a respeito, no governo Obama, foi um compromisso muito ambíguo, que leva o presidente a parecer vacilante, ao invés de forte.

Por fim, podemos estar certos de duas consequências reais, na próxima década.

A primeira é o fim do dólar como moeda de último recurso. Quando isso acontecer, os EUA terão perdido uma grande proteção para seu orçamento e para o custo de suas operações econômicas.

A segunda é o declínio – provavelmente sério – no padrão de vida relativo dos cidadãos e residentes nos EUA. As consequências políticas deste último movimento são difíceis de prever em detalhe, mas não serão irrelevantes.

(*) Immanuel Wallerstein é um dos intelectuais de maior projeção internacional na atualidade. Seus estudos e análises abrangem temas sociólogicos, históricos, políticos, econômicos e das relações internacionais. É professor na Universidade de Yale e autor de dezenas de livros. Mantém um site onde publica seus textos (http://www.iwallerstein.com/).

Fonte:
http://outraspalavras.net/capa/as-consequencias-do-declinio-americano/

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O mundo aprende a andar sem os EUA

28/08/2013 - Spengler [*] em 19/08/2013, no Asia Times Online
- Excerto traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O barulhão assustador que se está ouvindo, como eu já disse dia 15/8 na CNBC, é a implosão da influência norte-americana no Oriente Médio.

oferecimento que Vladimir Putin [foto] fez, dia 17/8, de ajuda militar ao exército egípcio, depois que o presidente Obama cancelara exercícios militares conjuntos com egípcios, mostra o ponto mais baixo da curva da importância dos EUA em todo o pós-Guerra Fria.

Rússia, Arábia Saudita e China trabalham juntas para tentar minimizar o dano provocado pelos erros dos norte-americanos. É precisamente o que fazem, em silêncio, há mais de um ano.

O alarme soou para a democracia egípcia, quando a Fraternidade Muçulmana ergueu-se de seu passado tenebroso, mas nem assim a Washington oficial acordou.

O Egito estava à beira de morrer de fome, quando os militares depuseram Mohamed Mursi.

A maior parte dos pobres no Egito já estava há meses vivendo do pão subsidiado pelo estado, e até o fornecimento desse pão estava ameaçado. Os militares trouxeram US$12 bilhões de ajuda recebida dos estados do Golfo, o suficiente para evitar uma catástrofe humanitária.

A realidade é essa. É a única coisa sobre a qual Rússia, Arábia Saudita e Israel concordam.

A atitude errática, vacilante, dos EUA sobre o Egito, não é só erro estúpido, tolo, mas uma completa catástrofe institucional.

O presidente Obama cercou-se de uma camarilha, com Susan Rice como Conselheira de Segurança Nacional, ladeada por Valerie Jarrett, milionária da indústria da construção de moradias públicas nascida no Irã.

Comparada à equipe de Obama, o pessoal de Zbigniew Brzezinski [foto] eram colossos intelectuais no Conselho de Segurança Nacional de Jimmy Carter.

Essa gente agora são amadores e ninguém jamais consegue prever o que inventarão, de hoje para amanhã. (...) 

E tampouco interessa o que digam os especialistas do Partido Republicano. Poucos Republicanos eleitos discutirão com McCain [foto abaixo], porque os eleitores já não suportam ouvir falar de Egito e já não confiam nos Republicanos, depois dos fracassos no Iraque e no Afeganistão.

Nenhum dos dois partidos tem capacidade institucional para deliberar inteligentemente sobre os interesses dos EUA.

Dentre os veteranos dos 
governos Reagan e Bush há vários que compreendem com clareza o que se disputa no mundo, mas o Partido Republicano é incapaz de atuar sob orientação deles. Por isso o fracasso institucional nos EUA é tão profundo.

Os deputados e senadores Republicanos vivem em pânico ante a possibilidade de serem derrotados por isolacionistas como o senador Rand Paul (R-KY) – e seguirão o quixotesco senador McCain.

E outras potências regionais e mundiais farão tudo que possam para conter o desmando e a confusão que reina nos EUA. (...) 

A rede Russia Today noticiou, dia 7/8, que: 

(...) a Arábia Saudita ofereceu-se para comprar $15 bilhões em armas da Rússia, e ofereceu uma lista de vantagens e facilitações econômicas e políticas ao Kremlim – no esforço para reduzir o apoio que Moscou continua a dar ao presidente sírio Bashar Assad. 

A posição dos russos não mudará. Quanto a isso, já não há dúvidas. (...) 

O que se vê bem claramente, é que Riad está confiando, não mais em Washington, mas em Pequim, para garantir sua capacidade de transportar e disparar armas atômicas.

A China tem interesse profundo na segurança saudita: é o maior importador de petróleo saudita. É altamente provável que os EUA já se tornem independentes de petróleo importado em algum momento da próxima década, mas a China precisará do petróleo do Golfo Persa por tempo futuro não determinado. (...)

Os russos temem que o radicalismo islâmico escape totalmente de qualquer controle no Cáucaso e talvez em outros pontos, com a Rússia evoluindo 
para ser país de maioria muçulmana. 

Os chineses temem os uigures, povo muçulmano de origem turca, que já é metade da população da província Xinjiang, no oeste da China.

