sábado, 14 de setembro de 2013

Dez fatos perturbadores sobre a grande mídia

12/09/2013 - Sophie McAdam - Jornal GGN-O jornal de todos os Brasis

O site True Activist criou uma lista de fatos a respeito da grande mídia de massa internacional, relacionados a casos recentes envolvendo jornalismo e poder.

Confira:

1. Grande mídia só existe para dar lucro
Qual o propósito da grande mídia? 

Dizer que a imprensa existe para informar, educar ou entreter é como dizer que a função principal da Apple é fazer com que a tecnologia possa enriquecer nossas vidas

Na verdade, a indústria de mídia de massa é igual a qualquer outra em uma sociedade capitalista: ela existe para dar lucro.

O MediaLens, site britânico que critica o jornalismo convencional (ou empresarial), afirma que todas as empresas, incluindo aquelas que lidam com a mídia, existem apenas para maximizar o retorno aos acionistas – uma “lei” universalmente aceita como algo divino, uma verdade incontestável.

Sem agradar os acionistas e um conselho de administração, as empresas de mídia de massa simplesmente não existiriam. Assim que você entender isso, nunca mais verá as notícias da mesma forma.

2. Os anunciantes ditam o conteúdo
Como é que a busca do lucro afeta a notícia que consumimos? 

Corporações de mídia obtêm a maior parte - geralmente, em torno de 75% - de seu lucro com publicidade, o que significa que são os próprios anunciantes que ditam o conteúdo, não jornalistas. E certamente não são os consumidores.

Imagine que você é editor de um jornal de sucesso ou de um canal de TV com altos índices de audiência. Você atrai receitas de grandes marcas e corporações multinacionais como a BP, a Monsanto e companhias aéreas dos Emirados Árabes Unidos.

Como poderia, então, lidar com temas importantes, como alterações climáticas, alimentos geneticamente modificados ou desastrosos vazamentos de petróleo de uma forma que fosse honesta com seu público e favorável a seus clientes? A resposta é simples: não pode.

Isso pode explicar porque Andrew Ross Sorkin, do jornal The New York Times – patrocinado pela Goldman Sachs –, é tão interessado em defender a corporação.

Andrew Marr, correspondente político da BBC, resume o dilema em sua autobiografia: “A grande questão é se os limites de publicidade remodelam a agenda de notícias. Eles fazem isso, claro. É difícil fazer as somas somarem quando você está chutando as pessoas que assinam os cheques”.

3. Bilionários magnatas e monopólios de mídia ameaçam jornalismo de verdade
A monopolização da imprensa (pequenos grupos de indivíduos ou organizações que controlam partes crescentes dos meios de comunicação) está crescendo a cada ano, e isso é um grave perigo para a ética e a diversidade.

A política pessoal neoliberal do magnata da mídia Rupert Murdoch [foto ]é repassada por seus 175 jornais e endossada por especialistas (vide Fox News) nos canais de TV que ele possui, 123 deles só nos EUA.

Qualquer pessoa que não esteja preocupada com a visão de mundo desse homem sendo consumida por milhões de pessoas em todo o mundo – dos EUA ao Reino Unido, da Nova Zelândia à Ásia, da Europa à Austrália – não está pensando suficientemente sobre as consequências.

É um monopólio abrangente, que não deixa dúvida de que Murdoch é um dos homens mais poderosos do mundo. Mas, como mostrou o escândalo de escutas telefônicas, ele certamente não é o mais honroso ou ético deles.

Assim como não é Alexander Lebedev, um ex-espião da KGB e político que comprou o jornal britânico The Independent em 2010. Com tanta influência (o oligarca bilionário está envolvido em vários setores, desde bancos de investimentos a companhias aéreas), podemos realmente esperar que a cobertura de notícias dessa publicação, que já foi respeitada, vá continuar na mesma linha? Obviamente que não: o jornal que sempre carregou um banner em sua primeira página declarando-se “livre de preconceitos político-partidários, livre da influência do dono”, curiosamente o abandonou em setembro de 2011.

4. Imprensa corporativa está na cama com o governo
Além do óbvio, um dos fatos mais preocupantes que emergiu do escândalo dos grampos telefônicos de Murdoch foi a exposição de ligações obscuras entre altos funcionários do governo e magnatas da imprensa.

Durante o escândalo, e ao longo do Inquérito Leveson sobre a ética da imprensa britânica (ou a falta dela), ficamos sabendo de encontros secretos, ameaças de Murdoch a políticos que não queriam atender o que ele queria, e que o primeiro-ministro David Cameron [foto] tem uma estreita amizade com o então editor-chefe do Sun, Rebekah Brooks [foto].

Como os jornalistas podem fazer o seu trabalho de manter os políticos prestarem contas quando eles estão de férias juntos ou sentam um ao lado do outro em jantares privados? 

Mas o apoio do governo funciona em ambos os sentidos. Cameron tentou ajudar o filho de Murdoch a vencer uma licitação para a BSkyB, enquanto que, bizarramente, o belicista ex-primeiro-ministro Tony Blair é padrinho de filha de Murdoch, Grace.

Esse apoio bilateral também garante uma tendência esmagadora na cobertura de notícias e campanhas eleitorais, inundando jornais com artigos baratos e fáceis, de fontes governamentais inquestionáveis. Além da ausência de criticas contra quem está no poder.

Essas conexões secretas também são responsáveis por grande parte da futilidade incessante da mídia corporativa ao falso patriotismo, especialmente em períodos que antecedem ataques contra outros países.

Uma interessante análise da cobertura da atual situação na Síria, pelo New York Times, por exemplo, demonstra como os jornalistas estão deixando de refletir sobre o sentimento público a respeito da questão de um ataque em grande escala contra Assad pelos EUA (Estados Unidos) e seus aliados.

5. Histórias importantes são ofuscadas por trivialidades
Você poderia ser perdoado por assumir que a parte mais interessante da situação de Edward Snowden [foto], como denunciante, foi sua viagem de avião de Hong Kong para a Rússia, ou sua longa temporada de espera em um aeroporto de Moscou para alguém – ninguém – oferecer-lhe asilo.

