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segunda-feira, 10 de março de 2014

"Mãeie... bateram em mim..."

04/03/2014 - Lute por mim, coitadinho de mim...
- 3/3/2014 - James Howard Kunstler [*] do Blog Clusterfuck Nation “Let’s You and Him Fight” [1]
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Quer dizer então que, agora, estamos ameaçando iniciar a IIIª Guerra Mundial, porque a Rússia está tentando controlar o caos num estado falido junto às suas fronteiras – estado que os “nossos” doidos norte-americanos empurraram diretamente para o buraco?

A última vez que conferi, havia uma lista de países para onde, recentemente, os EUA enviaram soldados, navios armados, aviões armados, e por razões semelhantes às da Rússia na Crimeia: ex-Iugoslávia, Somália, Afeganistão, Iraque, Líbia, nenhum desses sequer próximos das fronteiras dos EUA.

Não me lembro de a Rússia ameaçar confrontações militares, por causa dessas aventuras tresloucadas dos EUA.

Os telefones da Casa Branca e dos gabinetes do Congresso têm de estar totalmente congestionados, tantos são os cidadãos norte-americanos furiosos, contra a postura de nossos representantes e governantes eleitos. 

Tem de haver multidões levantando cartazes na praça Farragut, para lembrar aos hóspedes da Avenida  Pennsylvania nº 1.400 o papel ridículo em que nos puseram.

Os fabricantes de guerras no The New York Times falavam como promotores da Federação Universal de Luta Livre. A matéria de primeira página, ontem [02 mar], dizia:

"A ocupação russa na Crimeia desafiou o Sr. Obama, mais que qualquer outra crise internacional. E, no olho do furacão, a mesma questão volta, obrigatória: o Sr. Obama terá coragem para enfrentar o ex-coronel da KGB no Kremlin?"

Será que perderam, de vez, as respectivas cabeça-de-ovo?

Parece roteiro do velho manual [de Análise Transacional] de Eric Berne, Os Jogos que as Pessoas Jogam, do “tipo” “lutem por mim, coitadinho de mim” [Orig. Let’s You and Him Fight]. [1]

O presidente da Rússia, Vladimir Putin chegando à Crimeia 

O que os EUA e seus paus-mandados na União Europeia têm de fazer é cuidar da própria vida e parar com essas ameaças patéticas.

Eles mesmos montaram a cena para o colapso da Ucrânia, ao tentar manobrar o governo como quisessem, financiando um movimento pró-Eurolândia, só para, na sequência, verem seus fantoches pagos (e caros), cederem tudo a uma gangue de neonazistas armados, cujo primeiro ato oficial foi banir do país todos os cidadãos falantes de russo, num país onde há milhões de falantes de russo.

Isso nada tem a ver, claro, com o fato de que a Ucrânia, até bem recentemente, foi estado do ex-império russo soviético.

O secretário de Estado John Kerry [caricatura] – um penteado à procura de um cérebro – vai a Kiev amanhã [04 mar], para fingir que os EUA estão interessadíssimos e preocupadíssimos com o destino da Ucrânia.

Dado que o comportamento dos EUA é tão visível e claramente hipócrita, resta uma perguntinha básica: quais os nossos motivos?

Não acho que sejam qualquer coisa além de ostentação internacional – baseada na ilusão de que teríamos o poder e o direito de controlar tudo no planeta, ilusão que, por sua vez, brota do sentimento no qual estamos todos mergulhados, de extrema insegurança, agora que quantidade enorme de más escolhas que fizemos, puseram a mesa para um banquete de consequências.

Os EUA não estão conseguindo sequer dar conta das próprias dificuldades.

Ignoramos nossa crise de energia, repetindo para nós mesmos o conto de fadas de que o combustível de xisto nos permitirá continuar a ir de carro até o WalMart mais próximo, para sempre.

Escondemos de nós mesmos toda a nossa degenerescência financeira e fazemos vista grossa ante os crimes dos criminosos financeiros.

A infraestrutura, nos EUA, está caindo aos pedaços.

Estamos construindo uma montanha de aparelhos de vigilância e controle social que faria esverdear de inveja no túmulo o Dr. Joseph Goebbels, enquanto consumimos nosso já esvaído capital social, em estúpidas batalhas sobre confusão “de gêneros”. 

Tropas russas e ucranianas ocuparam entradas e saídas da península da Crimeia

Os russos, por sua vez, têm integral direito de proteger seus próprios interesses junto à sua própria fronteira, de proteger a vida e as propriedades dos ucranianos falantes de russo (os quais, não faz muito tempo, eram cidadãos de uma Rússia maior), para desestimular atividades neonazistas no seu quintal, e, principalmente, para estabilizar uma região que tem história curta e pouca experiência de independência.

Eles também têm de enfrentar a bancarrota da Ucrânia, que talvez seja a principal causa dos atuais problemas. A Ucrânia deve muito à Rússia, mas também deve uma enormidade a uma vasta rede de bancos ocidentais.

Ainda não se sabe se o calote dessas obrigações, todas conectadas, pode levar a uma onda de contágio que atinja todo o sistema financeiro global. Falta só um floco de neve para levar a montanha à avalanche.