Mas o governo Obama (e Republicanos do establishment como John McCain) insistem que os EUA devem apoiar governos islamitas democraticamente eleitos. É erro gravíssimo. A Fraternidade Muçulmana é tão democrática quanto o Partido Nazista (...).

Países tribais, com altos índices de analfabetismo não têm parâmetro para a tomada democrática de decisões.

Enquanto os EUA continuarem a declarar apoio a “oposições democráticas” muçulmanas no Egito e na Síria, o resto do mundo continuará a tratar os 
norte-americanos como doidos varridos, lunáticos sem conserto, e todos tratarão de garantir seus próprios interesses sem os EUA.

Os turcos, é certo, reclamarão contra o destino de seus amigos na Fraternidade Muçulmana, mas pouco podem fazer. Os sauditas financiam grande parte do enorme déficit nas contas turcas; e quase toda a energia que chega à Turquia vem-lhe dos russos.

Além de errarem na avaliação dos eventos egípcios, os analistas norte-americanos erraram praticamente toda a leitura que tentam fazer do quadro 
mundial.

Na direita norte-americana, o consenso dominante há anos é que a Rússia acabaria por implodir economicamente e demograficamente.

Mas a taxa de fertilidade total na Rússia, ao contrário, subiu, de um ponto calamitosamente baixo de menos de 1,2 nascidos vivos por mulher em 1990, para cerca de 1,7 em 2012, no ponto intermediário, superior ao 1,5 da Europa e pouco abaixo do 1,9 dos EUA.

Faltam dados para avaliar a tendência, mas já está bem claramente indicado que é erro descartar a Rússia, seja por qual critério for, pelo menos por hora. (...)

Taxa de fertilidade no mundo em 2011 (nascidos por mulher)
(clique na imagem para aumentar) 

Gostem ou não gostem, a Rússia não sumirá do mapa.

Analistas norte-americanos veem os problemas russos com os muçulmanos no Cáucaso, com o superficialismo de quem se diverte com a desgraça alheia. 

Durante os anos 1980s o governo Reagan apoiou jihadistas no Afeganistão, contra os russos, porque a União Soviética era, então, a encarnação perfeita do mal.

Hoje, a Rússia não chega a ser exatamente amiga-irmã dos EUA, é claro, mas o terrorismo islamista é que é o pior dos males, e os EUA bem fariam se seguissem o exemplo dos sauditas e se unissem aos russos, contra o terrorismo islamista.

No caso da China, o consenso era que a economia chinesa desabaria rapidamente esse ano, o que geraria problemas políticos.

Os dados do comércio chinês de junho mostram exatamente o contrário disso: um aumento nas importações (incluindo crescimento de 26% ano a ano nas importações de minério de ferro e de 20% no petróleo) indica que a China continua a crescer confortavelmente mais de 7% por ano.

A transição da China, de modelo exportador movido a trabalho barato, para modelo de manufatura com alto valor agregado e economia de serviços ainda é desafio gigantesco, talvez o maior de toda a história da economia; mas absolutamente não há qualquer sinal de que a China esteja fracassando ante o desafio que se propôs.

Gostem ou não, a China continuará a marcar o ritmo do crescimento da economia mundial.

Crescimento do PIB da China e dos EUA até 2028
(Clique na imagem para visualizar melhor) 

Os EUA, se escolhessem exercitar o próprio poder e cultivar seus talentos culturais, ainda seriam capazes de derrotar os “opositores”. Mas escolheram nada fazer, e a rédea afinal escapou das mãos de Washington.

Os norte-americanos só ouvirão falar de desenvolvimento importante, se e 
quando outros países decidirem divulgar seus próprios sucessos. É justo prevenir os leitores de que aqueles, dentre nós, norte-americanos, que 
ainda mantemos condições e meios razoavelmente satisfatórios de vida e progresso, não conseguiremos mantê-los igualmente satisfatórios no futuro. 

Meu registro de sucessos nas previsões que faço não é de todo mau. Em 2003, avisei que a tentativa do governo de George W Bush de construir 
nações no Iraque e no Afeganistão terminaria em tragédia.

E no início de 2006, escrevi: “Gostem ou não, os EUA só produzirão caos, e nada podem fazer para escapar dele.” (...)

Ninguém mais precisa de analistas de política externa.

Em 2013, os cães da guerra estão soltos e escolherão, eles, os próprios caminhos.

Nos EUA, basta abrir a janela de casa, que já se ouvem os latidos.
__________________________

[*] Spengler, apelido de David P. Goldman, escreve a coluna Spengler para o Asia Times Online e contribui frequentemente para as publicações The Tablet, First Things (2009-2011) e outras. Foi Chefe Global de Pesquisa de Dívida do Bank of America (2002-2005), Diretor Global de Estratégia de Crédito do Credit Suisse (1998-2002). Ocupou cargos importantes nas organizações financeiras Bear Stearns e Cantor Fitzgerald. Foi colunista da revista Forbes (1994-2001). Seu livro How Civilizations Die (and why Islam is Dying, Too) foi lançado em setembro de 2011.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.co.at/2013/08/o-mundo-aprende-andar-sem-os-eua.html

sábado, 24 de agosto de 2013

A hora da ação política



Por Luiz Inácio Lula da Silva, no sítio do Instituto Lula:

A lenta retomada da economia global e os seus enormes custos sociais, especialmente nos países desenvolvidos exigem uma corajosa mudança de atitude. É preciso identificar com clareza a raiz da crise de 2008, que em muitos aspectos se prolonga até hoje, para que os líderes políticos e os órgãos multilaterais façam o que deve ser feito para superá-la.

