Mostrando postagens com marcador Eduardo Febbro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Eduardo Febbro. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 23 de julho de 2013

Papa Francisco deve anunciar "evangelho social" no Brasil



Em Roma, há dez dias, o círculo próximo ao Papa falava de uma “mensagem revolucionária”. É preciso esperar para ver e ouvir. Desde o compromisso de forjar “uma igreja pobre para os pobres”, Francisco foi despindo a figura papal de toda a roupagem monárquica, que a colocava acima dos fieis. Chegou o “momento da renovação”, como dizem os jovens que chegam ao Rio. Esta renovação tem um nome que contrasta com os últimos 35 anos de política vaticana: o “evangelho social”.

Por Eduardo Febbro. - Carta Maior


Rio de Janeiro – Uma maré de algazarra, juvenil, explosiva em sua manifestação de alegria, com violões, cantos e mochilas às vezes maiores do que os corpos que as suportam. O aeroporto do Rio de Janeiro é um desfile interminável de jovens que chegam do mundo inteiro, enrolados em bandeiras e em abraços, cantando a fé só com a voz ou com violões. A hora é, ao mesmo tempo, grave e imensamente festiva. As jornadas mundiais da juventude que começam esta semana no Brasil fixarão o rumo oficial da mensagem que o Papa Francisco apresentará em sua primeira viagem internacional. Um momento que soa como um modelo de seu nascente papado.

Ficaram para trás as disputas orquestradas por João Paulo Segundo contra a Teologia da Libertação, os padres pedófilos, a corrupção no Banco do Vaticano, o IOR. Chegou o “momento da renovação”, como dizem os jovens que chegam ao Rio. Esta renovação tem um nome que contrasta com os últimos 35 anos de política vaticana: o “evangelho social”. A palavra “social” é já todo um desafio que prolonga a ruptura que Bergoglio encarnou na noite em que, após o Conclave tê-lo escolhido Papa, apareceu em uma janela da Praça de São Pedro e pronunciou a palavra “povo”.

Em Roma, há dez dias, o círculo próximo ao Papa falava de uma “mensagem revolucionária”. É preciso esperar para ver e ouvir. Desde o compromisso de forjar “uma igreja pobre para os pobres”, Francisco foi despindo a figura papal de toda a roupagem monárquica, que a colocava acima dos fieis. Há uma grande preocupação com a comunicação, inclusive com detalhes que assombram. A Santa Sé lançou um novo semanário para amplificar a mensagem papal: Credere. A publicidade diz: “o novo semanário que fará você viver a fé com alegria”. À esquerda, na capa, um retângulo diz: “a revista da Igreja de Francisco”.

Essa é a Igreja que Francisco apresentará no mais importante país católico do mundo, Bergoglio visitará os pobres de uma favela, doentes em um hospital, receberá presos, peregrinará ao santuário de Aparecida e, sobretudo, se encontrará com jovens de todo o mundo no que pode ser chamado de “Woodstock católico”. Sua viagem vem precedida por uma série de pronunciamentos que romperam com o conformismo vaticanista. Nas últimas semanas, Bergoglio denunciou a “tirania do dinheiro”, o “capitalismo selvagem” e a “globalização da indiferença”.

“Nos encontramos enfim com alguém que vê o mundo tal como é, com os mesmos olhos que o vemos e sofremos”, diz Angélica, uma espanhola de 19 anos, recém chegada ao Rio, vinda de Valência com centenas de outros espanhóis. Um dos vaticanistas mais célebres, Marco Politi, disse que o Papa, “no Brasil, dará continuidade, aprofundará e esclarecerá seu Evangelho social. Desde que foi eleito denuncia as novas formas de escravidão, a exploração, a desigualdade, a irresponsabilidade de algumas forças sociais”.

A história também parece correr na direção de Francisco. O Papa chega a um Brasil convulsionado pela revolta social, com demandas de justiça social, contra a corrupção, a favor da renovação de um sistema político gangrenado pelo clientelismo e pela corrupção. Francisco já havia escrito o discurso central que vai pronunciar no Brasil durante as Jornadas Mundiais da Juventude, mas, à luz dos protestos, o modificou. O arcebispo do Rio de Janeiro, Orani João Tempesta, responsável pela organização da Jornada Mundial da Juventude, viajou a Roma para se encontrar com Bergoglio. Depois, o seguiu o cardeal arcebispo emérito de São Paulo, Claudio Hummes, um homem de posições sociais conhecidas por ter aberto as portas de sua igreja a trabalhadores em greve.

