segunda-feira, 11 de março de 2013

Uma agenda à procura de um partido

02/03/2013 - Saul Lebon - Carta Maior

O PT não ganhou com a saída de Marina Silva, que deixou o partido em agosto de 2009.

E Marina ainda precisa provar que a ruptura fortaleceu a agenda ambiental no país.

O debate sobre o tema guarda silencio obsequioso no interior do partido desde então.

Mas mereceu sintomática salvaguarda de princípios nas conclusões do seu IV Congresso, em 2011:

"O Brasil não tratará a questão ambiental como apêndice, senão como parte essencial, de seu projeto de desenvolvimento. Como socialistas democráticos, queremos uma alternativa de civilização ao capitalismo".

Talvez tenha chegado a hora inadiável de adicionar nervos e musculatura a essa declaração de intenções.

Quatro anos e 18 milhões de votos depois, obtidos na campanha presidencial de 2010, Marina articula um novo partido.

A 'Rede' flerta com a trama evanescente da 'terceira via verde'.

Nem de esquerda, nem de direita. Nem situação, nem oposição.

Há um tipo de neutralidade que só enxerga os erros da esquerda.

E costuma rejuvenescer o cardápio da direita, sempre que esta se ressente de espaços e agendas para retomar a disputa pelo poder.

Não será algo propriamente inédito se vier a ocorrer de novo.

No México, os ambientalistas do Partido Verde Ecologista (PVEM), apoiaram o candidato vitorioso da direita, Henrique Peña Nieto, do PRI, contra Obrador.

Na Venezuela, o Movimento Ecológico Venezuelano entregou-se de corpo e alma à candidatura do engomadinho Henrique Capriles Randonski, com a qual golpistas de ontem testam a 'versão jovem' de hoje.

Em São Paulo, o PV apoiou José Serra, em 2010.

Em Salvador, embarcou na candidatura vitoriosa do demo Antonio Carlos Magalhães Neto, nas eleições municipais do ano passado.

O ziguezague verde reflete a dificuldade histórica de uma agenda complacente.

Ela agrega desde rótulos espertos de detergentes de limpeza, a militantes sinceros da resistência à destruição da natureza.

O ambientalismo precisa decidir se quer ser um rótulo, uma tecnologia ou uma proposta de nova sociedade.

Quer ser um guia de boas maneiras para o 'capitalismo sustentável'; ou um projeto alternativo à lógica desenfreada da exploração da natureza e do trabalho.

Não são escolhas postergáveis.

O mesmo se pode dizer em relação às do PT.

A dissociação entre a sigla e o empenho específico em evitar que a humanidade seja jogada a um ponto de não retorno no século 21, não deixa o partido em situação propriamente confortável.

Agora mais do que nunca.

Não se trata apenas de precificar o prejuízo eleitoral da 'Rede' – que existe

É mais grave que isso.

Agudiza-se um desafio objetivo, sobre o qual o partido não tem refletido nem avançado.

A saída em massa dos ambientalistas abriu um buraco na evolução do seu discernimento histórico e programático.

Perdeu-se a virtuosa tensão de um convívio e de um debate incômodo, inconcluso, nem sempre conduzido com habilidade, mas crucial.

Perdeu-se o sentido de urgência na construção das linhas de passagem que devem conduzir a um ponto de encontro entre socialismo, desenvolvimento, democracia e sociedade sustentável.

A história não oferece o mapa pronto de caminhos ainda não trilhados.

Tropeços são inevitáveis.

Mas ignorar as urgências sistêmicas escancaradas pela desordem do capitalismo, desde 2008, equivale a adotar como bússola os rótulos oportunistas das ''empresas ambientalmente responsáveis".

Vive-se um crepúsculo histórico.

O colapso financeiro e a multiplicação de eventos climáticos extremos são evidencias de uma exaustão que atinge ao mesmo tempo a economia, a sociedade e a civilização.

Mas que tem um determinante claro.

A supremacia do capital financeiro – negligenciada pelos adeptos da 'terceira via'.

Ela condiciona todo o cálculo econômico com a ganância intrínseca a uma lógica dissociada da produção. Indiferente à sorte da sociedade.

É o moinho satânico do nosso tempo.

Taxas de retorno incompatíveis com a exploração sustentável dos recursos naturais – de ciclo mais lento e mais longo – tornaram-se o paradigma de um regime de extorsão insaciável.

Ele se instalou no metabolismo da economia, da sociedade e da natureza.