Isso porquê, com a exceção do The Guardian, que publicou os vazamentos, em geral, a mídia tem preferido não se concentrar nas condenatórias revelações de Snowden sobre liberdade e tirania, mas sim sobre trivialidades banais – como sua personalidade e antecedentes, se sua namorada sente falta dele, se ele é realmente um espião chinês, e claro, nos lembrar do desenho “Onde está Wally?” e como ele cruzou o mundo inteiro como um fugitivo.

O mesmo poderia ser dito sobre a mudança de sexo de Bradley Manning que, convenientemente, ofuscou a enorme injustiça de sua sentença.

E o que dizer de Julian Assange? Seu perfil na mundialmente respeitada rede BBC foi dedicado quase que inteiramente a manchar seu caráter, em vez de detalhar os profundos impactos do Wikileaks sobre nossa visão do mundo.

Em todos os casos, as principais histórias são desviadas de nossa atenção, que fica perdida em um mar de curiosidades, e habilmente retiradas dos problemas reais que temos nas mãos: aqueles que, invariavelmente, o governo quer que esqueçamos.

6. A grande mídia não faz perguntas
Verifique suas fontes, cheque os fatos” são regras de ouro do jornalismo, mas você não iria supor que isso é feito a partir da leitura da imprensa ou de canais de TV corporativos.

Neste momento, Obama está batendo os tambores para uma guerra contra a Síria. Após acusações dos EUA e do Reino Unido de que Assad foi o responsável por um ataque químico contra seu próprio povo, no mês passado, a maioria dos grandes jornais, como o New York Times, não exigiu provas do ataque em grande escala.

Mas há várias boas razões para que os jornalistas questionem a história oficial.

Em primeiro lugar, o jornal de extrema-direita britânico The Daily Mail publicou uma notícia, em janeiro deste ano, sobre vazamento de e-mails de uma empresa de armas britânica, mostrando que os EUA estavam planejando um ataque químico contra civis na Síria.

Eles, então, culpariam Assad para obter apoio público para uma posterior invasão em larga escala. O artigo foi rapidamente apagado, mas uma versão em cache ainda existe.

Veja abaixo a carta:


Outra evidência recente atinge o inacreditável.

Verificou-se que os produtos químicos usados para fazer o gás usados no ataque foram enviados do Reino Unido, e a inteligência alemã insiste que Assad não foi o responsável pelo ataque químico.

Enquanto isso, um hacker ativista revelou evidências de envolvimento de agências de inteligência norte-americanas no massacre, que sugerem que houve uma conspiração tramada por potências ocidentais.

Nâo esqueça dos laços da mídia corporativa tanto com grandes empresas como com o governo antes de aceitar o que lhe é dito.

Se o jornalismo está morto, você tem o direito e o dever de fazer suas próprias perguntas.

7. Jornalistas corporativos odeiam jornalistas reais
Michael Grunwald, correspondente do Times, tuitou que não podia esperar para escrever uma reportagem sobre quando um drone matasse Julian Assange.

O escritor David Sirota sublinhou a ironia do fato: “Aqui temos a excitação expressa de um repórter sobre a perspectiva de o governo executar o editor de informações que se tornou a base para algumas das mais importantes informações jornalísticas da última década”.

Sirota passou a notar vários exemplos do que ele chama de “jornalistas contra o clube do Jornalismo”, e cita vários exemplos, como o colunista do The Guardian, Glenn Greenwald, que foi atacado pela imprensa corporativa por causa dos vazamentos feitos por Snowden.

Andrew Ross Sorkin, do New York Times, pediu a prisão de Greenwald, enquanto David Gregory, da NBC, declarou que Greenwald tem “ajudado e instigado Snowden”.

Quanto à questão de saber se os jornalistas podem, de fato, ser francos, Sirota observa precisamente que tudo depende se suas opiniões servem ou desafiam o status quo, e, assim, passam à lista da hipocrisia dos críticos de Greenwald: "Grunwald tem dado opiniões barulhentas que orgulhosamente apoiam os ataques aéreos do governo e de vigilância."

As opiniões de Sorkin promovem os interesses de Wall Street.

David Broder (do The Washington Post) tinha opiniões que sustentavam, entre outras coisas, a agenda comercial do “livre” serviço corporativo do governo.

Bob Woodward (também do Washington Post) tem opiniões de apoio cada vez maiores ao orçamento do Pentágono, que enriquece empreiteiros do setor de defesa.

Jeffrey Goldberg (The Atlantic's) promove o complexo militar-industrial, e geralmente tem opiniões pró-guerra.

Thomas Friedman (New York Times) tem as mesmas opiniões de todos os outros, promovendo o “livre” comércio, por exemplo.

Esas vozes lealmente promovem os pressupostos não declarados que servem às estruturas de poder e que dominam a política americana. Todas as suas opiniões particulares não são sequer tipicamente retratadas como opiniões, pois geralmente representam "objetividade sem polêmicas”.

8. Má notícia vende, boa notícia é censurada, e fofocas de celebridades são questões importantes
É triste mas é verdade: uma má notícia realmente vende mais jornais. Mas por quê?

Será que estamos realmente tão pessimistas? Será que saboreamos o sofrimento dos outros? Estamos secretamente felizes de que algo terrível aconteceu com alguém, que não seja nós?

Lendo a imprensa corporativa como um alienígena em visita à Terra, você poderá achar isso.

Geralmente, a cobertura de notícias é sensacionalista e deprimente como o inferno, com tantas páginas dedicadas a homicídios, estupros e pedofilia, mas nenhuma (ou muito poucas) para as centenas de milhares de boas ações e movimentos incrivelmente inspiradores que ocorrem a cada minuto de cada dia em todo o planeta.

As razões para consumirmos más notícias é perfeitamente lógica.

Em tempos de paz e harmonia, as pessoas simplesmente não sentem a necessidade de educar-se, tanto quanto o fazem em épocas de crise. Essa é uma boa notícia para quem começava a se desesperar com a ideia de que os seres humanos são apáticos, odiosos e mudos.

Poderia-se argumentar que esse fato preocupante e simples é um grande incentivo para a indústria da comunicação social para fazer algo que vale a pena.

