Reunidos em Vitória, capital do Espírito Santo, na última semana, comunicadores da mídia livre de todas as regiões do país definiram um conjunto de propostas para a luta pelo direito à comunicação, estratégias da sociedade civil não-empresarial na I Conferência de Comunicação (Confecom) e os próximos passos do movimento, a partir de 2010. Entre os principais encaminhamentos do II FML estão o compromisso de se construir uma rede social de solidariedade - com assistência jurídica diante das perseguições e da repressão - aos blogs de conteúdo político e às rádios comunitárias, além da luta junto ao Ministério da Educação pelo reconhecimento da produção de informação como atividade de utilidade pública - possibilitando a criação de um fundo para as mídias livres e a Educomunicação. Por Rodrigo Brandão, da Equipe do Blog EDUCOM
Com uma tensa corrida eleitoral no horizonte, que definirá o futuro das transformações sociais deslanchadas nesta década em nosso país, é hora de aglutinar forças para seguir avançando e assegurar o que já foi conquistado. Esta é avaliação dos fazedores de mídias livres, que, no domingo, 6, último dia do 2º Fórum, decidiram construir uma rede de solidariedade ao midialivrismo e lutar para que a comunicação seja declarada direito universal e atividade de utilidade pública no Brasil. "Em 2010, ano eleitoral e sobretudo de sucessão presidencial, os ataques às rádios comunitárias e aos blogs que propagam discursos contra-hegemônicos se intensificarão", observou Renato Rovai, diretor da Revista Fórum, blogueiro e que coordenou um grupo de trabalho (com participação do jornalista-blogueiro Luis Nassif) reunindo responsáveis por blogs de todo o país em Vitória.
"Precisamos blindar essas atividades", defendeu Rovai, adiantando que o novo movimento deverá contar com apoio jurídico de advogados e juristas militantes da luta pela comunicação livre. O jornalista destacou ainda que o maior responsável pelo cerco aos blogs de forte teor político não é o Estado, mas sim a mídia corporativa. "Temos que apontar esta contradição da Veja, da Folha de S. Paulo e da Abert (associação das redes de TV e dos radiodifusores). Eles se dizem defensores da liberdade de imprensa, mas são os primeiros a recorrer à justiça para nos silenciar."
A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), um dos movimentos mais atuantes no campo do midialivrismo, além de aprovar e defender a proposta conseguiu, junto ao plenário do FML, um compromisso das mídias livres em lutar por políticas públicas de resgate histórico da luta das Radicom e de reparação aos radialistas comunitários, que seguem sendo algumas das maiores vítimas da repressão à comunicação democrática no Brasil. "Queremos que nossa sofrida trajetória de luta seja recuperada, defendida e reivindicada por todos os nossos companheiros de outras mídias livres", defenderam o cearense Rômulo Gadelha, coordenador de pontos de cultura e radialista comunitário, além do mineiro José Guilherme Castro, desde 1995 atuando na Rádio Favela, de Belo Horizonte, cuja trajetória de pioneirismo foi homenageada no filme "Uma Onda No Ar", de Helvécio Ratton. "Nós sofremos com uma espécie de indústria da perseguição comandada por Anatel (agência reguladora das telecomunicações) e Polícia Federal. Defendo que os recursos gastos pelo Estado com a repressão ilegal das rádios comunitárias, para atender a interesses dos radiodifusores, seja investido na universalização dos meios e no apoio às mídias livres", disse José Guilherme.
Da coordenação nacional da Abraço, o gaúcho Josué Franco Lopes apresentou outras propostas incluídas no documento final do II FML, entre as quais o apoio do movimento pela Mídia Livre à criação do portal nacional de rádios comunitárias, liberação de propaganda nas Radicom e a permissão para a outorga de emissoras comunitárias operando em frequencia distinta de outra Radicom localizada em comunidade vizinha. "A publicidade é fundamental para a nossa sobrevivencia. Hoje a Anatel só nos permite aceitar apoios", argumentou Josué, que também integra o Grupo de Trabalho Executivo do Fórum Nacional de Mídia Livre. Explicando a necessidade de rever os critérios para outorgas de rádios operando em comunidades vizinhas, Rômulo Gadelha defendeu que "uma maior flexibilidade da legislação permitirá que mais comunidades possam fazer e ter acesso à mídia livre".