Bem-vindos todos à era dos estados falidos. Já há vários por todo o mundo, e mais haverá, com a escassez de recursos e de capitais fazendo cair todos os padrões de vida e baixar o horizonte de confiança.

O mundo não está andando na direção em que Tom Friedman e os globalistas supuseram que andaria.

Tudo que esteja organizado em escala gigante está hoje por um fio – e, de modo muito especial, os estados-nação.

Os EUA não são imunes a esse movimento, seja qual for a ilusão que alimentemos ainda sobre nós mesmos, hoje.

Nota dos tradutores
[1] Referência a Games people play, manual de Análise Transacional, de Eric Berne, dos anos 50. Um dos “jogos” que as pessoas jogam, segundo esse modelo é o de fazerem-se de “coitados” e estimular outros a lutar pela autodesignada “vítima”.
________________________

[*] James Howard Kunstler (nascido em 19 de outubro de 1948) é um autor americano, crítico social, orador público, e blogueiro. Ele é mais conhecido por seus livros The Geography of Nowhere (1994), uma história dos subúrbios americanos e desenvolvimento urbano, The Long Emergency (2005) e, mais recentemente, Too Much Magic (2012). Em The Long Emergency, ele argumenta que o declínio da produção de petróleo é provável que resulte no fim da sociedade industrializada como a conhecemos e forçar os americanos a viver em menor escala, comunidades localizadas, agrárias (ou semi-agrárias). Começando com World Made by Hand em 2008, Kunstler tem escrito uma série de romances de ficção científica conjecturando a cultura do futuro.Dá palestras sobre temas relacionados ao subúrbio, desenvolvimento urbano e os desafios do que ele chama de “The Global Oil Predicament” (O Fim da Era do Petróleo), e a mudança resultante no “American Way of Life”. Foi conferencista no American Institute of Architects, no National Trust for Historic Preservation, no International Council of Shopping Centers, na National Association of Science and Technology,, bem como em inúmeras Universidades, incluindo Yale, MIT, Harvard, Cornell, University of Illinois, DePaul, Texas A & M, West Point e Rutgers University.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/03/lute-por-mim-coitadinho-de-mim.html

quinta-feira, 6 de março de 2014

A Rússia já está na lista

28/02/2014 - O que a Ucrânia já mostrou: a Rússia, na lista de Washington para “mudança de regime
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Joe Biden (E) e Viktor Yanukovich (D) (Em 2009 a "cama" de Yanukovich já estava feita...)

Dias antes de o presidente ucraniano Viktor Yanukovitch ser expulso do governo, ele foi informado pelo vice-presidente dos EUA, Joe Biden, de que era “fim de jogo”.

Segundo o The Guardian britânico, que cita funcionários não identificados dos EUA, Biden recriminou o presidente ucraniano, durante telefonema que durou uma hora, pelo fracasso de seus esforços para encontrar solução negociada para a crise ucraniana, os quais teriam chegado com “um dia de atraso, e incompletos”.

Não se pode dizer que tenha sido comentário amigável de observador neutro.

Desde o fim de semana passado, Yanukovich desapareceu de circulação, com notícias de que estaria em algum ponto da Península da Crimeia, no sudeste da Ucrânia.

Um ex-chefe de gabinete, Andriy Kluyev, foi ferido em ataque a tiros, por “manifestantes” antigoverno. Outros membros do Partido das Regiões de Yanukovych também fugiram dos gabinetes no Parlamento, temendo ataques similares; o que deixou a Câmara legislativa entregue a bandos da oposição. 

Esse parlamento ilegítimo rapidamente aprovou acusações formais contra o ex-presidente e altos funcionários do governo, como responsáveis pelas dúzias de mortos durante os três meses de tumultos e protestos.

Kiev transformada em terra sem lei pelos nazi-fascistas

O clima de terra sem lei governado por gangues que já se implantou em Kiev espalhou-se para outras partes do país, com as comunidades pró-Rússia, sobretudo, já temendo guerra civil em toda essa ex-República Soviética. Esse clima de medo é reflexo do golpe de estado construído e lançado contra presidente eleito e seu governo.

A chegada essa semana do vice-secretário de Estado dos EUA Williams Burns à capital da Ucrânia, “para discutir com figuras políticas e empresariais” o futuro do país é mais uma evidência de que todo o golpe de estado foi evento patrocinado e promovido por Washington.

Por que mais o vice-presidente dos EUA, Joe Biden tanto se interessaria pelos assuntos internos da Ucrânia a ponto de telefonar várias vezes da Casa Branca ao infeliz Yanukovich, nas últimas semanas?

Essa interferência criminosa nada “encoberta” dos EUA, em estado soberano, já não surpreende ninguém.

Manifestantes nazi-fascistas portando bandeiras da União Europeia combatem em Kiev

O secretário de Estado dos EUA John Kerry e outros líderes ocidentais a repetirem que a Ucrânia não seria “batalha entre o Leste e o Oeste é, no mínimo absurdo risível, sempre devidamente regurgitado servilmente pela chamada imprensa de notícias ocidental, para consumo popular.