Ela poderia começar a oferecer um ângulo positivo e de esperança para uma mudança. Poderia usar períodos obscuros de maior interesse público para transmitir uma mensagem de paz e de justiça. Poderia refletir o desejo da humanidade por soluções e nossas preocupações urgentes com o meio ambiente. Poderia atuar como a voz de uma população mundial que sofreu bastante com violência e mentiras, para fazer campanha voltada à transparência, à igualdade, à liberdade, à verdade e à verdadeira democracia. 

Venderia jornais? Acho que sim. Poderiam até mesmo defender alguns políticos em nome do povo.

Mas, para o futuro próximo, é provável que a imprensa corporativa só venha a desviar nossa atenção com outra foto da bunda da Rihanna, outro rumor sobre os hábitos de Justin Bieber ou outro artigo sobre Kim Kardashian usando saltos altos com os tornozelos inchados durante a gravidez. 

9. Quem controla a linguagem controla a população
Você já leu clássico romance de George Orwell, “1984”? 

Ele tornou-se uma referência-clichê na distopia de hoje, isso é verdade, mas com uma boa razão.

Há muitos, muitos paralelos entre o futuro obscuro e imaginário de Orwell e nossa realidade atual, mas uma parte importante de sua visão se concentra na língua.

Orwell cunhou o termo “novilíngua” para descrever uma versão simplista do idioma inglês com o objetivo de limitar o livre pensamento sobre as questões que desafiam o status quo (criatividade, paz e individualismo, por exemplo).

O conceito de novilíngua inclui o que Orwell chamou de “duplipensar” – como a linguagem é construída de forma ambígua, ou mesmo invertida, para transmitir o oposto do que é verdadeiro.

Em seu livro, o Ministério da Guerra é conhecido como o Ministério do Amor, por exemplo, enquanto o Ministério da Verdade lida com propaganda e entretenimento. Soar familiar?

Outro livro que investiga o tema mais profundamente é “Unspeak”, uma leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada em linguagem e poder e, especificamente, em entender como as palavras são distorcidas para fins políticos.

Termos como “mísseis mantenedores da paz”, “extremistas” e “zonas livres”, as armas sendo referidas como “espólios”, ou eufemismos comerciais enganosos como “enxugamento” para redundâncias e “por do sol” para o extermínio – esses e centenas de outros exemplos demonstram como a linguagem pode ser poderosa.

Em um mundo de crescente monopolização da mídia corporativa, aqueles que exercem o poder podem manipular palavras e, portanto, a reação do público, para incentivar o cumprimento, defender o status quo, ou provocar medo.

10. A liberdade de imprensa não existe mais
A única imprensa que está atualmente livre (pelo menos por enquanto) é a publicação independente, sem anunciantes corporativos, conselho de administração, acionistas ou diretores executivos.

Detalhes de como o Estado redefiniu jornalismo são mencionados no item nº 7, mas o melhor exemplo recente seria o tratamento do governo ao The Guardian sobre a publicação dos vazamentos de Snowden.

É bom ressaltar que é possível que esse jornal jogue conosco, assim como qualquer outro – o Guardian Group não é peixe pequeno, afinal.

Por outro lado deveríamos achar difícil de acreditar que, depois da publicação dos arquivos da NSA, o editor Alan Rusbridge relatou o que foi dito pelas autoridades: “você já teve o seu divertimento, agora devolva os arquivos”; que os funcionários do governo invadiram a redação e destruíram discos rígidos, ou que o parceiro de Greenwald, David Miranda, foi detido por nove horas em um aeroporto de Londres sob a Lei de Terrorismo, e teve apreendidos documentos relacionados com a história contada pelo colunista?

O jornalismo, lamentou Alan Rusbridge, “pode estar enfrentando uma espécie de ameaça existencial”.

Conforme escreveu o âncora da CBS Evening News, Dan Rather: “Temos alguns príncipes e condes hoje, mas certamente eles têm seus equivalentes modernos que buscam gerenciar a notícia, fazer fatos desagradáveis desaparecerem e eleger os representantes que estão a serviço de sua própria agenda econômica e social.

A 'imprensa livre' não é mais um fiscal do poder. Ela foi transformada em parte do próprio aparato de poder”.

Fonte:
http://jornalggn.com.br/noticia/dez-fatos-perturbadores-sobre-a-grande-midia

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Por que a mídia não quer que mude nada

10/09/2013 - Paulo Nogueira [*]- Diário do Centro do Mundo

Como mostra a lista de bilionários da Forbes, as famílias lucram extraordinariamente com os privilégios que têm.

Na rarefeita lista dos bilionários brasileiros montada pela revista Forbes estão quatro donos de empresas de mídia: os três irmãos Marinhos – Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto – [foto] e Giancarlo Civita, o Gianca, primogênito e um dos herdeiros de Roberto Civita. [Editora Abril]

Essa simples informação – a lista da Forbes não é científica, mas ao longo de décadas seus editores desenvolveram métodos sofisticados de apuração – explica por que a mídia brasileira luta tanto contra qualquer mudança que represente o fim de seus imensos privilégios e mamatas.

O número 1 é o investidor Jorge Paulo Lemann. Mas se você combinar as fortunas dos três herdeiros de Roberto Marinho, Lemann é ultrapassado com 
folga.

Um olhar de floresta sobre a listagem mostra que 124 pessoas concentram 12,3% do PIB brasileiro.

Eis um número que se pode classificar de miserável: é a representação da extrema iniquidade do país.

Vi a notícia no site da Exame, da Abril, e evidentemente fui lê-la. Um bom texto, exceto por uma omissão que mostra como é difícil a vida dos jornalistas profissionais no Brasil de hoje: entre os setores que abrigam os bilionários não estava citada a mídia.

Presumo que o editor, ou o próprio redator, tenham tirado a menção por cuidado.

A voz rouca das ruas não tem ideia das facilidades que as grandes empresas de mídia têm recebido ao longo dos tempos do Estado. Ou, para sermos mais precisos, do contribuinte.

O papel usado, por exemplo, é isento de impostos. É o chamado “papel imune”, no jargão interno das empresas de jornalismo. Tampouco elas pagam 
ISS sobre as vendas de publicidade.

