quarta-feira, 10 de abril de 2013

Wikileaks relata operações ilegais do DEA com PF brasileira durante ditadura


Agência Pública (*)
Agência de combate às drogas dos EUA realizou prisões e deportações ilegais, além de torturas, participando da Operação Condor
         No dia 17 de outubro de 1973, o embaixador norte-americano no Brasil, John Crimmins, escreveu um telegrama confidencial urgente ao Departamento de Estado chefiado por Henry Kissinger. A aflição do embaixador é evidente ao se referir à inesperada chegada ao país de uma equipe de inspeção do GAO (US Government Accountability Office) – agência ligada ao Congresso norte-americano, criada em 1921 e ainda em atividade – com a missão de investigar a adequação e legalidade das atividades das agências federais financiadas pelo contribuinte dos EUA. Inicialmente marcada para o dia 3 de novembro, a antecipação da visita – que desembarcaria na noite do mesmo dia 17 no Brasil – deixou o embaixador em polvorosa. O objetivo da missão era auditar o programa anti-drogas desenvolvido pela DEA – Drug Enforcement Administration – no país.
         O documento faz parte de um novo projeto do Wikileaks, o PlusD, que agrega 1,7 milhão de textos diplomáticos entre 1973 a 1976, chamados de "Kissinger Cables" – em razão de serem da mesma época em que Henry Kissinger dirigia a política externa norte-americana – e 250 mil de 2003 a 2010, no vazamento mais famoso da organização, o "Cablegate".
         O projeto é uma parceria com 18 veículos internacionais, incluindo as agências de notícias Associated Press e France Presse e os jornais La Repubblica, da Itália, La Jornada, do México, Página 12, da Argentina e a Agência Pública, no Brasil.
         Criada pelo presidente Richard Nixon em julho de 1973, com 1.470 agentes e orçamento de 75 milhões de dólares, para unificar o combate internacional anti-drogas, hoje a DEA tem 5 mil agentes e um orçamento anual de 2 bilhões de dólares. Embora mantivesse escritórios em nove países e representantes nas missões diplomáticas norte-americanas ao redor do mundo (ainda hoje a DEA tem escritórios na embaixada em Brasília e no consulado de São Paulo), desde 1969, quando ainda atendia pelo nome de BNDD (Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs), a missão da DEA sempre foi “lidar com o problema das drogas, em ascensão, nos Estados Unidos”. Sua relação com os outros países, ao menos oficialmente, não previa o combate às drogas em cada um deles; o objetivo era impedi-las de chegar à população norte-americana.
         Por que então Crimmins estava tão preocupado com a chegada inesperada da equipe de auditoria ao Brasil? Ele explica no mesmo telegrama a Henry Kissinger: “Os oficiais da embaixada pedem instruções sobre quais os documentos dos arquivos da DEA e do Departamento do Estado, relativos a drogas, devem ser liberados para a equipe do GAO”, escreveu. “Especificamente pedimos orientação sobre os seguintes assuntos: a) os planos de ação anti-drogas, levando em conta que nem toda a estratégia sugerida nesses documentos foi aprovada pelo Comitê Interagências (Interagency Commitee) em Washington; b) tortura e abuso durante o interrogatório de prisioneiros; c) o centro de inteligência da Polícia Federal; d) os arquivos de informantes, incluindo os registros de pagamentos; e) operações confidenciais e telegramas de inteligência; f) operações clandestinas, incluindo a transferência de Toscanino do Uruguai ao Brasil; g) documentos de planejamento das alfândegas brasileiras e do departamento de polícia federal”, detalha.
         A resposta de Kissinger não consta da base de dados do National Archives (NARA) reunidos na Biblioteca de Documentos Diplomáticos do WikiLeaks, mas a julgar por outros documentos, havia sim motivos para se preocupar. Pelo menos em relação ao único caso específico ali referido: a transferência de Toscanino do Uruguai para o Brasil.
         Quatro meses antes da chegada dos auditores do GAO ao Brasil, Francisco Toscanino, cidadão italiano, foi condenado junto com mais cinco réus pelo tribunal de júri de Nova York, em junho de 1973, por “conspiração para tráfico de drogas”. De acordo com uma testemunha presa, que estava colaborando com a polícia em sistema de delação premiada, Toscanino, que morava no Uruguai, estava indicando compradores, em solo americano, para uma carga de heroína enviada de navio e parcialmente flagrada por agentes infiltrados da DEA nos Estados Unidos.
            Seqüestrado, torturado e extraditado
         Em maio de 1974, porém, Toscanino entrou com recurso na Segunda Instância da Corte de Apelação dos Estados Unidos, alegando que sua prisão havia sido ilegal, de acordo com a legislação norte-americana, por ter se baseado em monitoramento eletrônico irregular no Uruguai. Mais do que isso: ele foi sequestrado no Uruguai e torturado no Brasil antes de ser extraditado aos EUA sem comunicação prévia a autoridades italianas.
         Os detalhes estarrecedores dessa história, reproduzidos no documento da corte parecerão estranhamente familiares aos que conhecem as ações da Operação Condor – a articulação da repressão política nesse mesmo período entre ditaduras militares na América Latina. Com exceção, talvez, da preocupação em não deixar marcas de tortura.
         “No dia 6 de janeiro de 1973, Toscanino foi tirado de sua casa em Montevidéu por um telefonema, que partiu dos arredores ou do endereço de Hugo Campos Hermedia [na verdade, Hugo Campos Hermida]. Hermedia era – e ainda é – membro da polícia em Montevidéu. Mas, segundo a alegação de Toscanino, Hermedia estava atuando ultra vires [encoberto] como agente pago do governo norte-americano. A chamada telefônica levou Toscanino e sua mulher, grávida de 7 meses, a uma área próxima de um boliche abandonado em Montevidéu. Quando chegaram lá, Hermedia e seis assistentes sequestraram Toscanino na frente da mulher aterrorizada, deixando-o inconsciente com uma coronhada e o jogando na traseira do carro. Depois, Toscanino – vendado e amarrado – foi levado à fronteira do Brasil por uma rota tortuosa”.
         Segue o documento: “Em um certo momento durante a longa viagem até a fronteira brasileira houve uma discussão entre os captores de Toscanino sobre a necessidade de trocar as placas do carro para evitar sua descoberta pelas autoridades uruguaias. Em outro ponto, o carro estancou subitamente e ordenaram que Toscanino saísse. Ele foi levado para um lugar isolado, onde o mandaram deitar sem se mexer ou atirariam nele. Embora a venda o impedisse de ver, Toscanino conseguia sentir a pressão do revólver em sua cabeça e ouvir os ruídos do que parecia ser um comboio militar uruguaio. Quando o barulho se afastou, Toscanino foi colocado em outro carro e levado à fronteira.
         Houve combinações e, mais uma vez, com a conivência dos Estados Unidos, o carro foi tomado por um grupo de brasileiros que levaram Francisco Toscanino (…) “Sob custódia dos brasileiros, Toscanino foi conduzido a Porto Alegre onde permaneceu incomunicável por 11 horas. Seus pedidos de comunicação com o consulado italiano e com a família foram negados. Também não lhe deram comida nem água. Mais tarde, no mesmo dia, Toscanino foi levado à Brasília, onde por 17 dias foi incessantemente torturado e interrogado.
         Durante todo esse tempo, o governo dos Estados Unidos e a promotoria de Nova York, responsável pelo processo, tinham ciência – e inclusive recebiam relatórios – do desenrolar da investigação. Além disso, durante o período de tortura e interrogatório um membro do Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, estava presente em um ou mais intervalos e, na verdade, chegou a participar de partes do interrogatório. Os captores de Toscanino o privaram de sono e de qualquer forma de alimentação durante dias. A nutrição se dava por via intervenosa apenas para mantê-lo vivo. 
         Assim como relatam nossos soldados que voltaram da Coréia e da China, Toscanino era forçado a andar para baixo e para cima por sete ou oito horas ininterruptas. Quando ele não conseguia mais ficar em pé, era chutado e espancado de forma a não deixar marcas. Se não respondia às perguntas, seus dedos eram esmagados com grampos de metal. Jogavam álcool em seus olhos e nariz, e outros fluidos eram introduzidos em seu ânus. Inacreditavelmente, os agentes do governo norte-americano prenderam eletrodos nos lóbulos de suas orelhas, dedos e genitais e deram choques elétricos o deixando inconsciente por períodos que não consegue precisar mas, novamente, sem deixar marcas.”
         “Finalmente, no dia 25 de janeiro de 1973, Toscanino foi levado ao Rio de Janeiro onde foi drogado por agentes brasileiros e norte-americanos e colocado no vôo 202 da Pan American Airways (…). Acordou nos Estados Unidos no dia 26 de janeiro, quando foi oficialmente preso dentro do avião e levado imediatamente a Thomas Puccio, assistente do procurador-geral dos Estados Unidos. Em nenhum momento durante a captura de Toscanino o governo norte-americano sequer tentou a via legal. Agiu do início ao fim de maneira ilegal, embarcando deliberadamente em um esquema criminoso de violação de leis de três países diferentes”.
            O “Fleury uruguaio”
         Hugo Campos Hermida era uma espécie de Fleury uruguaio. Embora a ditadura naquele país só tenha se instalado em junho de 1973, portanto quando Toscanino já havia sido condenado nos EUA, Hermida era o chefe da chamada Brigada Gamma, um esquadrão da morte uruguaio que matava desde traficantes até tupamaros – os guerrilheiros de esquerda que atuavam antes do golpe final. Hermida também foi treinado nos Estados Unidos – inclusive pela DEA, como mostram outros documentos do projeto PlusD.
         Oficialmente, era chefe da Brigada de Narcóticos da Dirección Nacional de Información e Inteligencia (DNII), organismo criado em colaboração com os Estados Unidos no Uruguai. O jornal La República, do Uruguai, levantou documentos no Arquivo do Terror, no Paraguai, que comprovaram a participação de Hermida no “ninho da Condor”, a Automotores Orletti, em Buenos Aires, um centro de tortura que tinha como fachada uma oficina mecânica.
         Do lado brasileiro, o diretor do Departamento de Polícia Federal – também montada e armada pelos norte-americanos desde os primórdios – era o general Nilo Caneppa Silva, mais conhecido por suas assinaturas na censura de jornais, peças de teatro e filmes – já que essa também era uma atribuição oficial do órgão na ditadura, assim como o combate ao tráfico de drogas nas fronteiras. O general Caneppa foi promovido a coronel assim que a ditadura militar se instalou, e a general-de-brigada em 1971, no governo Médici, mesmo ano em que passou a chefiar o DPF em Brasília.
         A operação de sequestro no Uruguai e tortura no Brasil do traficante Toscanino não aparece nos telegramas diplomáticos até maio de 1974, quando o italiano entrou com recurso na corte de apelações norte-americana. A partir daí, há um troca frenética de telegramas entre as embaixadas do Brasil e de Buenos Aires com o Departamento do Estado porque a Justiça norte-americana havia requisitado toda a documentação envolvendo o caso Toscanino em virtude da apelação – embora boa parte dela tenha continuado escondida, como comprovam os telegramas desse período constantes no PlusD. O general Nilo Caneppa, porém, era considerado peça-chave pelos Estados Unidos, como mostra um telegrama de 25 de abril de 1973.
