Antonio Fernando Araujo
Quando se lê o artigo de Clóvis Rossi, publicado em 08/01 passado na Folha de S. Paulo não é difícil percebermos que nada mudou na sua maneira (pelo menos no que se refere a questão EUA-Irã) de encaminhar suas análises, desde que em 13/04/2010 escreveu na Folha On Line - "Não é o Irã, é a Al Qaeda": "Por mais que os Estados Unidos, principalmente, mas também França e Alemanha, estejam incomodados com o programa nuclear iraniano, o fato é que a Cúpula sobre Segurança Nuclear, encerrada nesta terça-feira em Washington, não tinha o Irã como alvo principal, mas a Al Qaeda, se se tomar essa expressão como sinônimo de terrorismo global. Não é impressão pessoal nem informação privilegiada. O próprio presidente Barack Obama, em conversa com jornalistas difundida pelo hiper-ativo serviço de imprensa da Casa Branca, deixou claro que a possibilidade de uma organização terrorista conseguir uma arma nuclear 'é a maior ameaça à segurança dos Estados Unidos, tanto no curto prazo como no médio e no longo prazo'." Isso foi o bastante para que Rossi assumisse a tese mestra com que costuma induzir seus leitores, levando-os a acreditar que tudo não passa de uma guerra entre o Bem e o Mal, cujo vilão na época era encarnado na aterrorizante figura de Bin Laden.
Como estamos comprovando agora, tudo isso não passava de conversa fiada. Como, em maio último, Obama - Prêmio Nobel da Paz - teve que mandar "matar" o Bin Laden meios às pressas (no imaginário americano e no de muitos brasileiros bem informados, a Al-Qaeda sucumbiu nesse mesmo dia, também lançada ao fundo do mar) o alvo agora tem mesmo que ser modificado, passa a ser o "desenvolvimento de armamento nuclear", por homens do Mal que ameaçam o mundo. Não importa que tanta gente boa ou do Bem já tenha escancarado os reais motivos: não tem nada de armamento nuclear sendo desenvolvido no Irã (como não havia no Iraque), o que Obama quer mesmo é se apropriar do petróleo iraniano e se reelejer presidente, o tal dos "dois coelhos em uma única cajadada". Mas o "discurso nuclear" funciona como a Comissão de Frente. O(s) carro(s) Abre-alas, a(s) frota(s) que já se desloca(m) rumo aos golfos Pérsico, de Omã e de Aden e aos mares Mediterrâneo, Vermelho e Arábico (onde "estão sepultados" Bin Laden e a Al-Qaeda) já estão praticamente posicionados, estando prestes a completar o cerco do Irã para que Israel também contribua com sua parte na Síria e no Líbano, no esforço de tornar o Mediterrâneo, finalmente, o almejado Lago da OTAN e, de lambujo, caso seja possível - dentro de uma ampla visão estratégica de evitar o golfo Persa para o transporte do óleo e que incluiria outros oleodutos -, ainda ressuscitar o falecido “Trans-Arabian” (Tapline) que liga Ras-Tannurah, na costa saudita desse golfo com o porto de Trípoli, no Líbano, com um mínimo de prejuízo, de olho na redução dos custos e na minimização da importância do estreito de Ormuz e o consequente enfraquecimento estratégico do Irã. Será que daria então para o Rossi explicar aos seus leitores o porque dos atuais esforços de Washington para derrubar o governo sírio (caindo este, o do Líbano cai em seguida), que diariamente nossa imprensa subalterna alardeia como se o facínora fosse unicamente o sírio Bachar El-Assad e Obama - Prêmio Nobel da Paz, insisto - não estivesse nem um pouco interessado em primeiro isolar o Irã, antes de atacar diretamente Teerã.
