Mostrando postagens com marcador José Graziano da Silva. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador José Graziano da Silva. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Além da Rio+20: juntos por um futuro sustentável

22/06/2012 - por José Graziano da Silva (*)
original publicado no site TERRAMÉRICA - Envolverde

Rio de Janeiro, Brasil, 22 junho de 2012 (Terramérica) - As declarações finais da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano de 1972 e a Eco 92 puseram o ser humano no centro do desenvolvimento sustentável.

No entanto, até hoje, mais de 900 milhões de pessoas ainda passam fome.

Populações pobres pelo mundo afora, especialmente nas áreas rurais, são as mais atingidas pelas crises alimentar, climática, financeira, econômica, social e energética que o mundo enfrenta hoje.

Não podemos falar em desenvolvimento sustentável enquanto aproximadamente uma em cada sete pessoas – crianças, mulheres e homens – ficam para trás, vítimas de desnutrição. Seria uma contradição. A fome e a pobreza extremas também excluem a possibilidade de um verdadeiro desenvolvimento sustentável porque os miseráveis precisam usar os recursos naturais disponíveis para conseguir comida. Para eles, suprir suas necessidades básicas é o princípio primordial de cada dia – planejar para o futuro é um luxo que eles não têm.

Paradoxalmente, mais de 70% das pessoas que passam fome no mundo dependem diretamente da agricultura, caça e pesca para sobreviver. Portanto, suas escolhas diárias ajudam a determinar como os recursos naturais do mundo são administrados. Não podemos esperar que o agricultor pobre não corte uma árvore se esta é sua única fonte de energia; não podemos pedir para o pescador artesanal deixar de pescar durante o período do defeso se esta é a única maneira de alimentar sua família.

A fome coloca em movimento um ciclo vicioso que reduz a produtividade, aprofunda a pobreza, desacelera o desenvolvimento econômico, promove a degradação dos recursos e a violência. A fome e a disputa por recursos naturais são fatores de conflitos que, mesmo quando são internos, têm impactos que frequentemente ultrapassam as fronteiras dos países. Então, há também uma ligação direta entre a segurança alimentar e segurança nacional e regional.

A busca por segurança alimentar pode ser o fio condutor que ligará os diferentes desafios que o mundo enfrenta e ajudará a construir um futuro mais sustentável. Na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, temos uma oportunidade de ouro para explorar a convergência entre as agendas da segurança alimentar e a sustentabilidade para assegurar que isso aconteça. Ambas requerem mudanças para modelos de produção e consumo mais sustentáveis.

Para alimentar uma população mundial que superará a marca de nove bilhões de pessoas em 2050, a FAO prevê a necessidade de aumentar a produção agrícola em pelo menos 60%. Para isso, precisamos produzir mais alimentos ao mesmo tempo em que conservamos o meio ambiente. Contudo, mesmo com práticas mais sustentáveis, a pressão sobre nossos recursos naturais será extrema. Então, também temos que mudar a maneira que nos alimentamos, adotando dietas mais saudáveis e reduzindo o desperdício e perda de alimentos: todo ano, entre a colheita e o consumo, jogamos fora 1,3 bilhão de toneladas de alimentos.

Entretanto, mesmo se aumentarmos a produção agrícola em 60% até 2050, o mundo ainda terá 300 milhões de pessoas com fome daqui a quatro décadas porque, como as centenas de milhões de subnutridos hoje, eles continuarão sem os meios para ter acesso à comida que necessitam. Para eles, a segurança alimentar não é um problema de produção insuficiente, é uma questão de acesso inadequado. Para tirar esses milhões de pessoas da insegurança alimentar, precisamos investir na criação de melhores empregos, pagar melhores salários, dar-lhes maior acesso a ativos produtivos – especialmente terra e água – e distribuir renda de forma mais justa e equitativa.

