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sábado, 31 de agosto de 2013

Severinas: as novas mulheres do sertão

29/08/2013 - por Eliza Capai (*), para a Agência Pública (**)
- extraído do site Envolverde

Cada um tem que saber o seu lugar: a mulher tem qualidade inferior, o homem tem qualidade superior.”

É bem assim que fala, sem rodeios, um dos homens mais respeitados do município de Guaribas, no sertão do Piauí, pai de sete filhos (seis mulheres e um homem). “O homem é o gigante da mulher”, completa “Chefe”, como é conhecido Horacio Alves da Rocha na comunidade.

Para chegar a Guaribas são dez horas desde a capital, Teresina, até a cidadezinha de Caracol. Dali, 40 minutos de estrada de terra cercada de 
caatinga até o jovem município, fundado em 1997.

Titulares do Bolsa Família, as sertanejas estão começando a transformar seus papéis na família e na sociedade do interior do Piauí e se libertando da servidão ao homem, milenar como a miséria.

Em 2003, Guaribas foi escolhida como piloto do programa Fome Zero. Tinha então o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, 0,214 – para efeito de comparação, o país com pior IDH do mundo é Burundi, na África com índice 0,355.

Hoje, Guaribas tem 4.401 habitantes, 87% deles recebendo o Bolsa Família. São 933 famílias beneficiadas, com renda média mensal de R$ 182. 

O IDH saltou para 0,508.
Em todo o Brasil, o Bolsa Família atende a 13,7 milhões de famílias – sendo que 93,2% dos cartões estão em nome de mulheres. São elas que recebem 
e distribuem a renda familiar.

Eu vivi a escravidão”, diz Luzia Alves Rocha, 31 anos, uma das seis filhas de Chefe. Aos três meses, muito doente, ela foi dada pelo pai para os avós criarem. Quando eles morreram, uma tia assumiu a menina. “Achei que ela não ia aguentar aquela vida de roça: era vida aquilo?”, pergunta a tia Delci.

Luzia trabalhou na roça, passou fome, perdeu madrugadas subindo a serra para talvez voltar com água na cabaça. “Quando tinha comida a gente comia, se não, dormia igual passarinho”, diz. Trabalhava sem salário, sem nenhum direito trabalhista, sem saber como seria a vida se a seca não passasse e a chuva não regasse o feijão e a mandioca. Era “a escravidão”.

Luzia Alves Rocha, 31 anos, fez laqueadura depois do segundo filho: “Se não a vida ia ser mais pior”, explica. Num outro momento, ela comemora: “Minha filha hoje já alcançou coisas que eu não alcancei.

Quando a seca piorou, Luzia pensou em migrar para São Paulo. Foi então que chegou o programa social do governo: “Com esta ajudinha já consigo levar”, diz. Luzia decidiu ficar em Guaribas. Os filhos estudam. O marido e ela cuidam da roça.

A libertação da ‘ditadura da miséria’ e do controle masculino familiar amplo sobre seus destinos permite às mulheres um mínimo de programação da própria vida e, nesta medida, possibilita-lhes o começo da autonomização de sua vida moral. O último elemento é fundante da cidadania”, analisam os pesquisadores Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani, da Universidade de Campinas e da Universidade Federal de Santa Catarina, no livro Vozes do Bolsa Família: Autonomia, dinheiro e cidadania.

Durante a pesquisa, eles ouviram beneficiários do programa observando as transformações decorrentes do Bolsa-Família – em especial na vida das mulheres. Chegaram à conclusão que a mudança é grande: “Quando você tem um patamar de igualdade mínimo, você muda a sociedade. Claro que as coisas não são automáticas. Isto não pode ser posto como salvação da nação, mas é um começo.

Luzia conseguiu realizar o sonho de diversas das mulheres ouvidas pela socióloga Walquiria Leão. Ela juntou R$ 50 e seguiu para o hospital da cidade vizinha, de São Raimundo Nonato para fazer laqueadura das trompas: “se tivesse mais filho a vida ia ser mais pior”.

