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sábado, 22 de dezembro de 2012

A República, o STF e o Parlamento

18/12/2012 - Mauro Santayana em seu blog


(JB) - Estamos necessitando, e com urgência, de refletir sobre os fundamentos do Estado Democrático.


Mesmo nas monarquias, quando não absolutas, o poder emana do povo, e é exercido pelo parlamento que o representa.


Cabe ao parlamento legislar e, nessa tarefa, estabelecer as prerrogativas e os limites dos outros dois poderes, o executivo e o judiciário.

Todas as leis, que estabelecem as regras de convívio na sociedade e organizam e normatizam a ação do Poder Judiciário e do Executivo, têm que ser discutidas e aprovadas pelos parlamentares, para que tenham a legitimidade, uma vez que representam a vontade popular.

Só o poder legislativo, conforme a obviedade de sua definição, outorga estatutos ao governo e, em alguns casos, reforma o próprio Estado, se for eleito como poder constituinte.


O parlamento, ao receber do povo o poder legislativo, não pode delegá-lo a ninguém, nem mesmo a outras instituições do Estado.

Em nosso caso, em conseqüência das deformações impostas pelos acidentes históricos, o parlamento se viu enfraquecido e se submeteu ao poder executivo.

Houve, durante o governo militar, momentos que engrandeceram o Congresso Nacional, entre eles a recusa de dar licença para que Márcio Moreira Alves (foto) fosse processado pelos militares.

O AI-5, com todas as suas conseqüências, foi um momento de grandeza na história do parlamento nacional, como foi o do fechamento da primeira Assembléia Constituinte por Pedro I.


Mas o parlamento não soube reagir quando Fernando Henrique mutilou a Constituição de 1988, no caso da reeleição e na supressão do artigo 170, que tratava da ordem econômica.

Os parlamentos, ao representar as sociedades humanas, e imperfeitas, não podem ser instituições exemplares.

John Wilkes, o paladino da liberdade de imprensa - e cujo nome, um século mais tarde foi usado pelo pai do assassino de Lincoln para batizar o filho - era um dos homens mais feios e mais inteligentes  da Inglaterra, foi membro da Câmara dos Comuns e prefeito de Londres.

Libertário e libertino, segundo seus opositores, publicou em seu jornal que o Rei George III era um marido enganado pela Rainha e deu o nome do amante.

Mas ficou famoso sobretudo pelo debate com John Montagu, Lord Sandwich (o das Ilhas e do pão com carne). Montagu o insultou, dizendo-lhe que não sabia como Wilkes morreria, se nas galés ou de sífilis. Wilkes lhe respondeu, de bate-pronto: - Isso depende, mylord, de que eu abrace os seus princípios morais ou sua mulher.

corrupção sempre existiu nas casas parlamentares.

Jugurta, o rei da Numídia, se dirigiu ao Senado Romano, dizendo que Roma era uma cidade à venda, desde que houvesse alguém disposto a comprá-la.

Em sua coluna de domingo [16/12], Élio Gaspari, ao analisar o conflito latente entre o STF e a Câmara dos Deputados, sobre a atribuição de cassar mandatos, lembrou que, nos Estados Unidos, a Justiça não cassa mandatos, e citou o caso de Jay Kim (foto)  que, condenado, em 1998, a dois meses de prisão domiciliar por ter aceitado dinheiro de caixa-dois, ia, de tornozeleira eletrônica, a todas as sessões da Casa dos Representantes.

Preso, duas vezes, por corrupção, John Michael Curley, foi eleito, primeiro para vereador em Boston e, depois, para a Casa dos Representantes (deputado federal).

Manteve seu prestígio político junto aos eleitores mais pobres, muitos deles de origem irlandesa, e foi eleito quatro vezes prefeito de Boston, a partir de 1914.

E no exercício do mandato de prefeito, em 1947, esteve preso e disputou a reeleição, perdendo-a, e foi perdoado por Truman, em 1950.