A Ucrânia já estava na lista de “mudança de regime” desde o início dos anos 1990s, quando o país foi atacado pela primeira vez por Zbigniew Brzezinski e outros “estrategistas” do império norte-americano, como área desprotegida, um baixo ventre vulnerável, para desestabilizar a Rússia.

A “revolução laranja” patrocinada pelo ocidente, de meados dos anos 2000s, e que abriu a Ucrânia para ser saqueada pelo capital ocidental, já se deixa ver hoje, bem claramente, como um ensaio geral para a operação de golpe para “mudança de regime” que hoje se vê em curso.

De fato, a Ucrânia já pode ser acrescentada ao conhecido inventário de países alvos de golpes para “mudança de regime” que foi revelado em 2007 por Wesley Clark, general norte-americano de quatro estrelas.

Há quase sete anos, Wesley Clark foi a público e contou como Washington tinha um plano em andamento, no mínimo desde o final de 2001, quando o país invadiu o Afeganistão, e que incluía a ambição de “mudar o regime” em outros seis países – Iraque, Síria, Líbano, Somália, Sudão e Irã.

Todos esses países sofreram, em maior ou menor grau, a agressão por operação militar clandestina liderada por Washington, a mais intensa das quais se vê hoje na Síria, onde EUA e aliados financiam e armam uma insurgência estrangeira infiltrada ali.

Além dos conhecidos já sete alvos (incluindo o Afeganistão), eventos recentemente orquestrados na Ucrânia e provas de evidente intervenção ocidental também fazem desse país mais um item na agenda de governos a derrubar, de Washington.

Além do mais, é cada dia mais visível que não só a Ucrânia é alvo dos intentos criminosos.

Grupos pagos pelos EUA provocam agitação e violência na Venezuela

A violência das manifestações de rua na Venezuela para desestabilizar o governo do presidente socialista Nicolás Maduro são, sem dúvida possível, também maquinações da interferência de Washington também na Venezuela. 

E a subversão de hoje faz lembrar a tentativa de golpe, também apoiada pelos EUA, contra o ex-presidente Hugo Chávez em 2002.

Em anos recentes, Washington também esteve ativa em golpes para “mudança de regime” ou tentativa de golpe em Honduras e no Uruguai, e foi cúmplice da intervenção militar ilegal da França em vários pontos da África, incluindo Costa do Marfim, Mali e atualmente na República Centro-Africana.

Golpes para “mudança de regime” são procedimento operacional padrão para Washington e seus procuradores. Não é alguma aberração irracional: é movimento estrutural.

Na longa perspectiva histórica que vai até o surgimento dos EUA como potência imperial entre meados e o final dos anos 1800s, Washington já esteve envolvida em mais golpes, contragolpes, guerras de subterfúgio e agressões por todo o planeta, que qualquer outro estado.

Apesar das aparentemente sinceras declarações de que não há intervenção do ocidente na Ucrânia, o único modo de compreender o torvelinho que tomou conta daquele país é analisá-lo no contexto das ambições imperialistas de Washington, em nome do capitalismo ocidental.

Essa agenda é, infelizmente, seguida por sucessivos governos europeus, que demonstram suas prioridades políticas subscrevendo o diktat do capitalismo liderado pelos EUA na direção de “austeridade” econômica contra seus próprios cidadãos, e garantindo carta branca a Washington para que viole o quanto queira a lei internacional.

A verdade sistêmica é que o capitalismo não pode ser sustentado sem a conquista imperialista.

É especialmente verdade em tempos de crise do capitalismo, e a atual conjuntura é, provavelmente, a mais profunda crise histórica surgida ante a viabilidade do capitalismo liderado pelos EUA.

O imperialismo, com sua proclividade para a intervenção em países estrangeiros, a subversão e a indução a sempre mais guerras está, portanto, hoje no seu ponto mais agudo de necessidade de manifestar-se, para aliviar a estagnada ordem econômica liderada pelos EUA.

E é isso que torna a atual situação global tão perturbadoramente perigosa. 

Essa conexão estrutural entre o capitalismo e o imperialismo foi exposta, em toda a sua cogência, em 1916, por um líder russo bolchevique, Vladimir Lênin [foto, em 1918], em seu estudo O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo.[1]

As intuições de Lênin relacionadas às causas econômicas e sistêmicas da Iª Guerra Mundial resistiram ao teste do tempo, por mais que tenham sido censuradas e excluídas da consciência ocidental “oficial”.

Aquelas intuições de como as crises do capitalismo alimentam a predação imperialista aplicam-se, igualmente precisas e cogentes também para explicar as origens da IIª Guerra Mundial e de muitos outros conflitos internacionais subsequentes, inclusive o surto atual de golpes para “mudança de regime” patrocinado pelos EUA em diferentes continentes.

A análise de Lênin dá conta do motivo pelo qual Washington escalou no seu vício de provocar golpes de “mudança de regime” por todo o planeta ao longo da última década, a partir do momento em que a ordem capitalista comandada pelos EUA viu-se encurralada numa depressão que já parece insuperável.

Como em outras vezes, a guerra e o assalto imperialista são o único modo que o sistema conhece para aliviar sua própria tendência destrutiva, gerando impasses.