A verdade é que, no dia 15 de setembro de 2008, quando o banco Lehman Brothers pediu concordata, o mundo não se viu apenas mergulhado na maior crise financeira desde a quebra da Bolsa de Nova York em 1929. Viu-se também diante da crise de um paradigma.

Outros grandes bancos especuladores nos Estados Unidos e na Europa só não tiveram o mesmo destino porque foram socorridos com gigantescas injeções de dinheiro público. Ficou evidente que a crise não era localizada, mas sistêmica. O fracasso não era somente desta ou daquela instituição financeira, mas do próprio modelo econômico (e político) predominante nas décadas recentes. Um modelo baseado na ideia insensata de que o mercado não precisa estar subordinado a regras, de que qualquer fiscalização o prejudica e de que os governos não tem nenhum papel na economia, a não ser quando o mercado entra em crise.

Segundo este paradigma, os governos deveriam transferir a sua autoridade democrática, oriunda do voto – ou seja, a sua responsabilidade moral e política perante os cidadãos – a técnicos e organismos cujo principal objetivo era o de facilitar o livre trânsito dos capitais especulativos.

Cinco anos de crise, com gravíssimo impacto econômico e sofrimento popular, não bastaram para que esse modelo fosse repensado. Infelizmente, muitos países ainda não conseguiram romper com os dogmas que levaram ao descolamento entre a economia real e o dinheiro fictício, e ao círculo vicioso do baixo crescimento combinado com alto desemprego e concentração de renda nas mãos de poucos.

O mercado financeiro expandiu-se de modo vertiginoso sem a simultânea sustentação do crescimento das atividades produtivas. Entre 1980 e 2006, o PIB mundial cresceu 314%, enquanto a riqueza financeira aumentou 1.291%, segundo dados do McKinseys Global Institute e do FMI. Isso, sem incluir os derivativos. E, de acordo com o Banco Mundial, no mesmo período, para um total de US$ 200 trilhões em ativos financeiros não derivados, existiam US$ 674 trilhões em derivativos.

Todos sabemos que os períodos de maior progresso econômico, social e político dos países ricos durante o século XX não tem nada a ver com a omissão do Estado nem com a atrofia da política.

A decisão política de Franklin Roosevelt, de intervir fortemente na economia norte-americana devastada pela crise de 1929, recuperou o país justamente por meio da regulação financeira, o investimento produtivo, a criação de empregos e o consumo interno. O Plano Marshall, financiado pelo governo norte-americano na Europa, além de sua motivação geopolítica, foi o reconhecimento de que os EUA não eram uma ilha e não poderiam prosperar de modo consistente num mundo empobrecido. Por mais de trinta anos, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, o Welfare State foi não apenas o resultado do desenvolvimento mas também o seu motor.

Nas últimas décadas, porém, o extremismo neoliberal provocou um forte retrocesso. Basta dizer que, de 2002 a 2007, 65% do aumento de renda dos EUA foram absorvidos pelos 1% mais ricos. Em quase todos os países desenvolvidos há um crescente número de pobres. A Europa já atingiu taxas de desemprego de 12,1% e os EUA, no seu pior momento, de mais de 10%.

O brutal ajuste imposto à maioria dos países europeus – que já foi chamado de austericidio – retarda desnecessariamente a solução da crise. O continente vai precisar de um crescimento vigoroso para recuperar as dramáticas perdas dos últimos cinco anos. Alguns países da região parecem estar saindo da recessão, mas a retomada será muito mais lenta e dolorosa se forem mantidas as atuais políticas contracionistas. Além de sacrificar a população europeia, esse caminho prejudica inclusive as economias que souberam resistir criativamente ao crack de 2008, como os EUA, os BRICS e grande parte dos países em desenvolvimento.

O mundo não precisa e não deve continuar nesse rumo, que tem um grande custo humano e risco político. A redução drástica de direitos trabalhistas e sociais, o arrocho salarial e os elevados níveis de desemprego criam um ambiente perigosamente instável em sociedades democráticas.

Está na hora de resgatar o papel da política na condução da economia global. Insistir no paradigma econômico fracassado também é uma opção política, a de transferir a conta da especulação para os pobres, os trabalhadores e a classe média.

A crise atual pode ter uma saída economicamente mais rápida e socialmente mais justa. Mas isso exige dos líderes políticos a mesma audácia e visão de futuro que prevaleceu na década de 1930, no New Deal, e após a II Guerra Mundial.

É importante que os EUA de Obama e o Japão de Shinzo Abe estejam adotando medidas heterodoxas de estímulo ao crescimento. Também é importante que muitos países em desenvolvimento tenham investido, e sigam investindo, na distribuição de renda como estratégia de avanço econômico, apostando na inclusão social e na ampliação do mercado interno. O aumento de renda das classes populares e a expansão responsável do crédito mantiveram empregos e neutralizaram parte dos efeitos da crise internacional no Brasil e na América Latina. Investimentos públicos na modernização da infraestrutura também foram fundamentais para manter as economias aquecidas.

