terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

'Ouro Azul', de Maude Barlow e Tony Clarke

Como as grandes corporações estão se apoderando da água doce do nosso planeta

Nota da editora política: Quando Maria Lúcia Martins, que, além de jornalista, também é tradutora, disse que queria resenhar o livro "OURO AZUL - Como as grandes corporacões estão se apoderando da água doce do nosso planeta" achei a ideia ótima. Esse livro é muito interessante, mas difícil de resumir, pois é gigantesco o número de dados. Cada pessoa faz uma leitura diferente. Li alguns capítulos várias vezes. Mas, quando "Ouro Azul" foi traduzido no Brasil, o que me deixou profundamente chocada foi o lucro do Império Vivendi com os serviços ambientais. Em 2000, foram 44,9 bilhões de dólares, sendo as grandes geradoras dessa renda as empresas de água. E o mais impressionante é que o império Vivendi é dono também de editoras, jornais, revistas, redes de TV, produtoras de cinema e serviços de internet na França, sendo o segundo conglomerado de comunicação do mundo. Porém, as denúncias mais fortes estão no capítulo "Morrendo de Sede", que Maria Lúcia destacou bem. Conseguimos imagens recentes desse drama, que ilustram o post. Boa leitura (Zilda Ferreira, editora do Blog EDUCOM).
Por Maria Lúcia Martins, colaboradora do Blog EDUCOM
O livro Ouro Azul foi publicado no Brasil pela editora M. Books e traduzido para 16 idiomas. Escrito a quatro mãos por Maude, especialista em água e fundadora do Projeto Planeta Azul (www.blueplanetproject.org) e Clarke, ativista que se levantou contra as práticas do livre-comércio, a obra aponta para os riscos da privatização da água e da conceituação dela como “necessidade” e não como “direito”. Uma vez considerada um “bem necessário”, a água pode ser enquadrada como commodity, atendendo aos interesses do lucro de grandes corporações que hoje já controlam boa parte da água do planeta. Dentre essas corporações, estão as que simultaneamente estendem seu poder a outras áreas como política, energia, obras de infra-estrutura e mídia. E os “senhores da água do planeta” continuam a conquistar novos recursos.

A crise

A humanidade está poluindo e esvaziando a fonte da vida num ritmo surpreendente. A demanda por água doce crescente tem impactos sociais, políticos e econômicos, provocando conflitos relacionados à água. Nos próximos 15 a 20 anos (20 a 25 anos é o número citado em 2001, quando foi publicado o livro), a menos que mudemos nosso comportamento, entre metade e 2/3 da humanidade estará vivendo com severa escassez de água doce.

Até a década de 1990 o estudo sobre a água doce foi destinado a grupos altamente especializados de peritos, revelam os autores, que afirmam: “A água, de acordo com o Banco Mundial e as Nações Unidas, é uma necessidade humana e não um direito humano. Uma necessidade humana pode ser provida de muitas formas, especialmente para aqueles com dinheiro. Mas ninguém pode vender um direito. Em março de 2000, quando a água foi definida como uma mercadoria no segundo Fórum Mundial de Água, em Haia, representantes de governos em uma reunião paralela não fizeram absolutamente nada para efetivamente atacar a declaração. Em vez disso, os governos ajudaram a pavimentar o caminho para as corporações privadas lucrarem com a venda dela. Assim, algumas corporações transnacionais, apoiadas pelo Banco Mundial e pelo FMI-Fundo Monetário Internacional estão ofensivamente assumindo a administração dos serviços públicos de água”.

Para fazer frente à ofensiva das grandes corporações, que estão abocanhando as reservas de água doce em todo o mundo, 800 delegados, de 35 países, da reunião de Cúpula da Água para Pessoas e Natureza, firmaram em julho de 2001 o “Tratado para Compartilhar e Proteger a Água, o Bem Comum do Planeta”.

Outras iniciativas e movimentos seguem na luta para frear o avanço das práticas mercantilistas aplicadas à água, um direito de todos dos cidadãos.

A escassez de água doce se agrava por causa do desrespeito ao ciclo da água e pela poluição dos mananciais, por diversos agentes químicos e até naturais. Estudo realizado pelo engenheiro-hidrólogo Michal Kravcik e equipe, da Ong “Pessoas e Água”, da Eslováquia, aponta o efeito alarmante da urbanização, da agricultura industrial, do desmatamento, da pavimentação, da construção de infra-estrutura e de represas nos sistemas de água locais e em países vizinhos: A destruição do habitat natural da água não apenas cria uma crise de suprimento para as pessoas e animais, como também diminui drasticamente a quantidade real de água doce disponível no planeta.