Não surpreende, portanto, ironicamente, que um dos primeiros atos dos manifestantes fascistas patrocinados pelo ocidente em Kiev, ainda no final do ano passado, tenha sido destruir monumentos que homenageavam Lênin.

O que se passa hoje na Ucrânia está afinado com a dinâmica histórica maior que os EUA e seus fantoches ocidentais aprofundaram, em seu ímpeto imperialista – por todo o planeta.

Em última instância, os alvos dos capitalistas ocidentais são os dois principais rivais geopolíticos, como os capitalistas ocidentais os veem: Rússia e China. Esses países são obstáculos no caminho do expansionismo doentio dos capitais ocidentais na Eurásia e no Pacífico.

Nesse sentido, desgraçadamente, a Ucrânia deve ser vista como mera cabeça-de-ponte para os planos de golpe e “mudança de regime”, dos EUA, contra a própria Rússia.

Com a ascensão do presidente Vladimir Putin [foto] da Rússia como líder global, que se tem oposto à agressão nua e crua pelo ocidente a outros países (hoje, declaradamente, no caso da Síria), aquela “obstrução” elevou a Rússia à posição de objetivo prioritário, para Washington.

É o que se vê nas repetidas ameaças de escalada militarista dos EUA contra a Rússia (e a China), sob a forma de implantação de mísseis balísticos junto às fronteiras, expansão do armamento nuclear (eufemisticamente chamado “upgrade”) e a velada doutrina da capacidade para “o primeiro ataque”.

A Ucrânia ilustra um desdobramento aterrorizante de uma tendência que se vem desenvolvendo no imperialismo norte-americano ao longo da última década. A cada dia que passa, mais se vê claramente qual o trunfo a que visam as várias operações clandestinas conduzidas pelos EUA, para mudança de regime no mundo: Moscou.

Paramilitares neonazistas agridem forças antitumulto em Kiev

Mas, na verdade, não é simples caso de os EUA retomarem a velha Guerra Fria pós-1945 contra a Rússia. A guerra capitalista global comandada pelos EUA contra a Rússia tem passado mais longo: vai até à Revolução de Outubro de 1917. O massacre da Rússia Soviética pela Alemanha Nazista foi plano ocidental para subjugar um vasto território que se posicionara fora do controle do capitalismo ocidental. (O que é assunto para outra coluna).

Os paramilitares neonazistas que o ocidente mobilizou para desestabilizar a Ucrânia (e a Rússia) hoje trazem ecos de uma agenda velha, sistemática, de golpes para “mudança de regime”, do ocidente imperialista contra o oriente, e por toda a parte.

Nada há de anômalo na associação entre a classe capitalista dominante e a bandidagem fascista, hoje. Essa é uma associação histórica.

Nota dos tradutores
[1] LÊNIN, Vladimir Ilitch [jan.-jun. de 1916], O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, in LÊNIN, Obras Escolhidas, tomo 2, Lisboa-Moscou: Editorial Avante!/Edições Progresso, 1984.
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[*] Finian Cunningham nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, em 1963. Especialista em política internacional. Autor de artigos para várias publicações e comentarista de mídia. Recentemente foi expulso do Bahrain (em 6/2011) por seu jornalismo crítico no qual destacou as violações dos direitos humanos por parte do regime barahini apoiado pelo Ocidente.
É pós-graduado com mestrado em Química Agrícola e trabalhou como editor científico da Royal Society of Chemistry, Cambridge, Inglaterra, antes de seguir carreira no jornalismo. Também é músico e compositor. Por muitos anos, trabalhou como editor e articulista nos meios de comunicação tradicionais, incluindo os jornais Irish Times e The Independent. Atualmente está baseado na África Oriental, onde escreve um livro sobre o Bahrain e a Primavera Árabe.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/02/o-que-ucrania-ja-mostrou-russia-na.html

domingo, 2 de março de 2014

Carnaval na Criméia

28/02/2014 - Pepe Escobar - Asia Times Online
– The Roving Eye - “Carnival in Crimea”
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu - Redecastorphoto

Mapa político da Ucrânia e principais cidades e fronteiras - ao sul, a península da Crimeia

O tempo não espera por ninguém, mas, parece, esperará pela Crimeia.

O presidente do Parlamento da Crimeia, Vladimir Konstantinov, confirmou que haverá um referendo, que decidirá sobre maior autonomia em relação à Ucrânia, dia 25 de maio.

Até lá, a Crimeia permanecerá tão quente e fumegante quanto o carnaval no Rio – porque na Crimeia tudo tem a ver, sempre, com Sebastopol, o porto de atracação da Frota Russa do Mar Negro.

Se a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é um touro, esse é o pano vermelho mãe de todos os panos vermelhos.

Ainda que você esteja tentando afogar todas as suas mágoas no nirvana movido a álcool e pulando para suar todos os seus problemas no carnaval no Rio – ou em Nova Orleans, ou Veneza, ou Trinidad e Tobago – mesmo assim seu cérebro registrou que o sonho mais molhado dos sonhos molhados da OTAN é instalar um governo fantoche do ocidente na Ucrânia, para despachar de lá, de sua base em Sebastopol, a marinha russa.

O arrendamento negociado do porto é vigente até 2042. Já há rumores e ameaças de que o arrendamento será cancelado.

