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sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Mandela era fora-da-lei

11/12/2013 - Mandela era fora-da-lei quando a lei estava fora da ordem
- Marcelo Semer em seu blog - Portal Terra

Nelson Mandela vem sendo reverenciado pela direita, em grande medida em causa própria, porque não buscou revanche contra o opressor.

É saudado pela esquerda porque colocou a resistência acima da sua liberdade, negando-se a depor armas em troca da soltura, quando o sanguinário regime do apartheid ainda vigorava.

E porque jamais se intimidou em aliar-se a revolucionários de outros cantos.

Isso talvez justifique o mito com que sua figura vem embalada na hora da morte.

Mas ele foi além.

Mandela não foi apenas um ícone de lutas na juventude ou um governante magnânimo e sereno na maturidade.

Foi, sobretudo, um motor de resistência que venceu a injustiça.

Mandela era um fora-da-lei quando a lei é que estava fora da ordem.

O apartheid era lei.

Como eram as discriminações raciais no sul dos Estados Unidos.

Como foi, em grande parte, o arcabouço da barbárie na Alemanha de Hitler.

E a escravidão tão duradoura entre nós.

Governos e legisladores haviam escrito aquelas barbaridades – mas nem por isso deixavam de ser barbaridades.

Não se trata de dizer apenas que o legal nem sempre é legítimo e lamentar.

Mas entender que a barbárie é sempre ilegal, mesmo quando está prevista na lei.

E a resistência se frutifica justamente quando o legalismo encaixota a justiça e os juristas se escondem nos desvãos do positivismo para procurar as mais variadas formas de não dizer o direito.

O discurso da ordem costuma ser confundido com o discurso do direito – mas direito é bem mais do que disciplina e está muito além da obediência.

Não é legal tudo o que é feito por quem detém o poder de legislar.

Há princípios fincados nas Constituições que por si só impedem violações. E há tratados internacionais que obrigam nações a respeitar os valores mais elementares da humanidade.

O apartheid conseguiu a proeza de mesclar a segregação racial com uma sanguinária repressão.

Países que hoje saúdam a memória de Mandela, como os Estados Unidos, mantiveram por anos a fio a condenação, não da barbárie de que negros eram vítimas, mas de quem se opôs a ela.

Mandela foi inserido na lista de terroristas pelo governo inglês e se manteve assim nos Estados Unidos até o recente ano de 2005.

Mas nem isso foi capaz de impedir o motor da história e a vitória da resistência sobre uma ordem terrivelmente injusta.

É algo que a lição de Mandela deve ensinar, não apenas aos povos e a seus governos, mas também aos juristas: é a aplicação da justiça e não o fortalecimento da ordem pela ordem que esvazia a resistência.

Fonte:
http://terramagazine.terra.com.br/blogdomarcelosemer/blog/2013/12/11/mandela-era-fora-da-lei-quando-a-lei-estava-fora-da-ordem/

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Caso Cachoeira põe à prova corporativismo da imprensa

02/05/2012 - Marcelo Semer em seu blog no Portal Terra


Se 2011 foi o ano em que se expuseram as vísceras do corporativismo no Judiciário, 2012 pode ser o ano da imprensa.


Liminares que obstruíram apurações, limitação das competências do CNJ, verbas recebidas de forma irregular por desembargadores.


Poucos assuntos renderam tanto nas manchetes dos jornais e revistas como os desvios da Justiça no ano que passou.


2012 começou, no entanto, com a destruição de um dos mitos mais cultuados pela própria imprensa em defesa da moralidade, o senador Demóstenes Torres.

Demóstenes foi flagrado em um sem-número de conversas telefônicas prestando serviços e recebendo presentes de um expoente da contravenção.


Mas as conversas gravadas, além de insinuar conluio de políticos e empresários, o que infelizmente não é nenhuma novidade, dessa vez também descortinaram uma outra particularidade: a aproximação do crime organizado com jornalistas para influir e auxiliar na produção de reportagens contra políticos, autoridades e seus concorrentes em geral.

A profusão de indícios das malversações de Carlinhos Cachoeira já provocou a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que parece ser desejada e ao mesmo tempo temida por governo e oposição.

Mas a pergunta principal é saber como a grande imprensa vai se portar em relação à exposição de suas próprias mazelas.

Em questão, a dimensão ética do que se acostumou a chamar de jornalismo investigativo e os percalços que envolvem os interesses que geraram algumas destas “reportagens-bombas”.

Pelo que já se divulgou, um jornalista teria sido, inclusive, um dos interlocutores mais frequentes do Poderoso Chefão goiano. E várias conversas entre Cachoeira e seus assessores versavam justamente sobre elaboração de matérias que alavancavam seus interesses, ao prejudicar desafetos.

O assunto já é um dos trending topics das redes sociais, mas praticamente não é tratado pela grande mídia.