Dá as ordens no terreiro globalizado.

A voragem do capital fictício encontra na ganância dos acionistas um roteador à altura na esfera da produção.

Sob ameaça de migrar para opções especulativas de maior retorno, exige-se a maximização permanente dos dividendos pagos pelas corporações.

A espoliação irradia-se das plantas produtivas ao chão dos direitos sociais ('o custo Brasil').

Até contaminar as conexões com as reservas que formam as fontes da vida na Terra.

Dissemina-se um padrão globalizado de retorno financeiro, incompatível com a manutenção dos valores compartilhados que ordenam a vida em sociedade e com as taxas de regeneração dos sistemas naturais.

A dissociação entre socialismo e ambientalismo configura-se uma contradição nos seus próprios termos.

A atrofia de um desarma e derrota o outro.

E vice-versa.

Acenada por ambientalistas simpáticos à 'terceira via', a bandeira do 'não crescimento' elide a essência predatória do sistema de produção de mercadorias.

Em vez de respostas, atualiza velhas perguntas dirigidas às utopias centristas.

Quem decidirá o quê e quanto a sociedade vai produzir, ou deixar de produzir?

Que tipo de Estado é necessário para viabilizar esse planejamento?

Quais critérios definirão o rateio sustentável dos recursos entre nações e dentro de cada nação?

Como serão superadas as desigualdades históricas acumuladas até o presente?

A tese do não crescimento responde aos desequilíbrios sociais e ambientais tanto quanto a panaceia do crescimento é sinônimo de justiça social.

Não isenta o PT de responsabilidade na formulação desses contrapontos, o fato de ser o guarda-chuva de um governo de coalizão.

Distinguir entre 'consumismo' e sociedade justa, por exemplo, e extrair consequências práticas disso é obrigação de um partido de esquerda.

A década de governos do PT tirou 50 milhões de brasileiros da miséria.

Nunca é demais reiterar aquilo que desespera o conservadorismo: isso mudou a geografia política do país. Talvez de forma irreversível nos marcos da legalidade.

O que mais o PT tem a dizer a esse universo que ascendeu ao consumo e, sobretudo, como pretende chegar a ele?

Há nessa pergunta uma arguição sobre o que o partido entende por sociedade sustentável e justa.

O PT já foi capaz de respostas ousadas no passado, sendo depositário de um salto significativo na história da consciência ambiental.

A travessia se deu na prática.

Interior da Amazônia brasileira; anos 70/80.

Chico Mendes (1944-1988), associado às pastorais da terra, vinculou então, pioneiramente, a defesa da floresta à luta contra a miséria e a opressão.

Rompeu-se aí uma tradição preservacionista europeia, branca, elitista e excludente.

No limite, ela preconizava o ostracismo de populações pobres para salvar paisagens.

Políticas bem sucedidas de combate ao desmatamento (que caiu 75% na Amazônia nos últimos 4 anos e 50% no Cerrado); avanços significativos na expansão de reservas indígenas; incentivos às fontes renováveis de energia e zoneamentos agrícolas, como o da cana-de-açúcar, sucederam-se a esse salto nos dois governos Lula.

Nunca mais, porém, desde o estirão percorrido por Chico Mendes, houve um aprofundamento estratégico da interação entre desenvolvimento, justiça social e sociedade sustentável.

O maniqueísmo que marcou o debate sobre o papel das hidrelétricas na matriz brasileira de energia, ilustra o ônus decorrente do espaço exíguo reservado a essa reflexão. Dentro e fora do PT.

O saldo é desconcertante: reservatórios reduzidos das hidrelétricas atendem ao clamor ambiental; mas exigem a ativação permanente de termelétricas, de alto teor poluente...

Mitigar o cerco conservador ao governo Lula, com respostas rápidas, explica uma parte da atrofia do debate e do programa nessa esfera.

Mas nada justifica que o tema ambiental continue engavetado na prateleira dos desafios remotos.

Não é um problema brasileiro. A abrangência planetária apenas reforça a urgência de ação enquanto o mundo ainda rasteja em postergações.

O sopro da barbárie já respira entre nós.

Administrações de grandes manchas urbanas pagam o preço mais alto por essa convivência incômoda.

Picos de calor que costumavam ocorrer uma vez a cada 20 anos, obedecem agora a um padrão anual e bianual.

A informação é da Nasa.