         “O tempo do general Caneppa como diretor do Departamento de Polícia Federal encerra-se no meio de maio. Para assegurar a conclusão dos ótimos resultados obtidos pela equipe americana de analistas designados para trabalhar com a polícia federal brasileira no desenho do Centro de Inteligência de Narcóticos, pedimos que essa equipe venha ao Brasil antes de maio”, diz o relato assinado pelo antecessor de Crimmins, William Rountree. O mesmo embaixador já havia demonstrado seu apreço por Caneppa que dele “se aproximou pessoalmente para requisitar material audiovisual em português para os cursos de treinamento permanentes do BNDD (antecessor da DEA) em São Paulo”, segundo outro telegrama do PlusD, esse de 8 de maio de 1973, que recomendou: “Tendo em vista a cooperação do DPF em expulsar traficantes internacionais para os Estados Unidos em casos passados, e o mandato constitucional da DPF para dirigir os esforços para suprimir os traficantes de drogas, e as necessidades de treinamento dos brasileiros, a embaixada recomenda que o BNDD envie os filmes e slides para uso do escritório do BNDD em Brasília, que vai distribuir para as agências brasileiras. Esse gesto, além de ser um investimento útil de dinheiro e material, vai ajudar a estreitar ainda mais os laços entre o DPF e o BNDD”.
            O general tático
         No relatório confidencial sobre a temida visita dos auditores do  GAO, porém, enviado pelo embaixador Crimmins ao Departamento de Estado americano em 13 de dezembro de 1973, o entusiasmo dos americanos havia arrefecido com a substituição de Caneppa por um general considerado mais “tático” ( “operations-minded”) – o general Antonio Bandeira, tristemente famoso pelas primeiras operações de repressão na guerrilha do Araguaia tanto pelo lado dos guerrilheiros – que passaram a ser torturados também em Brasília depois que ele assumiu a Polícia Federal – como dos militares, pelo fracasso em vencer os 70 jovens do PC do B nas matas do Pará.
         Ainda assim, os norte-americanos ressaltam sua gratidão por operações realizadas pela DPF chefiada por Caneppa nesse mesmo telegrama, que também relembra a temida visita do GAO dois meses antes. Segundo o telegrama, os auditores haviam feito apenas uma “investigação difusa” sobre as atividades da DEA no país: “Embora GAO não tenha problemas com a premissa do programa anti-drogas de desenvolver a competência brasileira no combate aos narcóticos, a curto prazo eles estão mais interessados em impedir o fluxo de drogas para os Estados Unidos. O coordenador do programa de narcóticos ressaltou, então, o sucesso da cooperação EUA-Brasil na Operação Springboard [nos portos, em conjunto com a Marinha Americana] e na apreensão no Mormac-Altair”.
         Como relatam os jornais da época, o Mormac-Altair era um navio americano onde, em operação conjunta dos americanos e brasileiros, foi capturada uma carga de 60 quilos de heroína em outubro de 1972. Traficantes franceses que moravam no Paraguai e no Brasil foram então extraditados para os Estados Unidos pela Polícia Federal brasileira, sem avisar as autoridades francesas, como aconteceu no caso Toscanino, sempre com o general Caneppa à frente das operações.
         Segue o telegrama de Crimmins a Kissinger: “GAO estava interessado na possibilidade do Brasil assumir a liderança entre as nações latino-americanas no hemisfério Sul. O coordenador explicou que o Brasil se esforçava para melhorar a cooperação e a coordenação entre os órgãos policiais em outras nações latino-americanas. No entanto, as diferenças entre os sistemas hispânicos e lusitano, e a intensa rivalidade com a Argentina tornava difícil essa liderança”.
         “A GAO também levantou a questão – baseada na investigação dos arquivos sobre as trocas de informação entre as agências de Washington durante a Operação Springboard, quando a embaixada relatava preocupações e queixas sobre o antigo chefe da Polícia Federal, General Caneppa [não se sabe a que se referem essas queixas, que teriam sido feitas por Rountree, uma vez que a atuação da PF sob Caneppa foi elogiada no parágrafo anterior e no telegrama enviado por Rountree transcrito acima, mas os militares brasileiros consideravam Caneppa “mole”, enquanto Bandeira era da “linha dura”].
         O coordenador explicou que não há mais problemas similares com o atual chefe, o general Bandeira. Bandeira é mais operations-minded  e parece satisfeito com o nível de troca de informações embora, sem dúvida, um aprimoramento possa ser feito nesse campo. A equipe do GAO fez diversas perguntas sobre extradição e expulsão de traficantes e pareceu satisfeita com nossas explicações de que não há problemas do gênero no Brasil. O coordenador teve a impressão de que essa era a mais alta prioridade da equipe do GAO.
         “A ideia do Centro de Inteligência de Drogas veio à tona também nessa visita, baseada no material que eles já tinham recebido. O conteúdo politicamente sensível desse assunto foi então explicado à equipe do GAO (…).” Quando o telegrama foi enviado, Juan Perón havia reassumido o poder na Argentina depois de um período de 18 anos de exílio, interrompendo a colaboração entre as polícias do Cone Sul. Os americanos – assim como a ditadura brasileira – nunca confiaram em Perón; depois que ele morreu, em 1974, e foi substituído pela mulher, Isabelita, os militares instituíram a “guerra suja” que matou mais de 30 mil pessoas, incluindo peronistas.
         Ao final do telegrama, Crimmins revela que, embora não conste da documentação do NARA, havia recebido – e cumprido – as instruções de Kissinger depois do telegrama enviado na chegada inesperada da missão da GAO: “Nenhuma cópia de outros documentos além dos definidos por Washington foram disponibilizados para a equipe do GAO”.
            Condor
         Tanto Bandeira quanto Caneppa aparecem nas listas de torturadores da ditadura, feitas a partir de documentos e denúncias de presos políticos, como “coniventes”, pelo fato de terem comandado operações que resultaram em tortura e desaparecimento de presos sem, no entanto, ter sido flagrados com “a mão na massa”, para usar uma expressão suave.
         Suas ligações com as operações do DEA no Cone Sul, como demonstra o telegrama acima, porém, podem implicá-los – e aos Estados Unidos – em crimes internacionais em investigações posteriores, como já aconteceu no caso do general Caneppa, e não apenas nos casos Mormac-Altair e Toscanino.
         No final do ano passado, o repórter Wagner William publicou na revista Brasileiros a reportagem “O primeiro vôo do Condor”, relatando aquela que seria a primeira ação da operação clandestina que uniu as ditaduras militares do Cone Sul: o sequestro do coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, opositor da ditadura, em Buenos Aires e sua extradição para um centro de torturas no Rio de Janeiro, descrita no Informe 338, de 19 de dezembro de 1970, pelo adido militar na Embaixada do Brasil: o então coronel Nilo Caneppa.
         O documento, obtido pelo jornal Página 12, é considerado pelo presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, o gaúcho Jair Krischke, um dos maiores investigadores da Operação Condor, como o primeiro documento da articulação clandestina e a prova de que foi o Brasil que liderou ao menos a sua formação.
         O repórter Wagner William teve acesso aos diários do coronel Jefferson e contou em detalhes como o coronel, seu filho e sobrinho foram interceptados em dezembro de 1970 quando viajavam do Uruguai, onde se exilaram depois do golpe, ao Chile, onde o coronel assumiria o cargo de assessor militar para a Associação Latino-Americana de Livre Comércio a convite do então presidente do Chile, Salvador Allende. Allende se suicidaria depois do golpe liderado pelo general Pinochet e articulado pelos Estados Unidos em 1973.
         Para evitar a perseguição policial – os homens de Hermida o seguiam todo o tempo no exílio, como faziam com todos os brasileiros inimigos da ditadura, como relatou em 2003, depois de ser preso no Rio Grande do Sul por assalto a banco e tráfico de armas, o ex-policial Mario Neira Barreto, codinome Tenente Tamuz, que também pertencia à Brigada Gamma –, Jefferson planejara ir de Montevidéu a Colônia do Sacramento de carro, atravessar o rio da Prata pela balsa até Buenos Aires, de onde seguiria para Mendoza e cruzaria os Alpes para o Chile.
         Avisado pelos uruguaios, porém, o adido militar brasileiro na Argentina – Caneppa – pediu a cooperação da Direção da Coordenação Federal, o órgão de inteligência da Polícia Federal Argentina, para prender os três brasileiros, descrevendo sua aparência em detalhes. Escondido no porto, Caneppa assistiu quando o carro de Jefferson foi interceptado por dois agentes armados que saltaram de um carro preto com chapa do governo argentino anunciando: “É uma operação de rotina. Houve uma denúncia de transporte de drogas”.
         Embora não houvesse nada no carro além de uma arma do coronel Jefferson, que apresentou seus documentos de identificação militar, os três foram levados para a coordenação da Polícia Federal argentina, encapuzados, algemados e presos no porão enquanto o subcomissário anunciava ao adido militar brasileiro o sucesso da operação. Caneppa vai pessoalmente ao prédio, acompanhado de outro militar brasileiro, adido da Aeronáutica na embaixada, onde Jefferson, seu filho e o sobrinho foram interrogados sobre o sequestro do cônsul brasileiro, Aloysio Gomide, pelos tupamaros uruguaios e sobre sua ligação com líderes peronistas argentinos.
         Os três foram torturados – o coronel Jefferson com choques elétricos nos pés, nas pernas e nos genitais e cera de vela quente no ânus. Caneppa e o outro militar brasileiro, na sala ao lado, examinavam o material apreendido no carro de Jefferson – livros, cartas e documentos de identidade – quando um tenente-coronel do Exército argentino se apresentou e pediu desculpas pela ausência do coronel Cáceres, diretor da PF argentina, perguntando em seguida o que deveria fazer com os detidos. Caneppa queria que fossem enviados ao Brasil, e em 26 horas o presidente argentino, fantoche dos militares, assinou um decreto de extradição. De lá foram transportados discretamente por uma aeronave militar para o Centro de Informação e Segurança (CISA) no Rio de Janeiro.
         O coronel Jefferson foi torturado dias a fio e ficou preso por seis anos. Ao sair da cadeia, em 1977, continuou a ser perseguido até 1979 quando foi beneficiado pela lei da anistia. Os militares, porém, em um ato excepcional, anularam sua anistia e ele teve que partir para o exílio, primeiro na Venezuela, depois na França, de onde só retornou em 1985, com o fim da ditadura militar.
         Vítima da primeira ação da famigerada Operação Condor, o coronel Jefferson foi preso sob a acusação de tráfico de drogas pela Polícia Federal argentina sob as ordens do general Caneppa. O mesmo que dirigia a Polícia Federal brasileira quando o traficante Toscanino foi sequestrado por Hermida no Uruguai e entregue para ser torturado em Brasília de onde foi extraditado, em uma operação inteiramente coordenada pela DEA.
         O coronel Caneppa foi promovido a general e assumiu a direção da Polícia Federal meses depois. Em 1972, recebeu a Medalha do Pacificador – a maior honraria do Exército, destinada aos “revolucionários” de 1964. O general Bandeira mereceu a mesma honraria. Até hoje a DEA mantém escritórios no Brasil, dentro da embaixada brasileira e dos consulados. Procurada pela Pública para saber sobre suas atividades atuais no país, a DEA encaminhou a reportagem à assessoria de imprensa da embaixada norte-americana, que não respondeu aos pedidos de informação até a publicação dessa reportagem.
Fonte Brasil de Fato  9/04/2013  ( Agência Pública)