Mas para promover o crescimento sustentado da economia mundial isso não é suficiente. É preciso ir além. Necessitamos hoje de um verdadeiro pacto global pelo desenvolvimento, e de ações coordenadas nesse sentido, que envolvam o conjunto dos países, inclusive os da Europa.

Políticas articuladas em escala mundial que incrementem o investimento público e privado, o combate à pobreza e à desigualdade e a geração de empregos podem acelerar a retomada do crescimento , fazendo a roda da economia mundial girar mais rapidamente.

Elas podem garantir não só o crescimento, mas também bons resultados fiscais, pois a aceleração do crescimento leva à redução do déficit público no médio prazo. Para isso, é imprescindível a coordenação entre as principais economias do mundo, com iniciativas mais ousadas do G-20. Todos os países serão beneficiados com essa atuação conjunta, aumentando a corrente de comércio internacional e evitando recaídas protecionistas.

A economia do mundo tem uma larga avenida de crescimento a ser explorada: de um lado pela inclusão de milhões de pessoas na economia formal e no mercado de consumo – na Ásia, na África e na América Latina – e de outro com a recuperação do poder aquisitivo e das condições de vida dos trabalhadores e da classe média nos países desenvolvidos. Isso pode constituir uma fonte de expansão para a produção e o investimentos mundiais por muitas décadas.

Fonte:Blog do Miro

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Um beabá para a al-Qaeda


12/12/2012 - EUA e al-Qaeda: estranhos companheiros de cama?
- original em 10/12/2012 por Hassan N. Gardezi, no blog Countercurrents
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

(...) there is no other shelter hereabout. Misery acquaints a man with strange bedfellows.
(...) Não há outro abrigo à vista, para mim. A miséria nos apresenta a bem estranhos companheiros de cama...
[Trinculo, em The Tempest, William Shakespeare, ato II, cena 2 [*]]

Introdução
Há guerra, nos dias que correm, ainda, entre uma coalizão de estados liderada pelos EUA, e al-Qaeda, que já entra na segunda década.

Um dos lados em Guerra, os EUA, dispensa introdução. Depois do colapso da União Soviética, passou a ser a única superpotência e é conhecida nos quatro cantos do mundo como a nação mais poderosa em termos políticos, militares, econômicos e socioculturais.

A al-Qaeda (acima), contudo, não é vista assim tão claramente como força global e exige definições e alguma introdução.

A al-Qaeda surgiu da jihad dos anos 1980s contra o Partido Popular Democrático do Afeganistão [orig.Peoples Democratic Party of Afghanistan
(PDPA)] em Kabul. Essa jihad foi mobilizada pelos EUA, [1] em colaboração com a realeza saudita e o ditador militar paquistanês, general Zia. Os sauditas financiaram abundantemente a jihad com a riqueza advinda de seu petróleo, mas a contribuição dos sauditas que, ao final, revelou-se a mais decisiva, foi Osama bin Laden, cuja chegada ao Afeganistão foi acertada entre a CIA e o chefe do serviço secreto saudita, príncipe Faisal al Turki (foto).

Depois que a União Soviética retirou suas tropas do Afeganistão, em 1989, Osama, figura encarnada do guerreiro jihadista perfeito, e alguns de seus companheiros árabes fundaram a organização chamada al-Qaeda, com o objetivo de prosseguir sua jihad contra o “infiel” norte-americano, o qual, para eles, desnaturava a terra santa do Islã com seus soldados já se implantando na Arábia Saudita, no início da primeira Guerra do Golfo.

Mas, depois do início, a organização passara por modificações na constituição, na esfera geográfica de atividade e nas crenças e objetivos. A al-Qaeda que há hoje, seja como constructo político brotado de dentro do establishment norte-americano, seja como realidade existencial, reúne, por laços fluidos de associação, uma pluralidade de grupos e indivíduos, que operam num plano transnacional, com missão partilhada e táticas comuns a todos, com vistas a cumprir aquela missão. Os grupos associados à al-Qaeda hoje vão do Talibã afegão e paquistanês, aos grupos Ansar al Sharia da Líbia e Frente Al Nusra síria.

A missão da al-Qaeda e a Guerra ao Terror
A principal missão da al-Qaeda é dominar o mundo, em particular o mundo muçulmano, impondo sua específica griffe de ordem sociopolítica baseada nas leis da Xaria sunita-salafista da Arábia Saudita. Assim, a al-Qaeda pôs-se em conflito com os EUA, que também têm projeto para dominar o mundo, embora por razões diferentes que, no caso dos EUA, têm a ver com posse e controle imperiais. A al-Qaeda não tem qualquer interesse em domínio imperial, nem no fenômeno imperial, porque crê que não alcançará seu objetivo de dominar o mundo sem superar os “inimigos do Islã”, definidos, em primeiro lugar, como infiéis. Os EUA, na posição de potência global líder, é o principal dos inimigos infiéis da al-Qaeda.

George W. Bush (foto) declarou formalmente sua Guerra ao Terror, em 2001, em retaliação contra a declaração, pela a-Qaeda, de que seu alvo passava a ser os EUA, “inimigo do Islã”.