No seu rastro, multiplicam-se eventos extremos de brutal teor destrutivo.

Populações das metrópoles, cada vez mais castigadas pela nova regularidade das descidas ao inferno, vão cobrar respostas estruturais de um poder público despreparado para fornecê-las.

O que os partidos de esquerda têm a dizer em seu socorro? O que tem a propor para ordenar a discussão na sociedade?

A equação é mais complexa do que a nova contabilidade eleitoral gerada pelo surgimento da ‘Rede’.

Há uma agenda à procura de um protagonista.

A mera recitação de boas intenções, como as do IV Congresso do PT, não basta para contemplá-la.

Todo o desafio da política é dar respostas coerentes com os princípios, no tempo certo dos acontecimentos, dentro da relação de forças existente.

É honesto admitir que nem o PT, nem a Rede, de Marina, ou a esquerda de um modo geral, têm propostas críveis para o desafio ambiental que atendam a essa consistência prática.

O V Congresso do PT, em fevereiro de 2014, ganhará muito em relevância política se for antecedido de um debate estratégico.

Que avance com desassombro sobre essa que é a mais importante fronteira de atualização do campo da esquerda em nosso tempo: o ponto de encontro entre socialismo e desenvolvimento sustentável.

A Fundação Perseu Abramo, o think tank do PT, desempenharia um papel encorajador se exercitasse essa reflexão reavivando o debate ambiental no interior do partido.

A partir de seminários tão ecumênicos quanto a complexidade dos desafios a serem tratados.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1202

Não deixe de ler:
- O mito do capitalismo “natural” - Rafael Azzi
- “É preciso sair do capitalismo” – Marcela Valente (entrevista com o escritor francês Hervé Kempf)
- Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte final 6/6 - UM JOGO EM QUE NEM TODOS TRAPACEIAM - Antonio Fernando Araujo
- Discurso de Pepe Mujica no Rio de Janeiro - por ocasião da Rio+20 (junho/2012)

E mais:
- A disputa pela terra em Copenhague - Zilda Ferreira
- Os limites da pátria - Mauro Santayana
- Já temos a resposta, senadora Marina - Carlos Tautz
- A centralidade da água - Mônica Bruckman

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

domingo, 10 de março de 2013

Lições de Chávez

25/01/2013 - Por Beto Almeida (*) para o site RedeDemocratica

[Este ensaio foi escrito, portanto, antes da morte, em 05/03/2013, do presidente Hugo Chávez - Equipe do blog Educom]

Desde que foi eleito em 1998, o presidente Hugo Chávez vem estimulando uma série de debates, seja em razão das amplas transformações sociais que promove na Venezuela, seja em razão do medo pânico que causa nos governos imperiais e nas oligarquias de cada país, vassalas e zeladoras dos interesses deste imperialismo em cada país.

Certamente, sobre cada um destes aspectos é possível retirar profundas lições.

No caso brasileiro, a mídia do capital que jamais se preocupou em oferecer um mínimo de informação objetiva sobre as mudanças em curso na Venezuela, agora, em razão do infortúnio da enfermidade de Chávez, esta mídia supera-se.

Promove uma comunicação necrológica, havendo inclusive comentarista de veículos das Organizações Globo, que chega mesmo ao grotesco de torcer pela desaparição do mandatário venezuelano.

Sobre isto devemos tirar lições, seja aquelas amargas, a partir do comportamento medieval da mídia empresarial sobre a trágica enfermidade de Chávez, enfermidade que, óbvio, pode alcançar a qualquer um de nós, mas também sobre o que este mandatário já realizou mudando a face de seu país e ajudando a mudar a face da América Latina.

Por um lado, fica claro que para aqueles comentaristas globais, a ideologia está por cima de qualquer conceito básico de humanidade ou solidariedade, que sustentariam desejos de estabelecimento e de superação deste azar pessoal.

Mas, o que se observa é ainda mais grave: para além do desejo pessoal da morte alheia, as concessões de serviço público de radiodifusão estão a ser utilizadas para a propagação destes desejos mórbidos em grande escala de difusão, violando a Constituição Brasileira, que, em seu artigo 221, estabelece como princípio a ser observado, “o respeito aos valores éticos e sociais, da pessoa e da família”, sem qualquer manifestação da autoridade responsável.

É como se fosse autorizado aos concessionários de serviços públicos de abastecimento de água, distribuir água contaminada e suja à sociedade.

Para que serve a mídia?
Será que isto estaria se tornando uma tendência?