Precisamos trazê-los para dentro da sociedade, complementando o apoio aos pequenos agricultores com oportunidades de geração de renda, com o fortalecimento das redes de proteção social, mutirões de trabalho e programas de transferência de renda, que contribuam para o fortalecimento de circuitos locais de produção e consumo para dinamizar as economias locais. A transição para um futuro sustentável também exige mudanças fundamentais no sistema de governança de alimentos e agricultura e uma partilha equitativa dos custos de transição e benefícios.

No passado, os mais pobres pagaram uma parcela maior dos custos de transição e receberam uma cota menor de benefícios. Este é um desequilíbrio inaceitável, que precisa mudar. Erradicar a fome e melhorar a nutrição humana, criando sistemas sustentáveis de produção e consumo de alimentos, e construir uma governança mais inclusiva e eficaz dos sistemas agrícolas e alimentares são cruciais para alcançar um mundo sustentável.

Na Rio+20, estamos numa encruzilhada. De um lado está o caminho para a degradação ambiental e o sofrimento humano; do outro está o futuro que todos queremos. A Rio+20 oferece uma oportunidade histórica que não podemos dar ao luxo de perder. Nós sabemos como acabar com a fome e gerenciar os recursos do planeta de uma forma mais sustentável. Mas precisamos de uma vontade política mais forte para fazê-lo.

Devemos olhar para Rio +20 como o início de um caminho e não como o ponto de chegada.

E essa é uma caminhada que não podemos fazer sozinhos.

Como a luta contra a fome, o desenvolvimento sustentável é uma meta com a qual cada um de nós deve contribuir – cidadãos, empresas, governos, movimentos sociais, ONGs e organismos regionais e internacionais.

Juntos, trabalhando a partir do nível local para o nível global, podemos construir o futuro que queremos.

E esse futuro precisa começar hoje.

 (*) Diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). (foto ao lado)

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.


Fonte: Terramérica

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Brasil combate a fome fora das fronteiras