A “guerra ao terror”, apesar da denominação ambígua, é essencialmente guerra de dominação, como as duas guerras mundiais anteriores, embora com alguns trações anômalos específicos. A primeira e principal anomalia dessa guerra é o fato de que um dos combatentes não é entidade estatal: é uma entidade transnacional denominada al-Qaeda. Como o presidente Obama gosta de repetir, o objetivo da guerra ao terror é “desmontar, desmantelar e derrotar a al-Qaeda”. Embora, com sua política para o “Af-Pak” [Afeganistão-Paquistão], Obama tenha expandido o teatro da guerra para incluir o Paquistão com o Afeganistão, as operações da al-Qaeda não se limitam a esses dois países.

Nenhum continente ou país parece hoje livre de ataques reais ou potenciais dos guerreiros flutuantes da al-Qaeda. O problema complica-se imensamente, quando os EUA passam a entender, como hoje, que seria necessário fazer pactos com a chamada al-Qaeda inimiga quando parece conveniente aos EUA – exatamente o que se viu acontecer na Líbia e está acontecendo hoje, novamente, na Síria.

O pesadelo líbio
Dia 15/2/2011, houve em Benghazi, no leste da Líbia, uma manifestação pacífica de opositores ao regime de Gaddafi (foto). Enquanto o regime movia-se para dispersar a manifestação, o Conselho de Segurança da ONU entrava em ação com espantosa agilidade: dia 26/2/2011 já aprovava a primeira resolução que congelava, em bancos ocidentais, bens de Gaddafi e de vários membros de seu governo, e os impedia de viajar ao exterior; e o regime foi acusado de usar força excessiva contra os manifestantes em Benghazi.

Rapidamente, dia 17/3/2011, o Conselho de Segurança aprovou sua segunda resolução, dessa vez implantando uma zona aérea de exclusão sobre a Líbia, depois do que os países da OTAN, liderados pelos EUA, obtiveram condições ideais para usar suas forças aéreas para atacar a Líbia.

Os canais globais de notícias, entre os quais Al-Jazeera, que tem sede no Qatar, e que, antes, criara a esperança de ser algum rosto emergente de alguma via alternativa à propaganda imperialista, pôs-se imediatamente a repetir que os ataques explicavam-se perfeitamente, e que seriam efeito de uma “preocupação humanitária” pela segurança do povo líbio.

Dia 28/3/2011, o presidente Obama falou à nação, para dizer, dentre outras coisas, que:

"Confrontado por repressão brutal e crise crescente, ordenei que navios americanos posicionem-se no Mediterrâneo. Aliados europeus declaram-se desejosos de aplicar recursos para fazer parar as mortes. A oposição líbia e a Liga Árabe apelaram ao mundo, que salve vidas na Líbia. Sob meu comando, os EUA lideraram o esforço com nossos aliados no Conselho de Segurança da ONU, para aprovar a resolução histórica que autorizou a zona aérea de exclusão para deter os ataques do regime pelo ar, e autorizar todos os meios necessários para proteger o povo líbio." [2]

É citação extraordinariamente reveladora, da fala do presidente dos EUA. Aí está bem claro que os EUA controlavam e conduziam as reuniões do Conselho de Segurança; e as resoluções para a intervenção militar na Líbia foram aprovadas bem pouco tempo depois que acontecera, em Benghazi, a primeira manifestação pacífica.

Além disso, a história que Obama conta, sobre Gaddafi estar provocando “as mortes” entre seu próprio povo, e sobre “os meios necessários para proteger o povo líbio” soa, de fato, como replay da história que Bush contou sobre as “armas de destruição em massa” do Iraque. Mas, se Obama bem pode ter contado a verdade sobre mensagens que diz que recebeu dos aliados e da Liga Árabe, a referência que fez a uma “oposição líbia”, essa, sim, tem de ser examinada mais a fundo.

Desde o início dos confrontos armados, a mídia estatal líbia sempre insistiu que a oposição a Gaddafi era liderada por impiedosos agentes de operação da al-Qaeda. Mas fontes dos EUA e da OTAN ou desmentiram ou, simplesmente, não comentaram. Os seus aviões continuaram a atacar furiosamente as forças de defesa líbias, derrubaram as defesas de Gaddafi, enquanto milícias de uma oposição pesadamente armada marchava em direção a Trípoli, deixando pelo caminho um rastro de sangue e destruição.

Finalmente, dia 20/10/2011, imagens horrendas de um Muamar Gaddafi linchado até a morte, por assassinos que gritavam allah-o-akbar (Deus é grande) explodiram pelas redes globais de televisão. A narrativa dizia que estaria tentando escapar de sua cidade natal, Sirte, quando o comboio em que viajava foi atacado por aviões da OTAN, ataque que deu às milícias em terra a oportunidade para capturar Gaddafi e matá-lo.

A reação da secretária de Estado Hillary Clinton (foto abaixo), que se vê em vídeo que circulou por todo o mundo, reflete, ao que parece, correta e eloquentemente o estado de espírito de todo o establishment nos EUA ante a notícia do assassinato de Gaddafi.

A gentil e boa senhora acabava de sentar-se para uma entrevista a uma rede de televisão norte-americana em Kabul, quando lhe deram a notícia. Ela fez um segundo de silêncio e irrompeu em sonora gargalhada. Foi quando disse, sacudindo os braços no ar: “Viemos, vimos, ele está morto”.