Há alguns meses, quando cientistas iranianos foram assassinados em atentados que, segundo o noticiário da época, teriam sido organizados por comandos israelenses - os mesmos que assumem agora terem participado da eliminação de Yasser Arafat - num programa televisivo, Manhattan Conection, também veiculado por empresa das Organizações Globo, comentaristas chegaram a defender que aqueles cientistas iranianos mereciam mesmo ser assassinados.

Apologia do homicídio!

Tanto num caso, como em outro, Venezuela e Irã, são países com os quais o Brasil possui relações de amizade e cooperação, aliás crescentes, em benefício mútuo notório.

Qual seria a reação do Itamaraty, do Governo Federal, caso emissoras de tv da Venezuela ou do Irã passassem a hostilizar autoridades brasileiras, e, chegassem a torcer pela reincidência do câncer em Dilma ou em Lula, e para que eles não resistissem?

Ou se estas emissoras defendessem a morte de cientistas brasileiros, pois, como sabemos, o Brasil também possui - de modo soberano - seu próprio programa nuclear, como EUA, Rússia, China, Israel e Irã?

Pra que servem os meios de comunicação social, afinal de contas?

Para hostilizar e desejar o pior, de modo incivilizado, embrutecido, desumano e antidemocrático, a personalidades de outros países, com o que se desrespeitam povos com os quais temos relações de cooperação e amizade?

Será mesmo admissível que concessões de serviço público sejam utilizadas para insuflar, propagandear e celebrar o desejo de morte de seres humanos, simplesmente por não comungar de suas ideias?

Esta prática não seria equiparável àquelas que Goebels denominava de “razões propagandísticas”, e que precederam os ataques nazistas a outros povos?

Estranho “ditador
As notas que a mídia brasileira divulgam sobre Hugo Chávez atentam contra a prática basilar do jornalismo.

Críticas e discordâncias são absolutamente normais e devem ser praticadas.

Mas, desinformação, distorção e inverdades grotescas são atributos rigorosamente alheios ao jornalismo.

Um dos aspectos mais utilizados nesta cruzada midiática de anos é a tentativa de rotular Hugo Chávez como ditador.

Estranho “ditador” este que chegou ao poder pelas urnas e, em 14 anos, promoveu 16 eleições, referendos e plebiscitos, dos quais venceu 15 pelo voto popular e respeitou, democraticamente, o resultado do único pleito em que não foi vencedor.

Estranhíssimo “ditador” esse Chávez que introduziu na Constituição Bolivariana - ela também referendada pelo voto popular - o mecanismo da revogabilidade de mandatos, utilizado pela oposição que, no entanto, não conseguiu a vitória nas urnas.

Auditoria eleitoral
Na Venezuela, para dar ainda mais segurança às eleições, estas não são julgadas pela mesma autoridade que as organiza.

Além disso, as urnas possuem mecanismo de impressão do voto, possibilitando ao eleitor conferir se o voto que teclou foi realmente o voto registrado pelo computador. De posse deste voto impresso, o eleitor, no mesmo momento da votação, o deposita em urna anexo.

Isto possibilita que haja plena auditoria do voto, o que não ocorre no Brasil, onde, conforme já demonstraram especialistas da UnB, as urnas eletrônicas são vulneráveis a interferência externa sobre seus programas, além do que, não existe a possibilidade do voto material em papel para eventual necessidade de recontagem.

Estranho “ditador” este Chávez, que ampliou a segurança eleitoral dos cidadãos, lembrando que lá na Venezuela o voto não é obrigatório, tendo sido registrada, na eleição de outubro de 2012, uma participação superior a 86 por cento do colégio eleitoral.

O revelador aqui é que as Organizações Globo, tão empenhada em rejeitar e criticar a democracia venezuelana, é aquela que apoiou a supressão do voto popular no Golpe de 1964, apoiou a Proconsult contra a eleição de Brizola em 1982 e foi contra a Campanha Diretas-Já, em 1984, uma das mais belas páginas da consciência democrática do povo Brasil.

E, ainda hoje, a Globo insiste em difamar e combater a instituição do voto impresso na urna eletrônica brasileira, cuja vulnerabilidade tem lhe causado a rejeição por mais de 40 países, exceção para o Paraguai, a quem o TSE regalou tais equipamentos...