Sustentabilidade das mídias livres
Os fazedores de mídias livres trouxeram nos três dias de FML algumas propostas destinadas a pautar o movimento na luta pela sustentabilidade desse setor. Duas entraram no documento final, após aprovadas na plenária, e coincidem em um ponto: a necessidade de se lutar pela criação de um Fundo Nacional das Comunicações.
Uma das propostas, apresentada na etapa paulista da Confecom por Célio Turino, secretário de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura, defende que o Ministério da Educação defina a comunicação como um direito da cidadania, a educomunicação como item obrigatório no currículo das escolas desde o ensino fundamental e a atividade de fazedor de mídia livre como de utilidade pública. Seria então aberto um portal de editais públicos, cujas receitas da propaganda de União, estados e municípios seria destinada ao futuro FNC. "Esse fundo se destinaria a garantir sustentabilidade às mídias livres e compra de equipamentos da Educomunicação para doação a escolas de todo o país", defendeu o jornalista Renato Rovai, um dos maiores entusiastas do projeto.
Por outro lado, Marco Amarelo, do portal de mídias livres Soy Loco por Ti, apresentou uma proposta defendo a cobrança de impostos sobre aparelhos eletrônicos de luxo, como televisores acima de 29 polegadas, cujos dividendos possibilitariam a criação do FNC. "O fundo será de suma importância para o nosso setor, sobretudo porque nos garantirá autonomia", defendeu Marco.
Estratégias para a I Confecom
Vários delegados eleitos para a Conferência de Comunicação, que acontece entre os dias 14 e 17 em Brasília, estavam no campus da Universidade Federal do Espírito Santo para o FML. Ainda que o caderno de propostas tenha sido fechado com os encaminhamentos definidos nas etapas estaduais, a plenária final do Fórum sugeriu uma pauta mínima para ser defendida pelos ativistas do FML confirmados no Auditório Ulysses Guimarães a partir do dia 14. Foram propostos estes pontos para a estratégia da bancada da sociedade civil não-empresarial:
1. Apoio ao conceito das escolas livres de comunicação, em todos os níveis do ensino
2. Permissão para o aumento da potência nas transmissões das rádios comunitárias e criação de um conselho para o setor, destinado a garantir transparência na concessão de outorgas
3. Flexibilidade na concessão de Radicom para comunidades limítrofes
4. Criminalização do "Jabá", acarretando na perda da concessão pública de uma rádio que praticar esse tipo de comercialização da música
5. Que conteúdos produzidos com 100% de incentivos fiscais percam o direito autoral e sejam efetivamente mídia livre
6. Luta para democratizar os critérios de concessão de rádio e TV, por políticas públicas para a universalização da internet em banda larga e distribuição de verbas publicitárias do Estado também para a mídia livre
7. Que as novas concessões públicas tenham como critério o respeito, pelo concessionário, da igualdade de gênero, diversidades racial e cultural, além dos direitos de minorias como os gays, lésbicas e transgêneros
8. Reforçar a luta pela criação do Conselho Nacional de Comunicação Social - deliberativo, autônomo e nos moldes dos demais conselhos setoriais com participação do Poder Executivo da União
Está ainda no documento final aprovado no último domingo, 6, a ser divulgado na página do FML, um conjunto amplo de propostas divididas em três eixos temáticos, para os próximos passos do Fórum Mídia Livre. Aqui estão algumas delas:
Políticas públicas para fortalecimento, descentralização e sustentabilidade das mídias
- Que o MEC reconheça a atividade de mídia livre e possibilite a criação nas escolas e universidades de disciplinas de Educom, incluindo laboratórios para a formação de fazedores de mídias livres. Criação de cursos de Comunicação Social nas novas universidades abertas dentro do programa de expansão do ensino superior
- Vinculação das mídias livres na nova economia solidária, incluindo o emprego de moedas alternativas para a economia do midialivrismo
Fazedores de mídia
- Articular a conexão dos midialivristas aos produtores da cultura livre no Brasil e participação do moviemnto pela mídia livre no Fórum Internacional de Softwares Livres