terça-feira, 9 de abril de 2013

Pepe Escobar: “Raia o sul!”

06/04/2013 - em 4/4/2013, Pepe Escobar, para o Asia Times Online
– The Roving Eye - “The South also rises
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu para a redecastorphoto

Não seria delírio imaginar que o Anjo da História de Walter Benjamin rende-se e sucumbe à tentação de declarar que raiou afinal o dia do Sul Global.

Ah, sim, sim. Será estrada longa e sinuosa. [1] Mas se a geração Google/Facebook precisar só de um manual que explique a coisa dos sonhos, tentativas, atribulações do mundo em desenvolvimento no início do século 21, o manual será o recém-publicado The Poorer Nations [As nações mais pobres], [2] de Vijay Prashad. Podem considerá-lo sequência digital, pós-moderna, do clássico Os Condenados da Terra, [3] de Frantz Fanon.

É livro absolutamente essencial, a ser lido simultaneamente, com outra maravilha escrita por um asiático global, Pankaj Mishra, From the Ruins of Empire: The Revolt Against the West and the Remaking of Ásia [Das ruínas do Império: A revolta contra o Ocidente e a reconstrução da Ásia], [4] que se serve de figuras chaves, como Jamal al-Din al-Afghani, Liang Qichao e Rabindranath Tagore para contar uma história extraordinária.

Os fundadores do MNA converteram-se em ícones do mundo pós-colonial: Jawaharlal Nehru, na Índia; Gamal Abdel Nasser, no Egito; Sukarno, na Indonésia; Josip Broz Tito, na Iugoslávia. Mas todos sabiam que seria combate morro acima. Como Prashad observa, ... a ONU fora sequestrada pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial haviam sido capturados pelas potências atlânticas; e o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade [Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio]), precursor da Organização Mundial do Comércio (OMC), foi constituído para minar qualquer esforço que as novas nações tentassem na direção de revisar a ordem econômica internacional.

Quanto ao Projeto Atlântico, basta citar uma frase de Henry Kissinger, de 1969. Kissinger – codestruidor do Camboja; agente que capacitou o líder chileno Augusto Pinochet; aliado, embora contra-vontade, dos sauditas (“os mais incompetentes, preguiçosos e covardes dos árabes”) e elogiador-em-chefe do Xá iraniano (“sujeito durão, que sabe o que quer”):

Nada de importante pode vir do sul. O eixo da história começa em Moscou, vai a Bonn, salta por cima de Washington e vai a Tóquio. O que acontece no sul não tem importância.

Os atlanticistas empenharam-se ferozmente contra o (“sem importância”) Projeto Terceiro Mundo, mas também contra a democracia social e o comunismo. O Santo Graal deles era mergulhar fundo em quaisquer lucros de brotassem de uma nova geografia de produção, “mudanças tecnológicas que capacitaram as empresas a extrair vantagem máxima de diferentes padrões salariais” – sobretudo dos salários muito baixos pagos em todo o leste da Ásia.

Estava pronto, pois, o cenário para a emergência do neoliberalismo. Aqui, Prashad acompanha o indispensável David Harvey, detalhando o modo como o Sul Global chegou ao ponto de ser plenamente (re)explorado: bye bye libertação nacional e ideias de bem coletivo.

Manter os bárbaros à distância
Com o FMI sendo parte, hoje, da troika que dita austeridade à maior parte da Europa Ocidental (junto com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu), é fácil esquecer que, em 1944, as coisas já estavam bem amarradas.

O mundo em desenvolvimento não falou em Bretton Woods, muito menos deu palpite nos vários tipos de controle impostos ao Conselho de Segurança.

Foi o silêncio dos cordeiros. Os lobos disseram o que quiseram, e a desigualdade virou cláusula pétrea.

Prashad oferece os detalhes indispensáveis de como o dólar norte-americano tornou-se moeda mundial efetiva, com os EUA fazendo dançar o preço do dólar, por todo o planeta, sem medir consequências: formou-se o Grupo dos Sete, como mecanismo mundial essencialmente antidesenvolvimentista (e não anti-Soviético); e, claro a muito temida Comissão Trilateral, criada por David Rockfeller do Chase Manhattan para impor a vontade do norte, contra o sul.