Mapa da Crimeia com suas cidades principais e a vizinhança da Rússia

A península da Crimeia é habitada por maioria absoluta de falantes de russo. Pouquíssimos ucranianos vivem ali. Em 1954, o ucraniano Nikita Krushchev – aquele, o que bateu o sapato na mesa, na Assembleia Geral da ONU [1] – precisou só de 15 minutos para dar a Crimeia de presente à Ucrânia (então, parte da União Soviética). Na Rússia, a Crimeia é vista como russa. Nada mudará esse fato.

Ainda não estamos diante de uma nova Guerra da Crimeia – ainda não. Só um pouco. O sonho molhado da OTAN é uma coisa; outra coisa, muito diferente, é fazê-lo acontecer: tipo pôr fim para sempre à rotina de a frota russa deixar Sebastopol pelo Mar Negro, pelo Bósforo, e assim chegar a Tartus, o porto mediterrâneo da Síria. Assim sendo, sim, sim, trata-se tanto de Crimeia, quanto de Síria.

Mapa Étnico linguístico-cultural da Ucrânia atual

A nova revolução ucraniana cor de laranja, de tangerina, de Campari, de Aperol Spritz ou de Tequila Sunrise parece, até aqui, ser resposta às preces da OTAN. Mas ainda há estrada longa e sinuosa a percorrer, antes de a OTAN conseguir reencenar os anos 1850s e produzir o remix da Guerra da Crimeia original.

No futuro à vista e previsível, seremos afogados num mar branco de platitudes. Como o El Supremo do Pentágono, Chuck Hagel [caricatura], “avisando” a Rússia que fique longe do torvelinho, enquanto ministros da Defesa da OTAN lançam toda a pilha indispensável de declarações, em nenhuma das quais se lê “garantindo integral apoio” à nova liderança, e paus mandados da imprensa-empresa universal repetem sem parar que não se trata de Nova Guerra Fria, para tranquilizar a população. [2]

Dancem conforme a minha estratégia, otários

Onde está HL Mencken, quando se precisa dele? Ninguém jamais perdeu dinheiro subestimando a capacidade de mentir do sistema Pentágono/OTAN/CIA/Departamento de Estado dos EUA. 

Especialmente agora, quando a política para a Ucrânia do governo Obama parece ter sido subalugada à turma da neoconservadora Victoria "Foda-se a União EuropeiaNuland, casada com Robert Kagan, neoconservador queridinho de Dábliu Bush.

Como Immanuel Wallerstein já observou, Nuland, Kagan e a gangue neoconservadora estão tão aterrorizados ante a possibilidade de a Rússia dominar” quanto ante o surgimento de uma aliança geoestratégica que pode emergir lentamente, e bastante possível, entre a Alemanha (com a França como parceiro júnior) e a Rússia. 

Significaria o coração da União Europeia constituindo um contrapoder, de oposição ao abalado e oscilante poder norte-americano.

E, como atual encarnação do abalado poder norte-americano, o governo Obama é, sim, um fenômeno. 

Agora, estão perdidos no pântano que eles próprios inventaram, do tal “pivô”. Que pivô vem primeiro? Aquele na direção da China? Mas, nesse caso, temos de pivotear-nos, antes, para o Irã – para pôr fim à ação dispersiva, lá, no Oriente Médio. Ou quem sabe...? Talvez não.

Ouçam essa, a melhor, do secretário de Estado John Kerry [foto fantasia abaixo], sobre o Irã:

"Tomamos a iniciativa e lideramos o esforço para tentar ver se antes de irmos à guerra realmente poderia haver uma solução pacífica."

Quer dizer então que já não se trata de acordo nuclear a ser alcançado, talvez, em 2014. Nada disso. Agora se trata de “antes de irmos à guerra”. Trata-se de bombardear um possível acordo, para que o Império possa bombardear mais um país – outra vez. Ou, talvez, não passa de sonho molhado fornecido pelos patrões dos fantoches Likudniks.

O grande Michael Hudson especulou que um “xadrez multidimensional” poderia estar “guiando os movimentos dos EUA na Ucrânia”

Nada disso. Está mais para “se não podemos nos pivotear para a China – ainda – e se a pivotagem para o Irã vai falhar (porque desejamos que falhe), podemos nos pivotear para algum outro lugar...” 

Oh yes, tem aquele maldito país que nos impediu de bombardear a Síria; chamado “Rússia”. E tudo isso sobre o comando ilustrado de Victoria Foda-se a União Europeia” Nuland. Onde está um neo-Aristófanes, para escrever a história dessas comédias?

E ninguém jamais esqueça a imprensa-empresa. A CNN já começou a “Amanpourear” [ref. a Christiane Amanpour [foto]; equivale aos verbos “Jaborizar (derivado de Jabor)” ou “Waackear (der. de Waack)”, em português do Brasil (NTs)] sobre o Acordo de Budapeste – e só fazem repetir que a Rússia tem de ficar fora da Ucrânia.

