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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

José Guilherme Castro no II Fórum de Mídia Livre


José Guilherme Castro, ou, como é mais conhecido, o Zé Guilherme da Rádio Favela de Belo Horizonte conversou com a Equipe do Blog EDUCOM durante o II Fórum de Mídia Livre, realizado no início de dezembro em Vitória, Espírito Santo. A Rádio Favela, iniciativa símbolo do movimento brasileiro de rádios comunitárias, iniciou suas atividades ainda nos 1980 e inspirou o filme "Uma Onda No Ar" (2000), de Helvécio Ratton. Leia a seguir algumas observações do comunicador mineiro, histórico militante da Rede Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária), sobre os rumos da luta pela democratização das comunicações no país, FML e Confecom. (Rodrigo Brandão, Equipe do Blog EDUCOM)

Blog EDUCOM - Comente sua proposta apresentada aqui no FML para garantir financiamento das mídias livres.
Zé Guilherme -
O Brasil é uma das oito maiores economias do mundo. Isso quer dizer que nosso país é um dos oito onde mais circula dinheiro. Recursos tem bastante, o que falta é não irem tanto para as grandes redes de TV e chegarem à massa que faz mídia livre. Mas no Brasil o Estado está muito privatizado. Veja o BNDES. A sigla significa Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, mas cadê o "Social" do nome? Por que estatais que não enfrentam concorrência, como a Petrobras e a Copasa, gastam milhões de reais todo ano para fazer propaganda nas emissoras de TV? Essa mídia corporativa não tem programação educativa, nem de interesse público. Vamos pegar os exemplos das rádios comunitárias. Para cada real investido para potencializar e regularizar as nossas rádios, ou em editais e parcerias no campo da educação, são gastos 50 mil para nos reprimir. Se o dinheiro das verbas publicitárias, ou seja, o nosso dinheiro deixasse de ir para os oligopólios midiáticos e viesse para as nossas mídias ou para as mídias estatais, aposto que, por exemplo, a TV Brasil teria mais audiência que a Globo.

Muitos sindicatos contam com recursos para investir em comunicação, precisam de alternativas ao pensamento único na mídia e poderiam apoiar mais as mídias livres. Como atrair esses setores para serem nossos parceiros?
Em outros países da América do Sul, são organizações sociais de tradição política que lideram o movimento das rádios livres. No Brasil, ao contrário os brasileiros das periferias e das favelas é que fazem radicom. Todas as grandes transformações dos últimos 50 anos pelo mundo, sobretudo na América Latina, foram feitas com a ajuda da comunicação. O que seria da Revolução Cubana de 1959 se não fosse o apoio da Rádio Rebelde? Nosso maior problema aqui no Brasil não é a direita nem a repressão, mas a alienação dos conscientes e a despolitização dos politizados. Foi muito importante para a I Confecom incluir os sindicatos e movimentos estudantis no debate, apesar da despolitização de alguns companheiros. Esses movimentos tem estrutura, mas precisam se envolver mais com a comunicação popular. Não os quero pelo dinheiro que podem trazer, mas por aglutinar forças e vitaminar o movimento das mídias livres com sua inigualável experiência em política e organização de massa.

Zé, como começou sua história na Rádio Favela?
Estou desde 1995 atuando na Rádio Favela, com a qual colaborei como secretário de comunicação. Coordenava coletivos de rádio e TV popular em Belo Horizonte, antes de integrar esses projetos ao da Rádio Favela, já que a radicom estava para conseguir a outorga de rádio educativa na ocasião. Seguirei no coletivo, mas agora estou empenhado em um projeto de solidariedade na comunicação.

É um projeto de Educom? Você disse antes desta entrevista que o projeto envolve portadores de transtornos mentais... fale mais
Só para se ter uma ideia, rádios comunitárias operadas por deficientes visuais estão entre as mais reprimidas pela Anatel e a Polícia Federal, o que por si só torna nossa iniciativa estratégica. Pretendemos trabalhar um sistema em que você faz, aparece e cresce. Nosso slogan é "Se 1 bilhão de pessoas gritarem ao mesmo tempo, quem vai fingir que não escutou?". Trabalhar com portadores de deficiência é gratificante, não porque eles precisem de minha ajuda, mas porque a sociedade está desperdiçando a riqueza e a inteligência desses brasileiros. Acabo de vir do Fórum Mineiro de Saúde Mental, onde foi organizada uma conferência para discutir comunicação, com 125 presentes. Após quatro horas de uma discussão mais profunda do que muitas conferências apenas reunindo não-portadores de transtornos, foi produzida uma ata e assinaram todos os presentes.
"Se 1 bilhão gritarem ao mesmo tempo, quem vai fingir que não escutou?"
Eles (os portadores de transtorno mental) perceberam que não devem buscar serem iguais aos demais brasileiros, mas superiores, já que somente assim serão reconhecidos. O projeto já deu seus primeiro passos. Ainda em 2009, inauguraremos em BH três Pontos de Cultura. Queremos um sistema de banda larga e um canal na nova TV Digital. Veja, há em todo o país mais de 5 mil unidades de Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), reunindo 30 mil equipamentos para a educação especializada. Mas não temos pesquisa científica nesse campo. Aí entra a educomunicação, integrando comunicação e educação de ponta para o excepcional e aproveitando a vocação solidária do Brasil. Não somos os reis das Paraolimpíadas, que inclusive sediaremos em 2016? Acho que por isso nós brasileiros podemos oferecer um grande espaço de acolhimento.