O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Raymundo Damasceno, também se reuniu com o Papa em Roma. Este encontro é muito importante na definição do pronunciamento de Bergoglio, uma vez que foi precedido por uma reunião da CNBB. Realizada quase no final de junho, a reunião terminou com a redação de um documento no qual a entidade manifesta “nossa solidariedade e apoio aos manifestantes”. O texto traz um apoio total aos protestos. Um de seus parágrafos diz que os gritos contra a corrupção, a impunidade e falta de transparência (...) fazem renascer a esperança”.

É a esse mundo que chega Francisco. Um cenário ideal que as autoridades do país temem que sirva de novo elemento detonador ao que já está latente há semanas. O Papa Francisco não gosta dos esquemas de segurança e os responsáveis por protegê-lo durante as Jornadas Mundiais da Juventude não gostam da possibilidade de a chegada do papa renovar os protestos contra o sistema político. O Brasil aumento de 11 mil para 14 mil o número de efetivos das forças de segurança encarregados de garantir a segurança de Francisco. A perspectiva de uma “revolução cidadã” durante a visita de Bergoglio levou as autoridades brasileiras a propor uma série de mudanças na agenda papal, mas o Vaticano rejeitou-as. “Não haverá mudanças de programa”, disse em Roma Federico Lombardi, o porta-voz do Papa.

No entanto, as autoridades do Brasil queriam modificar um monte de coisas. O Brasil argumenta que se descobriram “indícios” de que grupos opositores preparavam uma contraofensiva aproveitando a chegada de Bergoglio. O mais perigoso era o encontro de Francisco com a presidenta Dilma Rousseff, com o governador do Rio, Sérgio Cabral, e com Eduardo Paes, o prefeito da cidade. Esse ato deve ocorrer no Palácio da Guanabara, sede do governo do Estado do Rio. Mas como há uma manifestação programada contra o governador e o prefeito, as autoridades propuseram realizar o encontro em outro lugar. O Vaticano disse que não. Mais ainda, as declarações dos responsáveis que se reuniram com Francisco em Roma mostram que a Santa Sé está com os manifestantes. Após seu regresso de Roma, o cardeal Claudio Hummes disse: “a mensagem de Cristo está em sintonia com essas reivindicações do povo”.

Será preciso esperar para ver e ouvir. Francisco se negou a utilizar o papamóvel blindado. Ele se deslocará no mesmo jeep aberto com o qual circula em Roma. Ao pedido do Papa, tampouco haverá em seu lado “homens armados com fuzis”. O Papa, dizem em Roma, não tem medo das manifestações: “elas não são contra o Papa, mas sim contra os políticos”, diz o Vaticano. Se a promessa se confirmar, haverá no Brasil um encontro entre dois mundos: o do evangelho liberal que tudo corrompe e destrói, o planeta e os seres humanos, e o que Francisco traz em sua mensagem: o “evangelho social” do cristianismo.

Primeiro ato de um pontificado que, em seus primeiros passos, expôs a escandalosa e soja trama de corrupção e lutas pelo poder que o predecessor de Francisco, Bento XVI, não pode desarmar. Isso o levou a renúncia. Evangelho Social, Teologia da Libertação, segundo vários vaticanistas ambas têm encontro marcado esta semana no Brasil em uma espécie de reconciliação misteriosa.

O vaticanista Marco Politi alega que “Francisco é um fruto inesperado da Teologia da Libertação porque é um representante da chamada Teologia Popular, que não é marxista nem politizada”, mas que denuncia com força os horrores da miséria, da desigualdade e seus mecanismos econômicos. O combate que João Paulo II travou contra essa corrente deixou muitas vítimas, pactos com as ditaduras, corrupção, uma espécie de monstro que seguiu vivo muito depois da morte do papa polaco. Por esse abismo se foi Bento XVI. Do mesmo abismo chega Bergoglio. A chamada “igreja de Francisco se constrói sobre uma montanha de cinzas ainda fumegantes”.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Carta Maior
Leia também: A segunda comunhão de Dilma
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22397


quarta-feira, 3 de julho de 2013

A corvadia europeia contra o presidente Evo Morales


Os europeus, os campeões da defesa da democracia, do Estado de Direito e da liberdade, demonstraram que suas relações com a Casa Branca estão acima de tudo e que podem pisotear os direitos de um avião presidencial caso isso seja preciso para que o grande império não se incomode com eles. Um rumor infundado sobre a presença no avião presidencial boliviano do ex-espião estadunidense Edward Snowden, conduziu a um sério incidente diplomático aeronáutico entre Bolívia, França, Portugal e Espanha.