Ao longo da história, órgãos como o BNDES e o Banco do Brasil concederam empréstimos a juros maternos para a mídia, sempre com dinheiro público.

Nos anos 1980, o Jornal do Brasil pagava suas dívidas perante o Banco do Brasil com anúncios. Mesmo assim, quebraria por causa de uma gestão ruinosa.

É um clássico na mídia: a administração é lastimável. Isso se explica, em parte, pela absurdamente anacrônica reserva de mercado mantida para as 
grandes corporações jornalísticas.

A reserva – que a mídia combate em todos os setores exceto o dela mesma – impede a concorrência estrangeira. Mas o preço pela facilidade são gestões trôpegas, típicas de quem goza de reserva. Para as famílias acionistas é uma coisa boa, mas para a sociedade é péssimo.

Administrações atrapalhadas ajudam a entender por que, mesmo com tantas vantagens bancadas com dinheiro público, as empresas de mídia frequentemente estiveram à beira da quebra. Muitas foram além disso e se instalaram no cemitério.

Veja a diferença.

No exterior, Rupert Murdoch [foto], da News Corp, construiu um império global à base de risco.

Murdoch foi da Austrália para o Reino Unido, e de lá para os Estados Unidos, com base em apostas que poderiam levá-lo ao céu ou ao inferno.

No final da década de 1980, ele decidiu investir em tevê por satélite. Pegou dinheiro emprestado em bancos e montou a Sky. Mas as coisas não correram como o esperado, e ele esteve à beira de ir à bancarrota.

Foi obrigado pelos credores a se juntar em tevê por satélite com a rival da Sky, a BSB. Pouco tempo atrás, ele estava com o dinheiro pronto para comprar a parte da BSB por mais de 20 bilhões de reais. O negócio só não foi feito porque o escândalo de seu tabloide levou o governo britânico a proibir a aquisição.

Veja, em contraste, como a Globo construiu sua supergráfica que foi concebida, pausa para rir, para uma tiragem de mais de 1 milhão de exemplares do Globo.

A Globo foi buscar dinheiro no lugar de sempre, o BNDES. Ou seja, a viúva e os pensionistas foram convocados para ajudar a família Marinho.

A mídia tem tido no Brasil um “Estado-babá”. Isso é bom para seus acionistas, como se vê pela Forbes.

Para a sociedade, é uma tragédia.

[*] O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-a-midia-nao-quer-que-mude-nada/

Leia também:http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/09/dez-fatos-perturbadores-sobre-grande.html

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Um "errinho" de 1,3 bilhão

06.09.2013 - [Santo Antônio e Jirau] ‘Errinho’ de 1,3 bilhão: quem fez e quem pagará?
- Lúcio Flávio Pinto - Adital

Em agosto de 2008, o governo federal licitou duas das mais extensas linhas de transmissão de energia do Brasil.

Para fazer a ligação entre as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, ambas no rio Madeira, em Rondônia, e Araraquara, em São Paulo, elas têm uma extensão de 2,375 quilômetros.

Jirau e Santo Antônio são, por sua vez, duas das maiores usinas de energia do país – e do mundo. 

Juntas, terão capacidade para 6.400 MW, metade da potência nominal da polêmica hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, projetada para ser a terceira maior do mundo.

No momento da licitação das linhas, as duas usinas já estavam em construção, por dois diferentes consórcios, que venceram as concorrências para geração, em 2007 e 2008.

O empreendimento conjunto é de grandeza mundial: começando com custo estimado de R$ 20 bilhões, já bate na marca dos R$ 30 bilhões.

No mês passado, o jornal Valor Econômico, de São Paulo, revelou um erro grave – e quase inacreditável – cometido no planejamento de uma obra desse porte.

Segundo o jornal, os que a projetaram, no âmbito do Ministério de Minas e Energia, simplesmente "esqueceram” de fazer a conciliação na conexão da energia gerada nas hidrelétricas com a linha, que a recebe e transmite por longa distância.

O edital de licitação nada teria dito sobre essa estação conversora e o sistema de proteção e controle das turbinas.

Descoberto apenas no final de 2010, o problema foi registrado em um documento oficial somente em junho deste ano, quase dois anos depois. Foi 
durante uma das reuniões mensais de um órgão governamental encarregado do monitoramento permanente do setor elétrico nacional.

A partir daí o erro começou a ser sanado. Seu efeito danoso consiste em limitar o volume de energia que as duas hidrelétricas poderão transmitir. 

Em dezembro, elas estarão em condições de colocar 3 mil MW no mercado brasileiro, mas as linhas só poderão transmitir 1,1 mil MW, sendo 700 MW para São Paulo e 400 MW para o Acre. Se mais for transmitido, as turbinas de Jirau e Santo Antônio poderão simplesmente queimar.

O jornal paulista cobrou respostas das autoridades para a gravíssima questão. "Questionado, o ministério de Minas e Energia, Edison Lobão, enviou à reportagem uma explicação detalhada sobre a falha, sem apontar responsabilidades.

Mas logo depois tratou de atribuir a culpa às concessionárias, repassando-lhes os custos. A Aneel [agência estatal], que exerce as funções de fiscalização, recusou todos os pedidos de entrevista. Só o ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] aceitou se pronunciar”, registrou o Valor.

"Identificou-se tardiamente a necessidade de instalação do GSC na geração”, reconheceu o diretor-geral do órgão, Hermes Chipp ao jornal, que complementou: "Segundo ele, há um grupo dedicado a monitorar cronogramas e conciliar os processos necessários para resolver a questão. Ele aposta em uma solução até dezembro e lembra que, devido ao atraso também na entrada em funcionamento das usinas e da própria linha de transmissão, o 
prejuízo não será tão grande. ‘Um atraso acabou ajudando o outro’”.

Simples, portanto. E estamos conversados. Fim de papo. Nenhuma matéria mais a respeito. O problema, que é mínimo, está resolvido.

Mas a que preço, cara-pálida?

A peça necessária para proteger as turbinas na hora de repassar a energia para ser transmitida custa 14 milhões de reais, diz o jornal. Como 88 turbinas serão instaladas (41 já estarão em funcionamento em dezembro) nas duas hidrelétricas, o acréscimo – decorrente do cochilo dos técnicos que projetaram as obras – será superior a R$ 1,3 bilhão, ou 4% do custo total das usinas, que já foi majorado em quase metade do valor que tinha quando elas foram licitadas.