Visivelmente, uma horda de produtores, todos com “índices” de audiência desabados, sequer se deram o trabalho de ler o Acordo de Budapeste, o qual, como o professor Francis Boyle da Universidade de Illinois lembrou "determina, isso sim, que EUA, Rússia, Ucrânia e Grã-Bretanha têm de reunir-se imediatamente, para “consulta” conjunta – e que a reunião tem de ser feita no nível de ministros de Relações Exteriores, pelo menos”.

Assim sendo, então... Quem paga as contas?

O novo primeiro-ministro da Ucrânia, Arseniy Yatsenyuk, é – e o que mais seria?! – um tecnocrata reformador”, expressão em código para “fantoche do ocidente”. [3]

Ucrânia está convertida em caso perdido (rebentado). A moeda caiu 20% desde o início de 2014. Milhões de desempregados europeus sabem que a União Europeia não tem dinheiro para resgatar o país (talvez os ucranianos devam pedir algumas dicas ao ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi).

Em termos do Oleogasodutostão, a Ucrânia é apêndice da Rússia; o gás que transita pela Ucrânia para mercados europeus é gás russo. E a indústria ucraniana depende do mercado russo.

Examinemos mais de perto os bolsos dos novos “revolucionários” cor de Aperol Spritz. Todos os meses, a conta de gás natural importado da Rússia fica em torno de US$ 1 bilhão. Em janeiro, o país teve de despender também US$ 1,1 bilhão para pagar dívidas. As reservas em moeda estrangeira caíram, de US$ 20,4 bilhões, para US$ 17,8 bilhões. A Ucrânia tem de pagar, como 
pagamento mínimo da dívida, nada menos de $17 bilhões  em 2014. E tiveram até de cancelar um lançamento de $2 bilhões de eurobonds, semana passada.

Francamente: o presidente Vladimir Putin – codinome “Vlad, A Marreta” – deve estar rindo feito o gato de Cheshire [4] [imagem].

Pode simplesmente cancelar o significativo desconto de 33% no preço do gás natural importado, que deu a Kiev, no final do ano passado. 

Rumores insistentes já dizem –desesperançados – que os revolucionários da revolução cor de Aperol Spritz não terão dinheiro para pagar aposentadorias e salários dos funcionários públicos.

Em junho, vence uma dívida monstro, em mãos de vários credores (no total, cerca de US$ 1 bilhão). Depois disso, a coisa é mais sinistra, desolada e escura que o norte da Sibéria no inverno.

A oferta dos EUA, de $1 bilhão, é piada. E tudo isso, depois que a estratégia de “Foda-se a União Europeia” de Victoria Nuland torpedeou um governo ucraniano de transição – transição, por falar dela, negociada pela União Europeia – que teria mantido os russos a bordo, e o dinheiro deles.

Sem a Rússia, a Ucrânia dependerá totalmente do ocidente para pagar as próprias contas, para nem falar de tentar evitar o calote de todas as dívidas. O total alcança vertiginosos $30 bilhões, até o final de 2014.

Diferente do Egito, a Ucrânia não pode telefonar para a Casa de Saud e pedir cataratas de petrodólares. Aquele empréstimo de US$ 15 bilhões que a Rússia ofereceu recentemente chegaria em boa hora – mas Moscou tem de receber algo em troca.

A ideia de que Vladimir Putin [imagem por Maurício Porto] ordenará ataque militar contra a Ucrânia explica-se pelo quociente subzoológico de inteligência da imprensa-empresa nos EUA.

Vlad, A Marreta” só precisa assistir ao circo – o ocidente batendo cabeça para ver se arranja aqueles bilhões a serem desperdiçados num caso perdido (rebentado).

Ou ao Fundo Monetário Internacional e aquela conversa sinistra de mais um monstruoso “ajuste estrutural” para mandar a população da Ucrânia de volta ao Paleolítico, de vez.

A Crimeia pode até encenar seu próprio carnaval adiado, votando não só para ter mais autonomia, mas, também, para livrar-se do tal caso perdido (rebentado). Nesse caso, Putin receberá a Crimeia de presente, grátis – à moda Krushchev. Não é mau negócio.

E tudo graças àquela oh! tão estratééégica pivoteação contra a Rússia, com o “Foda-se a União Europeia”.
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Notas de rodapé
- Khrushchev e o sapato 
[1] A foto da primeira página do New York Times do dia 12/10/1960 mostrava Khrushchev com um sapato na mão e a manchete “Rússia novamente ameaça o mundo. Dessa vez, com o sapato do líder”. 
Mas, pouco depois, pessoas presentes à Assembleia Geral da ONU que se realizara na véspera corrigiram a notícia e a manchete: Khrushchev não batera com o sapato no púlpito principal, mas na própria mesa; e não para ameaçar alguém, apenas para chamar a atenção.