 Por Eduardo Febbro Carta Maior


Paris - Os europeus são incorrigíveis. Para não ficar mal com o império norteamericano são capazes de violar todos os princípios que defendem nos fóruns internacionais. O presidente boliviano Evo Morales foi o último a experimentar as consequências dessa política de palavras solidárias e gestos mesquinhos. Um rumor infundado sobre a presença no avião presidencial boliviano do ex-membro da Agência Nacional de Segurança (NSA) norteamericana, o estadunidense Edward Snowden, conduziu a um sério incidente diplomático aeronáutico entre Bolívia, França, Portugal e Espanha.

Voltando de Moscou, onde havia participado da segunda cúpula de países exportadores de gás, realizada na capital russa, Morales se viu forçado a aterrissar no aeroporto de Viena depois que França, Portugal e Espanha negaram permissão para que seu avião fizesse uma escala técnica ou sobrevoasse seus espaços aéreos. Os “amigos” do governo norteamericano avisaram os europeus que Morales trazia no avião Edward Snowden, o homem que revelou como Washington, por meio de vários sistemas sofisticados e ilegais, espionava as conversações telefônicas e as mensagens de internet da maioria do planeta, inclusive da ONU e da União Europeia.

O certo é que Edward Snowden não estava no avião de Evo Morales. No entanto, ante a negativa dos países citados em autorizar o sobrevoo do avião presidencial, Morales fez uma escala forçada na Áustria. As capitais europeias coordenaram muito bem suas ações conjuntas para cortar a rota de Evo Morales. Surpreende a eficácia e a rapidez com que atuaram, tão diferente das demoradas medidas que tomam quando se trata de perseguir mafiosos, traficantes de ouro, financistas corruptos ou ladrões do sistema financeiro internacional.

Segundo a informação da chancelaria boliviana, o avião havia obtido a permissão da Espanha para fazer uma escala técnica nas Ilhas Canárias. Essa autorização também foi cancelada e, finalmente, o avião teve que aterrissar no aeroporto de Viena. Segundo declarou em La Paz o chanceler boliviano David Choquehuanca, “colocou-se em risco a vida do presidente que estava em pleno voo”. “Quando faltava menos de uma hora para o avião ingressar no território francês nos comunicam que tinha sido cancelada a autorização de sobrevoo”. O ministro pediu uma explicação tanto da França quanto de Portugal, país que tomou a mesma decisão que a França.

“Queremos nos amedrontar. É uma discriminação contra o presidente”, disse Choquehuanca. Em complemento a esta informação, o portal de Wikileaks também acusou a Itália de não permitir a aterrisagem do avião presidencial boliviano. Em Paris, o conselheiro permanente dos serviços do primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault disse que não tinha nenhuma informação sobre esse assunto. Por sua vez, a chancelaria francesa disse que não estava em condições de comentar ocaso. Bocas fechadas, mas atos concretos.

Ao que parece, todo esse enredo se armou em torno da presença de Snowden no aeroporto de Moscou. Alguém fez circular a informação de que Snowden estava no aeroporto da capital russa com a intenção de subir no avião de um dos países latino-americanos dispostos a lhe oferecer asilo político. Snowden é procurado por Washington depois de revelar a maneira pela qual o império filtrava as conversações no mundo. O chanceler boliviano qualificou como uma “injustiça” baseada em “suspeitas infundadas sobre o manejo de informação mal intencionada” o cancelamento das permissões de voo para o avião de Evo Morales. “Não sabemos quem inventou essa soberana mentira; querem prejudicar nosso país”, disse Choquehuanca. “Não podemos mentir à comunidade internacional e não podemos levar passageiros fantasmas”, advertiu o responsável pela diplomacia boliviana.

Em La Paz, as autoridades adiantaram que não receberam nenhum pedido de asilo por parte de Edward Snowden. Evo Morales havia evocado a possibilidade de conceder asilo a Snowden, mas só isso. O mesmo ocorreu com outra vítima da informação e da perseguição norteamericana, o fundador do Wikileaks, Julian Assange. O mundo ficou pequeno para Edward Snowden.