A morte horrível de Gaddafi talvez tenha servido como alerta a outros ditadores, sobretudo aos interessados em se opor à única superpotência mundial. Mas, com certeza, não ajudou a fazer alguma paz na Líbia, nem a introduzir ali qualquer democracia.
Depois da queda do regime, alguns ministros renegados de vários gabinetes de Gaddafi, que, antes, se haviam reunido para constituir o Conselho Nacional de Transição [orig.National Transition Council (NTC)] em Benghazi, assumiram o poder na Líbia. Mas não duraram muito.

Dia 9/8/2012, o governo da Líbia, já então fragmentado em muitos subgrupos tribais e regionais, e já naufragado em lutas entre as milícias que matavam e torturavam, foi entregue a outro corpo provisório – o Congresso Nacional Geral [orig. General National Congress (GNC)], recém inventado, composto de 200 membros. Esse Congresso elegeu como presidente Mohammed Magarief, político pró-Fraternidade Muçulmana; como presidente dos Irmãos na Líbia, Magarief viveu muitos anos nos EUA e sempre fizera oposição ao regime de Gaddafi. Esse Magarief continua no posto de presidente de uma Líbia onde já não há praticamente nenhuma lei, nenhum estado e nenhuma ordem.

A conexão al-Qaeda
Já não é segredo para ninguém que a principal milícia ativa em campo na Líbia, que liderou a oposição num processo violento de “mudança de regime” foi o Grupo de Combate Islâmico Líbio [orig. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG)]. São velhos conhecidos do establishment nos EUA, desde que surgiram, dos mujahideen que partiram para o Afeganistão para combater na jihad patrocinada pela CIA nos anos 1980s. De volta à Líbia, depois daquela guerra santa, decidiram derrubar o regime secularista de Gaddafi, para substituí-lo por um estado islâmico.

Ao mesmo tempo, o LIFG cuidou de separar-se rapidamente dos patrocinadores norte-americanos, associando-se diretamente à al-Qaeda. Em 2004, os EUA formalmente declararam o LIFG “Organização Terrorista Estrangeira” [orig. Foreign Terrorist Organization (FTO)].

Depois do 11/9, foi banido pelo Conselho de Segurança da ONU. E a CIA também passou a manter vigilância ativa sobre os membros do grupo; os que fossem detidos por suspeita de associação nas atividades terroristas da al-Qaeda eram entregues à Líbia, na política já conhecida de “entregas especiais” [orig. special rendition].

Um dos que foram presos (na Malásia) e entregues à Líbia, depois de ter sido mantido durante algum tempo numa prisão secreta da CIA, foi Abdel Hakim Belhaj (foto).

Belhaj também combatera na Jihad afegã dos aos 1980s patrocinada pela CIA; adiante, se uniu à al-Qaeda. Entregue à Líbia pela CIA, Belhaj permaneceu preso; mas acabou sendo libertado, depois de algum tipo de acordo de reconciliação, no final de 2010.

Retomou então suas atividades políticas, e assim estava quando, dia 15/2, aconteceu a primeira manifestação pacífica em Benghazi, contra Gaddafi; seguida imediatamente pela intervenção militar dos EUA-OTAN.

Já então no comando de uma grande milícia pesadamente armada do LIFG, Belhadj marchou sobre Trípoli, com a cobertura dos ataques aéreos da OTAN e ocupou a capital líbia, dia 23/8/2011. Para todos os propósitos práticos, foi o fim do longo período de Gaddafi no governo da Líbia. Belhadj se autoinstalou como comandante militar de Trípoli. 

Com a mudança de regime consumada nos dois meses seguintes ao assassinato de Gaddafi, Belhadj partiu para a Síria, já planejando, com o Exército Sírio Livre, a derrubada do governo de Assad.

Mas os negócios da al-Qaeda na Líbia ainda não estavam encerrados. Em 2012, no aniversário do 11/9, outra milícia associada à al-Qaeda, autodenominada Ansar al Sharia, associada a membros destacados do LIFG, atacaram o consulado dos EUA em Benghazi e executaram o embaixador dos EUA, Chris Stevens; três membros de sua equipe morreram na mesma ação.

De início, o governo Obama tentou apresentar a morte do embaixador como ato espontâneo de muçulmanos enfurecidos por causa de um filme islamófobo que circulara nos EUA. Mas, sob feroz escrutínio, em ano eleitoral, o governo de Obama foi obrigado a admitir, pelo menos, que o embaixador fora vítima de ato planejado por grupo terrorista.

O pesadelo sírio
As primeiras manifestações contra o regime de Bashar al Assad (foto) na Síria surgiram em meados de março de 2011. Podem-se listar várias razões para os protestos, dentre as quais um efeito de contágio da chamada “primavera árabe” contra o longo domínio pelo Partido Baath, liderado pela família Assad, de uma seita alawita, minoritária. Mas não se pode ignorar um importante fator: as reformas econômicas de cunho neoliberal, que tornaram excepcionalmente difíceis as condições de sobrevivência para os trabalhadores sírios mais pobres.

