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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Relatório Leveson: um pesadelo - mas só para a velha guarda da Fleet Street*

Semana decisiva para as comunicações. Repercute em todo o mundo o chamado 'Relatório Leveson', que propõe mais regulação e controle sobre as atividades da mídia britânica. Começou nesta segunda encontro da UIT, que reúne 193 Estados membros da ONU para definir novo marco regulatório das telecomunicações (post abaixo), com movimentos sociais e ciberativistas acusando os organizadores de tentar censurar a rede. E sexta, dia 7, se encerra na Argentina o prazo para que as empresas de comunicação se adequem à nova Lei da Mídia. Uma comissão da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) deve chegar a Buenos Aires e o Grupo Clarín promete resistir com todas as armas possíveis aos efeitos da lei.


Cobertura sobre 'impor uma coleira governamental aos jornais' provou ser apenas espuma nos lábios de propagandistas


[*Fleet Street é a rua de Londres onde ficavam as sedes de várias empresas jornalísticas]

Do Guardian**

Olhemos primeiro os pesadelos que não se concretizaram.

O governo não está sendo convidado a assumir o controle da imprensa. Todos aqueles anúncios de página inteira comparando o juiz Brian Leveson (encarregado de investigar a imprensa britânica) a Robert Mugabe e Bashar Assad, toda aquela cobertura de alta octanagem no Sun e no Mail sobre o relatório de Leveson “impor uma coleira governamental sobre os jornais” e ameaçar “regulamentação estatal da imprensa livre britânica” provou ser não mais que espuma nos lábios de propagandistas, simplesmente outra onda das distorções que tanto fizeram para dar origem à própria investigação.

Leveson e o documento que enfureceu os barões da mídia. Foto: AFP
O relatório Leveson também não aceita que a Fleet Street seja recompensada pelos seus repetidos abusos de poder com ainda mais poder, não apenas para agir como seu próprio regulamentador como para investigar jornalistas e impor multas àqueles que quiser.

Este era o plano urdido pelo lado conservador da Fleet Street, ainda maliciosa e cegamente confidente de que o resto de nós aceitaria dar ao dono do Express, Richard Desmond (“Ético? Não entendo muito bem o que a palavra significa”) o direito de policiar a ética da imprensa; ou dar a Paul Dacre (que disse originalmente à Comissão de Reclamações contra a Imprensa que a cobertura do Guardian sobre o escândalo da violação telefônica foi “altamente exagerada e imaginativa”) algum papel em multar o Guardian; ou dar a executivos da News International, de Rupert Murdoch, que enganaram a imprensa, o público e o parlamento, algum tipo de papel na investigação da verdade no conteúdo de reportagens. Leveson rejeitou este plano com uma frase boa: “Seria a indústria jornalística dando a nota em seu próprio exame”.

Não se trata de nenhuma catástofre para o jornalismo britânico. Do ponto de vista de um repórter, não há qualquer problema com a tese central do relatório Leveson, o sistema de “auto-regulamentação independente”.

Isso teria três funções. Primeiro, lidaria com as reclamações, mas faria isso através de uma organização que não seria escolhida nem responderia à Fleet Street. O lado escuro da indústria pode reclamar que isso é uma ameaça terrível à liberdade de imprensa, ecoando o estuprador que alega que a polícia é uma ameaça ao amor livre. Por que deveriamos temer um juiz independente? Por que não deveríamos nos envergonhar da Press Complaints Comission a qual, como diz o relatório, “fracassou… não é um regulador… não tem independência… provou estar alinhada aos interesses da imprensa”? É duro pensar sobre qualquer outra resposta decente às provas apresentadas por Kate e Gerry McCann, acusados falsamente [pela mídia] de assassinar o próprio filho; ou a Christopher Jefferies, atacado perversamente como matador; ou a qualquer uma das testemunhas que depuseram na investigação de Leveson.

Segundo, o novo regulamentador investigaria as ofensas sistêmicas. Parece fraco. Mas não se trata de investigar crimes. Não há, nem deveria haver, qualquer sugestão de que o regulador deva ter qualquer poder para forçar jornalistas a entregar documentos ou fazer busca na mesa de repórteres. Trata-se de investigar violações sistêmicas do código de conduta — tirar fotos violando a privacidade de pessoas, por exemplo, ou entrevistar crianças sem o consentimento dos pais. Sem poder de polícia, o regulador teria de se apoiar na cooperação de jornalistas. A história sugere que or jornalistas vão relutar por temerem prejudicar suas carreiras. Vários ex-empregados do (diário) News of the World ajudaram o Guardian a desvendar o escândalo da violação telefônica mas apenas dois deles se sentiram à vontade para falar abertamente. Fraco, mas não uma ameaça.

Finalmente — e o mais importante — o regulador governaria um novo sistema de arbitragem, uma alternativa mais barata e rápida que os tribunais civis.

Isso é uma notícia ótima para repórteres que hoje trabalham sob as leis de difamação, privacidade e confidencialidade que realmente inibem a liberdade de imprensa, com ameaças de indenizações e custos legais em tal escala que encorajam a supressão da verdade. Gente como Jimmy Savile se dá bem sob estas condições. O sistema de arbitragem de Leveson reduziria o peso. E, além disso, incentivaria as empresas jornalísticas a voluntariamente aderirem ao novo marco regulatório: Leveson sugere que isso as livraria de custos com indenizações que poderiam enfrentar caso acabassem sendo condenadas em tribunais civis. Seria necessário aprovar uma nova lei para assegurar o reconhecimento pelos tribunais do novo órgão regulador, garantindo benefícios às empresas que se submetessem a ele.

Existe um pesadelo aqui, mas é para a velha guarda de Fleet Street. Perder o controle do órgão regulador é perder a licença para fazer o que bem entender.

Embora a atenção política se volte para os planos de Leveson para o futuro, o verdadeiro poder do relatório está nas provas detalhadas e incriminadoras sobre o que a licença dada à mídia permitiu que acontecesse. “Setores da imprensa agiram como seu próprio código de conduta não existisse… houve negligência ao priorizar as notícias sensacionalistas, sem considerar os danos que pudessem causar… uma determinação em usar vigilância clandestina contra ou apesar do interesse público… desprezo significativo e negligente em relação à verdade factual… alguns jornais usaram ataques extremamente pessoais contra aqueles que os desafiaram”.

O relatório enfrenta o Daily Mail e seu editor, Paul Dacre, por acusarem Hugh Grant (o ator) de usar “insinuações mentirosas” ao depor na comissão, concluindo que o jornal “foi longe demais” e que Dacre “agiu precipitadamente” e que sua explicação para suas ações “não justificam a linha agressiva que adotou”. Enfrenta o Sun pela decisão do jornal de expor que o filho de Gordon Brown (o líder trabalhista) tinha sido diagnosticado como fibrose cística, alegando que “não havia interesse público na notícia que justificasse a publicação sem o consentimento do casal Brown”, reconhecendo a possibilidade de que a informação tenha sido obtida “por meios ilegais e antiéticos” e contestando as alegações da então editora Rebekah Brooks de que os Browns “tinham o compromisso de tornar a informação pública”.  O relatório detalha o comportamento do Mail, Sun e Telegraph que, quando Leveson estava investigando, optaram por publicar material sobre a morte de um estudante de 12 anos, Sebastian Bowles, na Suiça, que “levanta questões sob o código de ética dos editores”. Continue lendo e atenção aos links
*tradução do Vi O Mundo

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