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segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Caco Barcellos, a classe média e o Bolsa Família

13/11/2013- Caco Barcellos e a classe média que não quer mudar
- por Luana Tolentino (*) - para o site Blogueiras Negras

Acho que nunca contei essa história a ninguém.

Na adolescência, nutri um amor platônico pelo Caco Barcellos [foto].

Assim como as minhas amigas eram apaixonadas pelos cantores/dançarinos das boy bands dos anos 1990, eu suspirava pelo jornalista da Globo.

Explico.

Em 1999, Caco fora entrevistado pela Regina Casé, que na época apresentava o Muvuca, uma espécie de talk show exibido nas noites de sábado. A certa altura da conversa, Regina perguntou algo sobre as desigualdades existentes no país, não me lembro ao certo o que ela disse.

O repórter global respondeu: “o Brasil não muda porque a classe média não quer mudar!”.

Aquelas palavras me impactaram de tal maneira que passei alguns dias repetindo mentalmente o que ele havia dito.

Pensei: somente ele teria coragem de dizer aquilo num programa da emissora carioca, e principalmente no horário nobre.

Daquele instante em diante, meu interesse pelas questões sociais eclodiu e Caco Barcellos tornou-se o meu ídolo.

Passei a colecionar entrevistas do jornalista gaúcho.

Não tive coragem de colocar uma foto dele na parede do meu quarto, pois temia ser incompreendida pela minha mãe. Como explicar a minha paixão repentina por um homem que tinha idade para ser o meu pai?

Um tempo depois, descobri o Caco Barcellos escritor.

A leitura de Rota 66 foi inesquecível!

Um clássico indispensável para o entendimento da postura violenta e autoritária da polícia militar no Brasil.

Em 2003, tão logo foi lançado, li O Abusado, um petardo que narra a história de Márcio VP, traficante do Morro Santa Marta que ficou conhecido em todo o país.

Praticamente quinze anos se passaram desde que o Caco Barcellos concedeu aquela entrevista à Regina Casé.

Muita coisa mudou.

Apesar de ainda guardar alguns traços daquela garota que sonhava ser inteligente e conhecer o Rio de Janeiro, hoje já sou quase uma balzaquiana.

O Brasil nem de longe lembra aquele país dos anos finais da década de 1990, atolado na recessão, subordinado aos interesses econômicos dos Estados Unidos e com indicies elevadíssimos de desemprego, pobreza e miséria.

Sobre a nossa classe média, lamentavelmente, não posso dizer o mesmo.

Como pude testemunhar no início dessa semana, parece insistir em manter a sua face conservadora e reacionária.

Enquanto aguardava na recepção do consultório dentário, ouvi um dentista esbravejar na sala ao lado:

“Hoje em dia tudo é muito fácil! Ninguém quer trabalhar! Tem bolsa para tudo!

É bolsa família, bolsa disso, bolsa de não sei mais o quê! E ainda tem essas cotas.

Agora qualquer um pode entrar na Universidade! É tudo culpa do PT! Tudo culpa do Lula e da Dilma! Sou contra tudo isso!”

Confesso que a fala do dentista não causou em mim nenhuma indignação. Essa gente não me assusta. Na verdade, senti pena.

Percebi nas palavras do “doutor” a mais profunda ignorância e um bocado de inveja e ressentimento, sentimentos que parecem ser inerentes à boa parte da classe média brasileira.

A negação de forma virulenta e odiosa das melhorias nas condições de vida da população trazidas por programas como o Bolsa Família e pelo sistema de cotas revela o desejo de manutenção de privilégios, muitos deles conquistados na base da exploração e exclusão social da população pobre.

Mas como me disse outro dia a Conceição Lemes, jornalista e amiga querida, contra fatos, não há argumentos.

Em outubro, o Bolsa Família completou 10 anos com o status de programa de transferência de renda mais bem sucedido do mundo.

Pesquisas revelam que desde a sua criação, no primeiro mandato de Lula, mais de 36 milhões de brasileiros saíram da extrema pobreza ao serem beneficiados com os recursos pagos mensalmente pelo programa.

Na condição de professora de um dos municípios mais pobres de Minas Gerais, posso afirmar que o Bolsa Família tem também o mérito de contribuir para a permanência de crianças e adolescentes na escola, uma vez que o benefício é suspenso caso o alunos deixem de frequentar as salas de aula.