Assange está refugiado na embaixada do Equador em Londres e Snowden encontra-se há dez dias na zona de trânsito do aeroporto de Sheremétievo, em Moscou. Segundo Dmitri Peskov, o secretário de imprensa do presidente Vladimir Putin, o norteamericano havia solicitado asilo a Rússia, mas depois “renunciou a suas intenções e a sua solicitação”. Peskov esclareceu, porém, que o governo russo não entregaria o fugitivo para a administração norte-americana: “o próprio Snowden por sincera convicção ou qualquer outra causa se considera um defensor dos direitos humanos, um lutador pelos ideais da democracia e da liberdade pessoal. Isso é reconhecido pelos ativistas e organizações de direitos humanos da Rússia e também por seus colegas de outros países. Por isso é impossível a entrega de Snowden por parte de quem quer que seja a um país como os EUA, onde se aplica a pena de morte.

Quando se referiu ao caso de Snowden em Moscou, Evo Morales assinalou que “o império estadunidense conspira contra nós de forma permanente e quando alguém desmascara os espiões, devemos nos organizar e nos preparar melhor para rechaçar qualquer agressão política, militar ou cultural”. Os europeus, os campeões da defesa da democracia, do Estado de Direito e da liberdade, demonstraram que suas relações com a Casa Branca estão acima de tudo e que podem pisotear os direitos de um avião presidencial caso isso seja preciso para que o grande império não se incomode com eles.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer


   
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22291
• A covardia europeia contra o presidente Evo Morales

Nota do Educom: Essa atitude européia não só é  subserviência aos EUA, mas também porque a Bolívia foi a maior responsável por uma das maiores conquistas desse século: aprovação da resolução da ONU que determina Água como Direito Humano, que  a União Européia tentou derrubar na Rio+20.  A França tem hoje 70% do mercado da água. Em outras palavras, essa Resolução da ONU contraria  os interesses europeus, principalmente da França.

Leia também:http://brasileducom.blogspot.com.br/2010/08/agora-agua-para-todos.html

http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/07/a-luta-pelo-direito-agua-na-rio20.html

http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/05/as-guerras-da-agua-de-um-livro-de-elsa.html

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O colonialismo liberal europeu mostra a sua face

19/04/2012 - Eduardo Febbro*, de Paris
Tradução: Libório Junior - Carta Maior


É o cúmulo do absurdo que o Parlamento Europeu, que reúne representantes do povo, se preste a votar uma resolução contra a Argentina, em defesa dos interesses de uma multinacional.

Cristina Kirchner
O mesmo parlamento que nada faz para denunciar as empresas do Velho Continente que, em nome da segurança jurídica, investiam seus capitais em países amordaçados por regimes assassinos que, ao mesmo tempo que ofereciam segurança jurídica aos investidores, jogavam seus povos no poço da repressão, da corrupção e da pobreza."
O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris 
Catherine Ashton

Os impérios do Ocidente estão nervosos. A decisão da presidenta argentina de renacionalizar os recursos petrolíferos do país reativou nos europeus o ímpeto da ameaça e da desqualificação, assim como a política dos valores em escala variável. O santo mercado tem prerrogativas acima de qualquer oposição. Além da agressiva campanha que se desatou na Espanha em defesa de uma companhia que, na realidade, sequer é espanhola, a União Europeia somou seus votos em respaldo à multinacional. A inesgotável e esgotadora responsável pela diplomacia da UE, Catherine Ashton, advertiu que a decisão argentina “era um muito mau sinal” para os investidores estrangeiros. Por sua vez, o presidente da Comissão Europeia José Miguel Barroso, disse que estava muito “decepcionado” pela medida de Buenos Aires.

José Miguel Barroso
O vice-presidente da Comissão Europeia, o italiano Antonio Tajani, sacou um leque de ameaças: "Nossos serviços jurídicos estudam, de acordo com a Espanha, as medidas a adotar. Não se exclui nenhuma opção", disse.