Segundo Walquíria, o desejo de controlar a natalidade foi manifestado por diversas das mulheres que ela entrevistou entre 2006 e 2011 em Alagoas, Vale do Jequitinhonha, Piauí, Maranhão e Pernambuco.

Serena, uma das filhas de Luzia, tem 8 anos e está na terceira série. Ela ajuda a arrumar a casa, já sabe cozinhar, ajuda na roça. Mas não perde suas aulas. Logo depois de cantar o alfabeto e os números, diz que quer ser “advogada e médica”. Quando perguntada sobre casamento, a pequena afirma, com a mão na cintura: “eu não vou casar, vou ser sol-tei-ra…”, diz, demorando nas sílabas.

Em maio o valor do Bolsa Família de Luzia saltou de R$ 70 reais para R$ 212. A mãe comemora: “Agora já posso comprar as coisas para minha filha: a sandália dela arrebentou e pude comprar outra”. No pé da menima, o calçado que custou R$ 7,50. “Primeiro comprei para a menina, num outro mês compro pra mim”, explica Luzia, com os pés descalços.

“Minha sina”
Do outro lado do vale que liga o centro de Guaribas ao bairro Fazenda, Norma Alves Duarte, 44 anos, vive numa casa de dois quartos. Na sala, paredes mal rebocadas mostram as marcas da massa corrida. No canto, um pequeno móvel com uma TV.

A vida toda ela ajudou a mãe doente, quase não estudou – cursou até a segunda série. Como todas as mulheres dali, as atividades de criança incluíam colher feijão, pegar lenha e buscar água no olho d’água, que fica a dois quilômetros.

Norma Alves Duarte, 44 anos, depois de falar que é casada com homem vaidoso e bebedor, emenda: “Fazer o que né? Destino é destino: quem traz uma sina tem que cumprir.

Norma tem 12 irmãos, 2 filhos e vive com o segundo marido – o primeiro a abandonou depois de 20 dias. “Era pau e cachaça. Aí depois arrumei o pai 
destes meninos. É bom mas é doido, vaidoso o velho, bebedor… Ele é bruto demais, ignorante que só. Fazer o que né? Destino é destino: quem traz uma sina tem que cumprir.”

“Esta palavra, sina, faz parte do que nós chamamos de cultura da resignação e acho que ela foi de fato rompida com o Bolsa Família”, diz a socióloga Walquiria Leão.

No início do programa, Norma ganhava R$ 42 com seu cartão. Agora “tira” R$ 200. “Mudou, porque eu pego meu dinheirinho, compro minhas coisas, assim mesmo ele (o marido) xingando. Eu não dou ele, ele tem o dele. Ele não me dá nenhum real, bota para comer dentro de casa mas não me dá nem um real, nem dez centavos.”

Para Walquíria Leão, “a renda liberta a pessoa de relações privadas opressoras e de controles pessoais sobre sua intimidade, pois a conforma em uma função social determinada, permitindo-lhe mais movimentação e, portanto, novas experiências”.

Mais divórcios
Ao saírem da miséria, “da espera resignada pela morte por fome e doenças ligadas à pobreza”, nas palavras de Walquiria, estas mulheres começam a 
protagonizar suas vidas.

Elenilde Ribeiro, 39 anos, vive em Cajueiro, bairro de Guaribas onde a água ainda não chegou mas o Bolsa Família já: “Tiro R$ 134 no meu cartão mas para mim está sendo mil.”

No vilarejo de Cajueiro, a uma hora do centro de Guaribas por uma estrada de terra esburacada, a água ainda não chegou às casas. Elenilde Ribeiro, 39 anos, caminha com a sobrinha por um areial com a lata na cabeça, outra na mão. É ela quem cria a menina. “Não quero que ela sofra como eu sofri”, diz.