Nesse contexto, é preciso lembrar que, antes das tais reformas, em meados dos anos 1990s (e reformas às quais Bashar al Assad aderiu, em passo acelerado, depois de assumir o poder em 2000), o estado sírio tinha setor público consideravelmente amplo e estável, que patrocinava inúmeros programas sociais básicos. As reformas neoliberais implicaram rápida privatização das grandes empresas estatais e o desmantelamento dos programas sociais – dentre os quais preços subsidiados para alimentos e combustível. Assim se criaram graves dificuldades de sobrevivência para grande maioria dos cidadãos sírios.

Os problemas econômicos são, sem dúvida, fator subjacente que precipitou os protestos; e potências estrangeiras, além de interesses econômicos específicos que elas também representam, rapidamente cuidaram para converter a agitação popular em luta mortal por dominação política.

Os mesmos pactários europeus da OTAN e as petromonarquias da Liga Árabe, liderados pelos EUA, que haviam trabalhado para derrubar o regime de Gaddafi começaram a sabotar o governo de Bashar na Síria. Financiaram pesadamente islamistas sírios, islamistas de outros países e grupos armados da al-Qaeda, para matar e destruir, sob a hipótese de que a matança e a destruição salvariam a Síria e a converteria – dependendo de quem interprete a matança em andamento – ou numa democracia ou num califado islâmico.

Mais uma vez, o governo Obama “liderou o esforço”, dessa vez por trás das cortinas, para arrancar do Conselho de Segurança da ONU uma resolução contra o regime de Bashar al Assad, depois da qual o embuste líbio poderia ser reencenado na Síria.

A partir de junho de 2011, várias propostas de resoluções foram encaminhadas às reuniões do Conselho de Segurança, sempre em condenação contra o regime sírio, ou criando sanções internacionais contra o país; todas aquelas propostas foram rejeitadas.

Não só porque Rússia e China vetaram, mas, também, porque estados importantes com longa tradição de governos democráticos, como Índia, Brasil e África do Sul, opuseram consistentemente contra aqueles movimentos.

Todos que se opuseram a resoluções antirregime pensavam, sobretudo, por algo que a imprensa-empresa nos EUA e em vários países ocidentais fizeram de tudo para meter por baixo do tapete: a flagrante manipulação, pelos EUA e seus aliados, do Conselho de Segurança da ONU – até arrancar dali a resolução que criou a zona aérea de exclusão que viabilizou o assassinato de Gaddafi e a derrubada violenta do governo líbio. Como disse um membro de uma missão da ONU: “O fantasma da Líbia assombra a questão Síria”. [3]

Mas nem as repetidas derrotas no Conselho de Segurança da ONU conseguiu deter os EUA e seus aliados, que se mantêm agarrados ao objetivo de derrubar Bashar al Assad do governo, não importa por quanto tempo o povo sírio tenha de sofrer.

Servindo-se dos aliados árabes, em particular da Arábia Saudita e do Qatar, os EUA conseguiram garantir suprimento constante de petrodólares e armamento pesado, incluindo mísseis antiaéreos portáteis, que se disparam do ombro, às milícias sírias; assim, os EUA conseguem manter ativa a guerra por procuração que faz na Síria, como mantêm sempre alto o número de sírios mortos. [4]

De fato, o centro de atividade anti-Síria liderado pelos EUA mudou, das salas da ONU em New York, para Doha, no Qatar. Ali, no conforto de hotéis de luxo, houve uma reunião, no início de novembro de 2012, para planejar a estratégia para obter mudança violenta de regime e para ocultar a ação de milícias islamistas, armadas e violentas, da al-Qaeda, na Síria. Ao final daquela conferência, amplamente divulgada pela imprensa-empresa global dominante, foi anunciada a formação de um corpo unificado para derrubar Assad, sob a denominação, muito pretensiosa, de “Coalizão Nacional das Forças Revolucionárias Sírias de Oposição” [orig. National Coalition for Syrian Revolutionary Opposition Forces].

Ao mesmo tempo, continuam a morrer civis sírios, outros são arrancados de casa por explosões de suicidas-bombas e de carros, explosões que, todas, levam a impressão digital da Frente Al-Nusra e da al-Qaeda.

Desde a conferência de Doha a imprensa-empresa global tem sido inundada de noticiário sobre os sucessos dos combatentes das milícias, que já teriam chegado aos subúrbios da capital síria, Damasco. A BBC tem noticiado explosões também nos subúrbios de Damasco, com alto número de vítimas; o responsável seria, sempre, Bashar, pela fúria com que se recusaria a abandonar o poder. E, caso nenhum desses atos de guerra e ações terroristas conseguir derrubar o governo sírio, sempre algum novo pretexto está em produção, a favor de intervenção do tipo que se viu na Líbia, também na Síria...

Dia 3/9/2012, vários gigantes da imprensa-empresa mundial, o New York Times, a rede CNN e outros grupos passaram a divulgar novos relatos “de inteligência”, segundo os quais Bashar al Assad estaria planejando usar armas químicas contra a oposição; na sequência, surgiram imediatamente ameaças de retaliação, partidas do presidente Obama e de sua secretária de Estado, Hillary Clinton.