Cúmulo do absurdo, o Parlamento Europeu de Estrasburgo, que reúne os representantes do povo, se presta a votar uma resolução contra a Argentina. 
UE - Estrasburgo - França
Um traço mais da confusão que leva a uma instituição política, surgida do voto popular, a clamar pelos interesses de uma multinacional. O Parlamento Europeu nada fez para denunciar as empresas do Velho Continente que, em nome da segurança jurídica, investiam e investem seus capitais em países amordaçados por regimes assassinos que, ao mesmo tempo que ofereciam segurança jurídica aos investidores, jogavam seus povos no poço da repressão, da corrupção, do assassinato das liberdades e da pobreza.

A defesa dos interesses nacionais contra os do mercado é algo que ficou na garganta da muito liberal União Europeia. A UE revisitou seus “valores” recentemente, no ano passado: em troca da ajuda aos países árabes, a UE pede eleições democráticas, luta contra a corrupção, abertura comercial e proteção dos investimentos. Antes, não lhe importava que um punhado de ditadores e autocratas esmagassem seus povos enquanto a abertura comercial e a proteção dos investimentos estivessem garantidas. A fonte da democracia fechava os olhos enquanto suas empresas pudessem operar a seu bel-prazer.

A mesma dupla linguagem, duplo valor, envolve a escandalosa política das subvenções agrícolas da UE. Instrumento de destruição dos mercados, perverso mecanismo de falsificação dos preços internacionais, as subvenções se aplicam em apoio a uma corporação, a dos agricultores. Pouco importa que o planeta pague pela proteção de um setor. O porta-voz do Comissário Europeu para o comércio, John Clancy, disse ao canal EuroNews que a decisão da presidenta “destrói a estabilidade que os investidores procuram”.
 
Juan Manuel de Rosas

 Tocar numa empresa europeia é sinônimo de uma declaração de guerra ou de pisotear a identidade. Hoje reúnem o Parlamento Europeu, em outras épocas talvez tivessem enviado a marinha para bloquear o porto de Buenos Aires como ocorreu em 1834, quando Juan Manuel de Rosas se negou a que os súditos franceses ficassem isentos de suas obrigações militares e decidiu impor um gravame de 25% às mercadorias que chegavam do exterior com destino a Buenos Aires.

A imprensa europeia e os analistas propagam um cúmulo alucinante de omissões e mentiras.


Frases como “nacionalismo petroleiro” ou “tentação intervencionista” do Estado argentino, se tornaram uma consigna repetida em todas as colunas. Como se qualificaria então a defesa de uma empresa por parte das instituições políticas da União? Euro-nacionalismo de mercado, escudo político para os interesses privados, etnocentrismo liberal?

E, assim mesmo, o discurso do nacional contra o global, do local contra o multilateral não é uma exclusividade peronista. O próprio presidente francês, Nicolas Sarkozy, o reativou com um vigoroso discurso durante a campanha eleitoral para as eleições presidenciais do dia 22 de abril e seis de maio (primeiro e segundo turno). O presidente candidato propôs renegociar o acordo de Schengen que regula e garante a livre circulação das pessoas e revisar os acordos comerciais que ligam os 27 países membros da União Europeia.

No primeiro caso e por razões claramente eleitorais, Sarkozy considera que os acordos de Schengen não permitem regular para baixo os fluxos migratórios. No segundo, que tem dois capítulos, se trata primeiro de instaurar na Europa um mecanismo similar ao Buy Act American com um “Buy European Act” a fim de que as empresas que produzem na Europa obtenham dinheiro público em caso de licitações. Em segundo lugar, Sarkozy exigiu à Comissão Europeia que imponha um critério de reciprocidade a seus sócios comerciais. Sarkozy disse em seu discurso: “A Europa não pode ser a única região do mundo que não se defende. (…). Não podemos ser vítimas dos países mais fortes do mundo”.

Isto pode ter vigência também para o resto do planeta. O patriotismo europeu bem vale o suposto “patriotismo petroleiro”. Ali onde se encontra em desvantagem, a UE impõe seus limites, ativa seu lobby ou bota suas instituições democráticas a atuar como polícia moralizadora. O livre comércio e o direito monárquico das empresas sobre os recursos naturais, a vida humana e as geografias não é o último estado da humanidade. Há vida depois de tudo, antes e depois da Repsol.

Todo o aparato jurídico da UE se colocou em marcha para sancionar isso que o jornal espanhol El País chama “o vírus expropriador” de Cristina Fernández de Kirchner.

O “vírus” do mercado global começa a fazer seu trabalho. A UE está ofendida.


Tocaram em seu filho pródigo, a liberdade de brincar com o destino dos povos em benefício de suas empresas.