Essa tradição vem de longe.
Em 1797, o representante Mattew Lyon (o cavalheiro da foto), um radical, cuspiu na face de seu oponente Roger Griswold, que respondeu com bengaladas. Lyon se valeu de uma tenaz de lareira, e o duelo ficou famoso na história do parlamento.

Os federalistas tentaram cassar o mandato de Lyon, sem êxito, mas processado por sedição, ele foi preso e condenado a uma multa, de 1000 dólares, elevadíssima para a época.

E, embora estivesse na prisão, foi reeleito para a Casa dos representantes. Reelegeu-se durante mandatos seguidos. Quarenta anos depois de ter sido preso, foi reabilitado e recebeu, de volta, e com juros, a multa a que fora condenado.

Nenhuma comunidade humana, das instituições religiosas aos partidos políticos e às corporações profissionais e aos tribunais, é composta de anjos.


Isso não significa que a corrupção deva ser tolerada. É nesse, e em outros embates, que se faz a História.


Com todo o respeito pela Justiça, o Supremo não pode decretar a perda de mandatos parlamentares, e o apelo ao sistema norte-americano foi precipitado, de acordo com os fatos históricos.

Fonte:
http://www.maurosantayana.com/2012/12/a-republica-o-stf-e-o-parlamento.html

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, não constam do texto original.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Aonde eles pretendem chegar?


07.12.2012 - Mino Carta - Carta Capital

Mala tempora currunt, costumava dizer meu pai quando a situação política azedava. Maus tempos chegaram, em tradução livre.

Ele usava relógio de bolso de ouro de celebérrima marca suíça, presente de meu avô materno, Luigi, munido de tampa sobre a qual se lia, gravado em latim, o seguinte dizer: nada aconteça que você não queira lembrar. Nem sempre, contudo, a vida sorri.

Falo de cátedra, porque, quando meu pai morreu, herdei o relógio na qualidade de filho primogênito. Não o uso, mas o guardo com carinho e neste momento vejo meu pai a erguer a tampa com um leve toque de ponta de indicador e pronunciar, entre a solenidade e a pompa, mala tempora currunt.



Há qualquer coisa no ar que me excita negativamente e me induz a pensamentos sombrios, algo a recordar tempos turvos, idos e vividos. É a lembrança de toda uma década, espraiada malignamente entre o suicídio de Getúlio Vargas e o golpe de 1964, aquele executado pelos gendarmes da casa-grande, e exército de ocupação. Dez anos a fio, a mídia nativa vociferou contra líderes democraticamente eleitos e se expandiu em retórica golpista logo após a renúncia de Jânio Quadros.


Muita água passou debaixo das pontes, embora algumas delas levem o nome de ditadores e até de torturadores, mas o tom atual desfraldado à larga pelos barões midiáticos e seus sabujos não deixa de evocar um passado que preferiria ver enterrado.



Talvez esteja, de alguma forma, mesmo porque as personagens têm outra dimensão. Os propósitos são, porém, semelhantes, segundo meus intrigados botões. Acabava de lhes perguntar: qual será o propósito destes comunicadores, tão compactamente unidos no ataque concentrado ao PT no governo? Qual é o alvo derradeiro?

A memória traz à tona Jango Goulart e Leonel Brizola, a possibilidade de uma mudança, por mais remota, e os alertas uivantes quanto ao avanço da marcha da subversão.

Os temas agora são outros, igual é o timbre. Além disso, na comparação, mudança houve, a despeito de todas as cautelas e do engajamento tucano, com a eleição de Lula e Dilma Rousseff. Progressos sociais e econômicos aconteceram.


O ex-presidente tornou-se o “cara” do povo brasileiro e do mundo, a presidenta, se as eleições presidenciais se dessem hoje, ganharia com 70% dos votos.