Dia 3/12 a BBC dos EUA até apimentou a narrativa: disse aos telespectadores que Hafez al Assad [pai de Bashar - foto] haveria, sim, usado armas químicas contra a oposição; dia seguinte, teve de desmentir-se, quando, afinal, surgiu informação correta sobre o tal “evento”. [5]

Análise
Os EUA são a principal potência hoje engajada em guerra longa e caríssima contra a al-Qaeda no Afeganistão. No contexto dessa guerra em curso, não parece razoável que os mesmos EUA estejam hoje em colusão com a al-Qaeda na Líbia e na Síria. Mas a guerra do Afeganistão tem de ser vista na perspectiva da política externa geral dos EUA, nos termos em que evoluiu desde meados dos anos 1940s.

No final da IIa. Guerra Mundial, os EUA emergiram como superpotência que entendeu oportuno lançar programa imperial mais ambicioso de dominar o mundo politicamente e economicamente, política que imediatamente pôs os EUA em contexto de intensa rivalidade com a segunda superpotência, a União Soviética. Essa rivalidade produziu a Guerra Fria, cujas repercussões globais de longo alcance são bem conhecidas hoje.

O que não parece ser muito bem conhecido no ocidente é que, nos interstícios da Guerra Fria, emergiu também outro obstáculo que se opunha às forças do imperialismo, obstáculo regional, mas nem por isso insignificante ou desimportante: o movimento conhecido como nacionalismo panárabe, que floresceu nos anos 1950s e 60s.

O nacionalismo panárabe foi dominado, no campo político, pela personalidade de Gamal Abdel Nasser (foto); e visava a unificar a vasta região do Oriente Médio e Norte da África de língua árabe, que se estende do Mar da Arábia ao Oceano Atlântico – povos que, além da língua comum, tem história, ancestrais e até religião comuns.

Em termos ideológicos, o nacionalismo panárabe foi secular e anti-imperialista, com ênfase na modernização, no progresso, na igualdade social socialista e na propriedade nacional dos recursos naturais da região, para que beneficiassem o povo árabe.

Além de Nasser do Egito, outros chefes de Estado também se identificaram com o movimento, em graus diferentes; o projeto nacionalista panárabe reuniu Ben Bella da Argélia; Houari Boumediene da Tunísia; Gaafar Nimeiry do Sudão; Hafez al-Assad e Bashar al-Assad da Síria; Saddam Hussein do Iraque; e Muammar Gaddafi da Líbia.

Para todos os objetivos práticos, o movimento do nacionalismo panárabe dos anos 1950s e 60s entrou em colapso, confrontado com a incansável oposição de grupos islamistas, como a Fraternidade Muçulmana (acima); e sob o impacto da devastadora Guerra Israel-árabes de 1967.

Mas a memória vestigial daquele movimento e o temor de que renasça sob uma ou outra forma, por iniciativa e sob a liderança de uma geração de políticos árabes cosmopolitas, mais jovens e mais letrados, continua a aterrorizar dois grandes grupos: todos os islamistas que se reúnem no projeto guarda-chuva chamado al-Qaeda; e o establishment nos EUA.

Por isso, precisamente, os EUA e a al-Qaeda, embora estejam em guerra no Afeganistão, consideram oportuno e recomendável unirem-se e formarem gangue unificada – uma espécie de derradeira trincheira, a partir da qual entendem que podem continuar a combater os inimigos de ambos, que ainda haja na Líbia e na Síria.

Notas de rodapé
[*] Epígrafe acrescentada pelos tradutores, para explicar um título que inclui comentário/ citação ao qual estão habituados os leitores de inglês, mas não os leitores brasileiros (NTs).
[1] Zbigniew Brzezinski, entrevista a Le Nouvel Observateur, 15-21/1/1998.
[2] Citado em The Atlantic, 28/9/2012
[3] 2/2/2012, The Huffington Post.
[4] 14/10/2012, The New York Times.
[5] Sobre isso, ver 8/12/2012, Robert Fisk, “Bashar al-Assad, Síria e a verdade sobre armas químicas” (em português) [NTs].

[Comentário do leitor Saiyed Danish no rodapé da versão original em inglês:
"Bold Piece! But one thing needs a re-evaluation and that is the story of the genesis of Al-Qaeda. Jason Burke, in his book Al-Qaeda, writes that it was not Osama or his affiliates who formed Al-Qaeda but the name Al-Qaeda was designed by the US only in a Manhattan court while dealing with a defector of Osama who was ready to "accept" and "confess" everything in lieu of money and green card, whatever story the US authorities would make up. Hence, based on his "confessions", the US prepared the entire picture of a global terrorist organization named Al-Qaeda, where in fact there no such organization even in the knowledge of Osama! He was only seen as a common funding guy to various terror groups which would show up at his residences and hideouts. The footage of Osama moving with his dozens of gun brandishing cohorts was were also largely deceptive for in reality they used to be the members other splinter groups walking him for their own ends. Osama was just a felicitating body of various terror groups, he was himself more of a mercenary, just a bit exalted than others. Even Osama did not know that he US authorities had decided to give his actions and network the name of Al-Qaeda but when he heard he definitely worked hard to capitalize on it. Here is also a link of a BBC documentary, Power of Nightmares, Part 3, 
http://www.youtube.com/watch?v=qATc5jRbVOA watch the entire Part 3 or begin from 23.00 minute and go on watching for another ten minutes." Thanks.] (Equipe Educom)

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/12/eua-e-al-qaeda-estranhos-companheiros.html

Leia também:
- Síria: paraíso "jihadi" - Pepe Escobar

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.