E adivinhem quem foi o arquiteto intelectual da Comissão Trilateral? O inefável Zbigniew Brzezinski, adiante consigliere do presidente Jimmy Carter. O Dr. Zbig queria “conter” a “ameaça contagiosa da anarquia global”. Dividir para governar, mais uma vez. A periferia tinha de ser posta no seu lugar.

Deve-se lembrar, quanto a isso, que em seu épico de 1997, The Grand Chessboard [O Grande Tabuleiro de Xadrez], o Dr. Zbig, que seria feito conselheiro para política externa de Barack Obama em 2008, escreveu:

Os três grandes imperativos da geoestratégia imperial são impedir a colusão e manter a dependência em segurança entre os vassalos; manter os tributários dóceis e protegidos; e impedir que os bárbaros se unam.

Por muito tempo os “vassalos” foram facilmente contidos; mas o Dr. Zbig, um passo à frente de Kissinger, já planejava um modo para conter os dois “bárbaros” chaves, as duas potências euroasiáticas ascendentes: Rússia e China.

O Grupo dos Sete, seja como for, foi estrondoso sucesso, levando sua “teoria da governança” para todo canto, implementada pela máfia de Bretton Woods – e quem mais seria? Prashad define claramente:

O que recebeu o nome de “neoliberalismo” foi menos uma doutrina econômica coerente, que uma campanha muito direta, posta em andamento pelas classes proprietárias, para manter ou restaurar sua posição de dominação” – mediante a “acumulação por despossessão” (termo cunhado por David Harvey), também bem conhecida de milhões de europeus sob o codinome de “austeridade.

Os números contam a história. Em 1981, o fluxo líquido de capitais para o Terceiro Mundo foi de $35,2 bilhões. Em 1987, $30,7 bilhões deixaram o Terceiro Mundo, para bancos ocidentais. Por graça de Deus e sua lei escrita em pedra, também chamada “Ajuste Estrutural”, baseada em “condicionalidades” (privatização selvagem, desregulação, destruição dos serviços sociais, “liberalização” das finanças).

Parafraseando (Bob) Dylan, quando você tem nada, você ainda tem esse nada, a perder. Jamais houve qualquer estratégia política, do norte, para negociar a crise da dívida dos anos 1980s. Os cordeiros do Sul Global só foram autorizados a desfilar, em triste procissão, para receber o ajuste estrutural consagrado, um a um.

Mas nem tudo isso bastaria. Com o fim da URSS, Washington ficou livre para desenvolver a Dominação de Pleno Espectro. Os que não se submeteram completamente foram rotulados “estados delinquentes” – como Cuba, Irã, Iraque, Líbia, República Popular Democrática da Coreia e até, por certo tempo, a Malásia (porque resistia ao FMI).

Mas então lenta, mas firmemente, o Sul Global começou a erguer-se. Prashad detalha as razões – o boom de commodities puxado pela China; lucros advindos da venda de commodities que fizeram renascer as finanças latino-americanas; mais investimentos estrangeiros diretos correndo mundo. O Sul Global começou a negociar mais dentro do próprio Sul Global.

Então, em junho de 2003, à margem da reunião do Grupo dos Oito em Evian, França, emergiu algo chamado IBSA (“Diálogo Índia-Brasil-África do Sul). O IBSA estava apto a “maximizar os benefícios da globalização” e a promover crescimento econômico sustentado. O Ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, definiu-o naquele momento como “uma ideologia no melhor sentido da palavra: ideologia de democracia, diversidade, tolerância e busca de cooperação”.

Paralelamente, a China estava – como teria de estar – crescendo. É essencial lembrar aqui, a viagem, crucialmente decisiva, que Deng Xiaoping fez a Cingapura, em novembro de 1978, quando foi recebido por Lee Kuan Yew. Sobre essa visita, Prashad poderia ter escrito um capítulo inteiro. Foi o “gancho” de suspense, para o capítulo seguinte. Deng entendeu que podia mobilizar as guanxi (“conexões”) da diáspora chinesa, com todo o seu potencial.

Nunca esquecerei minha primeiríssima viagem a Shenzhen, apenas um mês depois do famosíssimo tour de Deng pelo sul, em janeiro de 1992. Foi quando o boom realmente começou. Naquele momento, senti que estava mergulhado, até o pescoço, na China maoísta.

Façam avançar a fita até hoje, com a China ajudando a desenvolver a África. Vastas porções do mundo em desenvolvimento jamais sequer considerariam a possibilidade de abraçar cegamente o azhongguo moshi – o Modelo Chinês. A coisa se passa mais como Prashad faz, começando com essa maravilhosamente clara frase de Donald Kaberuka, um ex-ministro das finanças de Rwanda e atual presidente do Banco Africano de Desenvolvimento:

Podemos aprender [dos chineses] como organizar nossa política comercial, como sair do status de baixa renda, para um status de renda média, como educar nossas crianças em setores e habilidades que, em poucos anos, pagarão o próprio custo.

BRIC a BRIC [*]
O que nos traz aos BRICS, criados como grupo em 2009, da união BRIC-IBSA e que são hoje a principal locomotiva do Sul Global.

Àquela altura, “Culpem a China” já se tornara uma das Belas Artes, em Washington; era absolutamente imperativo que todos os chineses se convertessem em consumidores.

Eles são e serão – mas ao ritmo deles e seguindo o seu próprio modelo político. [6]

Até o FMI já admite que, por volta de 2016, os EUA já terão deixado de ser a maior economia do mundo.

Tinha razão portanto o grande Fernand Braudel, quando escreveu Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII [7] (Le temps du monde [1979, 3 volumes]); (ing.) The Perspective of the World: Civilization and Capitalism, Fifteenth- Eighteenth Century, em que diz que esse seria o “sinal do outono” para a hegemonia atlântica.

Claro que os BRICS enfrentam problemas imensos, como Prashad detalha. As respectivas políticas domésticas podem, sim, ser interpretadas como uma espécie de “neoliberalismo com características do Sul Global”.

Estão ainda longe de ter construído ou de ser alternativa ideológica para o neoliberalismo. Não têm nem qualquer mínima condição de defesa contra a arrasadora hegemonia militar dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN (basta ver o fiasco na Líbia). E não são o embrião de mudança revolucionária na ordem mundial.

Mas, pelo menos, trazem “uma lufada de ar fresco para oxigenar o mundo estagnado do imperialismo neoliberal”.

O ar fresco circulará sob a forma de um novo banco de desenvolvimento, um Banco BRICS do Sul, versão do Banco del Sur sulamericano fundado em 2009 (para conhecer a leitura de Prashad, veja “Os grandes BRICS: a China afinal encontra seu nicho” [8].

China e Brasil já definiram uma conta de $30 bilhões em moeda própria para pagar contas comerciais, deixando de lado o dólar norte-americano. Pequim e Moscou aprofundam a parceria estratégica (ver “BRICS conseguem furar o cerco” [9]).

Os BRICS como são hoje – três grandes consumidores de commodities e dois grandes produtores de commodities tentando abrir uma picada que os salve do desastre para o qual o ocidente dirige o mundo – são só um começo. Já começam a movimentar-se como poderoso ator geopolítico, o que destaca a multipolaridade. Logo haverá novos BRICS – os países MIST (México, Indonésia, [South] Coreia (do Sul) e Turquia). E não esqueçam o Irã. Será hora, já, para os BRICS MIIST?

Dr. Fantástico
O que se vê, como que desenhadamente claro, é que o Sul Global já sofreu demais –dos saques que sofre do turbo-capitalismo de cassino, à OTAN fazendo-se de Robocop, do norte da África ao sudeste da Ásia, para nem falar da Eurásia, que vai sendo cercada por aquela quimera de Dr. Fantástico – um escudo de mísseis.

O Sul Global ainda padece sob muitos absurdos. Basta pensar nas petro-gás-monarquias do Conselho de Cooperação do Golfo – aqueles exemplares de “democracia” – já configurados como anexo da OTAN. Poucos eventos recentes foram tão espantosamente assustadores, quanto a Liga Árabe, a lamber as botas de seus senhores na OTAN e desrespeitando todas as leis internacionais, para pôr os tresloucados “rebeldes” sírios na cadeira que, por direito, cabe à Síria, estado soberano e membro fundador da própria Liga.

Cenas estranhas na mina de ouro [10]
A queda do neoliberalismo será sangrenta – e demorada. Prashad tenta uma análise objetiva da unidade do Sul Global, seguindo a trilha do pensamento de um marxista indiano, Prabhat Patnaik.

Patnaik é pensador consistente. Ele sabe que “não se vê no horizonte qualquer resistência coordenada global”.

Mas considera “a centralidade de construir a resistência dentro do estado-nação, e sua análise pode ser facilmente estendida a regiões (escreve prioritariamente sobre a Índia, mas produz análise aplicável aos experimentos bolivarianos na América Latina)”.

Assim sendo, o mapa do caminho sugere que se enfrente a “questão camponesa” – que envolve, essencialmente, terra e direitos; e que nos concentremos em lutas imediatas para melhorar as condições de vida e de trabalho das pessoas. Inevitavelmente, Prashad teria de fazer, e faz, referência ao vice-presidente da Bolívia, Alvaro Garcia Linera, um dos mais importantes intelectuais latino-americanos contemporâneos.

