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quinta-feira, 14 de março de 2013

E deu Maradona

13/03/2013 - Laerte Braga - Diário Liberdade

Excesso de virtudes, na visão do escritor inglês Aldous Huxley, não significa compreensão da vida em sua essência, em seu sentido e em sua razão de ser.

Pode significar orgulho, pode levar a pessoa a um afastamento gradativo da realidade, como pode significar mesquinharia.

Jorge Mario Bergoglio (foto), o cardeal argentino eleito papa, Francisco, não é mesquinho e nem alheio à vida, isolado da realidade. Suas virtudes são políticas.

É um dos mais duros críticos do governo da presidente Cristina Kirchner, foi protocolar na condenação à ditadura naquele país e a despeito do voto de pobreza, vive dentro do sistema, mantém a igreja atrelada a conceitos medievais, agora, recheados com uma camada de chantili para dar a impressão de modernidade, ou tornar-se palatável.

Por baixo dessa camada não existe marrom glacê, mas um osso duro de roer e à direita, dentro dos padrões do Vaticano.

Bergoglio não chega, necessariamente, a ser uma surpresa.

No conclave que escolheu Ratzinger foi o segundo mais votado.

Chegou ao Vaticano com um cacife eleitoral razoável.

Sobre o brasileiro Odilo Scherer (foto) leva a vantagem de ser dissimulado (isso conta para a hipocrisia de Roma).

As mudanças serão de estilo e não de fundo.

Deve tentar influir politicamente em seu país, nunca escondeu e de forma pública sua aversão tanto a Néstor Kirchner, quanto a sua mulher Cristina (foto abaixo).

A despeito de críticas à economia de mercado, nunca manifestou um ponto de vista conclusivo, apenas circundou os problemas de seu país, mais ou menos como faziam os antigos políticos do ex-PSD do Brasil. “Nem contra, nem a favor, muito antes pelo contrário, revendo meu ponto de vista."

No caso específico não estava e nunca esteve revendo nada. Exceto no que diz respeito a presidente Cristina (foto, ao lado de Néstor).

Entre suas virtudes escondidas, o poder.

A busca do poder é uma de suas características.

Lembra João Paulo II, um produto de marketing.

Sorri, enquanto sangram nos porões da monarquia absoluta que é a igreja, os seus adversários.

É jesuíta, uma ordem tradicionalmente conservadora e que durante muito tempo ignorou ou manteve-se alheia ao poder de Roma. Seu superior era chamado de “papa negro”.

Começou a perder essa característica quando João Paulo II (foto) pôs fim a ela. Submeteu os jesuítas, fundado por Santo Inácio de Loiola um militar espanhol.

Um sujeito comum que só tenha virtudes é, em si, um chato.

Um papa virtuoso é o sinal que latino-americanos terão problemas com as ingerências do Vaticano em questões políticas, principalmente, em países que buscam a independência plena, sem o controle de Washington.

Não há mudança alguma na igreja.

Um novo showman foi eleito para gerir o Vaticano.

Essa é outra vantagem sobre o brasileiro Odilo Scherer. A falta de jogo de cintura, que sobra no argentino.

No fundo são iguais.

Ao dizer que os homossexuais “merecem respeito”, não está nem de longe discutindo o problema. Esta mantendo o estigma, a hipocrisia bem conhecida nos documentos secretos do papa anterior.

Ao ser contra o aborto está deixando claro que nenhum dos dogmas férreos da Idade Média serão substituídos, ou revistos, apenas atenuados no discurso.

Mas as câmaras de injeções letais do Vaticano continuarão nos cantos soturnos dos palácios papais do Vaticano.

Francisco talvez garanta a igreja uma sobrevida depois do fiasco Bento XVI. Mas só isso.

É uma espécie de canto da sereia, só isso.

Ilude o pescador e o leva para o fundo do mar no atraso crônico de uma instituição em estado falimentar.

Isso  quer dizer perigo.

Vem respaldado por forças conservadoras que podem causar estragos ponderáveis, sobretudo na América Latina, principalmente na Argentina.

Está longe de ser um Maradona, um Néstor Rossi, um Alfredo Di Stéfano.

E um detalhe, ironia ou não, o jornal brasileiro dedicado aos esportes, LANCE, chamou na edição de hoje [13/3], quarta-feira, antes da escolha de Francisco, o jogador argentino Lionel Messi de papa.

Foi pelo desempenho no jogo de terça-feira contra a equipe da Milan.

Francisco não é uma incógnita.

É a continuidade do atraso da igreja romana.

Sua dimensão pode ser, inclusive, a de enfrentar os evangélicos, grupo de malucos que tenta roubar a primazia do contato divino que sempre foi privilégio do Vaticano.