Chegando na casa, o capricho se mostra nos paninhos embaixo de copos metálicos, na estante com fotos de família, o brasão do Palmeiras, e um gato de louça ao lado da imagem de Jesus. Do lado de fora, o banheiro – onde se usa caneca e penico –, um pátio bem varrido, uma horta suspensa, e uma pilha de lenha que Elenilde mesma coleta e quebra, apontando: “está aqui meu botijão de gás”.

Os olhos de Elenilde marejam quando conta ter sido abandonada pelo marido há treze anos, mas seu tom de voz muda ao falar do papel da renda em sua vida. “Tiro R$ 134 no meu cartão Bolsa Família mas para mim está sendo mil. Porque com este dinheirinho eu tenho o dinheiro certo para comprar (na venda) e o dono me confia. E eu sei que com isso, com ele me confiar, eu já estou comendo a mais”, explica.

Elenilde também se livrou de trabalhar na roça dos outros em troca de uma diária de R$ 5. “Eu quando pego o meu dinheiro (do cartão) vou na venda, pago a conta mais velha e espero pela vontade do vindião, aí ele vai e me franqueia… E eu vou e compro de novo”.

Segundo Walquíria Leão, isso tem ajudado a mulher a conquistar um novo papel na comunidade. “A experiência anterior de vida era sempre de ser desrespeitada, desconsiderada porque ela não tinha dinheiro”.

No final da mesma rua, Domingas Pereira da Lima, 28 anos, não se arrepende de ter abandonado o marido. “Ele ficava namorando com uma e com outra e eu num resisti, vim embora”.

Prendendo o choro, ela continua: “Deixava eu com as crianças e se tacava no meio do mundo. A vida não é fácil mas vou levando a vida devagarzinho aqui.” Desde então, Domingas cuida dos quatro filhos com o apoio das irmãs e da mãe.

Em 2003, quando chegou o Fome Zero, foram solicitados 993 divórcios no Piauí. Em 2011 o número saltou para 1.689 casos. Dos casos não consensuais, 134 foram requeridos por mulheres em 2003; em 2011 esse número saltou para 413 – um aumento de 308%.

Ainda assim, na pequena Guaribas, a mulher ficar presa em casa em dias de festa, o alcoolismo e a infidelidade masculina são histórias contadas com naturalidade. “Vixi, aqui se conta nos dedos as mulheres que não apanham do marido”, é comum as mulheres dizerem.

Na delegacia da cidadezinha, o delegado explica que por ali o clima é sempre “muito tranquilo, sem nenhuma ocorrência. Só umas brigas de casal, coisa que a gente aconselha e eles voltam” diz.

Mirele Aline Alves da Rocha é uma das que se conta nos dedos. Aos 18 anos, a bonita jovem explica: “Apesar da minha idade já ser avançada para os daqui, eu não estou nem aí para o que eles falam. Eu quero é estudar”.

A maioria das amigas se casaram aos 13 anos. Já Mirele, solteira, cursa o 
terceiro ano do Ensino Médio na escola estadual de Guaribas, onde vive com a tia – os pais moram no município de Cajueiro.

O cartão do Bolsa Família está no nome da mãe, que recebe R$ 102 por Mirele e pelo caçula de nove anos. Ambos estudam. “Eu vejo a realidade da minha mãe e não quero seguir pelo mesmo caminho. Eu quero estudar para ter um futuro, para ser independente, para não ficar dependendo de um homem”, decreta a jovem.

No primeiro bimestre de 2013, em Guaribas, a frequência escolar atingiu o percentual de 96,23%, para crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos –
o equivalente a 869 alunos – e 82,29% para os jovens entre 16 e 17 anos, de um total de 175.

Mirele vai fazer o Enem e “ver o que dá”. Para cursar faculdade ela terá que sair de Guaribas mas planeja se graduar e voltar: “Gosto mesmo é daqui”.