O ministério soprou à imprensa que o valor é muitíssimo menor, de R$ 100 milhões. E "um técnico do governo” disse a O Globo que o valor pode ir além de R$ 500 milhões.

Quem vai pagar por esse erro?

Não os dois consórcios que constroem Jirau e Santo Antônio. A falha não foi deles, que, bem ou mal, vão fazendo a sua parte (mais ou menos) como está no roteiro.

Pagarão os técnicos que assinaram os projetos? Evidentemente que não.

O ministro? A presidente (ou presidenta) da república? É óbvio que não.

Pagará o consumidor final, que, nessa história, como nas demais, tem a função de pato.

Mas não é só uma questão de dinheiro a mais a investir e ressarcir (ou absorver na formação da tarifa a ser cobrada do cidadão).

Nas grandes hidrelétricas, como a de Tucuruí, no rio Tocantins, no Pará, o governo era o responsável tanto pelas obras de geração quanto pelas de transmissão. Eram sistemas complementares, integrados. Formavam um todo.

Nas últimas grandes obras o sistema de geração foi dissociado do sistema de transmissão. O principal motivo pode ter sido o gigantismo de cada um. Se uma hidrelétrica de porte na Amazônia tem seu custo calculado em bilhões de reais, as linhas de transmissão também passaram a ser definidas por parâmetro igual.

Nunca antes, como diria Lula, a transmissão custou tanto, comparativamente com a geração, em todo o mundo.

Se as duas partes forem reunidas num mesmo pacote, o volume gigantesco de dinheiro (quase todo público) saltaria ainda mais aos olhos, de forma escandalosa.

Só o reajuste de orçamento das três pantagruélicas usinas em construção na Amazônia (Belo Monte [ao lado-maquete], Jirau e Santo Antônio), entre a data licitação, quando o vencedor foi decidido pelo valor que apresentou, e sua posição atual, de R$ 20 bilhões, daria para construir mais uma hidrelétrica pelo preço com que as três em obras eram estimadas quando as concessões foram vendidas. Ou seja: no curto espaço de 4/5 anos.

Qual a razão dessa matemática que não fecha em número exato, subvertendo a ciência? A mesma razão que levou os técnicos a conceber duas grandes unidades contínuas, a obra de geração e a de transmissão, sem atentar para o "detalhe” de que elas precisavam dialogar entre si. O custo dessa incomunicabilidade, de R$ 1,3 bilhão (R$ 500 milhões ou R$ 100 milhões, nas cifras disparatadas), é outro "detalhe” nessa monumental anomalia.

Tão imensa quanto invisível na terra em que o pior cego é aquele que não quer ver e tem raiva dos que não só enxergam, mas também querem transmitir o que veem.

Colocando a boca no mundo, pois, antes de a conta ser apresentada.

Fonte:
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?boletim=1&lang=PT&cod=77442

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

40 anos do golpe no Chile

10/09/2013 - Samuel Pinheiro Guimarães - Agência Carta Maior

Fora do contexto mais amplo da política dos Estados Unidos para a América Latina, é difícil compreender o golpe no Chile, 40 anos atrás.

Desde a Independência das colônias espanholas e portuguesa, no início do século XIX, e da proclamação da Doutrina Monroe, em 1823, os Estados Unidos consideram, e as potências europeias reconhecem (e muitos latino americanos aceitam), que a América Latina deve estar necessariamente na sua área de influência, isto é, sob a sua hegemonia.

Sobre a América Central e o Caribe os Estados Unidos estabeleceram o seu domínio com a conquista pela força armada de mais da metade do território do México, em 1848; com as seguidas intervenções e longas ocupações militares na Nicarágua, no Haiti, na República Dominicana e outros países; com a conquista de Cuba e de Porto Rico à Espanha; com a promoção da secessão do Panamá, em 1903, e a construção do Canal, com sua Zona de ocupação militar permanente, que perdurou até o ano 2000.

Estava criado o Mar Americano, do novo Povo Eleito.

Sobre a América do Sul, os Estados Unidos demorariam a estabelecer sua hegemonia, em parte devido à maior dimensão dos Estados e em parte devido à presença financeira, comercial e política inglesa até o fim da Primeira Guerra Mundial.

Encontraram os americanos sempre, em suas investidas de articulação política dos países da América do Sul, a oposição argentina, o VI Domínio da Grã-Bretanha, e a cooperação brasileira, desde o Barão do Rio Branco, na chamada Aliança não-escrita.

Após a penosa vitória sobre o Império Alemão, em 1918, conseguida, aliás, somente graças à ajuda econômica e militar americana, começa a se esvair a presença britânica na América do Sul e a se afirmar a influência política e econômica dos Estados Unidos.

O Corolário à doutrina Monroe, de autoria de Teodoro Roosevelt, belicoso tio de Franklin Delano, anunciado em 1904, em que os Estados Unidos se arrogavam o direito de intervir em qualquer país do Continente que se revelasse incapaz de manter a ordem (isto é, os interesses americanos) e o 
êxito em incluir a Doutrina Monroe entre os princípios do tratado de criou a Liga das Nações, em 1919, revelam claramente a visão americana da América Latina. 

Devido à necessidade de aliciar o apoio dos Estados do Continente diante da ameaça nazista no horizonte, os Estados Unidos abandonaram a política do big stick e a diplomacia do dólar e lançaram a Política de Boa Vizinhança, com Zé Carioca e tudo o mais, renunciando retoricamente à sua hegemonia, e passaram a cultivar ativamente as elites e, muito em especial, os proprietários dos meios de comunicação na América do Sul.

Após a Segunda Guerra, o extraordinário prestígio americano e sua determinação de alinhar os regimes sul-americanos na luta contra o comunismo levou, de um lado, à criação, em 1948, da Organização dos Estados Americanos, a OEA, organismo regional previsto na Carta das Nações Unidas, e, de outro lado, à defesa da livre iniciativa como dínamo do desenvolvimento latino-americano, com atração do capital estrangeiro, o que 
significava capital americano, visto o estado precaríssimo das economias europeias no pós-guerra.