Percebe-se, também, a ausência de Carlos Lacerda. Ao menos, o torquemada de Getúlio e Jânio lidava melhor com o vernáculo do que os medíocres inquisidores de hoje. Medíocres? Toscos, primários, sempre certos da audiência dos titulares e dos aspirantes do privilégio, em perfeita sintonia com sua própria ignorância.


Contamos, isto sim, com o Instituto Millenium.

Há quem enxergue na misteriosa entidade, apoiada inclusive com empresários tidos como próximos do governo, uma exumação do Ibad e do Ipes, usinas da ideologia fascistoide que foi plataforma de lançamento do golpe de 64.

Até onde vai a parvoíce e onde começa o fingimento?

É possível que graúdos representantes do poder econômico não se apercebam das responsabilidades e alcances da sua adesão ao insondável Millenium?

Ou estariam eles incluídos na derradeira prece de Cristo na cruz: perdoe-os, Pai, eles não sabem o que fazem?

Que o golpismo da mídia da casa-grande seja irreversível é do conhecimento do mundo mineral.

Causa espécie o envolvimento de personalidades aparentemente voltadas aos interesses do País em lugar daqueles da minoria.

Causa espécie, em grau ainda maior, a falta de reação adequada por parte do governo, inerte diante da ofensiva da autêntica oposição, o partido midiático.

Não basta dizer, como o ministro Gilberto Carvalho, que o povo está satisfeito com o bom governo de Lula e Dilma, enquanto a própria liderança do PT recomenda ao relator da CPI do Cachoeira, o intimorato Odair Cunha, que retire os halfos para o morrinho e Policarpo Jr. do rol dos passíveis de indiciamento.

Ri do quê? Este ministro nos deixa intranquilos.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
E aí se apresenta o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (foto), empenhado no esforço de demonstrar que não foi ignorado pela Polícia Federal no episódio destinado a exibir as mazelas do terceiro escalão governista. Notável protagonista, altamente representativo. Precioso aliado do banqueiro Daniel Dantas em determinadas ocasiões, como, de resto, muitos outros “esquerdistas” brasileiros.

Ah, sim, Cardozo acha que Lula provou sua inocência no caso da secretária Rose e de suas consequências. Acha? Ainda bem. Soletra ele, diante das câmeras da tevê: “Imaginar que o ex-presidente estivesse envolvido por trás disso, está, a meu ver, desmentido”. A meu ver? Estivesse eu no lugar de Lula e de Dilma, viveria apavorado ao perceber este gênero de comandantes à frente do meu efetivo.

E à presidenta, que CartaCapital apoiou e apoia, recomendamos a leitura de um dos mais qualificados arautos da direita golpista.

Merval Pereira (foto) não se confunde com Carlos Lacerda, mas na semana passada avisou não ser o caso de isentar Dilma das denúncias de corrupção, presentes e passadas.

Está clara a intenção de aplicar à presidenta a tese do domínio do fato.

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/politica/aonde-eles-pretendem-chegar/

Demais imagens: Google Images

sábado, 24 de novembro de 2012

A direita brasileira e o "internacionalismo reacionário"

14/11/2012 - Jeferson Miola (*) - Carta Maior


Políticas golpistas disseminam-se pelo continente americano.



À medida em que os governos progressistas e de esquerda vão sendo sucessivamente eleitos, reeleitos e alguns re-reeleitos, novas modalidades conspirativas vão sendo testadas e postas em prática.

A dependência e submissão não só econômica, mas ideológica e cultural dos países da região às potências dominantes, promovidas pelas burguesias e oligarquias nacionais, faz parte de uma época superada do passado.


A realidade atual, de independência e ao mesmo tempo de integração sul-sul, entretanto, não é aceita tanto pelas burguesias e oligarquias colonizadas quanto pelo capital estrangeiro colonizador.