Nunca é demais lembrar que nossa pobreza não é um fato contingente, mas deita raízes profundas na nossa história e na forma de conduzir politicamente as decisões estatais”, avalia Walquiria.

O Bolsa Família deveria se transformar em política publica, não mais política de um governo”.

É um processo, um avanço que mal começou. E ainda é muito insuficiente. Mas quem narra uma história tem que ser capaz de narrar todos os passos desta história”, finaliza.

(*) Eliza Capai é documentarista independente, autora do filme Tão Longe é Aqui. Esta reportagem foi realizada através do Concurso de Microbolsas de Reportagem da Pública.

(**) Publicado originalmente no site Agência Pública.

Fonte:
http://envolverde.com.br/sociedade/severinas-as-novas-mulheres-do-sertao/

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Suíça diante de frouxos controles de mercenários

20/2/2013 - Inter Press Service (IPS)

- Reportagem extraída do site Envolverde - por Ray Smith, da IPS



Basileia, Suíça – O governo suíço apresentou um projeto de lei para regular a indústria militar privada, mas críticos afirmam que é inútil.
No dia 24 de março de 2010 foi incluída uma nova empresa no registro comercial da Basileia. Seu nome era Aegis Group Holdings AG.

Poucos meses depois, em 2 de agosto, foi informado que o grupo havia assumido o controle sobre a Aegis Defense Services Ltd., com sede em Londres.

A Aegis descreve a si mesma como “uma empresa líder” na área “de segurança privada e manejo de riscos”. Assim, fornece serviços em todo o mundo, incluindo países devastados por guerras, como Iraque e Afeganistão.

A Aegis se mudou silenciosamente para a Suíça

Foto: Ray Smith/IPS

A chegada da companhia pegou de surpresa o governo, e também o público.

A previsão é de que mais empresas militares privadas se mudarão para a Suíça tentando tirar proveito da estabilidade política do país, dos baixos impostos e de sua imagem pacífica e de neutralidade.

As companhias militares privadas legalmente não diferem de nenhum outro fornecedor de serviços de segurança, e as firmas ativas em áreas de conflito são difíceis de serem identificadas no registro comercial. O Departamento Federal de Justiça e Polícia estima que no país operam 20 dessas empresas.

A Suíça tem uma longa história de enviar agricultores pobres como mercenários para campos de batalha europeus.

No final da Idade Média, os cantões suíços assumiram o papel de mediadores. A queda do negócio dos mercenários começou no século 18 e terminou com a introdução da Constituição federal suíça em 1848. A partir de 1859, já não era permitido combater em campos de batalha estrangeiros.

Desde então a “neutralidade” se converteu em um elemento fundamental da política externa da Suíça e, de um modo mitológico, em uma peça fundamental de sua identidade coletiva.

Muitos viram a chegada da Aegis como uma ameaça à neutralidade do país. Os políticos suíços impulsionaram a criação de um novo contexto legal para o registro e a extensão de licenças para empresas de segurança privada. Josef Lang, então conselheiro nacional e uma das principais figuras do Grupo Para Uma Suíça Sem Exército, pediu uma proibição nacional para as companhias militares privadas.

A ministra da Justiça, Simonetta Sommaruga, anunciou no dia 23 de janeiro uma “proibição para as companhias mercenárias”. Afirmou que a Suíça já não serviria como base para atividades que violaram os direitos humanos. Mas, o que foi anunciado como uma “proibição” se mostrou ser uma regulação inútil.

O projeto de lei prevê a notificação e proibição de certas atividades, mas não das companhias de segurança privadas em si mesmas. Proíbe que firmas ou grupos empresariais com sede na Suíça “participem diretamente de hostilidades dentro de um conflito armado no exterior”.

Em poucas palavras, “isto significa que a nova lei permite às chamadas empresas de segurança agirem dentro de conflitos armados no exterior e participarem indiretamente das hostilidades”, disse Josef Lang (foto à direita).