Com a Revolução Cubana, em 1959, tudo muda. A invasão fracassada da Baía dos Porcos (semelhante à operação que depôs Jocobo Arbenz, na Guatemala, 
em 1954); a oposição americana, cada vez mais feroz, a Cuba; a arregimentação dos regimes latino-americanos contra Cuba; a resistência de certos governos, entre eles o do Chile, à determinação americana de intervir em Cuba; e a suposta fragilidade dos governos civis latino-americanos diante da imaginada influência cubana e comunista, transformariam a política de Boa Vizinhança na política de instalação de governos militares, na aplicação da teoria da modernização autoritária, da qual fazia parte a Aliança para o Progresso.

O primeiro regime militar a ser instalado na execução da nova política foi o do Brasil, em 1964, em que houve ampla participação americana na preparação do golpe, inclusive na escolha do novo presidente, o general Castelo Branco, amigo do adido militar americano, Vernon Walters, segundo os documentos revelados pelos Estados Unidos e mostrados no educativo filme, O Dia que Durou 21 Anos.

Era a política de mudança de governo (regime change) executada pela CIA, de forma encoberta (covert action) com ações diretas e de espionagem, hoje fartamente documentada, e que nos dias atuais se faz de maneira absolutamente aberta, e até com certa desfaçatez, com a participação de 
serviços de inteligência e de ação americanos (special operation forces), de fundações públicas e privadas, de ONGs.

Tudo com a ajuda da tecnologia mais sofisticada de espionagem, da qual não escapam os aliados (acólitos) mais confiáveis, como a Alemanha de Frau Angela Merkel e a França de Monsieur François Hollande e aqueles Estados amigos, como o México, do Señor Peña Nieto, tão longe de Deus, e o Brasil, da Senhora Dilma Rousseff, surpresa e indignada.

O Chile era, em 1973, um caso de grande importância estratégica para a política americana na América do Sul. 

A ascensão democrática de Salvador Allende, sua disposição de implantar um regime socialista democrático e nacional no Chile, sua política externa independente, o receio de que viesse a estimular países latino-americanos a procurarem novas estratégias de desenvolvimento e a se rebelarem contra as ditaduras militares já implantadas no Brasil (1964) na Argentina (1966 ) no Uruguai (1971), na Bolívia (1971) levaram à determinação americana de organizar um golpe militar no Chile com a articulação financeira, política e midiática da direita civil e militar do pais. 

Os Estados Unidos articularam a ascensão ao poder de uma das ditaduras mais cruéis, violentas e implacáveis da América Latina, comandada pelo 
General Augusto Pinochet, pelo jornal El Mercúrio e pelo empresariado chileno. 

A ditadura do General Augusto Pinochet (foto) reverteu a reforma agrária do Governo Allende e implantou um programa neoliberal de reformas econômicas, 
sob o comando dos Chicago Boys , um primeiro resultado do programa de formação de pessoal nos Estados Unidos, financiado pela Aliança para o Progresso, fenômeno que se repetiria mais tarde em outros países da América do Sul.

A Operação Condor (abaixo), a articulação dos governos militares para perseguir, capturar e executar as lideranças políticas de esquerda , teve como seu inspirador o Chile, com a famosa DINA, Direção de Inteligência Nacional, cujo chefe era pago pela CIA. 

O apoio brasileiro ao golpe militar chileno foi imediato e prolongado no tempo assim como o apoio norte americano e dos países europeus.


Com a crescente oposição americana aos regimes militares devido à sua deriva para uma posição de certa independência em relação aos Estados 
Unidos, com projetos em especial na área militar (tais como o projeto Condor de mísseis na Argentina e os programas brasileiros nas áreas espacial, nuclear e de informática), e com a nova política americana de direitos humanos, o regime de Pinochet perderia o apoio americano, dos europeus e dos países da região mas somente viria a ser substituído em 1990.

Interessante, antes e após a queda do regime de Pinochet, ditadura cruel e implacável, foi a defesa, por certos órgãos da mídia internacional e brasileira, do regime chileno como modelo para o Brasil, e para outros países latino-americanos, justificando o regime militar como forma necessária de implantar as reformas econômicas.

Agora, redemocratizada a América do Sul, neoliberalizada pelos programas de renegociação da dívida e pela aplicação das políticas, definidas pela academia, Tesouro americano, FMI e Banco Mundial, resumidas no Consenso de Washington, políticas implantadas por economistas treinados nas melhores universidades americanas, futuros banqueiros e empresários, tudo parecia tranquilo para o Império.

Mas, como o Continente viu a emergência de movimentos sociais e de Partidos políticos de diferentes matizes de esquerda, eleitos democraticamente, presenciamos hoje operações políticas de regime (ou policy) change nos diversos países da América do Sul que não aderiram ao modelo americano de política econômica, implantado pelos acordos de livre comercio que o Chile, já em 1994, a Colômbia e o Peru celebraram com os Estados Unidos e que tem como princípios a privatização, a desregulamentação, a abertura comercial e financeira, o privilégio ao capital multinacional.

Hoje, os Governos da América do Sul podem realizar programas sociais (no que terão o apoio da Igreja, antiga defensora dos regimes militares, hoje convertida), reduzindo a pobreza e estabilizando sociedades em extremo desiguais, podem construir sua infraestrutura a duras penas e podem ter veleidades de política externa, até aceitas pois agradam os movimentos de esquerda, mas não podem, sob pena de se tornarem alvo de políticas 
ativas de regime change, tomarem iniciativas concretas para promover políticas que abalariam os pilares da dominação imperialista:

democratizar a mídia 
fazer a auditoria da dívida pública 
substituir o regime de metas inflacionárias por um regime de metas de desenvolvimento e emprego 
disciplinar o capital multinacional 
desenvolver sua indústria de defesa 

Os Estados que respeitarem estes limites, que não tentarem implementar políticas com tais objetivos, continuarão a crescer a taxas muito baixas, 
cada vez mais desiguais ainda que com menos pobres, sem autonomia tecnológica, vulneráveis política e militarmente, seu Estado endividado, mas, 
para a tranquilidade e satisfação de suas classes conservadoras (ainda que sempre apreensivas) continuarão a ser parceiros confiáveis (reliable 
partners) dos Estados Unidos e de sua hegemonia imperial. 