Entre os anos 1960 e 1980, a submissão dos países latino-americanos aos interesses imperiais era processada à força, com a imposição atemorizadora dos canhões e das metralhadoras. Naquela época, multiplicaram-se os golpes de Estado para a implantação de sangrentas ditaduras civis-militares. Os atentados à democracia não somente eram do conhecimento dos EUA, como contavam com seu protagonismo ativo em inúmeros terrenos: na concepção intelectual, no financiamento, na inteligência, no treinamento e no armamento dos setores civis-militares golpistas.

As ditaduras instaladas contavam com inconfessável e claro apoio das classes dominantes, dos poderes judiciais e das imprensas nacionais de cada país. As ditaduras foram funcionais aos interesses do capital estrangeiro, assim como dos capitais nacionais nelas engajados. Os principais conglomerados financeiros, empresariais, econômicos e midiáticos que exercem enorme poder na atualidade, foram extraordinariamente fermentados naquele período.


Recentemente foram publicados resultados parciais das averiguações efetuadas pela Comissão da Verdade do Brasil. Se pôde finalmente saber que cerca de 2.000 índios da região norte do país foram dizimados pela ditadura civil-militar para assegurar projetos privados. Parte dos índios foram torturados e fuzilados para delatar os militantes da guerrilha do Araguaia. Mas algumas áreas foram apropriadas e os índios residentes mortos, para viabilizar a instalação de empresas multinacionais e grandes empresas nacionais que se dedicam ainda hoje à exploração da terra, dos recursos naturais e das riquezas da região.

Por essa razão o restabelecimento da verdade, da memória e da justiça relativamente a aquele período é ardorosamente obstruído. Se repete o mantra de que se deve “deixar de olhar para trás”. Os defensores desta ideia cínica buscam, com isso, ocultar a verdade sobre a atuação sombria que tiveram num passado não menos sombrio.

A mídia que se organiza sindicalmente na SIP [Sociedade Interamericana de Imprensa] editorializa em todos seus veículos associados esta visão amnésica. No campo jurídico, setores dos poderes judiciários obstruem os trâmites legais para a revisão das leis que anistiaram e indultaram os torturadores.


A Argentina é, neste caso, honrosa exceção e exemplar paradigma.

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Ex-ditadores argentinos no banco dos réus

Com a derrubada das ditaduras civis-militares, veio uma onda de governos conservadores de índole liberal-democrática: Alfonsin na Argentina, Tancredo/Sarney no Brasil, Sanguinetti no Uruguai, Patrício Aylwin no Chile, Wasmosy no Paraguai. Tiveram ciclo único de duração, necessário para conduzirem as transições conservadoras para o atual estágio de democracia liberal.

Os anos 1990 foram da avalanche de eleições de governos neoliberais: Menem na Argentina, Collor/FHC no Brasil, Lacalle/Sanguinetti/Batlle no Uruguay, Andrés Pérez na Venezuela, Eduardo Frei/Ricardo Lagos no Chile.

Nesta etapa de domínio neoliberal, o “deus-mercado” se encarregou de dar continuidade ao empreendimento da acumulação capitalista que antes necessitava de ditaduras. As democracias foram novamente vilipendiadas, porém dessa vez dentro da institucionalidade e, por isso mesmo, com uma fachada de legitimidade.

Aqueles governos implementaram as chamadas “reformas modernizadoras” do capitalismo na fase de globalização financeira: privatizações, reeleições presidenciais, destruição das políticas sociais de Estado, reestruturação do mundo do trabalho com eliminação de direitos, etc. Tais reformas foram asseguradas através de mudanças constitucionais por maiorias parlamentares “arregimentadas em espécie”.

No período da êxtase neoliberal, o continente testemunhou a mais exuberante alavancagem dos interesses do capital financeiro, das finanças globais e das economias centrais do capitalismo, em coordenação com os capitais nacionais da região. A ALCA, Área de livre comércio das Américas, por um lado representava o mais ambicioso projeto de colonização dos EUA para a região, e também significava regionalmente o estágio superior da ordem neoliberal e da inserção passiva e subordinada das economias nacionais no mundo globalizado.