Povo ignorante?
Esses comentaristas da Globo tentam passar a imagem de que a Venezuela é um país de atraso cultural, para o que se valem, novamente, do expediente corriqueiro da desinformação massificada, repetida sistematicamente.

Vamos aos fatos: enquanto a Venezuela já foi declarada oficialmente, pela UNESCO, como “Território Livre do Analfabetismo”, o Brasil ainda não tem sequer uma meta segura para erradicar esta mazela social, apesar de terem nascido aqui os geniais Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire.

Lá, para a erradicação do analfabetismo, além da utilização de um método super-revolucionário elaborado em Cuba, o “Yo Si Puedo”, houve uma tremenda mobilização do governo, das massas, das instituições, mas também dos meios de comunicação públicos, que, existem, informam e possuem uma programação cultural educativa elevada ao contrário daqueles sintonizados com os ditames prepotentes do Consenso de Washington.

Aliás, vale lembrar que foi exatamente por meio deste método que o Deputado Tiririca foi alfabetizado em prazos relâmpagos e foi capaz de superar as ameaças elitistas da autoridade eleitoral que queria lhe cassar o mandato. Tiririca aprendeu a ler e escrever em poucas semanas.

Como também foram alfabetizados campesinos, índios, povo pobre na Venezuela, na Bolívia e no Equador.

Em breve será a Nicarágua a ser declarada também, oficialmente, pela Unesco, Território Livre do Analfabetismo.

Como contraponto, vale lembrar que o programa Telecurso Segundo Grau, produzido pela Fundação Roberto Marinho, é exibido em horário da madrugada pelas emissoras que empregam esses comentaristas, apesar dos volumosos recursos públicos despendidos para a sua produção e veiculação.

A escolha do horário é apenas demonstração da baixa preocupação e vontade dos concessionários de serviços públicos de radiodifusão em contribuir para a elevação do nível educacional e cultural do nosso povo. Contrariando a Constituição.

O que é notícia?
Aqueles comentaristas são incapazes de informar sobre tudo isto, bem como sobre o papel dirigente de Hugo Chávez ao formar com estes países e outros a ALBA - Aliança Bolivariana para o Progresso, numa iniciativa em que colocou o petróleo com instrumento da elevação das condições de vida não apenas dos venezuelanos, mas também do progresso social conjunto destes povos.

A isso chamam de ingerência, trocando solidariedade por intromissão.

Graças aos recursos do petróleo, milhares de latino-americanos, estão recuperando a plena visão, por meio de cirurgias gratuitas realizadas pela Operación Milagro, um esforço comum entre Cuba e Venezuela.

Esta operação humanitária, jamais divulgada de forma adequada pelas Organizações Globo, nasce quando a OPAS alertou para a possibilidade de que pelo menos 500 mil latino-americanos perdessem a visão à curto prazo, vítimas de catarata, uma tragédia perfeitamente evitável.

As cirurgias são feitas tanto em Cuba, como na Venezuela, e agora também na Bolívia, no Equador, seja por médicos cubanos, ou locais.

Isto não se informa, mas um dia destes, fiquei tomei conhecimento, pelo Jornal Nacional, da edificante informação de que a esposa do Príncipe Willians, a tal duquesa de Cambridge, está sofrendo muito enjoo na sua gravidez.

Cuba e Venezuela decidiram operar 6 milhões de latino-americanos, gratuitamente, em 10 anos.

O que é notícia?

Índios leem “Cem anos de solidão
Aí temos outra lição de Chávez: depois de erradicar o analfabetismo, Chávez criou a Universidade Bolivariana, pública e gratuita, a Universidade das Forças Armadas, e um programa para elevar a taxa de leitura do povo venezuelano.

Por meio deste programa foram editados, dando apenas alguns exemplos, a obra “Dom Quixote”, com uma tiragem de 1 milhão de exemplares que foram distribuídos gratuitamente nas praças públicas, e também a obra “Contos”, de Machado de Assis, pelo mesmo programa, com uma tiragem de 300 mil exemplares, tiragem que o genial escritor do Cosme Velho jamais mereceu aqui no Brasil, onde não apenas o analfabetismo persiste, mas a tiragem padrão de nossa indústria editorial arrasta-se na melancólica marca de 3 mil exemplares.

Além disso, algumas tribos indígenas da Amazônia venezuelana, que até Chávez ainda desconheciam a escrita, já tiveram seu idioma sistematizado, e, como primeira obra publicada no novo sistema de escritura, tiveram o belíssimo “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marquez.

