sexta-feira, 6 de abril de 2012

A governança sul-americana da água

Zilda Ferreira
A América do Sul pode saciar a sede de todos os latino-americanos e socorrer quem precisar. É a região de maior reposição de água do mundo e tem três grandes aquíferos. Mas para isso é urgente que se consiga, em junho, durante a Conferência Rio+20, a criação de um organismo sul-americano capaz de impor o cumprimento da Resolução da ONU 64/292. Aprovada em julho de 2010 pela Assembleia Geral, reconhece como Direito Humano Água e Saneamento. O futuro organismo continental poderá defender nossos recursos hídricos, ameaçados de privatização.

No 6º Fórum Mundial da Água, realizado na França em março de 2012, as transnacionais da água, principalmente as francesas, defenderam um organismo internacional para gestão da água, a “Governança Global da Água”, para facilitar o processo de privatização. Relatora Especial da ONU para o Direito à Água e ao Saneamento, a portuguesa Catarina de Albuquerque se disse surpresa ao descobrir que o nenhuma menção à 64/292 nem qualquer referência a água como Direito Humano constava da declaração ministerial do Fórum.

O Conselho Mundial da Água – hegemonizado por transnacionais - não reconhecer como direito humano a água e o saneamento era previsível. Mas é preocupante que, presentes na delegação brasileira, os tecnocratas da ANA (Agência Nacional de Águas) e do CPRM-Serviço Geológico do Brasil (empresa de capital misto vinculada ao Ministério de Minas e Energia) tenham feito coro com os europeus em favor da criação da Governança Global.

Alter do Chão, Guarani e Bacia do Maranhão, três dos maiores aquíferos do mundo
Quem leu o livro Ouro Azul - como as grandes corporações estão se apoderando da água doce do planeta, de Maude Barlow e Tony Clarke, sabe que 70% do mercado da água pertence a duas empresas francesas - Suez e Vivendi. A Vivendi é dona do segundo maior conglomerado de comunicações do mundo, incluindo redes e canais a cabo de TV, jornais, editoras e operadoras de acesso à internet como a GVT, já em atividade no Brasil. A força do império Vivendi é difícil de medir, mas as empresas de exploração de água são as mais rentáveis, com tentáculos em todos os organismos multilaterais, decisivos para abrir caminho à privatização de recursos hídricos mundo afora.

Precedentes perigosos não faltam. Em 2007 a França tentou aprovar no IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) instrumento intervencionista ainda mais abrangente. O então presidente francês Jacques Chirac propos a criação de um organismo internacional para fiscalizar o meio ambiente, óbvia estratégia para viabilizar a internacionalização da Amazônia. O governo francês já deu indicações de que voltará a tentar emplacar a proposta na Rio+20.

Apelo
Diante desse quadro é fundamental que os movimentos sociais e lideranças ambientais se juntem aos líderes sul-americanos durante a Rio+20 e tentem criar um organismo regional para gerir os recursos hídricos do continente. Corremos o risco de a América do Sul, que concentra quase metade da água do planeta, conhecer a sede em larga escala, pois a voracidade do mercado europeu de recursos hídricos é inesgotável.

No Brasil já existem exemplos de como o capital é agressivo para se apropriar da água. Os habitantes de Manaus vivem sobre a maior reserva do planeta, mas quem não pode pagar não tem acesso à água. A concessionária local é subsidiária de uma multinacional francesa e o aquífero está sendo contaminado por falta de investimento.

É tarefa da educomunicação, exercida principalmente pelos professores, educadores ambientais e comunicadores, acompanhar debates, fóruns internacionais, ler a mídia e o entorno de maneira crítica, além de analisar as propostas do mercado e dos tecnocratas. É preciso conscientizar o povo a exigir seus direitos ao meio ambiente e à água, que estão sendo apropriados pelas transnacionais. Para concretizar essa tarefa se faz necessário a criação de um organismo sul-americano forte e com participação popular.

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