A conspiração contra a democracia, naquela época, se dava através da perda de soberania e de autonomia dos povos e nações. A transferência de poder real ao capital financeiro impondo os “contratos” garantidores de sua livre circulação e especulação, atentou contra a auto-determinação dos povos. Converteu as eleições em mero fantoche de uma pantomima democrática que não admitia alternativas ao pensamento único. Em lugar do exercício da consciência, o sistema se alimentava da chantagem feita sobre sua própria debilidade: ruim com o neoliberalismo deletério e devastador; o caos sem ele! 


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O mapa político-ideológico da primeira década do século 21 começou a ser desenhado nos finais dos anos 1990 e início dos 2000. Os efeitos sociais de décadas de estagnação econômica e de sacrifícios impostos animaram o surgimento de amplas resistências aos governos neoliberais. A legitimidade do Consenso de Washington foi posta à prova, devido à falência de suas promessas de prosperidade, paz e progresso.


Começaram, então, as vitórias de partidos progressistas e de esquerda em muitos países do hemisfério, principalmente da América do Sul. Depois da vitória eleitoral de Chávez na Venezuela em 1999, se seguiram as conquistas de Lula, Néstor Kirchner, Tabaré Vázquez, Evo Morales, Rafael Correa, Daniel Ortega, Fernando Lugo, Maurício Funes. Outros presidentes com inclinações nacionais-desenvolvimentistas e populares, como Michele Bachelet e Manuel Zelaya, igualmente foram eleitos nessa mesma toada.

Mesmo com as contradições, os limites e as singularidades de cada um dos processos nacionais, é evidente que se está em um momento histórico de deslocamento de interesses e de poder nas políticas domésticas, assim como nas relações sul-norte e sul-sul.


A nova agenda que está sendo construída na região representa ameaças aos setores dominantes, da mesma maneira que as agendas das reformas populares e de distribuição de renda os ameaçavam nas décadas de 1960 e 1970 e que foram, então, pretexto para os golpes civis-militares.


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Na atualidade, os golpes clássicos - com exércitos, repressão, baionetas e Estados de Sítio – não passariam. Ao contrário, desencadeariam fortes resistências sociais e populares. O ciclo em curso, de desenvolvimento com distribuição de renda e diminuição da pobreza, lamentavelmente tem como contrapartida novas modalidades conspirativas levadas a efeito pelas elites conservadoras e de direita. Ou, como analisa Samuel Pinheiro Guimarães [1], (foto) as classes tradicionais hegemônicas promovem um neogolpismo na América do Sul, e a democracia está em risco na região”.

A chantagem eleitoral e a falácia da inevitabilidade do neoliberalismo – os venenos mortais contra a democracia nos 1990 – cederam lugar a investidas conspirativas não menos sutis, porém muito ameaçadoras.

Em abril de 2002, com a participação dos EUA, a direita venezuelana sequestrou Chávez, usurpou seu mandato popular e tomou posse em um rito sumário e ilegal. Tudo televisionado. Passados poucos dias, os golpistas foram desalojados, e apesar dos crimes cometidos, receberam o magnânimo indulto de Chávez. Após aquele evento, todas as demais tentativas de golpes que se sucederam, prescindiram das armas. A direita golpista passou a atuar no “terreno institucional”, via os poderes Legislativo e Judiciário. A sabotagem sistemática, a recusa a participar de eleições e ataques histéricos cotidianos da mídia do país passaram a ser os métodos de ação da direita venezuelana.



Em Honduras, o Presidente Manuel Zelaya foi arrancado de pijama de sua residência e enviado para o exílio na Costa Rica. O Judiciário o condenou, em julgamento viciado e sem o devido processo legal, e mandou executar a ordem judicial durante a madrugada do dia 28 de junho de 2009. Um golpe desferido por partidos políticos da direita hondurenha em cumplicidade com o Judiciário e setores midiáticos e apoiados pelos EUA.