Quem pensa que no fragor da batalha alguém pode diferenciar entre participação ‘direta’ e ‘indireta’, não tem ideia de como são as batalhas atuais”, acrescentou.


Ulrich Petersohn (foto), pesquisador do Centro para os Estudos sobre Segurança, disse que no direito internacional a definição de “participação direta em hostilidades” é vaga e está sujeita a debate. “E onde termina a autodefesa?”, perguntou. “Obviamente, há uma zona cinza”, acrescentou.

Petersohn também apresentou um dilema realista. “O que se aplica quando é atacado um complexo militar custodiado por pessoal de empresas militares privadas?”.

O novo projeto de lei também proíbe essas companhias de “realizarem qualquer atividade que incentive violações sérias aos direitos humanos”.
Sobre isto, Lang perguntou: “Por acaso significa que está permitido incentivar violações leves dos direitos humanos?”.

O político do Partido Verde acredita que a lei não pode obrigar a Aegis a deixar a Suíça. “Eles simplesmente prometerão não participar diretamente de hostilidades em áreas de conflito, e também nada fazer para incentivar violações sérias aos direitos humanos”.

Não está claro como as autoridades suíças poderão controlar as atividades dos mercenários no terreno.

Albert A. Stahel (foto), diretor do Instituto de Estudos Estratégicos, com sede em Wädenswil, perto de Zurique, acredita ser possível uma queda da atração que a Suíça representa para as companhias militares privadas, mas disse que as que já estão presentes no país não serão limitadas. “O Conselho Federal deveria ter proposto uma proibição clara para as empresas militares privadas, declarando expressamente que não toleramos nenhuma firma que participe de guerras”, enfatizou Stahel à IPS.

Petersohn tampouco vê uma imposição de limitações legais significativas para a Aegis. “No entanto, a arma mais afiada do projeto de lei é que podem ser apresentadas demandas com base em suspeitas”. As companhias estão ansiosas para evitar publicidade negativa, e isto pode colocá-las sob pressão, explicou.

Lang citou como exemplo a rígida regulação da Noruega. “Em lugar de proibir determinadas atividades praticamente impossíveis de serem definidas, seria mais factível aplicar um critério mais controlável. As empresas norueguesas não têm permitido a entrada de armas em outros países”, afirmou.

No plano internacional, a Suíça, junto como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, lançou um processo que levou, em 2008, ao Documento de Montreux. Este texto intergovernamental assinado por 44 Estados contém uma compilação de boas práticas, mas não é legalmente vinculante.

Inesperadamente, a lei proposta pelo governo suíço não adere às boas práticas sugeridas.

O Documento de Montreux promove medidas para garantir a transparência em autorizações como a do controle por parte dos órgãos parlamentares. O projeto suíço deixa fora toda medida de transparência.

No entanto, se for aprovada, a lei obrigará as companhias militares privadas que operam na Suíça a assinar o Código de Conduta Internacional para Fornecedores de Serviços de Segurança Privada (Icoc-PSP), um contexto autorregulatório já assinado por 592 empresas do setor.

Para Stahel, este enfoque é inútil, porque não há mecanismo para impor sanções. Petersohn tem esperanças de que esses códigos possam levar ao desenvolvimento de normas que impliquem certo grau de obrigatoriedade.

O Icoc-PSP é funcional principalmente para a imagem das empresas signatárias, e mantém à distância outros fornecedores de serviços.

Petersohn enfatizou que as violações ao Código, de todo modo, correm o risco de desembocar em campanhas de denúncias.

O parlamento suíço debaterá o projeto de lei, mas não se espera que o torne mais severo. “Foi dado um passo nessa direção. Porém, o copo está apenas pela metade”, disse Stahel.

Fonte: Envolverde/IPS

http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/suica-diante-de-frouxos-controles-de-mercenarios/


Nota:

A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A morte anunciada dos Guarani-Kaiowá

07/11/2012 - por Frei Betto (*) - do site Envolverde (**)


A Justiça revogou a ordem de retirada de 170 índios Guarani-Kaiowá das terras em que habitam no Mato Grosso do Sul.