A política

No tratado firmado na Cúpula da Água para Pessoas e Natureza declara que “a água doce não será privatizada, comercializada ou explorada para propósitos comerciais e deve ser imediatamente isenta de todo acordo bilateral e internacional e de acordos de investimentos existentes e futuros”. Esta disposição se contrapõe à conduta dos acordos, especialmente os trilaterais, que vêm avançando sobre os mananciais e sobre os setores onde a água é matéria industrial como o de energia, bem como sobre os meios de comunicação, para que as notícias sobre estes fatos sejam editadas conforme os interesses dos grandes grupos econômicos.

No âmbito das áreas de livre-comércio, por exemplo, o Canadá enfrenta o interesse dos EUA sobre sua água. Desde a metade do século 19, os EUA começaram a seguir a política do Destino Manifesto, ou expansão continental — uma ameaça para a soberania canadense, e nos tempos atuais a água foi incluída na Associação Norte-Americana de Livre Comércio-NAFTA como uma mercadoria negociável.

Os conflitos pela água são inevitáveis e estão crescendo entre fronteiras de nações e entre cidades e comunidades rurais, grupos étnicos e tribos, nações industrializadas e não-industrializadas, as pessoas e a natureza, corporações, cidadãos e classes socioeconômicascompartilhados por dois ou mais países. À medida que a água viaja a partir de sua fonte, ela é desviada para consumo humano, irrigação e hidrelétricas, colocando países rio abaixo numa posição vulnerável. Muitos países em áreas de escassez de água também compartilham águas de lagos e aquíferos. Esta situação constitui uma força de desestabilização entre países ou mesmo dentro de cada nação.

Água: em alguns lugares já não existe mais...

As grandes corporações estão se apoderando da água doce do nosso planeta.

O futuro

“Precisamos reestruturar radicalmente nossas sociedades e estilos de vida para inverter o ressecamento da superfície da Terra; temos de aprender a viver dentro de ecossistemas de bacias hidrográficas que foram criadas para sustentar a vida; abandonar a ilusão de que podemos abusar negligentemente das preciosas fontes de água do mundo porque, de alguma maneira, a tecnologia virá para nos salvar”, alertam os autores.

Estas bacias estão ameaçadas não só por substâncias químicas usadas na lavoura como também por efluentes industriais, como os da indústria de papel e celulose, que usam volumes enormes de água. Os efluentes destas anulam o oxigênio em vias fluviais que, por isso, são sufocadas pelas algas.

Os senhores da água no planeta

De acordo com análise da Fortune, as receitas anuais da indústria da água chegavam a aproximadamente 40% do setor de petróleo e já eram 1/3 maiores que as do setor farmacêutico (2001). Em 1998, o Banco Mundial previa ume crescimento do mercado da água, já que então apenas 5% da população mundial recebia água fornecida pelas corporações. Segundo a Global Water Intelligence, que faz análises mensais do mercado global de água, a água em algumas partes do mundo tem o mesmo preço de um barril de petróleo.

Hoje a indústria global da água é dominada por de grandes corporações que se encaixam em três categorias ou camadas. A primeira camada é composta dos dois maiores titãs da água no mundo, a Vivendi Universal e a Suez, que foram pioneiras na construção da indústria da água. A segunda camada consiste de quatro corporações ou consórcios com operações de serviço de água que desafiam o monopólio da “primeira camada”: a Boygues-SAUR, a RWE-Thames Water, a Bechtel-United Utilities e a Eron-Azurix. A terceira camada é composta por um grupo de empresas de água menores: Severn Trent, Alglian Water e Kelda Group. Juntamente com a Thamer Water e a United Utilities, monopolizaram o mercado no Reino Unido. A quarta empresa desta camada é a American Water Works Company.

As corporações que compõem a primeira e a segunda camadas têm vários outros componentes industriais, variando de eletricidade e gás até construção e entretenimento.

Estas empresas atuam diretamente ou através de múltiplas subsidiárias.

Entre os países ou regiões ricos em água doce armazenada em forma de lagos, rios, aquíferos e geleiras estão: Alaska, Canadá, Noruega, Brasil, Rússia, Áustria e Malásia. Entre os pobres em água estão os países do Oriente Médio, China, Califórnia, Cingapura, África do Norte. A regra do jogo, destacam os autores, é garantir o controle sobre os suprimentos de água volumosos e fornecê-los para as áreas de demanda com base na “habilidade para pagar”, a um preço que não apenas cobrará os custos mas também satisfará o desejo por margens de lucro crescentes. O Alaska foi a primeira jurisdição no mundo a permitir a exportação comercial de água em grande volume.

Em 2006 foi assinado, por 25 países com vastas reservas de água, o World Water Export Treaty – WWET. 

Baixe a íntegra do texto de Maria Lúcia Martins aqui