Já as cotas tem se mostrado um instrumento eficaz na reversão do quadro de injustiça no qual se encontra a população afrodescendente.

Estudos mostram que a ação afirmativa é uma medida eficaz para que haja uma maior representatividade de negros nas universidades públicas e consequentemente a elevação da condição socioeconômica desse grupo.

Além disso, uma pesquisa recente do IPEA apontou que estudantes cotistas têm rendimento igual ou superior ao dos demais alunos, desmitificando a teoria defendida por muitos de que esse tipo de medida reparatória provocaria a queda da qualidade dos cursos.

Volto ao Caco Barcellos.

Para o meu deleite, há dois anos ele ministrou uma palestra aqui em Belo Horizonte.

Sempre sensato e coerente, Caco falou para uma plateia lotada sobre a experiência de ter sido taxista, do ótimo Profissão Repórter, de política e dos nossos dramas sociais.

E mais uma vez, ele me encantou.

Dessa vez com as seguintes palavras: “a maior herança que o meu pai me deixou foram três palavras: vergonha na cara!

Bem, na minha modesta opinião, além da vontade de mudar, acho que é exatamente isso que falta à classe média da terra brasilis: uma boa dose de vergonha na cara.

Enquanto isso não acontece, o Brasil segue mudando. Para melhor! “E quem não é tolo, pode ver”.

(*) Luana Tolentino [foto] é mulher, negra, canhota, gêmea univitelina.

Fonte:
http://blogueirasnegras.org/2013/11/13/caco-barcellos-classe-media-nao-quer-mudar/?subscribe=success#blog_subscription-4

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

" É preciso sair do capitalismo"