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22668

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A BRICSNET - UMA REDE PARA OS BRICS

Por Mauro Santayana*

(JB)-Entre as diferentes hipóteses de resposta à espionagem da Presidente da República e de seus ministros e assessores, aventa-se a possibilidade – segundo afirmam os meios de comunicação, teria sido suspenso o envio da delegação precursora – do cancelamento da viagem de Dilma Roussef aos EUA, no mês que vem.

Pensando fria e estrategicamente, esta pode não ser a opção mais adequada para enfrentar o problema. Ao deixar de comparecer a uma visita de Estado, mesmo que em previsível gesto de protesto, o Brasil estaria abdicando de mostrar ao mundo que procura ter com os Estados Unidos uma relação à altura.

Estaríamos, guardadas as devidas proporções e circunstâncias, agindo como o governo golpista  de Federico Franco, que, ao tentar – de maneira inócua - reagir contra a suspensão do Paraguai do Mercosul por    quebra  de suas  salvaguardas democráticas, resolveu votar contra a vitoriosa eleição de representantes brasileiros na OMC e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Muito mais efetivo seria se, no âmbito dos  BRICS, Dilma obtivesse de nossos parceiros russos, chineses, indianos e sul-africanos, o compromisso de se trabalhar, coordenada e aceleradamente, no desenvolvimento de uma BRICSnet.

Uma rede de internet para o grupo, alternativa e paralela à que foi criada pelos Estados Unidos e que permanece sob estrito controle dos norte-americanos. Um sistema que contasse com avançados programas criptográficos que embaralhassem a informação entre origem e destino,  impedindo que ela fosse decifrada pelas agências de inteligência dos EUA.

Segundo o analista geopolítico Eric Drauster, entrevistado pela edição espanhola do Russia Today esta semana, o grande alvo da espionagem norte-americana – e isso está claro no caso brasileiro – são os BRICS, como a única aliança capaz de rivalizar com o bloco EUA-União Européia nos planos político, estratégico e econômico nos próximos anos, e essa mesma premissa vale para o campo das redes globais de comunicação instantânea.
 
A China possui, hoje, tecnologia de ponta na área de telecomunicações, a ponto da  Huawei ter sido impedida de trabalhar nos EUA, pelo Congresso dos Estados Unidos, sob a suspeita – olhem só quem está falando – de que seus equipamentos fossem usados para espionar os norte-americanos.
A Índia, com centenas de milhares de programadores formados, todos os anos, nas mais avançadas linguagens da engenharia da computação, dispõe de um verdadeiro exército para o desenvolvimento de softwares e chaves  criptográficas virtualmente imunes à bisbilhotice da CIA ou da NSA.

Juntos, Rússia, China, Índia, Brasil e África do Sul poderiam, se quisessem, em menos de um ano, espalhar uma rede de cabos submarinos da BRICSnet unindo seus respectivos continentes sem que esses equipamentos passassem, como acontece hoje, pelo território dos EUA.

Uma rede de satélites de comunicação da BRICSnet também poderia ser desenvolvida e lançada em curto espaço de tempo – quem sabe como o primeiro projeto a ser financiado pelo banco de infraestrutura dos BRICS - nos moldes de outros programas já existentes, como o CBERS, o Programa de Satélites China-Brasil de Recursos Terrestres.

Uma aliança na BRICSnet entre desenvolvedores indianos e a manufatura chinesa, com a colaboração de russos, brasileiros e sul-africanos, seria praticamente imbatível no desenvolvimento e venda, para os países emergentes – só o Grupo BRICS representa mais de 40% da população do mundo – de  novos serviços de email, redes sociais, navegadores, sistemas de exibição e distribuição de vídeos e música, sistemas operacionais para tablets e telefones inteligentes, tudo desenvolvido à margem das empresas ocidentais que hoje colaboram, prestimosamente, com os serviços de espionagem dos Estados Unidos.

A Presidente Dilma, poderia, sim, fazer sua visita de Estado aos Estados Unidos.  É importante que ela escute as explicações – se houver e forem dadas – do Presidente Barrack Obama, que pode ter lá seus problemas com a área de inteligência, como temos aqui, de vez em quando, com a nossa.
Mas é muito mais importante, ainda, que ela discurse no jardim da Casa Branca, dizendo na cara dos norte-americanos, e diretamente ao próprio Presidente Barrack Obama, que a nenhum país foi dado o direito de tutelar os outros em assuntos de segurança.

Que o Brasil, assim como outros grandes países, não delegou a ninguém a licença de defendê-lo no mundo.

Que somos uma nação soberana que não aceita ser monitorada, sob nenhum pretexto, por quem que seja.

E que a comunicação entre países e entre pessoas não pode – em defesa justamente da liberdade e da democracia – ficar, sob nenhuma hipótese, a cargo de um único estado, por mais que esse estado acredite em mandato divino ou destino manifesto.


Prefiro os brasileiros

24/08/2013 - Porque prefiro ser tratado por médicos brasileiros. Ou não!
- Antonio Mello em seu blog do Mello

Eu prefiro ser tratado por médicos brasileiros, embora 54,5% dos 2400 formandos que fizeram a prova do Conselho Regional de Medicina de SP não

O pior é que os erros se concentraram em áreas básicas. Mesmo assim vão poder exercer a profissão e atender aos infelizes que caírem em suas reprovadas mãos. Mas eu não moro em São Paulo.

Prefiro médicos brasileiros, porque eles são coisa nossa. Por exemplo, a gente liga pra marcar consulta e a telefonista do doutor pergunta: - é particular ou plano? Se for plano, empurram sua consulta lá pra frente. Particular, eles dão um jeitinho. Coisa nossa.

Prefiro médicos brasileiros, porque quando chego ao consultório, fico esperando mais de uma hora pra ser atendido. É porque eles são bonzinhos,
gostam de atender a todo mundo, e sabem que ali, no calor apertado da sala de espera, sempre pode rolar uma conversa agradável sobre sintomas e
padecimentos com outros médicos. E a socialização é muito importante.