O momento é precoce para qualquer julgamento.

Conversas telefônicas, fruto de interceptações judicialmente autorizadas, jamais deveriam se tornar públicas, pois estão sempre abrangidas pelo sigilo de justiça.

O propalado “interesse público” faz tempo tem servido de álibi para a imprensa, que estimula o vazamento por servidores que permanecerão ocultos em razão da garantia de sigilo da fonte.

Mas e quando estas conversas que não deveríamos estar ouvindo trouxerem revelações sobre o modus operandi de alguns órgãos da imprensa?

Serão eles mesmos os juízes da divulgação de seus erros? Estarão aptos para o ritual de cortar na própria carne ou esse “interesse público” também servirá de justificativa para todo e qualquer desvio de conduta?

Que Elianas Calmons da imprensa se apresentarão para impedir que o corporativismo oculte os interesses privados que existem por detrás de grandes denúncias ou a forma ilícita com que foram obtidas?

Poucos atributos são tão indispensáveis à democracia quanto a liberdade de expressão.


Mas o recente episódio dos jornais de Rudolph Murdoch na Inglaterra mostrou que sem limites éticos, o vale-tudo da imprensa para obter informações ou destruir reputações, pode ser tão violador quanto os direitos que se propõe a defender.

Mais do blogueiro no Twitter @marcelo_semer e no Sem Juízo

quarta-feira, 28 de março de 2012

Demóstenes e os silêncios da mídia

28/03/2012 - Postado por Denise Queiroz no blog Tecedora
Marcelo Semer* no Terra Magazine


"Silêncios denunciam imprensa no caso Demóstenes"
(no Terra Magazine)

Sen. Demóstenes Torres, do DEM-GO (foto: José Cruz/ Agência Brasil)

Demóstenes Torres é promotor de justiça. Foi Procurador Geral da Justiça em Goiás e secretário de segurança do mesmo Estado. No Senado, é reputado como um homem da lei, que a conhece como poucos. Além de um impiedoso líder da oposição, é vanguarda da moralidade e está constantemente no ataque às corrupções alheias. A mídia sempre lhe deu muito destaque por causa disso.

De repente, o encanto se desfez.


O senador da lei e da ordem foi flagrado em escuta telefônica, com mais de trezentas ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, de quem teria recebido uma cozinha importada de presente.

A Polícia Federal ainda apura a participação do senador em negócios com o homem dos caça-níqueis e aponta que Cachoeira teria habilitado vários celulares Nextel fora do país para fugir dos grampos. Um deles parou nas mãos de Demóstenes.

Há quase um mês, essas revelações têm vindo à tona, sendo a última notícia, um pedido do senador para que o empresário pagasse seu táxi-aéreo.

Mesmo assim, com o potencial de escândalo que a ligação podia ensejar, vários órgãos de imprensa evitaram por semanas o assunto, abrandando o tom, sempre que podiam.

Por coincidência, são os mesmos que se acostumaram a dar notícias bombásticas sobre irregularidades no governo ou em partidos da base, como se uma corrupção pudesse ser mais relevante do que outra.


Encontrar o nome de Demóstenes Torres em certos jornais ou revistas foi tarefa árdua até para um experiente praticante de caça-palavras, mesmo quando o assunto já era faz tempo dominante nas redes sociais. Manchetes, nem pensar.

Avançar o sinal e condenar quando ainda existem apenas indícios é o cúmulo da imprudência. Provocar o vazamento parcial de conversas telefônicas submetidas a sigilo beira a ilicitude. Caça às bruxas por relações pessoais pode provocar profundas injustiças.

Tudo isso se explica, mas não justifica o porquê a mesma cautela e igual procedimento não são tomados com a maioria dos "investigados" - para muitos veículos da grande mídia, a regra tem sido atirar primeiro, perguntar depois.


Pior do que o sensacionalismo, no entanto, é o sensacionalismo seletivo, que explora apenas os vícios de quem lhe incomoda. Ele é tão corrupto quanto os corruptos que por meio dele se denunciam.

Todos nós assistimos a corrida da grande imprensa para derrubar ministros no primeiro ano do governo Dilma, manchete após manchete. Alguns com ótimas razões, outros com acusações mais pífias do que as produzidas contra o senador.


Não parece razoável que um órgão de imprensa possa escolher, por questões ideológicas, empresariais ou mesmo partidárias, que escândalo exibir ou qual ocultar em suas páginas. Isso seria apenas publicidade, jamais jornalismo.

Durante muito tempo, os jornais vêm se utilizando da excludente do "interesse público" para avançar sinais na invasão da privacidade ou no ataque a reputações alheias.


A jurisprudência dos tribunais, em regra, tem lhes dado razão: para o jogo democrático, a verdade descortinada ao eleitor é mais importante do que a suscetibilidade de quem se mete na política.