Em carta à opinião pública, eles apelaram: “Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui.

Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos, mesmo, em pouco tempo”.

A morte precoce, induzida – o que nós, caras-pálidas, chamamos de suicídio – é recurso frequente adotado pelos Guarani-Kaiowá para resistirem frente às ameaças que sofrem. Preferem morrer que se degradar. Nos últimos vinte anos, quase mil indígenas, a maioria jovens, puseram fim às suas vidas, em protesto às pressões de empresas e fazendeiros que cobiçam suas terras.

A carta dos Guarani-Kaiowá foi divulgada após a Justiça Federal determinar a retirada de 30 famílias indígenas da aldeia Passo Piraju, em Mato Grosso do Sul. A área é disputada por índios e fazendeiros. Em 2002, acordo mediado pelo Ministério Público Federal, em Dourados, destinou aos índios 40 hectares ocupados por uma fazenda. O suposto proprietário recorreu à Justiça.

Segundo o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB, há que saber interpretar a palavra dos índios: “Eles falam em morte coletiva (o que é diferente de suicídio coletivo) no contexto da luta pela terra, ou seja, se a Justiça e os pistoleiros contratados pelos fazendeiros insistirem em tirá-los de suas terras tradicionais, estão dispostos a morrerem todos nela, sem jamais abandoná-las”, diz a nota.

Dados do CIMI indicam que, entre 2003 e 2011, foram assassinados, no Brasil, 503 índios. Mais da metade – 279 – pertence à etnia Guarani-Kaiowá. Em protesto, a 19 de outubro, em Brasília, 5 mil cruzes foram fincadas no gramado da Esplanada dos Ministérios, simbolizando os índios mortos e ameaçados.

São comprovados os assassinatos de membros dessa etnia por pistoleiros a serviço de fazendeiros da região. Junto ao rio Hovy, dois índios foram mortos recentemente por espancamentos e torturas.

A Constituição abriga o princípio da diversidade e da alteridade, e consagra o direito congênito dos índios às terras habitadas tradicionalmente por eles. Essas terras deveriam ter sido demarcadas até 1993. Mas, infelizmente, a Justiça brasileira é extremamente morosa quando se trata dos direitos dos pobres e excluídos.

Um quarto de século após a aprovação da carta constitucional, em 1988, as terras dos Guarani-Kaiowá ainda não foram demarcadas, o que favorece a invasão de grileiros, posseiros e agentes do agronegócio.

Participei, no governo Lula, de toda a polêmica em torno da demarcação da Raposa Serra do Sol. Graças à decisão presidencial e à sentença do Supremo Tribunal Federal, os fazendeiros invasores foram retirados daquela reserva indígena.

No caso dos Guarani-Kaiowá não se vê, por enquanto, a mesma firmeza do poder público. Até a Advocacia Geral da União, responsável pela salvaguarda dos povos indígenas – pois eles são tutelados pela União – chegou a editar portaria que, na prática, reduz a efetivação de vários direitos.

O argumento dos inimigos de nossos povos originários é que suas terras poderiam ser economicamente produtivas. Atrás desse argumento perdura a ideia de que índios são pessoas inúteis, descartáveis, e que o interesse do lucro do agronegócio deve estar acima da sobrevivência e da cultura desses nossos ancestrais.

Os índios não são estrangeiros nas terras do Brasil. Ao chegarem aqui os colonizadores portugueses – equivocadamente qualificados nos livros de história de “descobridores” – se depararam com mais de 5 milhões de indígenas, que dominavam centenas de idiomas distintos. A maioria foi vítima de um genocídio implacável, restando hoje, apenas, 817 mil indígenas, dos quais 480 mil aldeados, divididos entre 227 povos que dominam 180 idiomas diferentes e ocupam 13% do território brasileiro.