No entanto, apesar de tudo isto, para estes comentaristas da Globo, que agridem Chávez no leito de um hospital, na Venezuela há um “povo ignorante”, dirigido por um “ditador”...

Como explicar, então, a realização destas mudanças marcantes?

Vale contar um caso: o senador Cristovam Buarque, ex-Ministro da Educação de Lula, foi à Venezuela para a solenidade de Declaração de Território Livre do Analfabetismo.

Escreveu num papelucho um endereço e saiu pelas ruas perguntando ao acaso aos transeuntes, que lhe orientassem como chegar ao destino marcado. “Falei com pessoas indistintamente, camelôs, donas-de-casa, jovens ou não, ninguém me disse que não sabia ler e davam a informação”, contou. São as lições de Chávez que a Globo não possui aptidão para aprender...

Petróleo a preço de água
Antes de Chávez, quando 80 por cento dos venezuelanos viviam na miséria absoluta, o petróleo era regalado aos EUA, enquanto a burguesia local era conhecida por ser a maior consumidora de champanhe do mundo, depois da francesa, e pela elevadíssima importação de caviar para pequenos círculos oligarcas.

Eleito, Chávez cumpriu promessa de campanha de acabar com a farra imperialista com o petróleo venezuelano regalado.

Recuperou gradativamente o controle sobre a PDVSA e também fez uma cruzada internacional para acordar a OPEP de seu sonho colonizado.

Na época, o preço do petróleo estava em 7 dólares o barril - ou seja, muito mais barato que água mineral ou Coca-Cola - e hoje, avança pela casa dos 100 dólares.

Eis a razão do ódio dos EUA a Chávez.

Evita Perón e Vargas
Este ódio imperial se expressa como uma ordem, uma sentença de morte, dada pelos falcões norte-americanos para que seja alcançada, por meio do câncer, aquela meta mórbida contra qualquer mandatário que não seja talhado para vassalagem, para submissão.

Não é a primeira vez na história que isto ocorre.

Quando Evita Perón (foto) foi acometida por um câncer, este jornalismo mortífero se expressou sem qualquer escrúpulo. O ódio que os círculos imperiais nutriram por Evita fez com que ele saltasse das páginas da imprensa portenha para os muros de Buenos Aires, nos quais a oligarquia festejava sua podridão moral escrevendo “Viva el Câncer!”.

Os imperialistas jamais perdoaram Evita por ter armado os trabalhadores da CGT para resistir aos golpes que frequentemente se organizavam contra Perón.

Chegou mesmo a advertir Perón, que lhe criticou pela distribuição de armas, da qual ela nunca se arrependeu, que ele estava preparando as condições - desmobilizando os trabalhadores - para não ter capacidade de resistir ao golpe, que chegou em 1955, 3 anos depois da morte de Evita. Ela bem que avisou.

Depois foi contra Getúlio Vargas (foto), quando sua saída da vida para entrar na história foi comemorada em círculos manipulados pelo capital externo, que não suportavam a criação da estatal Petrobrás, dos direitos laborais inscritos na CLT e da lei da remessa de lucros ao exterior.

Não por acaso, o povo expressou sua tristeza e sua fúria, pranteando Vargas, mas também empastelando os símbolos daquele ódio contra o popular presidente, entre os quais os jornais Tribuna da Imprensa, Globo, e, até mesmo do jornal do PCB, Tribuna Popular, que no dia do suicídio de Vargas trazia desorientada entrevista de Prestes pedindo sua renúncia.

Assustados e envergonhados, os dirigentes comunistas recolhiam os exemplares do jornal que ainda estavam nas bancas. Mas, não tiraram conclusões históricas do porquê também foram alvo da fúria popular contra seus inimigos, sobretudo porque Vargas havia convidado Prestes para ser o chefe militar da Revolução de 30, aquela que em apenas 24 horas alistou mais de 20 mil voluntários para pegar em armas e combater a República Velha.

Prestes inicialmente aceitou o convite, mas a ordem stalinista foi para que se afastasse de Vargas, enquanto que, na mesma época, em sentido contrário, Leon Trotsky escrevera que tanto Vargas como o mexicano Cárdenas, eram expressão de um bonapartismo sui generis, com potencial revolucionário, e que deveriam receber o apoio tático dos revolucionários.

O Levante de 4 de Fevereiro de 1992
Processos revolucionários começam sob formas mais inesperadas, normalmente com rupturas da legalidade instituída quando esta acoberta iniquidades, sob a forma de insurreições, armadas ou não.