Sem contar que podemos adquirir informação, com a leitura daquela Veja em 
que Airton Senna e Adriane Galisteu ainda estão namorando. Ah, tempo bom! É coisa nossa.

Prefiro médicos brasileiros, porque quando a consulta é particular, eles fazem questão de não dar recibo, ou então a recepcionista pergunta se vou querer a nota fiscal, porque aí o preço é diferente. Não é sonegação, claro que não. É porque eles têm vergonha de espalhar quanto cobram pela consulta. Coisa nossa.

Prefiro médicos brasileiros, porque eles vivem chorando miséria, mas, mesmo assim, no estacionamento dos médicos nos hospitais só tem carrão carrão importado. Parece até pátio de delegacia de polícia. Coisa nossa.

Prefiro médicos brasileiros, porque você faz todo o acompanhamento de sua doença com o doutor do seu plano de saúde, mas na hora da cirurgia,
embora ela seja coberta pelo plano, o doutor sempre pede um por fora, pra ele e equipe. Inclusive o anestesista, aquele médico que não é médico, não tem plano, não obedece a sindicatos nem nada. É sempre por fora. É coisa nossa.

Prefiro médicos brasileiros, porque várias vezes você chega ao posto de saúde, a uma emergência ou ao hospital e ele simplesmente não foi trabalhar, e usa de sua criatividade, inventando até dedinhos de silicone, para receber aquele salário que eles dizem que é uma merreca. Mas, isso é mentira, na verdade eles não vão trabalhar porque os hospitais, ambulatórios, as emergências e postos de saúde não dão condições.

Eles só não largam o emprego porque têm pena dos pacientes que vão deixar na mão - embora não trabalhem. Pelo menos é o que dizem. Coisa nossa.

Só escrevo este texto, porque tenho vários amigos médicos e, infelizmente, não vejo nenhum deles se levantar contra esse hediondo corporativismo,
contra essa maluquice generalizada de que seus colegas cubanos (que trabalham no mundo inteiro) são despreparados e, pior, vão espalhar a
ideologia comunista pelo Brasil.

Esses médicos que acham que municípios sem médicos têm que continuar assim, enquanto não tiverem infraestrutura, como naquela história da época da ditadura, de que era preciso primeiramente fazer crescer o bolo para depois dividi-lo.

Se os médicos estivessem defendendo seu mercado de trabalho... Mas, não, os médicos estrangeiros só estão vindo ocupar vagas que foram recusadas por seus colegas brasileiros, que não querem trabalhar e também não querem que outros trabalhem. O paciente... ah, o paciente. Ele não é mais paciente, agora é cliente.

Claro que temos ótimos médicos. E muitos deles já se declararam a favor da vinda de seus colegas do exterior.

Temos ótimos médicos, repito. Vários deles trabalhando em condições precárias. Temos muito o que melhorar, e a presidenta Dilma reconheceu o problema em seu pronunciamento na TV:

"Quero propor aos senhores e às senhoras acelerar os investimentos já contratados em hospitais, UPAs e unidades básicas de saúde.

Por exemplo,ampliar também a adesão dos hospitais filantrópicos ao programa que troca dívidas por mais atendimento e incentivar a ida de médicos para as cidades que mais precisam e as regiões que mais precisam.

Quando não houver a disponibilidade de médicos brasileiros, contrataremos profissionais estrangeiros para trabalhar com exclusividade no Sistema Único de Saúde. 

Neste último aspecto, sei que vamos enfrentar um bom debate democrático. De início, gostaria de dizer à classe médica brasileira que não se trata, nem de longe, de uma medida hostil ou desrespeitosa aos nossos profissionais. Trata-se de uma ação emergencial, localizada, tendo em vista a grande dificuldade que estamos enfrentando para encontrar médicos, em número suficiente ou com disposição para trabalhar nas áreas mais remotas do país ou nas zonas mais pobres das nossas grandes cidades. 

Sempre ofereceremos primeiro aos médicos brasileiros as vagas a serem preenchidas. Só depois chamaremos médicos estrangeiros. Mas é preciso ficar claro que a saúde do cidadão deve prevalecer sobre quaisquer outros interesses.

O Brasil continua sendo um dos países do mundo que menos emprega médicos estrangeiros. Por exemplo, 37% dos médicos que trabalham na Inglaterra se graduaram no exterior. Nos Estados Unidos, são 25%. Na Austrália, 22%.

Aqui no Brasil, temos apenas 1,79% de médicos estrangeiros. Enquanto isso, temos hoje regiões em nosso país em que a população não tem atendimento médico. Isso não pode continuar.

Sabemos mais que ninguém que não vamos melhorar a saúde pública apenas com a contratação de médicos, brasileiros e estrangeiros. Por isso, vamos tomar, juntamente com os senhores, uma série de medidas para melhorar as condições físicas da rede de atendimento e todo o ambiente de trabalho dos atuais e futuros profissionais. 

Ao mesmo tempo, estamos tocando o maior programa da história de ampliação das vagas em cursos de Medicina e formação de especialistas.

Isso vai significar, entre outras coisas, a criação de 11 mil e 447 novas vagas de graduação e 12 mil e 376 novas vagas de residência para estudantes brasileiros até 2017."

Mas, o que estamos vendo é que existe um grupo de médicos para quem os cidadãos brasileiros de municípios sem médicos devem sofrer calados ou pegar um ônibus, barca, trem, o que seja, para procurar uma cidade onde um senhoríssimo doutor (brasileiro) o atenda, quando der.

A esses lembro que Deus é ironia, e eles podem amanhã ou depois sofrer um acidente, numa pequena cidade, um pequeno município daqueles que ninguém jamais ouviu falar, eu gostaria de saber o que sentiriam ao ouvir alguém lhe falar assim:

- Necesita de ayuda, señor?

Não deixe de ler:
- O que move as entidades médicas - Luciano Martins Costa - Observatório da Imprensa
- O espírito da medicina cubana - Paulo Nogueira - DCM

Fonte:
http://blogdomello.blogspot.co.at/2013/08/porque-prefiro-ser-tratado-por-medicos.html#more