Uma guerra moderna onde o gigante vai sancionar um sócio que deixou de apostar em um tabuleiro onde só ganham os capitais que se volatilizam como os valores democráticos e de justiça que defenda a sacrossanta União.

Seu hino à liberdade é geométrico.


Contanto que a grana encha seus bancos, o sangue pode correr, como na Tunísia, Líbia, Egito e tantas outras ditaduras africanas que proporcionam o petróleo para acender as luzes de um século cujo destino está em mãos privadas e suas instituições às ordens das entidades financeiras e das empresas.

* Eduardo Febbro é correspondente da Carta Maior em Paris


quinta-feira, 22 de março de 2012

Guerra da Água é silenciosa, mas já está em curso

19/03/2012 - Eduardo Febbro - Carta Maior
Tradução: Katarina Peixoto

"A guerra da água é silenciosa, mas é uma realidade: conflito em Barcelona causado pelo aumento das tarifas, quase guerra na Patagônia chilena por causa da construção de enormes represas e da privatização de sistemas fluviais inteiros, antagonismos em Barcelona e em muitos países africanos pelas tarifas abusivas aplicadas pelas multinacionais. A pérola fica por conta da Coca Cola e de suas tentativas de garantir o controle em Chiapas, México, das reservas de água mais importantes do país." (Eduardo Febbro - de Paris)



- Quanto vale a vida? “Para começar, um bom copo de água”,

responde com ironia Jerôme, um dos participantes do Fórum Mundial Alternativo de Água (FAME) que se reuniu na França, paralelamente ao muito oficial Fórum Mundial da Água (FME). Duas “cúpulas” e duas posturas radicalmente opostas que expõem até o absurdo o antagonismo entre as multinacionais privadas da água e aqueles que militam por um acesso gratuito e igual a este recurso natural cuja propriedade é objeto de uma áspera disputa nos países do Sul. Basta apontar a identidade dos organizadores do Fórum Mundial da Água para entender o que está em jogo: o Fórum oficial foi organizado pelo Conselho Mundial da Água. Este organismo foi fundado pelas multinacionais da água Suez e Veolia e pelo Fundo Monetário Internacional, incansáveis defensores da privatização da água nos países do Sul.

O mercado que enxergam diante de si é colossal: um bilhão de seres humanos não tem acesso à água potável e cerca de três bilhões de seres humanos carecem de banheiro. O tema da água é estratégico e tem repercussões humanas muito profundas. Os especialistas calculam que, entre 1950 e 2025 ocorrerá uma diminuição de 71% nas reservas mundiais de água por habitante: 18 mil metros cúbicos em 1950 e 4.800 metros cúbicos em 2025. Cerca de 2.500 pessoas morrem por dia por não dispor de um acesso adequado à água potável. A metade delas é de crianças. Comparativamente, 100% da população de Nova York recebe água potável em suas casas. A porcentagem cai para 44% nos países em via de desenvolvimento e despenca para 16% na África Subsaariana.

As águas turvas dos negócios e as reivindicações límpidas da sociedade civil, que defende o princípio segundo qual a água é um assunto público e não privado e uma gestão racional dos recursos, chocam-se entre si sem conciliação possível. Um exemplo dos estragos causados pela privatização desse recurso natural é o das represas Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira, a oeste do Amazonas, no Brasil. As duas represas têm um custo de 20 bilhões de dólares e, na sua construção, estão envolvidas a multinacional GDF-Suez e o banco espanhol Santander. A construção dessas imensas represas provocou o que Ronack Monabay, da ONG Amigos da Terra, chama de “um desarranjo global”. As obras desencadearam um êxodo interior dos índios que viviam na região. Eles foram se refugiar em outra área ocupada por garimpeiros em busca de ouro e terminaram enfrentando-se com eles.

Deslocamento de populações, inundação de terras agrícolas e de matas e esgotamento de espécies aquáticas são algumas das consequências nefastas dessas megaestruturas”, denuncia Ronack Monabay. As represas se Santo Antônio e Jirau ameaçam também várias populações indígenas ao longo do rio Madeira: os Karitiana, os Karipuna, os Uru-eu-Wau-Wau e os Katawixi. Outros grupos como os Parintintin, os Tenharim, os Pirahã, os Jiahui, os Torá, os Apurinã, os Mura, os Oro Ari, os Oro Bom, os Cassupá e os Salamãi também estão ameaçados. Nenhuma destas populações indígenas foi consultada sobre a viabilidade dos projetos. Eles foram impostos a elas, juntamente com todos os males que os acompanham.