Sob vários aspectos, é em partes da América Latina que o processo de emancipação está mais avançado. Fiquei imensamente impressionado quando visitei a Bolívia, no início de 2008. Prashad praticamente resume as análises de Linera, de como se desenvolve o processo.

Tudo começa com uma crise do estado, que permite que “um bloco social dissidente” mobilize o povo para um projeto político. Desenvolve-se um “embate catastrófico” entre o bloco do poder e o bloco do povo, o qual, no caso da América Latina, pôde resolver-se, pelo menos por hora, a favor do povo.

O novo governo tem, então, de “converter o que foram demandas da oposição, em atos de Estado” e construir hegemonia mais profunda e mais ampla, “combinando as ideias da sociedade mobilizada e recursos materiais oferecidos ou pelo Estado, ou através do Estado”.

O ponto de virada (“ponto de bifurcação”), para Garcia Linera, vem mediante “séries de confrontações” entre os blocos, que se resolvem de modos inesperados, ou com a consolidação da nova situação, ou com a reconstituição da situação velha.

Estamos no ponto de bifurcação, ou bem próximos. O que virá não é previsível.
O que as melhores cabeças na Ásia, África e América Latina já sabem, até agora, é que nunca houve qualquer fim da história, como papagueavam patéticos órfãos de Hegel; e tampouco houve algum fim da geografia, como papagueavam os panacas dançantes da globalização, para os quais “a Terra é plana”.

Está finalmente em curso a libertação do pensamento do Sul Global, que se vai livrando do pensamento do Norte. Esse é processo sem volta, irreversível. Não há retorno possível à velha ordem.

Se fosse um filme, seria 1968, repetido sempre, sempre, sempre, em tempo integral, sem parar. Sejamos realistas: exijamos e implementemos o impossível.

Notas de tradução
[*] Há aqui um trocadilho intraduzível. A palavra brick (ing.) significa “tijolo”. Com mínima diferença de grafia e nenhuma de pronúncia, quem diga “BRIC by BRIC” (ing.) diz também “brick by brick” (ing.), “tijolo a tijolo”. Tentamos “BRIC a BRIC”, como tradução possível, para salvar pelo menos uma parte da metáfora. Há outras possibilidades [NTs].

[1] Orig. ...a long, arduous and winding road [http://letras.mus.br/the-beatles/190/traducao.html]. De verso dos Beatles em “The Long And Winding Road”. Assiste-se/ouve-se a seguir:



[2] PRASHAD, Vijay. The Poorer Nations: A Possible History of the Global South [http://www.amazon.com/The-Poorer-Nations-Possible-ebook/dp/B007NQVV1G], 2013, New York: Verso, 300 p.
[3] FANON, Franz. Os Condenados da Terra [http://www.livrariacultura.com.br/Produto/LIVRO/CONDENADOS-DA-TERRA-OS/5060504] [1961, pref. Jean-Paul Sartre], Juiz de Fora: Ed. Universidade Federal de Juiz de Fora, 2006
[4] MISHRA, Pankaj. From the Ruins of Empire: The Revolt Against the West and the Remaking of Asia [http://www.amazon.com/From-Ruins-Empire-Against-Remaking/dp/1250037719], Amazon.
[5] PRASHAD, Vijay. The darker nations: a people's history of the Third [http://books.google.com.br/books/about/The_Darker_Nations.html?id=iPxsQGDri8MC&redir_esc=y] - World Perseus Distribution Services, Abril,1, 2008 - 364 pg.
[6] Primavera, 2013, Europe’s world, Zhang WeiWei em: Why China prefers its own political model [http://www.europesworld.org/NewEnglish/Home_old/Article/tabid/191/ArticleType/ArticleView/ArticleID/22086/language/en-US/WhyChinaprefersitsownpoliticalmodel.aspx] [Por que a China prefere seu próprio modelo político].
[7] BRAUDEL, Fernand e COSTA, Telma. Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII [http://books.google.com.br/books/about/Civiliza%C3%A7%C3%A3o_material_economia_e_capita.html?hl=pt-BR&id=OEuMAAAACAAJ] – Livraria do GOOGLE.
[8] 27/3/2013, redecastorphoto, Visay Prashad em: “Os grandes BRICS: a China afinal encontra seu nicho” [http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/03/os-grandes-brics-china-afinal-encontra.html], [em port.]
[9] 26/3/2013, redecastorphoto, Pepe Escobar: “BRICS conseguem furar o cerco” [http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/03/brics-conseguem-furar-o-cerco.html], [em port.]
[10] É subtítulo de um livro: BOXALL, Fiona Vivien, The New Age of Corporate Management: Weird Scenes Inside the Goldmine [http://books.google.com.br/books/about/The_New_Age_of_Corporate_Management.html?id=UG3hNQAACAAJ&redir_esc=y] [A nova era da gestão corporativa: cenas estranhas na mina de ouro], Ed. Macquarie University (Division of Society, Culture, Media & Philosophy, Department of Anthropology), 2003, 742 p..

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/04/pepe-escobar-raia-o-sul.html

Não deixe de ler:
- Brasil e China comercializarão em suas moedas - The Brics Post, publicado por BRICS Media Network Ltd.
[http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/03/brasil-e-china-comercializarao-em-suas.html]
- Os BRICS no FMI e no G-20 - Paulo Nogueira Batista[http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/12/os-brics-no-fmi-e-no-g-20-1.html]
- Brics pensa em novo banco próprio - Kester Kenn Klomegah[http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/03/brics-pensa-em-novo-banco-proprio.html]
- A Cúpula dos BRICS e o boicote da mídia ocidental - Mauro Santayana[http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/04/cupula-dos-brics-e-o-boicote-da-midia.html]
- BRICS: combate à pobreza será prioridade na Rio+20 - Agência Brasil[
[http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/05/brics-combate-pobreza-sera-prioridade.html]

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Lula e Mujica afirmam que monopólios de mídia são "negação da democracia"

Os dois participaram de debate com lideranças sindicais promovido pela CSA e pela FES em Montevidéu

Por Leonardo Wexell Severo e Isaías Dalle, de Montevidéu -Revista Fórum

“No mundo inteiro, os líderes políticos reclamam dos meios de comunicação. Eu já ouvi o Obama reclamando, a [Angela] Merkel, e dirigentes de vários países. Esse é um tema muito delicado e penso que nós não devemos ter monopólios de mídia no Brasil, onde poucas famílias mandam no setor. Isso é contra a democracia que, para mim, não é uma coisa menor. A democracia é a única razão de ser e a única maneira de um governo de esquerda implementar as mudanças necessárias.”


Democratização da comunicação seria desafio dos mais imediatos da América Latina para consolidar e avançar a democracia (Ricardo Stuckert)

A declaração acima foi feita pelo ex-presidente Lula na noite desta quinta-feira, na sede do Parlamento do Mercosul, em Montevidéu, no debate entre lideranças políticas e sindicais “Transformações em risco? Perspectivas e tensões do progressismo na América Latina”, realizado pela Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA), com o apoio da Fundação Friedrich Ebert (FES).

O presidente uruguaio, José “Pepe” Mujica, comparou o “despotismo” da ditadura militar com o comportamento dos grandes conglomerados de comunicação e defendeu “mecanismos de regulação” que garantam a diversidade de opiniões. Hoje, condenou, “a liberdade de imprensa tem de passar pelo olho da fechadura de um sistema empresarial muito estreito”. Na verdade, esclareceu, em vez de liberdade de imprensa o que há é liberdade de empresa, havendo uma manipulação “do peso conceitual aparente, através de posições políticas e filosóficas conservadoras”.

O tema da democratização dos meios de comunicação foi introduzido no debate pelo secretário geral da CSA, Victor Báez, o primeiro a responder à pergunta do mediador, o historiador Gerardo Caetano, sobre os desafios mais imediatos da América Latina para consolidar e avançar a democracia e o combate à desigualdade. “Nós do movimento sindical notamos que toda vez que a imprensa noticia algum tema de cunho social, a matéria vem cheia de preconceito e críticas ao processo de inclusão”, declarou Victor.

Combate à desigualdade

Ainda que apontando alguns dos inúmeros avanços obtidos do ponto de vista econômico e social na última década, o moderador lembrou que a região continua apresentando a terceira maior desigualdade de renda do planeta e questionou os debatedores sobre quais as medidas a serem adotadas frente à tamanha adversidade.

Lula respondeu que a primeira ação é o povo continuar elegendo governos democrático-populares, “pois não se consegue mudar em 10 anos toda uma herança de desmandos, mas é possível que um governo conservador retroceda do dia para a noite”. “Em vários dos nossos países da América Latina conseguimos reafirmar o Estado como um polo de desenvolvimento. Conseguimos acabar com a ideia que o Estado não servia, não prestava, e que o mercado, que só atua onde tem lucro, é quem tinha as soluções. Mas o que vimos na Europa é que o deus mercado faliu e quem teve de socorrer foi o pobre diabo do Estado”, advertiu.