Fonte:
http://www.diarioliberdade.org/opiniom/opiniom-propia/36559-e-deu-maradona.html

PS do blog Educom:
Há um mês, em 13/02/2013, a Carta Maior publicou um texto de Oscar Guisoni do qual extraímos os seguintes trechos:

"Como ocorreu em 2005, quando foi eleito o Papa Joseph Ratzinger, os conservadores e ultramontanos argentinos voltam a se iludir com a possibilidade de colocar seu homem no Vaticano: o cardeal Jorge Bergoglio

 Mas o papel desempenhado pela Igreja argentina e pelo citado cardeal em particular durante a última ditadura militar (1976-1983) (foto ao lado, general Jorge Videla, ex-ditador argentino desse período) torna quase impossível que o Vaticano opte por habilitar com a “fumaça branca” um personagem com semelhante currículo.

Salvo que “assim como nos anos 80 escolheram Karol Wojtyla para canalizar religiosamente a luta do povo polonês (isto é, a do mundo ocidental e cristão) contra o totalitarismo soviético”, sustenta D’Addario [colunista Fernando D’Addario, do Página/12, da Argentina] com acidez, “agora escolham um papa argentino para salvar-nos do populismo gay e favorável ao aborto que se expande como uma peste por estes pampas”.

"Enquanto isso, o candidato em questão, o atual arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, sonha em alcançar um papado impossível.

Nascido em 1936 e presidente da Conferência Episcopal durante dois períodos (cargo que abandonou recentemente por doenças da idade), é difícil que o Vaticano se arrisque a colocar no trono de Pedro um homem citado em vários processos judiciais por sua cumplicidade com a ditadura e que conseguiu evitar seu próprio julgamento por contra de influências e argúcias de advogados.

Nada disso impede, porém, os ultramontanos argentinos de sonhar com a possibilidade de ter um Papa em Roma que os ajude a acabar de uma vez por todas com um governo [de Cristina Kirchner (foto)] que consideram o pior inimigo da Igreja Católica desde que o presidente Juan Domingo Perón enfrentou-se de forma virulenta (incluindo a queima de algumas igrejas) com a hierarquia católica no final de seu governo em 1955."

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Gracias, Néstor

“Gracias, Néstor. Pusiste una Argentina de pie, sos un verdadero patriota. Te vamos a extrañar mucho”
(um dos muitos cartazes levados por populares que desde o início da tarde de ontem já se aglomeravam na Praça de Maio e imediações da Casa Rosada, levando flores e lágrimas pelo falecimento do ex-presidente argentino Néstor Kirchner)

O governo de Néstor Kirchner (2003-07) tirou a Argentina do cemitério econômico onde fora enterrada pelo neoliberalismo de seus antecessores Carlos Menem e Fernando De La Rúa. A exemplo dos tucanos no Brasil, Menem privatizou amplamente o patrimônio público argentino e terceirizou a própria moeda numa dolarização branca desastrosa. Ao deixar a Casa Rosada, em 1999, incluía em seu legado uma taxa de desemprego de 20%, a classe média empobrecida, uma dívida externa explosiva e um parque fabril esfarelado pelo aventureirismo da moeda forte (1 peso = 1 dólar) que tornou impossível competir com as importações. Empossado em 2003, Kirchner não hesitou: suspendeu os pagamentos e renegociou a dívida externa em posição de força. Vitorioso nesse braço de ferro, recompôs o poder aquisitivo da população e devolveu a auto-estima aos argentinos ao colocar ditadores no banco dos réus. Hoje, a Argentina desfruta novamente de crédito internacional e a economia projeta um crescimento de 9% em 2010. Sucedido pela esposa, a valente Cristina Kirchner, Néstor era tido como favorito para as eleições presidenciais de 2011. Sua morte deixa à viúva e mulher de fibra a incontornável missão de buscar um novo mandato para ocupar esse vazio, impedindo a volta da direita ao poder.
(Saul Leblon, para "Carta Maior")

Nota do EDUCOM: acrescentamos que Néstor Kirchner, como presidente que inicia em 2003 um ciclo progressista na Argentina, desembocando na eleição em 2007 da primeira mulher à presidência, sua companheira Cristina, e como conselheiro influente do atual governo, é um dos pais da revolucionária Ley De Los Medios. Este projeto de lei ainda tramita no parlamento, mas já promete democratizar sensivelmente a mídia e o acesso à informação no país vizinho. Que a presidente Kirchner se recupere da terrível perda para tocar adiante esse que é o carro-chefe de seu governo mas também, em parte, um legado de seu marido.