por Marcela Valente *
HerveKempfEscritorFrances1 “É preciso sair do capitalismo”
O Norte tem a responsabilidade de mudar o modelo econômico, afirma Kempf. Foto: Cortesia do entrevistado.
Por que se introduz a ideia de economia verde em lugar de manter a de desenvolvimento sustentável, que tem a vantagem de seu cunho social?, questiona nesta entrevista o escritor francês Hervé Kempf
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Buenos Aires, Argentina, 26 de setembro de 2011 (Terramérica).- Para salvar o planeta da mudança climática e da perda de biodiversidade, devemos sair do capitalismo e buscar um sistema menos consumista e socialmente mais justo, afirma o jornalista e ecologista Hervé Kempf. Esta questão atravessa toda a obra de Kempf, colunista do jornal Le Monde e autor de “Para salvar o planeta, sair do capitalismo” e de “Como os ricos destroem o planeta”, entre outros livros. Na França, acaba de publicar “L’oligarchie ça sufit, vive la démocratie” (Basta de oligarquia, viva a democracia).
Expoente do debate sobre o decrescimento, que se contrapõe ao crescimento do produto interno bruto como indicador dominante do êxito de um país ou de uma sociedade, Kempf questiona a viabilidade de uma sociedade guiada pelo consumo e pela avidez de lucro. Os líderes políticos “continuam defendendo o sistema capitalista ao qual chamo de oligárquico”. Contudo, “precisam mudar, bem como o sistema”, disse Kempf em entrevista ao Terramérica durante sua visita à Argentina.
TERRAMÉRICA: É possível reverter o aumento de gases-estufa que causam a mudança climática?
HERVÉ KEMPF: Sim. Porém, no momento, não parece estarmos voltados para isso. A Europa mudou sua trajetória e conseguiu reduzi-los levemente, enquanto os Estados Unidos estabeleceram um teto, mas globalmente as emissões crescem em países do Sul. É preciso continuar pressionando o Norte, e os grandes países do Sul, em particular a China, que exerce um papel de líder, devem modificar sua conduta. Eles querem conseguir crescimento máximo, mas estão conscientes da crise ecológica e essa consciência penetrará cada vez mais nos países do Sul.
TERRAMÉRICA: Está otimista sobre a cúpula de mudança climática que começara no final de novembro na África do Sul?
HK: Não, infelizmente. Os preparativos mostram que a situação está bastante bloqueada
TERRAMÉRICA: A direção política está à altura?
HK: Não. Muitos dirigentes continuam defendendo o sistema capitalista, que chamo de oligárquico, e defendem interesses contrários à demanda que a crise ecológica impõe. Os líderes políticos têm de mudar também o sistema.
TERRAMÉRICA: Entretanto, há países, como a Venezuela, que têm um discurso contrário ao capitalismo e, no entanto, não mostram maior consciência ambiental.
HK: Meu trabalho se orienta mais aos países do Norte, que têm a responsabilidade de mudar o modelo econômico. A América Latina, há 15 ou 20 anos, teve que se independizar dos Estados Unidos, adotar maneiras mais democráticas e uma política social a favor dos pobres. Venezuela, Brasil, Bolívia, Equador, Argentina seguem essa tendência. No entanto, é certo, eles também têm de assumir a crise ambiental.
TERRAMÉRICA: Acredita que a Rio+20, a conferência das Nações Unidas que acontecerá em 2012, reavivará o espírito de esperança da Cúpula da Terra de 1992?
HK: No momento, não se apresenta muito bem. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) acaba de divulgar um comunicado sobre a Rio+20 que parece muito orientado a dizer: “desenvolvimento, desenvolvimento, e depois vemos o meio ambiente”. Me parece um mau indício.
TERRAMÉRICA: Mas, esse é um pronunciamento para a região.
HK: Sim, mas o que vejo na Europa e nos Estados Unidos é ainda pior. Há uma falta de interesse político e também da mídia pela Rio+20. A atenção está na crise financeira.
TERRAMÉRICA: O que pensa do conceito “economia verde”?
HK: É muito vago. Parece a continuação do capitalismo mais voltado à ecologia. Contudo, sem mudar o poder das corporações, sem reduzir o consumo de energia nem questionar a desigualdade social, é uma nova forma de capitalismo. Além disso, porque este novo conceito, em lugar de continuar com o de desenvolvimento sustentável que tem a vantagem de seu cunho social?
TERRAMÉRICA: Acredita que se trata de um retrocesso?
HK: É um sinal de que o que se apresenta como prioridade é a economia, quando para a ecologia a economia não é prioridade. A prioridade é garantir uma vida harmoniosa entre as pessoas e com o meio ambiente. A economia não é tudo.
TERRAMÉRICA: O senhor investigou o impacto do acidente nuclear de Chernobyl (1986). Acredita que o ocorrido em 11 de março deste ano na central japonesa de Fukushima pode ajudar no retrocesso desse tipo de energia?
HK: Fukushima mostrou que a energia nuclear é algo muito perigoso mesmo em um país campeão em tecnologia como o Japão.
TERRAMÉRICA: Em seu livro é descrita a contribuição da energia eólica…
HK: O faço pensando no Norte. Ali a energia eólica parece um pretexto para evitar a economia. Nos Estados Unidos, na Europa, no Canadá e no Japão deve-se reduzir o consumo de energia e depois ver como produzi-la.
TERRAMÉRICA: O que sugere para viver em um planeta sustentável?
HK: Colocar a questão da justiça social como prioridade. Em um mundo extremamente rico do ponto de vista material, isto é crucial.
TERRAMÉRICA: E a respeito do consumo?
HK: Deixe de ver televisão.
TERRAMÉRICA: Pode-se promover estas ideias em países onde ainda há população sem acesso ao consumo básico?
HK: Insisto. Falo como europeu, mas creio que nos países do Sul o desafio pode ser reduzir a desigualdade.
TERRAMÉRICA: O que diz aos céticos que acreditam que isso é voltar à Idade da Pedra?
HK: Que se continuarmos nesta economia destruidora dos laços sociais, da justiça e da ecologia voltaremos à Idade da Pedra, porque a destruição social e ecológica nos exporá a muita violência.
TERRAMÉRICA: O senhor diz em seu livro que não temos de inventar nada novo, que as alternativas já existem.
HK: Em todos os setores as comunidades criam formas por fora do capitalismo. Cooperativas de produção, agricultura ecológica, moedas alternativas, energias renováveis. Há milhares de experiências que podem se ligar em uma rede.
TERRAMÉRICA: Ou seja, não imagina uma transformação violenta.
HK: Por definição, a ecologia política imagina um mundo não violento. Os ecologistas não querem violência, querem outras regras de jogo. Não se pode usar meios contrários ao objetivo que se busca.

* A autora é corresponde da IPS.

Fonte: site Envolverde