O presidente uruguaio disse acreditar na capacidade essencialmente renovadora da democracia, que ventila o ambiente e traz elementos rejuvenescidos a cada tempo. “Esse exercício efetivo, real da democracia, fortalece a participação popular e supre os erros que, inevitavelmente, serão cometidos por quem governa”, acrescentou.

Ao comentar o combate à desigualdade, Victor Báez propôs: “Os países têm de criar impostos sobre os mais ricos. Só vai acabar com a desigualdade e pobreza quem diminuir a concentração de renda”. Mais adiante, o secretário geral da CSA também lembrou que os países da região que mais avançaram no combate à desigualdade são aqueles em que a maioria dos trabalhadores é protegida por acordos coletivos celebrados por organizações sindicais.

Integração

A necessidade de continuar e fortalecer o processo de integração, principalmente via o Mercosul, foi apontado como uma das formas de enfrentar as assimetrias e reduzir os impactos negativos da crise dos países capitalistas centrais. Os três debatedores concordaram que essa integração, no entanto, não deve se limitar às trocas comerciais, mas que deve priorizar igualmente a valorização do trabalho.

“Acho que daqui há 15 anos seremos o continente mais invejado do mundo, porque somos detentores de recursos de caráter estratégico, com abundância de água, por exemplo, com imensas potencialidades que agora começam a se tornar realidade”, comentou Mujica, ao fazer um prognóstico do futuro da região.

Victor Báez também afirmou sua crença num futuro promissor, desde que a esquerda e as forças progressistas promovam uma “centrifugação política”, em que a solidariedade volte a ser um valor essencial.

Encerrando a noite, Lula reiterou seu otimismo em relação ao Continente e às decisões coletivas que devem ser implementadas, sintetizando nossa perspectiva de futuro com uma metáfora: “Quem comeu carne pela primeira vez dificilmente vai se acostumar a comer sem carne. Não há nada que faça a América Latina retroceder. Que se cuide quem quiser ser governo, pois o povo aprendeu a conquistar as coisas”

Fonte: Publicado originalmente na Revista FÓRUM

domingo, 7 de abril de 2013

A resiliência (*) das ideias de Karl Marx

02/04/2013 - por Fred Weston
- extraído do site Esquerda Marxista - da Seção Brasileira da Corrente Marxista Internacional

Quantas vezes ouvimos professores universitários, economistas, políticos e jornalistas declarando que Marx estava errado e que, embora tenha tido algumas percepções de como funciona o capitalismo, fracassou em ver o dinamismo do sistema capitalista e sua capacidade de se recuperar das crises e ir em frente?

No entanto, alguns anos depois, enquanto o sistema mergulha na mais séria crise da história, de vez em quando se ouve comentaristas declarando que Marx estava certo.

O mais recente é um artigo publicado pelo Time Magazine ontem [01/04/2013], intitulado A Vingança de Marx: Como a Luta de Classes se alastra pelo Mundo.

As frases de abertura dos primeiros três parágrafos são: “Supunha-se que Karl Marx estivesse morto e enterrado... Ou era o que pensávamos... Um crescente volume de evidências sugere que ele pode ter acertado”.

O primeiro parágrafo nos informa porque se supunha que Marx estivesse morto e enterrado: o colapso da União Soviética, o abrandamento da luta de classes, a expansão do comércio global, o boom asiático, e assim por diante.

O segundo parágrafo, no entanto, enfatiza a prolongada crise que está afligindo o sistema, causando a elevação dos níveis de pobreza, de desemprego e queda dos salários, e cita Marx, quando ele escreveu sobre a “acumulação de riqueza em um dos polos é, ao mesmo tempo, acumulação de miséria, de trabalho agonizante, escravidão, ignorância, brutalidade e degradação mental, no polo oposto”.

O autor aponta que, “Entre 1983 e 2010, 74% da riqueza criada nos EUA foram para os 5% mais ricos, enquanto os 60% da base sofreram um declínio...”.

Tendo reconhecido que até agora tudo parece indicar que Marx estava certo, o autor então volta para o comportamento padrão, “Isto não significa que Marx estivesse inteiramente certo. Sua ‘ditadura do proletariado’ não funcionou muito bem, tal como planejado”.

Esta é uma clara referência ao colapso da União Soviética. Com isto, espera-se que o público fique avisado para não levar Marx demasiado a sério.

Este é o costumeiro espantalho que se levanta a fim de fazer as pessoas acreditarem que, embora Marx possa ter desenvolvido uma interessante análise das contradições do capitalismo, ele não oferece uma alternativa viável e, portanto, nós pura e simplesmente temos que viver com aquilo que temos: o capitalismo!

O fato de que o que existia na União Soviética não era comunismo é algo que esses jornalistas preferem ignorar. Marx nunca contemplou o socialismo como um sistema que pudesse existir dentro das fronteiras de um só país, para não citar um país atrasado e subdesenvolvido como era a Rússia em 1917.

Lênin, que construiu o partido Bolchevique que levou à Revolução Russa, também nunca teve semelhante ideia. Foi por esta razão que ele gastou tanta energia na construção da Internacional Comunista e porque depositava tantas esperanças na revolução alemã.

Foi Stalin quem desenvolveu a ideia de “Socialismo em um Só País”, rompendo com as ideias fundamentais do marxismo sobre esta questão.

Trotsky explicou o que aconteceu na União Soviética em muitos escritos e, em particular, em seu clássico, "A Revolução Traída", no qual explica as razões objetivas da revolução russa – que começou como uma revolução saudável dos trabalhadores – que finalmente degenerou no monstruoso regime estalinista.

Nos livros escolares e na mídia, nada disto é explicado.

É melhor que a União Soviética sob Stalin seja apresentada como destino inevitável das ideias de Marx, de forma que as futuras gerações não se sintam tentadas a se aprofundar nos escritos de Marx.

Infelizmente para a classe capitalista e todos os seus parasitas, é a severa crise atual que está empurrando cada vez mais trabalhadores e jovens a buscar uma alternativa.

Apesar do que eles dizem as ideias de Marx sempre voltam e hoje mais do que em qualquer outra altura durante décadas. Isto acontece porque a luta de classes está de volta à agenda em escala global.

O artigo de The Time Magazine sinaliza isto: “a consequência dessa maior desigualdade é exatamente aquilo que Marx havia previsto: a luta de classes está de volta. Os trabalhadores do mundo estão crescentemente mais zangados e exigindo sua justa parte da economia global.

Desde o recinto do Congresso dos EUA às ruas de Atenas, às linhas de montagem do Sul da China, os acontecimentos políticos e econômicos estão sendo modelados pelas tensões em ascensão entre capital e trabalho em um grau nunca visto desde as revoluções comunistas do século XX”.

O artigo apresenta alguns pontos interessantes sobre como o conflito de classes se expressa nos EUA mesmo dentro da retórica entre Obama e os Republicanos sobre como os custos para se sair da crise podem ser repartidos entre as diferentes classes na sociedade.

Todas as vezes que Obama levanta a ideia de taxar de forma mais elevada as camadas mais ricas da sociedade estadunidense, os Republicanos o acusam de guerra social, enquanto exercem a sua própria guerra contra os trabalhadores e os pobres!

Contudo, a luta de classes não se confina apenas à América assolada pela crise e à Europa.

O autor salienta que mesmo onde o crescimento tem sido significativo nos anos recentes, como na China, há uma crescente luta de classes:

Apesar de a renda salarial estar crescendo substancialmente nas cidades chinesas, a distância entre ricos e pobres é extremamente vasta.

Outra investigação de Pew revelou que aproximadamente metade dos chineses pesquisados considera a divisão entre ricos e pobres um problema muito grande, enquanto oito entre dez concordam com a afirmação de que ‘os ricos ficam cada vez mais ricos enquanto os pobres cada vez mais pobres’ na China”.

De forma alguma isto é uma surpresa para os marxistas.

Entendemos que o desenvolvimento da economia sob o capitalismo significa o fortalecimento da classe trabalhadora em termos de seu peso na sociedade, e devido a desigual distribuição da riqueza produzida isto inevitavelmente significa tensão entre as classes, mesmo quando há um boom.

Vimos isto no passado na Europa com as explosivas lutas de classe na França em 1968 e na Itália em 1969, em pleno boom do pós-guerra!

O autor cita um trabalhador chinês, Peng Min:

As pessoas de fora veem nossas vidas como se fossem fartas, mas a vida real na fábrica é muito diferente... A forma de o rico ganhar dinheiro é através da exploração dos trabalhadores... Estamos ansiosos pelo comunismo... Os trabalhadores se organizarão mais... Todos os trabalhadores devem estar unidos”.

De sua visão geral das crescentes tensões entre as classes no mundo inteiro, dos EUA à China, da Espanha à Grécia e mais além, o autor conclui o seguinte: “Há indícios de que os operários de todo o mundo estão ficando crescentemente impacientes com suas tênues perspectivas.