Depois de declarar compromisso com a reforma agrária e de propor ao congresso reformas constitucionais de recorte popular, o mandatário teve surrupiado o mandato conferido pelas urnas, com a alegação de “traição à pátria”.

Em setembro de 2010, a pretexto de uma crise com policiais em greve, foi tentado um golpe de Estado contra Rafael Correa, no Equador. Novamente a oposição de direita tentou surrupiar à força o mandato que perdera nas urnas. A elite equatoriana, uma simbiose do american way of life” inclusive na moeda local dolarizada, faz reverberar mundo afora que o país vive um totalitarismo que tolhe o direito de expressão e a liberdade de imprensa. O patético é que o país que asila o principal símbolo da liberdade de expressão no mundo contemporâneo, o fundador do wikileaks, Julio Assange, sofre tais imputações.



Na Bolívia, Evo Morales enfrenta seguidamente iniciativas conspirativas que visam desestabilizá-lo. As oligarquias afetadas pelas políticas do recém erigido Estado Plurinacional da Bolívia, recebem apoio dos EUA no intento de derrubar Evo. Procuram, desse modo, recuperar o poder de controlar as riquezas minerais e energéticas do país segundo os interesses estrangeiros. A classe dominante boliviana se prevalece de medidas judiciárias e legislativas, e também de infiltrações e insuflações dos movimentos sociais indígenas e de ongs.

No Paraguai, em junho passado a direita golpista do país derrubou Fernando Lugo no que pode ser considerado o mais rápido e breve juízo político que se tem notícia na história. Em menos de 24 horas, os conspiradores iniciaram o impeachment de Lugo, o intimaram, seccionaram no Congresso e deliberaram pela destituição do cargo. Em seguida, o Judiciário ratificou a medida e a mídia construiu o ambiente de “normalidade democrática”.

Apoiados pelos EUA e pela Igreja Católica, os golpistas paraguaios alegaram como motivo a instabilidade social, quando a real motivação para o golpe foi a reforma agrária iniciada por Lugo e a desconcentração de terras que se encontram em mãos de particulares e de mega-empresas estrangeiras.

Na Argentina, onde a memória da ditadura civil-militar dói em carne viva – mais de 30 mil pessoas foram mortas ou desaparecidas –a fração latifundiária-oligárquica da classe dominante, em articulação com os meios de comunicação e com o reacionarismo urbano-industrial-financeiro, tentou provocar um blecaute no país nos anos 2008/2009.

Instalaram um clima de instabilidade, desabastecimento, sabotagem e de constantes ameaças de instalação de juízo político.



A direita argentina difama sistematicamente o governo com impressionante virulência – acaba danificando a imagem do próprio país – junto a instâncias estrangeiras, como a SIP, o FMI, Banco Mundial, OEA e outras. Vende internacionalmente uma ideia de caos e inviabilidade, tentando angariar simpatia externa para uma investida final. Com a implementação da lei de democratização dos meios de comunicação, uma direita histérica e irascível ataca o governo e a presidente Cristina Kirchner com ofensas e calúnias que em qualquer país do mundo seriam suficientes para uma condenação judicial.

O grupo Clarín, que é associado à SIP, consolidou seu monopólio atual ilegalmente durante a ditadura [também recebeu inestimável apoio de Menen]. E hoje é o principal instrumento da guerra em curso contra o governo Cristina.


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No Brasil, a direita tentou desde o primeiro mandato de Lula levá-lo ao juízo político no Congresso. Com o franco apoio da mídia, e através de artimanhas tramadas com o Poder Judiciário, a oposição reacionária foi incansável durante os dois mandatos presidenciais de Lula. O Presidente teve aproximadamente 85% das manchetes e reportagens contra ele, mas apesar disso concluiu o último mandato com mais de 85% de aprovação popular.