A partir das revoluções outra legalidade é constituída.

Assim foi a Revolução de 30.

Assim havia sido a Revolução Francesa.

Assim foi a revolução em Cuba, na Nicarágua ou na Argélia.

A Revolução Iraniana, por exemplo, desde 1979, de quatro em quatro anos promove eleições diretas, o que ainda não foi conquistado pelo povo dos EUA, onde o voto é indireto e apenas os candidatos que podem pagar aparecem na mídia para defenderem suas ideias.

A Revolução Bolivariana começa com um levante insurrecional - o 4 de fevereiro de 1992 - destinado a convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, cujo objetivo era retirar a Venezuela da condição de colônia petroleira.

Evidentemente, os comentaristas que seguem orientação imperial não suportam qualquer forma de rebeldia contra hegemonias colonizadoras.

Na prisão, Chávez se transforma no homem mais popular da Venezuela, aquele capaz de traduzir e promover a identidade de seu povo com a sua história, com Bolívar, com a sua identidade cultural, sua mestiçagem negra e índia, como são os venezuelanos.

A Revolução Bolivariana começa com um levante armado e transforma-se em processo institucional por meio da aprovação do voto popular.

Mas, diante das constantes ameaças golpistas imperiais e também das provocações desestabilizadoras da oligarquia, Chávez mesmo declarou que “esta é uma revolução pacífica, pero armada”, como a expressar a consciência do golpismo que sempre esmagou processos democráticos de transformação social na América Latina.

Não lhe sai da lembrança que Allende morreu de metralhadora na mão...

Jornalismo de desintegração
As lições de Chávez estão aí aos olhos do mundo, mesmo que esta mídia golpista, praticando o mais vulgar jornalismo de desintegração, queira ocultar.

A parceria Brasil-Venezuela multiplicou em mais de 500 por cento o comércio bilateral em poucos anos e hoje estão atuando na pátria de Alí Primera (foto), a Embrapa, a Caixa Econômica e muitas empresas brasileiras.

Realizam obras de infra-estrutura indispensáveis para que o país dê um salto em seu desenvolvimento, o que sempre foi sabotado pelas oligarquias do período pré-Chávez.

Agora a Venezuela constrói ferrovias, metrôs, teleféricos, estradas, hidrelétricas, pontes, e a participação brasileira nisto, com financiamento estatal, via BNDES, traduz bem o pensamento de Lula de que integração significa “todos os países crescendo juntos”.

Os comentaristas da Globo não informam nada disso, até porque apoiaram quando o Brasil, na era da privataria neoliberal, demoliu um terço de suas ferrovias, além de ter destruído sua indústria naval, que agora, recuperada, tem inclusive 27 encomendas para a construção de navios petroleiros da PDVSA, a serem feitos aqui.

Solidão do Uniforme
Além da integração, Chávez recuperou para o centro do debate o conceito de socialismo, além de propor a organização de uma nova Internacional, indignando-se com a cruzada da morte que o imperialismo organizou contra o Iraque, a Líbia e também contra Síria.

Muito longe de resolver o desemprego galopante que assola a França, o governo de Hollande lança-se em mais uma empreitada imperial contra. Só sabem guerrear.

Chávez recupera o debate sobre uma nova função social para os militares, retirando-os da solidão do uniforme, unindo-os ao povo e às causas mais preciosas para viver com dignidade, com soberania e como democracia e justiça social.

Recuperou até mesmo a função histórica do General José Ignácio de Abreu e Lima, pernambucano que lutou ao lado de Bolívar e que foi o primeiro a escrever sobre O Socialismo na América Latina, o que, em boa medida era desconhecido até mesmo pelas esquerdas brasileiras.

Hoje os militares venezuelanos cumprem função libertadora e resgatam a função das correntes militares progressistas e aintiimperialistas na história e seus representantes como Velasco Alvarado, Torres, Torrijos, Perón, Prestes, Nasser, Tito, a Revolução dos Cravos...

São lições de Chávez.

Os comunicadores que ignoram os fatos objetivos alardeiam a existência de desabastecimento alimentar quando a Unicef comprova que a Venezuela teve reduzida drasticamente a desnutrição e sua mortalidade infantil.

O que há é boicote da indústria alimentar, o que levou o governo a montar uma rede estatal de mercados, fixos e móveis, que chegam a vender alimentos ao povo a preços até 70 por cento mais baratos, já que supera a especulação dos oligopólios.