Sergei Khrushchev conta
Quando Nikita Sergeevich entrou no salão, estava cercado de jornalistas; um deles pisou no seu calcanhar e arrancou-lhe o sapato. Khrushchev, bastante gordo, não quis expor-se ao ridículo de procurar o próprio sapato e calçá-lo ali, em pé, à vista das câmeras. Andou então diretamente para sua mesa e sentou-se; o sapato, embrulhado num guardanapo, foi trazido por alguém e posto sobre a mesa.
Naquele momento, um delegado filipino disse que a União Soviética havia engolido’ a Europa Oriental, “privando-a de seus direitos civis e políticos”. A frase causou tumulto e protestos na sala. Um delegado romeno saltou em pé e pôs-se a gritar contra o diplomata filipino. Nesse ponto, Khrushchev quis intervir na discussão, mas o delegado irlandês, que presidia a discussão, não o viu. Khrushchev acenou com uma mão, depois com a outra. Sem resultado, ele pegou o sapato que ainda estava sobre a mesa e o agitou no ar. Ainda sem resultado, ele bateu o sapato, com força, na mesa. O irlandês afinal olhou na direção dele e o viu

[2] 26/2/2014, Daily Telegraph em: “US and Britain say Ucrânia is not a battleground between East and West”.

[3] 27/2/2014, Voice of America, em: “Biden: U.S. Supports Ucrânia's New Government” 

[4] Cheshire Cat com a banda Blinck 182 com letra mostrada no vídeo (em inglês) a seguir:


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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.

Livros:
− Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007. 
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/02/pepe-escobar-carnaval-na-crimeia.html

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O mundo aprende a andar sem os EUA

28/08/2013 - Spengler [*] em 19/08/2013, no Asia Times Online
- Excerto traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O barulhão assustador que se está ouvindo, como eu já disse dia 15/8 na CNBC, é a implosão da influência norte-americana no Oriente Médio.

oferecimento que Vladimir Putin [foto] fez, dia 17/8, de ajuda militar ao exército egípcio, depois que o presidente Obama cancelara exercícios militares conjuntos com egípcios, mostra o ponto mais baixo da curva da importância dos EUA em todo o pós-Guerra Fria.

Rússia, Arábia Saudita e China trabalham juntas para tentar minimizar o dano provocado pelos erros dos norte-americanos. É precisamente o que fazem, em silêncio, há mais de um ano.

O alarme soou para a democracia egípcia, quando a Fraternidade Muçulmana ergueu-se de seu passado tenebroso, mas nem assim a Washington oficial acordou.

O Egito estava à beira de morrer de fome, quando os militares depuseram Mohamed Mursi.

A maior parte dos pobres no Egito já estava há meses vivendo do pão subsidiado pelo estado, e até o fornecimento desse pão estava ameaçado. Os militares trouxeram US$12 bilhões de ajuda recebida dos estados do Golfo, o suficiente para evitar uma catástrofe humanitária.

A realidade é essa. É a única coisa sobre a qual Rússia, Arábia Saudita e Israel concordam.

A atitude errática, vacilante, dos EUA sobre o Egito, não é só erro estúpido, tolo, mas uma completa catástrofe institucional.

O presidente Obama cercou-se de uma camarilha, com Susan Rice como Conselheira de Segurança Nacional, ladeada por Valerie Jarrett, milionária da indústria da construção de moradias públicas nascida no Irã.

Comparada à equipe de Obama, o pessoal de Zbigniew Brzezinski [foto] eram colossos intelectuais no Conselho de Segurança Nacional de Jimmy Carter.

Essa gente agora são amadores e ninguém jamais consegue prever o que inventarão, de hoje para amanhã. (...) 

E tampouco interessa o que digam os especialistas do Partido Republicano. Poucos Republicanos eleitos discutirão com McCain [foto abaixo], porque os eleitores já não suportam ouvir falar de Egito e já não confiam nos Republicanos, depois dos fracassos no Iraque e no Afeganistão.

Nenhum dos dois partidos tem capacidade institucional para deliberar inteligentemente sobre os interesses dos EUA.

Dentre os veteranos dos 
governos Reagan e Bush há vários que compreendem com clareza o que se disputa no mundo, mas o Partido Republicano é incapaz de atuar sob orientação deles. Por isso o fracasso institucional nos EUA é tão profundo.

Os deputados e senadores Republicanos vivem em pânico ante a possibilidade de serem derrotados por isolacionistas como o senador Rand Paul (R-KY) – e seguirão o quixotesco senador McCain.

E outras potências regionais e mundiais farão tudo que possam para conter o desmando e a confusão que reina nos EUA. (...) 

A rede Russia Today noticiou, dia 7/8, que: 

(...) a Arábia Saudita ofereceu-se para comprar $15 bilhões em armas da Rússia, e ofereceu uma lista de vantagens e facilitações econômicas e políticas ao Kremlim – no esforço para reduzir o apoio que Moscou continua a dar ao presidente sírio Bashar Assad. 

A posição dos russos não mudará. Quanto a isso, já não há dúvidas. (...) 

O que se vê bem claramente, é que Riad está confiando, não mais em Washington, mas em Pequim, para garantir sua capacidade de transportar e disparar armas atômicas.

A China tem interesse profundo na segurança saudita: é o maior importador de petróleo saudita. É altamente provável que os EUA já se tornem independentes de petróleo importado em algum momento da próxima década, mas a China precisará do petróleo do Golfo Persa por tempo futuro não determinado. (...)

Os russos temem que o radicalismo islâmico escape totalmente de qualquer controle no Cáucaso e talvez em outros pontos, com a Rússia evoluindo 
para ser país de maioria muçulmana. 

Os chineses temem os uigures, povo muçulmano de origem turca, que já é metade da população da província Xinjiang, no oeste da China.