Dezenas de milhares tomaram as ruas de cidades como Madri e Atenas, protestando pelo desemprego estratosférico e contra as medidas de austeridade que estão tornando a situação ainda pior”.

Em seguida, esperando oferecer algum consolo a algum capitalista que pudesse estar lendo o artigo, ele declara que, “Até agora, de qualquer forma, a revolução de Marx ainda tem que se materializar”.

Nisto, podemos concordar. Ainda não houve uma revolução socialista. Mas o que o autor deseja com veemência é que ela nunca se materialize. Isto é algo que não podemos concordar.

O que ele tenta apresentar é um quadro de trabalhadores que não querem derrubar o sistema, mas simplesmente reformá-lo. Nisto ele pede a ajuda do suposto “expert em marxismo”, Jacques Rancière, da Universidade de Paris.

Rancière (foto) é um exemplo daquela espécie de Professor Universitário que se refere a si mesmo como progressista, mas que, na realidade, gasta seu tempo negando a essência do marxismo.

Isto fica claro quando ele explica que, “Não estamos vendo nos protestos de classes apelos à derrubada ou destruição do sistema socioeconômico atual. Os conflitos de classes que hoje estão se produzindo são apelos para se corrigir os sistemas, de forma que se tornem mais viáveis e sustentáveis no longo prazo através da redistribuição da riqueza criada”.

A análise do Professor Rancière – que os trabalhadores não estão exigindo uma revolução socialista – pode ser um conforto para aqueles que desejam preservar o sistema capitalista.

Ele afirma que, “as perspectivas dos partidos trabalhistas ou socialistas ou dos governos de qualquer lugar de reconfigurar significativamente – e muito menos de virar – o atual sistema econômico são, para falar gentilmente, fracas”.

Ele baseia tudo isto na presente situação do movimento dos trabalhadores, em particular de seus líderes. Se o futuro do movimento internacional da classe trabalhadora dependesse desses líderes, então o Professor teria razão.

A questão que temos de entender é que os líderes não permanecem líderes para sempre. A crise do sistema está colocando todas as ideias em teste. A ideia de que o sistema pode ser reformado está sendo questionada pelo impasse em que se encontra. Não há mais espaço para reformas como no passado.

Pelo contrário, todas as reformas conquistadas em décadas de luta de classes estão sendo destruídas. Os trabalhadores em todas as partes enfrentam a perspectiva de serem lançados de volta às condições sofridas por seus avós.

O que a citação acima do professor não entende é que os trabalhadores não começam com a ideia de que a revolução é o único caminho.

Eles começam com a ideia de oposição aos ataques sobre os salários, condições e bem-estar.

Esperam que uma solução seja encontrada dentro do próprio sistema.

Eles sonham em retornar ao período do boom, quando as reformas eram possíveis, quando a vida parecia tolerável.

Mas a questão que tem de ser sublinhada é que todas essas esperanças serão despedaçadas pela realidade.

A instabilidade política se espalha por toda a Europa e além – na América, no mundo árabe, na África e na Ásia – e se expressa na volatilidade eleitoral.

Partidos antes poderosos, como o PASOK na Grécia, foram esmagados pela pressão da situação. Os trabalhadores estão votando contra qualquer governo que realize medidas de austeridade. Isto significa que os trabalhadores sabem o que não querem. O problema é que eles ainda não descobriram o programa e as políticas que podem combater a austeridade.

Os marxistas sempre falaram a verdade, mesmo quando é difícil de engolir: não há nenhuma solução para o problema que os trabalhadores e os jovens do mundo inteiro enfrentam dentro das fronteiras do sistema capitalista.

Enquanto o poder estiver nas mãos da classe capitalista, ela o usará para manter sua riqueza e privilégios à custa do povo trabalhador. O sistema não pode ser reformado; ele deve ser removido.

Como afirmou o autor do artigo em Time Magazine, “Se os estrategistas políticos não descobrirem novos métodos de garantir oportunidade econômica, os trabalhadores de todo o mundo podem se unir. Marx ainda pode obter sua vingança”.

Acreditamos que Marx estava correto não apenas em sua análise econômica, mas também em suas conclusões políticas.

A crise do sistema inevitavelmente conduz os trabalhadores a tirar conclusões revolucionárias. O que se requer é uma mudança radical das organizações de massa da classe trabalhadora, de seus partidos e sindicatos. Os atuais líderes esperam que esta crise seja afastada e que, mais cedo ou mais tarde, eles possam retornar às confortáveis relações que eles estabeleceram com os patrões no passado. Isto é, uma quimera.

O que enfrentamos são anos de austeridade, com o declínio dramático dos níveis de vida em todos os cantos.

No momento em que se tornar claro que esta crise não está indo embora depois de um curto período de austeridade, no momento em que ficar claro que este sistema não oferece nenhum futuro, então o único caminho será em direção à derrubada revolucionária de todo o sistema.

É para onde a presente situação está levando.

(*) NOTA DO EDITOR: Sobre o conceito de resiliência
Este conceito foi elaborado para definir a capacidade de superar problemas em situações críticas.

Segundo o dicionário Aurélio, é a propriedade de pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora de tal de formação elástica. Este conceito é trabalhado nas mais diversas áreas das ciências como física, psicologia etc.

Pensamos numa bexiga cheia de ar, por exemplo. Apertamos e ela entorta. Quando soltamos ela volta ao normal. Isto significa sua capacidade de resiliência. Mas sabemos que isso também possui um limite. Pois se pegamos a bexiga e apertamos com muita força, certamente ela vai estourar. Nesse momento dissemos que a bexiga perdeu sua capacidade de resiliência.

Outro bom exemplo na ecologia. Chamamos de resiliência ambiental a capacidade de um ecossistema retonar a sua forma normal após uma perturbação. A isso definimos como grau de resistência do ecossistema. Ou seja, uma mudança para que os impactos a um ecossistema não se converta numa situação irreversível. Caso o impacto supere sua capacidade de resiliência ambiental, chamamos de processo de degradação.

E nesta etapa só uma ajuda externa, no caso, através de técnicas de recuperação de áreas degradadas, é que o ecossistema pode retornar a sua forma anterior. Pois sozinho, sem ajuda humana, ele não poderá mais retornar ao normal, já que os impactos que recebeu ultrapassaram sua capacidade de resiliência.

Nesse sentido, Fred Weston, autor do artigo, utilizou muito bem o conceito de resiliência para defender a vitalidade das ideias de Marx. Mostrando como suas ideias econômicas e conclusões políticas são capazes de se reivinventar e ainda se manterem firmes, sem abalos.

Artigo do site da Corrente Marxista Internacional. Para ler o texto original "The resilience of the ideas of Karl Marx", clique AQUI.

Fonte:

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

sábado, 6 de abril de 2013

Dilma cala sobre blogosfera em encontro com a juventude




Brasil de Fato: análise de Renato Rovai(*)



Provocada pelo representante do MST, a presidenta Dilma calou-se sobre a ação orquestrada sofrida por vários blogueiros pelos meios de comunicação tradicional (vulgo PIG). Há um ditado que diz que quem cala consente. Mas, na prática neste caso quem cala concede ao lado mais poderoso o poder de continuar agindo da mesma forma.

A presidente perdeu a oportunidade de dizer, por exemplo, que o recurso judicial é sempre legítimo, mas que ela, por exemplo, em respeito a liberdade de expressão não o utiliza contra veículos que a criticam. E não são poucos. Às vezes, inclusive, de forma muito desrespeitosa. Por isso, lamenta que esse expediente esteja sendo utilizado por veículos de comunicação e por jornalistas contra colegas de profissão. Mas que essa é uma decisão pessoal e de fórum intimo. Mas ela não disse isso. E perdeu a oportunidade de colocar uma importante reflexão para a sociedade brasileira.

Provavelmente isso tem relação com o fato de estar assessorada por gente que prefere o lado de lá do que o lado de cá. A Globo e a Veja são hoje mais bem tratadas pelo governo do que a mídia livre e alternativa. No debate da democratização da comunicação, Dilma escolheu seu lado.



A seguir, matéria publicada na Página do MST

MST denuncia perseguição da blogosfera progressista; Dilma não responde

As organizações que realizam uma jornada da juventude brasileira por mudanças estruturais na sociedade brasileira fizeram uma audiência com a presidenta Dilma Rousseff, na tarde desta quinta-feira (4/4), no Palácio do Planalto.

Na audiência, o coordenador do Coletivo de Juventude do MST, Raul Amorim, cobrou a apresentação do projeto com o marco regulatório dos meios de comunicação e denunciou as ameaças a jornalistas independentes, citando o exemplo da condenação a pagamento de multa pelo jornalista Luiz Carlos Azenha, em processo movido pelo diretor das Organizações Globo, Ali Kamel.

“Está em curso um processo de criminalização de jornalistas independentes a partir de ações da grande mídia no Poder Judiciário, como é o caso do Luiz Carlos Azenha”, disse Amorim à presidenta.

O coordenador da juventude do MST pediu que o governo encaminhe as deliberações aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009, para que seja respeitado o direito à manifestação do pensamento, à expressão e à informação, como garante a Constituição.