Formação para a mídia livre
- Bolsas de extensão universitária para a Educom
- Incluir nos currículos dos cursos de comunicação social em nível superior e médio pedagogias de comunidades como as de quilombolas e indígenas
- Educação, desde o ensino fundamental, para a mídia digital, incluindo lógica e desenvolvimento de softwares livres
- Utilizar material da Educom para formação dentro das comunidades
Fórum teve Festival de Música Livre e Luis Nassif na abertura
Sob mediação da diretora da Escola de Comunicação da UFRJ e coordenadora do Pontão de Cultura sediado na mesma ECO, Ivana Bentes, a desconferência de abertura teve participação do jornalista Luis Nassif e do cientista político ítalo-brasileiro Giuseppe Cocco, co-autor, com Toni Negri, de "GlobAL: biopoder e lutas em uma América Latina globalizada". Entre outros pontos altos do debate, o jornalista-blogueiro Luis Nassif destacou que a mídia tradicional, capitalista, baseada em jornais de grande circulação e redes nacionais de TV, está condenada à extinção. A abertura do II FML foi realizada na Tenda Mídia Livre, erguida no campus da Ufes e palco do Festival Música Livre, que contou com apresentações de artistas-militantes do Movimento Música Para Baixar (MPB) e outros músicos que praticam o mercado livre da arte, baseado na adoção dos esquerdos autorais e na oposição à prática do Jabá, como Jards Macalé e BNegão.
"Esse modelo tradicional, que eu chamo de velha mídia, está sendo duramente questionado e vai cair em breve. Vai cair porque está apoiado em algumas pernas podres de legitimação. Uma delas é o IVC, Instituto Verificador de Circulação, que mede a tiragem e a circulação dos jornais. É um sistema declaratório: a editora Abril diz, mas em realidade mente, que imprime um número x de revistas e vende outro número y de revistas, e o IVC atesta indiscriminadamente esses dados", exemplificou Nassif, lembrando que as verbas publicitárias, inclusive as estatais, são drenadas para essa mídia com base em números maquiados.
Segundo o jornalista, "se for feita uma auditoria, vão verificar que muitos brasileiros recebem sem pedir, ou seja, irregularmente, assinaturas desses veículos. Assim como leitores mudam seus planos de assinatura da Folha de S. Paulo, por exemplo, para receber o jornal apenas nos finais de semana. Se o cliente interfere nessa relação comercial, o IVC não faz o registro dessas alterações. Podem ter certeza que o encalhe de exemplares da Veja e da Folha é muito maior que o registrado no IVC e que a queda da circulação está num ritmo brutal". Nassif garantiu à audiência que a tiragem da Veja caiu 20% nesta primeira década do século e que a circulação dessa revista e da Folha caiu 40% no mesmo período. "As receitas da Veja representam 55% do faturamento do Grupo Abril. O dia em que abrirem essa caixa preta, a editora dos Civita entra em colapso. Mas ai vem o pulo do gato: quem administra o IVC? Os próprios oligopólios da mídia!", pontuou Nassif.
Giuseppe Cocco e Ivana Bentes destacaram as conquistas do movimento midialivrista - como a realização do edital do Ministério da Cultura para os primeiros 82 Pontos de Mídia Livre - e a característica imaterial do trabalho em mídia livre, que se articula direta e indiretamente com a produção de conteúdo e bens culturais (veja
II FML: desafio do MinC e do midialivrismo é expandir Pontos de Mídia e Cultura no interior, com os primeiros avanços no debate sobre a economia solidária para a mídia livre). Como atividade pós-Festival de Música Livre, o movimento "MPB" coordenou na Ufes o seminário "A Morte do Pop-Star", discutindo o novo ambiente do mercado da música em todo o mundo, marcado pela retração do faturamento das megagravadoras e a popularização dos sites P2P, espaços para compartilhamento gratuito de músicas na internet.
Jards Macalé (crédito ao site do II Fórum Mídia Livre) no Festival de Música Livre e a desconferência de abertura (em destaque na foto, Luis Nassif, Ivana Bentes e Giuseppe Cocco)
A Equipe do Blog EDUCOM cobriu os três dias do II Fórum de Mídia Livre. Aguarde nossos próximos posts.. Saudações midialivristas e educomunicativistas.