Mas onde fica o "interesse público", quando um órgão de imprensa mascara ou deliberadamente esconde de seus leitores uma denúncia de que tem conhecimento?


O direito do leitor, aquele mesmo que fundamenta as imunidades tributárias, o sigilo da fonte e até certos excessos de linguagem, estaria aí violentamente amputado.

Porque, no fundo, se trata mais de censura do que de liberdade de expressão.




* Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.

Originalmente publicado no Terra Magazine
 

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

....estímulo ao denuncismo e a sociedade de controle....

Um pouco de policial em cada indivíduo é a regra perversa que paulatinamente mutila a mesma liberdade que promete assegurar

Por Marcelo Semer*


Depois da polícia, chegou a vez da imprensa.

Com alarde, a Folha de S. Paulo lançou o seu "disque-denúncia".

O serviço, sugestivamente chamado de Folhaleaks, propõe estimular seus leitores a encaminhar de forma anônima denúncias que permitam produzir novas reportagens.

Com uma semana de atividade, o jornal comemorou mais de setecentas mensagens sobre nepotismo, fraudes em licitações e favorecimentos a políticos.

Estará aí, na crua expansão do denuncismo anônimo, um futuro seguro para a nossa democracia?

Desde que em seu "1984", George Orwell desenhou a onipotência do Estado pelas lentes de um Big Brother que a tudo e a todos vigia, a ameaça de uma sociedade de controle vem rapidamente se alastrando sobre nós.

O extraordinário avanço tecnológico e a constante disseminação do medo como combustível da vigilância, tornaram o pesadelo de Orwell cada vez mais palpável.

E o que temos feito para combatê-lo?

Reproduzimos as câmaras de segurança em nossos espaços privados, das escolas aos elevadores, entregamos a intimidade a empresas que nos prometem amigos virtuais e nos deliciamos com o voyeurismo que a simulação do controle nos proporciona em momentos de lazer.

A câmara caricata do patrão sobre o Carlitos operário em "Tempos Modernos" se agrega hoje a outros instrumentos de controle no trabalho, como o monitoramento de computadores e revistas de funcionários após o expediente.

Aderimos e legitimamos a contínua vigilância.

Em nome da segurança, a privacidade foi se tornando um conceito em extinção, lembrado com reverência apenas quando um réu abonado é objeto da justiça penal.

Mas em uma sociedade de controle que se preze, e este é o ponto que nos interessa, a vigilância só se consolida quando é repartida por todos os seus membros.

Um pouco de policial em cada indivíduo é a regra perversa que paulatinamente mutila a mesma liberdade que promete assegurar.

No televisivo Linha Direta, da rede Globo, os espectadores eram estimulados a procurar criminosos foragidos. No Folhaleaks, a fornecer dados para a investigação. É o cidadão cumprindo seu dever de vigilante da lei e da ordem, enquanto a imprensa faz papel de polícia e muitas vezes de juiz também.

Ninguém duvida da importância de colocar limites à malversação de bens públicos, punir corruptos e corruptores e estabelecer regras que dificultem a apropriação privada de bens do Estado.

Mas a espetacularização do controle, com propósitos políticos ou comerciais, no entanto, é a ação que menos efeitos duradouros produz. Esgarça-se antes do próximo escândalo e se alimenta do sensacionalismo que retrata.

Da mesma forma como a imprensa vem desempenhando funções de investigação, a polícia tem na mídia um complemento indispensável de seus trabalhos.

Quase não se veem operações de vulto em que prisões não sejam fortemente alardeadas ou interceptações telefônicas que não cheguem diretamente aos telejornais. As punições muitas vezes se esgotam na simples exposição dos suspeitos.

Mesmo quando se pretende proteger o interesse público, é preciso muita atenção ao casamento do denuncismo com a política do espetáculo. O resultado pode ser devastador.

Que o diga Philip Roth, que pela boca do narrador de seu "Casei com um Comunista", destrinchou a lógica do macarthismo dos anos 50 e 60 nos EUA.

Em meio a comissões parlamentares de inquérito transmitidas pela TV, e listas-negras produzidas por denúncias e delações, estabeleceu-se uma política de caça às bruxas sob o pretexto de reagir duramente aos inimigos do Estado:

"A virtude dos julgamentos-espetáculo da cruzada patriótica era simplesmente a forma teatralizada. Ter câmaras voltadas para aquilo apenas lhe conferia a falsa autenticidade da vida real. McCarthy compreendeu o valor de entretenimento da desgraça e aprendeu como alimentar as delícias da paranoia."

É certo que o cidadão deve ter meios de se defender dos abusos do Estado e instrumentos para limitar o poder das autoridades.

Mas assumir ele mesmo a função de polícia, a título de denunciá-lo, só pavimenta o caminho para uma sociedade de controle na qual suas próprias liberdades terminam em risco.