O exemplo do Brasil é extensivo a outros projetos similares em Uganda ou Laos, onde as multinacionais da água semeiam a destruição. O direito à água para todos foi reconhecido pelas Nações Unidas em 2010. No entanto, esse reconhecimento está longe de ter se materializado em fatos. Emmanuel Poilane, diretor da Fundação France Libertés, criada por Danielle Miterrand, falecida esposa do também falecido presidente socialista François Miterrand, lembra de um dado revelador: “dos 193 países que integram a ONU, só 30 deles inscreveram esse direito na Constituição. Mas esses 30 países são todos do Sul”. O Norte quer água privada para encher os caixas de seus bancos e pouco importa o custo humano que a escassez de água pode causar às populações destes países.

A este respeito, Emmanuel Poilane recorda que “a cada três segundos morre uma criança por falta de água”. A própria existência do Fórum Mundial da Água, organizado por um Conselho Mundial da Água composto por multinacionais e pelo FMI é uma aberração. A batalha entre público e privado se deslocou inclusive para o Senado francês. No curso de um debate, um dos senadores socialistas lembrou que esse fórum não é uma instância das Nações Unidas, mas sim um lugar onde “se fazem negócios privilegiados entre as multinacionais. É urgente que a água seja objeto de uma reapropriação cidadã”. Não é o caso. As instâncias internacionais estão ausentes porque os lucros à vista são colossais. A gestão da água foi confiscada pelos interesses privados.

Brice Lalonde, coordenador da Rio+20, cúpula da ONU para o Meio Ambiente, prometeu que a água será “uma prioridade” da reunião que será realizada no Rio de Janeiro em junho. O responsável francês destaca neste sentido o paradoxo que atravessa este recurso natural: “a água é uma espécie de jogo entre o global e o local”. E neste jogo o poder global das multinacionais se impõe sobre os poderes locais.

As ONGs não perdem as esperanças e apostam na mobilização social para contrapor a influência das megacorporações. Neste contexto preciso, todos lembram o exemplo da Bolívia. Jacques Cambon, organizador do Fórum Alternativo Mundial da Água e membro da ONG Aquattac, recorda o protesto que ocorreu na cidade de Cochabamba: “dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se na rua em protesto contra o aumento da tarifa da água potável imposto pela multinacional norteamericana Bechtel”.

A guerra da água é silenciosa, mas existe: conflito em Barcelona causado pelo aumento das tarifas, quase guerra na Patagônia chilena por causa da construção de enormes represas e da privatização de sistemas fluviais inteiros, antagonismos em Barcelona e em muitos países africanos pelas tarifas abusivas aplicadas pelas multinacionais. A pérola fica por conta da Coca Cola e de suas tentativas de garantir o controle em Chiapas, México, das reservas de água mais importantes do país. Jacques Cambon está convencido de que “o problema do acesso à água é um problema de democracia. Enquanto não se garantir o acesso e a gestão da água sob supervisão de uma participação cidadã haverá guerras da água em todo o mundo”.

A senadora brasileira Katia Abreu (PSD), que também é presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), propôs durante o Fórum uma iniciativa para “proteger em escala mundial as zonas essenciais à preservação dos recursos de água”. As palavras, no entanto, se chocam com a dura realidade: a das multinacionais e a da própria natureza. A ONU apresentou na França um informe sobre o impacto da mudança climática na gestão da água: secas, inundações, transtornos nos padrões básicos de chuva, derretimento de geleiras, urbanização excessiva, globalização, hiperconsumo, crescimento demográfico e econômico. Cada um destes fatores, constitui, para as Nações Unidas, os desafios iminentes que exigem respostas da humanidade.

A margem de manobra é estreita. Nada indica que os tomadores de decisão estão dispostos a modificar o rumo de suas ações. A mudança climática colocou uma agenda que as multinacionais, os bancos e o sistema financeiro resistem a aceitar. Seguem destruindo, em benefício próprio e contra a humanidade. Ante a cegueira das multinacionais, a solidariedade internacional e o lançamento daquilo que se chamou na França de “um efeito mariposa” em torno da problemática da água são duas respostas possíveis para frear a seca mundial.