11/12/2013 - Mandela era fora-da-lei quando a lei estava fora da ordem
- Marcelo Semer em seu blog - Portal Terra
É saudado pela esquerda porque colocou a resistência acima da sua liberdade, negando-se a depor armas em troca da soltura, quando o sanguinário regime do apartheid ainda vigorava.
E porque jamais se intimidou em aliar-se a revolucionários de outros cantos.
Isso talvez justifique o mito com que sua figura vem embalada na hora da morte.
Mas ele foi além.
Mandela não foi apenas um ícone de lutas na juventude ou um governante magnânimo e sereno na maturidade.
Foi, sobretudo, um motor de resistência que venceu a injustiça.
Mandela era um fora-da-lei quando a lei é que estava fora da ordem.
O apartheid era lei.
Como eram as discriminações raciais no sul dos Estados Unidos.
Como foi, em grande parte, o arcabouço da barbárie na Alemanha de Hitler.
E a escravidão tão duradoura entre nós.
Governos e legisladores haviam escrito aquelas barbaridades – mas nem por isso deixavam de ser barbaridades.
Não se trata de dizer apenas que o legal nem sempre é legítimo e lamentar.
Mas entender que a barbárie é sempre ilegal, mesmo quando está prevista na lei.
E a resistência se frutifica justamente quando o legalismo encaixota a justiça e os juristas se escondem nos desvãos do positivismo para procurar as mais variadas formas de não dizer o direito.
O discurso da ordem costuma ser confundido com o discurso do direito – mas direito é bem mais do que disciplina e está muito além da obediência.
Não é legal tudo o que é feito por quem detém o poder de legislar.
Há princípios fincados nas Constituições que por si só impedem violações. E há tratados internacionais que obrigam nações a respeitar os valores mais elementares da humanidade.
O apartheid conseguiu a proeza de mesclar a segregação racial com uma sanguinária repressão.
Países que hoje saúdam a memória de Mandela, como os Estados Unidos, mantiveram por anos a fio a condenação, não da barbárie de que negros eram vítimas, mas de quem se opôs a ela.
Mandela foi inserido na lista de terroristas pelo governo inglês e se manteve assim nos Estados Unidos até o recente ano de 2005.
Mas nem isso foi capaz de impedir o motor da história e a vitória da resistência sobre uma ordem terrivelmente injusta.
É algo que a lição de Mandela deve ensinar, não apenas aos povos e a seus governos, mas também aos juristas: é a aplicação da justiça e não o fortalecimento da ordem pela ordem que esvazia a resistência.
Fonte:
http://terramagazine.terra.com.br/blogdomarcelosemer/blog/2013/12/11/mandela-era-fora-da-lei-quando-a-lei-estava-fora-da-ordem/
Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.