por Fabiana Frayssinet, da IPS
35 Brasil combate a fome fora das fronteirasSalvador, Brasil, 9/11/2011 – O governo do Brasil avançou na luta contra a fome, desta vez no plano mundial, ao inaugurar um Centro de Excelência alimentar para estender suas experiências positivas a outros países em desenvolvimento, com ajuda de agências da Organização das Nações Unidas (ONU).
O centro, com sede em Brasília, foi apresentado no dia 7 pela diretora-executiva do Programa Mundial de Alimentos (PMA), Josette Sheeran, e pelo diretor da Agência Brasileira de Cooperação, Marco Farani, com a presença de José Graziano da Silva, diretor-geral eleito da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). O centro já começou associações entre PMA, Brasil, Moçambique, Timor Leste e Haiti.
“Trabalhamos de maneira conjunta para desenvolver capacidades de cooperação técnica em países da África, América Latina e também da Ásia, para que possam conhecer algo da experiência brasileira de combate à fome e, a partir dela, desenvolver seus próprios programas de alimentação escolar e combate à pobreza”, disse à IPS o diretor do Centro, Daniel Balabán.
O “Centro de Excelência contra a fome para o desenvolvimento de capacidades em alimentação escolar, nutrição e segurança alimentar”, seu nome completo, contará com recursos financeiros, tecnológicos e operacionais dessas entidades brasileiras e da ONU. O objetivo, segundo Farani, é “disseminar boas práticas no campo da alimentação escolar”, lançando mão das experiências do PMA e do Brasil para o desenvolvimento, a execução ou expansão de programas escolares sustentáveis, além de apoiar outras iniciativas existentes.
“O Brasil tem uma rica experiência a ser compartilhada com os governos interessados em aprender como os brasileiros conseguiram esse êxito, e adaptar esse conhecimento aos seus países”, disse Sheeran na cerimônia de lançamento, em Salvador, Estado da Bahia. Será uma “ponte Sul-Sul única para a segurança alimentar”.
Diante de uma realidade na qual uma em cada sete pessoas no mundo não tem o que comer diariamente, as únicas reações possíveis são “se revoltar, migrar ou morrer”, disse Sheeran por ocasião da IV Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que acontece até amanhã na capital baiana. “O Brasil criou uma quarta opção, que é combater a fome dando esperanças à infância, que é o futuro”, acrescentou.
O Brasil promove no plano internacional seus êxitos neste campo, com a aplicação desde 2003 do programa Fome Zero, que combina medidas de emergência com políticas de criação de empregos e ampliação da renda familiar. Implantado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e continuado por Dilma Rousseff, o programa conseguiu reduzir a desnutrição infantil em 61%, multiplicar por oito o crédito para a pequena agricultura e reduzir a pobreza rural em 15%, segundo Graziano, um dos arquitetos destas iniciativas.
No contexto de um programa mais amplo contra a pobreza, o Bolsa Família, que entrega subsídios às famílias mais pobres, desde que vacinem seus filhos e os mantenham na escola, o Fome Zero contribuiu para tirar cerca de 28 milhões de pessoas da pobreza neste país de 192 milhões de habitantes.
A prioridade do Centro será uma iniciativa do Fome Zero: o programa de merenda escolar que no Brasil serve três refeições diárias para 47 milhões de crianças e adolescentes, considerado um modelo mundial. O programa também está vinculado à agricultura familiar e às compras locais de alimentos “combinados de maneira a dar de comer às crianças e estimular a produção local”, destacou Farani. “A ideia do Centro surgiu porque havia muita demanda por cooperação brasileira nessa área”, disse à IPS o coordenador de ações internacionais de combate à fome do Ministério das Relações Exteriores, Milton Rondó Filho.
“O que fizemos com a alimentação escolar foi buscar uma espécie de círculo virtuoso” de desenvolvimento. Em primeiro lugar, a preocupação com a nutrição da criança. Com melhor nutrição se tem maior capacidade de aprendizagem, e com isso, e comprando localmente alimentos, se promove o desenvolvimento local”, afirmou Rondó. Por lei, 30% dos alimentos para a merenda escolar devem ser comprados da agricultura familiar da mesma região onde fica a escola.
Além disso, a iniciativa intervirá também na desigualdade de gênero. Rondó mencionou o caso do oeste do Paquistão, onde o analfabetismo das meninas chega a 97%. “A ONU nos diz que se entrarmos com alimentação escolar ninguém reterá essas meninas em casa e também as enviarão para a escola”, afirmou. Segundo Rondó, “não é o caso de as escolas se transformarem em pequenos restaurantes, mas é um estímulo importante que, além da nutrição, melhora a assistência à aula e a capacidade de aprender. E se compramos produtos do mesmo lugar, é um motor enorme do desenvolvimento local”.
O anfitrião do encontro, o governador da Bahia, Jaques Wagner, destacou que, em seu Estado, a alimentação escolar dinamiza a economia local, “a quitanda, a feira, o mercado, porque é um programa de geração de renda de baixo para cima”.
O Centro não pretende repetir a fórmula brasileira, mas adaptá-la às circunstâncias geográficas, culturais e étnicas de cada país, explicou o vice-ministro de Educação de Moçambique, Augusto Jone Luís. Neste país, de 20 milhões de habitantes, onde o programa de merenda chega a seis milhões de alunos e se expandirá com ajuda do Centro, o sucesso se baseia em abordar a “alimentação escolar com um cunho pedagógico”, disse Luís.
Mais de dois mil participantes do Brasil e cem internacionais assistem a IV Conferência, na qual autoridades e organizações civis avaliam os avanços para garantir o direito à alimentação, que no ano passado alcançou status constitucional no Brasil. Contudo, o país ainda tem matérias pendentes: 16 milhões de pessoas – incluídas no programa Brasil Sem Miséria, lançado por Dilma – vivem com menos do equivalente a US$ 41 por mês. E não foram alcançadas metas de nutrição adequada.
A IV Conferência, organizada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, aborda essas lacunas bem como outros temas preocupantes: aumento da obesidade, degradação do solo, mudança climática e agrotóxicos.

Fonte: Envolverde/IPS