Mas o governo Obama (e Republicanos do establishment como John McCain) insistem que os EUA devem apoiar governos islamitas democraticamente eleitos. É erro gravíssimo. A Fraternidade Muçulmana é tão democrática quanto o Partido Nazista (...).

Países tribais, com altos índices de analfabetismo não têm parâmetro para a tomada democrática de decisões.

Enquanto os EUA continuarem a declarar apoio a “oposições democráticas” muçulmanas no Egito e na Síria, o resto do mundo continuará a tratar os 
norte-americanos como doidos varridos, lunáticos sem conserto, e todos tratarão de garantir seus próprios interesses sem os EUA.

Os turcos, é certo, reclamarão contra o destino de seus amigos na Fraternidade Muçulmana, mas pouco podem fazer. Os sauditas financiam grande parte do enorme déficit nas contas turcas; e quase toda a energia que chega à Turquia vem-lhe dos russos.

Além de errarem na avaliação dos eventos egípcios, os analistas norte-americanos erraram praticamente toda a leitura que tentam fazer do quadro 
mundial.

Na direita norte-americana, o consenso dominante há anos é que a Rússia acabaria por implodir economicamente e demograficamente.

Mas a taxa de fertilidade total na Rússia, ao contrário, subiu, de um ponto calamitosamente baixo de menos de 1,2 nascidos vivos por mulher em 1990, para cerca de 1,7 em 2012, no ponto intermediário, superior ao 1,5 da Europa e pouco abaixo do 1,9 dos EUA.

Faltam dados para avaliar a tendência, mas já está bem claramente indicado que é erro descartar a Rússia, seja por qual critério for, pelo menos por hora. (...)

Taxa de fertilidade no mundo em 2011 (nascidos por mulher)
(clique na imagem para aumentar) 

Gostem ou não gostem, a Rússia não sumirá do mapa.

Analistas norte-americanos veem os problemas russos com os muçulmanos no Cáucaso, com o superficialismo de quem se diverte com a desgraça alheia. 

Durante os anos 1980s o governo Reagan apoiou jihadistas no Afeganistão, contra os russos, porque a União Soviética era, então, a encarnação perfeita do mal.

Hoje, a Rússia não chega a ser exatamente amiga-irmã dos EUA, é claro, mas o terrorismo islamista é que é o pior dos males, e os EUA bem fariam se seguissem o exemplo dos sauditas e se unissem aos russos, contra o terrorismo islamista.

No caso da China, o consenso era que a economia chinesa desabaria rapidamente esse ano, o que geraria problemas políticos.

Os dados do comércio chinês de junho mostram exatamente o contrário disso: um aumento nas importações (incluindo crescimento de 26% ano a ano nas importações de minério de ferro e de 20% no petróleo) indica que a China continua a crescer confortavelmente mais de 7% por ano.

A transição da China, de modelo exportador movido a trabalho barato, para modelo de manufatura com alto valor agregado e economia de serviços ainda é desafio gigantesco, talvez o maior de toda a história da economia; mas absolutamente não há qualquer sinal de que a China esteja fracassando ante o desafio que se propôs.

Gostem ou não, a China continuará a marcar o ritmo do crescimento da economia mundial.

Crescimento do PIB da China e dos EUA até 2028
(Clique na imagem para visualizar melhor) 

Os EUA, se escolhessem exercitar o próprio poder e cultivar seus talentos culturais, ainda seriam capazes de derrotar os “opositores”. Mas escolheram nada fazer, e a rédea afinal escapou das mãos de Washington.

Os norte-americanos só ouvirão falar de desenvolvimento importante, se e 
quando outros países decidirem divulgar seus próprios sucessos. É justo prevenir os leitores de que aqueles, dentre nós, norte-americanos, que 
ainda mantemos condições e meios razoavelmente satisfatórios de vida e progresso, não conseguiremos mantê-los igualmente satisfatórios no futuro. 

Meu registro de sucessos nas previsões que faço não é de todo mau. Em 2003, avisei que a tentativa do governo de George W Bush de construir 
nações no Iraque e no Afeganistão terminaria em tragédia.

E no início de 2006, escrevi: “Gostem ou não, os EUA só produzirão caos, e nada podem fazer para escapar dele.” (...)

Ninguém mais precisa de analistas de política externa.

Em 2013, os cães da guerra estão soltos e escolherão, eles, os próprios caminhos.

Nos EUA, basta abrir a janela de casa, que já se ouvem os latidos.
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[*] Spengler, apelido de David P. Goldman, escreve a coluna Spengler para o Asia Times Online e contribui frequentemente para as publicações The Tablet, First Things (2009-2011) e outras. Foi Chefe Global de Pesquisa de Dívida do Bank of America (2002-2005), Diretor Global de Estratégia de Crédito do Credit Suisse (1998-2002). Ocupou cargos importantes nas organizações financeiras Bear Stearns e Cantor Fitzgerald. Foi colunista da revista Forbes (1994-2001). Seu livro How Civilizations Die (and why Islam is Dying, Too) foi lançado em setembro de 2011.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.co.at/2013/08/o-mundo-aprende-andar-sem-os-eua.html