Na semana que passou, as autoridades venezuelanas confiscaram 3 mil toneladas de alimentos que estavam escondidas pelos oligopólios, numa operação casada com a mídia para fazer a campanha de que “falta alimento”, operação da qual participam, vergonhosamente, os comentaristas globais e sua grotesca desinformação.

Segundo estatísticas da FAO, o consumo de alimentos na Venezuela aumentou em 96 por cento no período de 2001 a 2011, Era Chávez, enquanto a Cepal atesta que este país é hoje o menos desigual da América Latina, além de pagar o maior salário mínimo do continente, o equivalente a 2440 reais, informação que a Globo jamais noticiará.

MST, sem veneno
Antes de Chávez, a Venezuela não possuía economia agrícola, ou melhor, tinha apenas uma “agricultura de portos”, todo alimento era importado, até alface vinha de avião de Miami.

Hoje o país, graças à integração e à cooperação promovidas incansavelmente por Chávez, já tem uma pecuária leiteira, já produz metade do arroz que consome e recebeu até a solidariedade do MST que lhe doou toneladas de sementes criollas de soja não transgênica.

Aliás, Chávez organizou convênio com o MST, o então governador Roberto Requião e a Universidade Federal do Paraná para montar escolas de agroecologia aqui no Brasil, abertas à participação de estudantes de toda a América Latina.

Jornais populares e diversidade
Essas são algumas das generosas lições de Chávez, atacado pela Globo daqui, como pela de lá, exatamente porque existe plena liberdade de imprensa na Venezuela.

Ou, como disse Lula, “o problema da Venezuela é excesso de democracia”.

Vale contar episódio de jornalista brasileira que antes de viajar para lá me perguntou como poderia ter acesso a imprensa não controlada pelo governo, segundo frisou. Eu lhe disse, vá às bancas de jornal. Ela desconfiou, mas foi. E me contou; “pedi ao jornaleiro imprensa de oposição ao Chávez. Ele apontou para toda a sua banca e disse-me, minha filha, isso aí tudo é contra o governo, que poderia escolher á vontade”, relatou-me surpreendida.

A diferença é que essas grosseiras distorções e manipulações que se lançam aqui contra Chávez, lá têm respostas pois foi constituído um sistema público de comunicação, inclusive com jornais populares distribuídos gratuitamente ao povo nos metrôs e rodoviárias, o que ainda não temos aqui.

O povo brasileiro eleva seu padrão de consumo, mas não tem um jornal com o qual possa dialogar e refletir sobre as mudanças sociais em curso aqui.

Continua “dialogando” com as xuxas da vida...

Caminhando e cantando e seguindo a lição...
Diante de tantas lições civilizatórias, democráticas, transformadoras e marcadas pelo humanismo que está sendo aplicado pelo governo bolivariano da Venezuela, a conclusão de um comentarista global de que Chávez iria tomar o poder no além, é apenas e tão somente confissão de um desejo golpista macabro e atestado da estatura moral desta mídia teleguiada de Washington.

O que desejamos é que Chávez possa se recuperar, concluir a sua obra, na qual está a meta de construir e entregar 380 mil novas moradias em 2013, equipadas com móveis e eletrodomésticos, em terrenos localizados também em bairros nobres, e não numa periferia longínqua ou à beira de precipícios que desmoronam com as chuvas.

Quanto a nós, que aprendamos algumas destas lições, especialmente quanto à necessidade de fortalecer, expandir e qualificar um sistema público de comunicação, para que tenhamos acesso ao que está em nossa Constituição, a pluralidade e a diversidade informativas e um jornalismo como construção de cidadania e de humanidade.

(*) Beto Almeida é membro da Junta Diretiva da Telesur.

Fonte:
http://www.rededemocratica.org/index.php?option=com_k2&view=item&id=3732:li%C3%A7%C3%B5es-de-ch%C3%A1vez

Não deixe de ler:
- A Morte e as mortes de Hugo Chávez - Arnóbio Rocha
- A árvore das três raízes - Rafael Betencourt
- Uma grande perda para a América Latina - Mário Augusto Jakobskind

E mais:
- Hugo Chávez - Laerte Braga
- Nasce Hugo Chávez, o mito - Eduardo Guimarães
- A América Latina depois de Chávez - Luiz Inácio Lula da Silva

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.