As políticas executadas durantes seus governos, que trouxeram à vida civilizada mais de 40 milhões de pessoas e que melhoraram a vida de outros milhões, impermeabilizaram Lula ante uma imprensa, uma oposição e um judiciário inescrupulosos e sem limites na sua ânsia golpista. É uma performance pessoal capaz de irritá-los, desnorteá-los e desencadear neles um sentimento de ódio e, ao mesmo tempo, de impotência.

A direita golpista arquitetou com maestria seus movimentos políticos e a judicialização da política. Colocaram o julgamento do chamado “mensalão” no coração das eleições municipais deste ano. Nem mesmo paternidade do PSDB deste esquema e a precedência das ações judiciais contra dirigentes tucanos comoveu o Supremo Tribunal a iniciar o julgamento pelos agentes daquele partido.

O STF foi partidarizado, e convertido no braço conceitual e propagandístico da mídia e da oposição. O julgamento foi montado como uma poderosa arma de “destruição semiótica” [2] do PT. O STF abala a institucionalidade democrática e promove o que Wanderley Guilherme dos Santos caracteriza, com rara pertinácia, como sendo “um julgamento de exceção” [3].


Nesta recém-chegada primavera de 2012, a direita, a mídia, o Judiciário e os parlamentares do DEM, PSDB e PPS comandam uma verdadeira sinfonia conspirativa.



Seguem um script há muito manjado. Primeiro a revista Veja publica uma reportagem baseada em supostas conversas havidas por um sobrinho de um colega de escola do filho do vizinho de um delator que ouviu o porteiro da fábrica do patrão de nome “Civita Gurgel Mendes-Barbosa Marinho Serra Maia” comentar que Lula mandou assassinar um ex-prefeito do PT e que ele também comandava o “mensalão” desde a garagem do Planalto no final do expediente de trabalho. Uma fantasia delirante!

Em seguida, o Procurador-Geral da República,(foto) com a solenidade daqueles homens “justos e isentos”, comenta com aparente parcimônia que “ainda que o assunto seja gravíssimo”, se deve acompanhar a “evolução da denúncia” – mas não faz menção à presumível inocência quando não há provas e, neste caso, razoabilidade.



Os ministros do STF, também aparentando isenção magistral, afirmam ser necessário confirmar a veracidade, “mas que se tratam de questões seríssimas, que mereceriam rigorosa apuração”. No alto de sua magnanimidade, os doutos do Supremo anunciam que ainda não é momento para um depoimento do ex-Presidente” [sic]. Mas anseiam pela hora de levá-lo ao banco dos réus.

Com a senha dada, a mídia se lambusa em editoriais, reportagens, colunas, programas e toda sorte de manipulação escrita, em áudio e em vídeo. Na fase inicial do julgamento do chamado “mensalão”, com a maior desfaçatez o ministro Joaquim Barbosa aludiu que em depoimento no curso da ação 470, a própria Presidente Dilma [quando então Ministra da Casa Civil] “teria se surpreendido” com a facilidade de aprovação de determinado projeto no Congresso. Ele quis insinuar, com isso, que Dilma “teria suspeitado” que a bancada governamental “teria sido comprada”.

Eles têm alguns objetivos fundamentais. Um deles é implicar Lula no caso e arrastá-lo para a arena midiática-judicial para, posteriormente, atingir também Dilma. Querem inviabilizá-lo eleitoralmente e, na continuidade, inviabilizar o projeto reeleitoral de Dilma.





Como acusação para sustentar isso, basta uma invenção estapafúrdia da revista Veja que o Procurador-Geral replica, os ministros do STF dão trela e a mídia promove a maior fanfarra.