Embora tudo isso esteja acontecendo a olhos vistos o Rossi nada percebe, prefere desdenhar sobre a visita de Ahmedinejad à América Latina, não ligando a mínima para o que disse Chavez ao iraniano ao recebê-lo na Venezuela: - "Somos vítimas da ganância das superpotências”. Quem duvida? Talvez o Rossi, que também não notou que os EUA estão enfurecidos: o Irã não parece nada “isolado” internacionalmente. - "O regime iraniano rejeitou todas as aberturas propostas pelos EUA e o regime de Castro nunca alterará suas posições”, bradou, no último dia 09/01, a presidente do Comitê de Assuntos Internacionais da Câmara de Deputados em Washington, Ileana Ros-Lehtinen, republicana da Flórida.
Nem esperaria que o Rossi se inteirasse do que escreveu o ex-diplomata indiano MK Bhadrakumar, no Indian Punchline, em 12/01, sob o título "When Fidel meets Ahmadinejad", reproduzido no blog Redecastorphoto, onde, "vê-se hoje já bem evidente uma acomodação politicamente articulada entre o islamismo como força política e a esquerda latino-americana. Ahmedinejad é visto como agente de uma nova forma exemplar de antiimperialismo internacionalmente ativo, que sabe operar em ressonância com a consciência política da esquerda latino-americana, e vê nela traços pelos quais pode identificar o seu próprio projeto histórico. A atual viagem de Ahmadinejad reforça essa nova sintaxe da acomodação política entre os dois lados, e deixa para trás a patética história da Guerra Fria, quando o ocidente conspirava para jogar os marxistas contra os islâmicos, tentando assim abrir caminho para obter vantagens geopolíticas no Oriente Médio rico em petróleo." Mas Rossi nada nota sobre isso, assim como não vê coerência entre as posições anteriormente assumidas por Dilma - que ele mesmo cita - de constestações relacionadas com os "direitos humanos" praticados no Irã e essa "frieza" atual em convidar Ahmadinejad para nos visitar. Prefere então lançar mão de outro trecho daquela declaração de Ileana Ros-Lehtinen - "A atividade iraniana no Hemisfério Ocidental ameaça a segurança regional e a estabilidade" - para tentar associá-la, não à resistência dos que se consideram vítimas da ganância das superpotências, como disse Chavez, mas a uma fantasiosa e "perigosa infiltração iraniana na América Latina", com ares de subversão ideológica, como se agora o islamismo assumisse o papel, deixado para trás, que o comunismo soviético já desempenhara na época da Guerra Fria EUA-URSS, no século passado.
Claro que o Irã, como qualquer outro país do mundo, tem interesses de sobra para se mostrar ativo na América Latina atual, uma ilha de relativa prosperidade sócio-econômica em meio ao caos econômico EUA-Europa. E, se no caso do Irã, esses interesses vão mais além e transcendem o aspecto puramente econômico, se deve certamente à insaciável ambição imperialista norte-americana, ao vergonhoso isolamento econômico que mantém com a frágil Cuba há cerca de 60 anos e o desejo incontrolável de se apossar das riquezas petrolíferas, tanto as de cá - Brasil incluído - quanto as de acolá.
Seria, talvez, desejar demais que o Rossi também tivesse atentado para o idioma político escutado na atual viagem de Ahmedinejad: - “Meu irmão revolucionário”, pronunciou o iraniano ao saudar seu colega Ortega, da Nicarágua, “nossos dois povos, em diferentes partes do mundo, lutamos para estabelecer a solidariedade entre todos e a justiça para todos.” Ora, ninguém fala uma coisa dessas à toa, no mesmo instante em que os "Carros Abre-alas" se movimentam pelos golfos e mares de suas praias. Mas é dessa solidariedade internacional - ainda que originária de "inexpressivas" nações latino-americanas - que provém o temor da Ileana Ros-Lehtinen, a republicana da Flórida que, por viver tão perto de Cuba, tem sabedoria suficiente para avaliar do que é capaz a resistência de um povo quando está forjado "para estabelecer a solidariedade entre todos e a justiça para todos.” Ela certamente entende o que fala o Ahmedinejad. Rossi, infelizmente, passa batido.