Amorim defendeu a implementação de políticas públicas voltadas para a mídia alternativa, de forma a garantir um sistema de comunicação que represente a pluralidade da sociedade.

A presidenta Dilma não respondeu as propostas e preocupações, mas disse que a internet é um espaço democratizador, que deve chegar a todos os brasileiros por meio da implementação do Plano Nacional de Banda Larga.

Os jovens defenderam também a prorrogação das investigações por mais dois anos, maior transparência na divulgação dos relatórios e criação de um processo de participação popular mais amplo por meio de audiências públicas.

“Nenhum dos relatórios realizados até agora foram apresentados para a sociedade. Não há transparência alguma. Não dá para se ter justiça sem que haja o envolvimento da sociedade civil nesse processo”, disse Carla Bueno, do Levante.

A presidenta Dilma prometeu levar à Comissão Nacional da Verdade (CNV) e aos ministérios envolvidos na discussão a proposta de prorrogação das investigações.

Jornada

Os jovens dirigentes das organizações brasileiras que promovem a Jornada Nacional da Juventude Brasileira apresentaram a plataforma das manifestações à presidenta Dilma Rousseff, em audiência realizada nesta sexta-feira (4/4), no Palácio do Planalto.

A jornada organizada por mais de 40 entidades defende mudanças estruturais na sociedade brasileira, como o financiamento público da educação para universalização da educação em todos os níveis,o fim do extermínio da juventude nas grandes cidades, sobretudo negra, a democratização dos meios de comunicação, garantia de trabalho decente, reforma política democrática e a Reforma Agrária.

A jornada, que começou em 25 de março, somará protestos em 16 capitais. Já foram realizadas manifestações em São Paulo, Brasília, Minas Gerais, Paraná, Porto Alegre, Sergipe, Ceará, Manaus, Piauí e Goiás.

A jornada é um marco histórico na luta da juventude brasileira. Há um antes e depois dessa jornada. Isso demonstra a importância da mobilização de rua, que as mudanças estruturais nesse país só se dão com o povo na rua”, disse Raul Amorim, da Coordenação Nacional do Coletivo de Juventude do MST.

“A reunião acontece no contexto das nossas mobilizações. O principal fruto dessa processo foi levar às ruas milhares de jovens e mostrar o protagonismo da juventude tanto nas pautas mais amplas da sociedade quanto as que dizem respeito à juventude”, disse Carla Bueno, do Levante Popular da Juventude.

Paulo Vinicius, secretário de juventude da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), “os temas da juventude são estratégicos para o desenvolvimento do país, dentro de um contexto em que há 60 milhões de jovens que enfrentam variadas dificuldades”.

Para ele, a jornada demonstra a distinção entre o papel do governo e o papel da sociedade, que tem o dever de pressionar para avançar as mudanças. “Ficou evidente a necessidade do povo brasileiro ir às ruas para mudar a realidade deste país. Temos que fazer nossas lutas. A lutas da juventude tendem a crescer. Essa é a nossa tarefa”, acredita.

Educação

De acordo com Manuela Braga, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a educação tem um papel fundamental para o desenvolvimento do país e para a superação da desigualdade.

Os estudantes cobraram de Dilma a destinação de 10% do PIB, 50% do fundo social do pré-sal e 100% dos royalties do petróleo exclusivamente para educação. Segundo Braga, a presidenta declarou apoio à demanda, mas ponderou a necessidade de aprovação no Congresso Nacional da Medida Provisória 592/12, que destina a receita dos royalties do petróleo e recursos do Fundo Social do Pré-Sal para a educação.

Para que o país tenha soberania e independência, é preciso uma reformulação da educação. Essa é uma luta do trabalhador e do estudante do campo e da cidade. Isso possibilitará mudar em profundidade o Brasil ”, disse Amorim, do MST.

Os jovens defenderam as cotas raciais nas universidades públicas, mas colocaram à presidenta a preocupação em relação às universidades estaduais, uma vez que parte delas ainda não incorporou esse sistema.

“Muitas das universidades estaduais trabalham numa lógica de exclusão, e não de inclusão. Levamos essa questão à presidenta e esperamos que se faça algo para mudar esse fato”, disse Braga.

Reforma Agrária

Amorim cobrou da presidenta o assentamento imediato das 150 mil famílias acampadas e a ampliação do programa de agroindústrias do governo federal. Ele denunciou também que, nos últimos 10 anos, 1 milhão de jovens saíram do campo brasileiro e migraram para a cidade.

Para o dirigente do MST, o êxodo rural dos jovens é consequência da paralisação da Reforma Agrária e da lentidão para a generalização de políticas de desenvolvimento da pequena agricultura. “As políticas públicas para os jovens do campo são insuficientes”, disse.

A presidenta Dilma não respondeu as colocações relacionadas ao meio rural.

Reforma política

Os jovens defenderam que o governo federal trabalhe para fazer a reforma política, que garanta financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais e a regulamentação do artigo 14 da Constituição que trata da realização de referendos e plebiscitos de iniciativa popular.

“Sem a reforma política, a juventude fica fora do debate político, sendo que é 40% do eleitorado. Mulheres e negros também são sub-representados”, disse Amorim. Para ele, as eleições no Brasil são um “processo desleal”, já que quem tem mais dinheiro é beneficiado.

A presidenta disse que a reforma política depende da mobilização da sociedade, para pressionar o Congresso Nacional a aprovar a proposta de mudança.

Quem participa da jornada : Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT); Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG); Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP); Associação Cultural B; Centro de Estudos Barão de Itararé; Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM); CONEM; Consulta Popular; ECOSURFI, Coletivo Nacional de Juventude Enegrecer, Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), Federação Paulista de Skate, Fora do Eixo, Juventude da CTB, Juventude da CUT, Juventude da Contag, Juventude do PSB, Juventude do PT, Juventude Pátria Livre; Levante Popular da Juventude; Marcha Mundial das Mulheres; Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); Nação Hip Hop Brasil; Pastoral da Juventude, Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), Rede Ecumênica da Juventude (REJU); Rede da Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade (REJUMA); União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES); União Brasileira de Mulheres (UBM), União da Juventude Socialistas (UJS); União Nacional dos Estudantes (UNE); Via Campesina

Fonte: Brasil de Fato edição 527  de 4 a 10 de abril de 2013
(*) Renato Rovai é editor da Revista Fórum

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Justiça absolve mandante do crime


por Marcelo Brandão, da Agência Brasil

Brasília – Terminou na noite desta quinta-feira (4) o julgamento dos três acusados de assassinar o casal de trabalhadores rurais José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo. Lindonjonson Silva Rocha e Alberto Lopes do Nascimento foram considerados culpados pelos jurados. Lindonjonson foi condenado a 42 anos e oito meses de prisão. Já Alberto a 45 anos de prisão. Sua pena foi maior devido ao entendimento dos jurados de que ele foi o responsável por cortar a orelha de José Cláudio. José Rodrigues Moreira, acusado de planejar, financiar e organizar os assassinatos, foi inocentado.

Ana Maria Magalhães de Carvalho, promotora no caso, afirmou que já recorreu da decisão favorável a José Rodrigues. Segundo ela, as provas contra ele são suficientes para uma condenação. “Várias testemunhas mostraram que ele perdeu 100 mil reais porque queria expulsar posseiros da terra, de uma área grilada, que ele comprou de uma forma ilegal.”

Segundo Ana Maria, José Rodrigues tinha comprado a terra de uns grileiros e, no entanto, lá havia trabalhadores rurais, colocados justamente pelo casal de extrativistas. Os dois eram líderes na região. Rodrigues, conforme disse a promotora, tentou a todo custo expulsar os posseiros que estavam na área e, como não conseguiu, decidiu matar os dois. De acordo com Ana Maria, a defesa também recorreu da decisão, em virtude da condenação dos outros dois réus.

Os jurados se reuniram por volta das 16h para decidir pela culpa ou inocência dos réus. No total, foram ouvidas 16 testemunhas, entre defesa e acusação, além dos próprios acusados. Algumas testemunhas foram dispensadas.

O segundo dia de julgamento teve início às 8h30. Ainda pela manhã, defesa e acusação tiveram duas horas e 30 minutos para expor suas argumentações. De acordo com a assessoria do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), o motivo do crime foi uma disputa por terra, de propriedade de José Rodrigues. Ainda conforme o TJPA, o processo informa que José Cláudio e Maria foram mortos a tiros quando atravessavam uma ponte de moto.

José Cláudio e Maria foram assassinados a tiros em maio de 2011 em um assentamento em Nova Ipixuna, no sudeste do Pará. Os dois denunciavam a extração ilegal de madeira na região em que viviam e afirmavam receber constantes ameaças de morte.

O julgamento durou dois dias e foi acompanhado de perto por cerca de 500 militantes de organizações sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que montaram um acampamento em frente ao fórum.

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, já havia pedido “punição firme e efetiva” aos acusados.

 Fonte: site Envolverde

 Publicado originalmente no site Agência Brasil.