Outro objetivo é atingir moralmente Lula e seus dois mandatos presidenciais. Ao lado da judicialização da política, o apelo hipócrita à moralidade é uma espécie de “bala de prata” da direita golpista. Querem escrever uma nova narrativa a respeito dos mandatos presidenciais do Lula, manchando-os como se tivessem sido infestados de corrupção e imoralidades. A simples confrontação com a realidade e com a razão objetiva evidencia que em todos os aspectos [anotadas algumas contradições ideológicas] Lula realizou uma obra sob todos os ângulos muito superior aos 500 anos [com breves intervalos] que eles comandaram o Brasil.


Como eles não conseguem transplantar as evidências dos fatos e do mundo real, apelam para a desconstituição simbólica através de farsas.


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A classe dominante brasileira não aceita e não se conforma que o Brasil tenha se transformado profundamente e se constituído numa verdadeira Nação pelas mãos de um operário metalúrgico, nordestino migrante, um sobrevivente da pobreza e sem curso universitário. Eles até reconhecem que Lula não fraturou a ordem burguesa e que presidiu o Brasil beneficiando o povo brasileiro sem colocar em risco seus interesses enquanto classe dominante; mas lhes tira o sono que a autoria desta extraordinária obra é dele.



Foi Lula, e não qualquer representante orgânico da classe dominante, quem modernizou o capitalismo brasileiro, ainda que este fato represente uma derrota ideológica-cultural para a esquerda no longo prazo e um retrocesso na acumulação da luta socialista e por uma sociedade igualitária.

Lula alçou o Brasil ao seu lugar merecido no mundo. E se converteu em um líder mundial reconhecido e, não raras vezes, imitado inclusive por oportunistas de direita para vencerem eleições nos seus países. Lula é doutor honoris causa em muitas universidades do mundo e referência obrigatória em consagradas academias. Isso porque foi o melhor professor que o oprimido e espoliado povo brasileiro já teve. Pela primeira vez em 150-200 anos da história do Brasil, jovens descendentes de famílias cujos ancestrais sequer foram alfabetizados, conseguem frequentar os bancos da universidade.

Para o povo brasileiro e para a história do Brasil, Lula transcendeu a condição humana, convertendo-se desde já num mito em vida. O ódio e o recalque são os sentimentos nutridos pela classe dominante brasileira, porque não foi um filho seu que esteve à frente da transformação do Brasil.

Não lhes conforta a ideia de que Lula faça parte da história, enquanto seu expoente maior, o príncipe FHC, tão somente faça parte de um triste passado que ensinou o be-a-bá da destruição de uma Nação.

A classe dominante não arreda pé dos seus interesses, quando os sente ameaçados por políticas de distribuição de renda, de justiça social e de igualdade. Ela luta, com todos os métodos à sua disposição – sobretudo os mais baixos e desonestos – para preservar seus interesses. Sempre foram assim, tanto no passado como estão sendo no presente. Em todas as partes do mundo, e também no Brasil.

A direita política é, por natureza, golpista e conspiradora quando diante de projetos que possam contrariar seus interesses históricos. A direita é, por definição, apátrida. Ela se articula num tipo de “internacionalismo reacionário” para conservar seus interesses de classe dominante que é causadora de exclusão, de opressão e de alienação – o Plano Condor é evidência disso.


Ao “internacionalismo reacionário”, deve ser contraposto o internacionalismo 

democrático-popular e solidário, encharcado em uma visão libertária e democrática do mundo.

[1] Ver artigo “Estados Unidos, Venezuela e Paraguai, de autoria de Samuel Pinheiro Guimarães Neto, publicado na Agência Carta Maior, e entrevista ao Jornal Folha de São Paulo em 29/06/2012 do mesmo autor: “Diplomata vê onda golpista na América do Sul” 

[2] Ver artigo “Destruição semiótica”, de autoria de Jeferson Miola, publicado na Agência Carta Maior.

[3] Entrevista disponível no Blog do Nassif.

(*) Jeferson Miola foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5864