Não adianta o governo brasileiro assinar documentos em prol dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável se isso não se traduzir em gestos concretos para a preservação dos direitos dos povos indígenas e de nosso meio ambiente.

Bem fez a presidente Dilma ao efetuar cortes no projeto do novo Código Florestal aprovado pelo Congresso.

Entre o agrado a políticos e os interesses da nação e a preservação ambiental, a presidente não relutou em descartar privilégios e abraçar direitos coletivos.


Resta agora demonstrar a mesma firmeza na defesa dos direitos desses povos que constituem a nossa raiz e que marcam predominantemente o DNA do brasileiro, conforme comprovou o Projeto Genoma Humano.

(*) Frei Betto é escritor, autor de Alfabetto – Autobiografia Escolar (Ática), entre outros –http://www.freibetto.org 

twitter:@freibetto

(**) Publicado originalmente no site Adital.

Fonte:
http://envolverde.com.br/sociedade/artigo-sociedade/a-morte-anunciada-dos-guarani-kaiowa/?utm_source=CRM&utm_medium=cpc&utm_campaign=07

sábado, 20 de outubro de 2012

A segurança das usinas nucleares europeias em xeque


 18/10/2012 - por Julio Godoy, da IPS (Inter Press Service)
- extraído do site Envolverde

Muitas centrais nucleares da Europa estão fora dos padrões mínimos de segurança.
Foto: Monica S/CC-BY-ND-2.0

Berlim, Alemanha, 18/10/2012

 A chamada “prova de resistência” realizada nas usinas nucleares da União Europeia (UE) confirmaram os piores temores de ambientalistas e opositores às centrais atômicas: que estas não cumprem os padrões mínimos de segurança.

Os testes realizados em 134 reatores nucleares em 14 países do bloco obedeceram à preocupação da população diante da possibilidade de um desastre como o ocorrido na central japonesa de Fukushima Daiichi, em março de 2011.


O informe assegura que “os cidadãos da UE devem ter confiança em que a indústria nuclear da Europa é segura”. Contudo, as conclusões do documento, apresentado no dia 4 em Bruxelas, sugerem o contrário, que os cidadãos da União Europeia têm muitos motivos para sentir medo. Apenas quatro países “contam com sistemas de segurança adicionais, independentes dos normais, localizados em áreas bem protegidas de fenômenos externos”, afirma.

O estudo também conclui que, “em quatro reatores (em dois países diferentes), os operadores têm menos de uma hora para restabelecer as funções de segurança em caso de falhas”. Além disso, “em outros dez ainda não há instrumentos sísmicos instalados no local”, acrescenta o documento.

Apenas sete países contam com um “equipamento móvel, em particular geradores a óleo combustível, necessários em caso de total falta de eletricidade, fenômenos externos ou acidentes graves”, alerta o estudo. Os ativistas questionam que os testes foram quase totalmente teóricos, e que suas conclusões e recomendações não foram legalmente vinculantes.

O próprio informe diz que “grupos de revisão principalmente compostos por especialistas dos países-membros visitaram 24 locais, dos 68 existentes, levando em conta o tipo de reator e sua localização geográfica.” Detalha também que “as visitas a cada país foram concebidas para consolidar a implantação dos testes de resistência, sem invadir as responsabilidades das autoridades nacionais em matéria de inspeções na área de segurança nuclear”.


A catástrofe de Fukushima, considerada a pior deste tipo desde o acidente de 1986 em Chernobil, na Ucrânia, provou que as centrais atômicas precisam estar protegidas contra os fenômenos considerados “altamente improváveis”.

Segundo a própria União Europeia, “o ocorrido em Fukushima revelou elementos muito conhecidos e recorrentes: projetos ruins, sistemas de apoio insuficientes, erros humanos, planos de contingência inadequados e falta de comunicação”.

Os testes de resistência apenas confirmaram o que organizações ambientais e contrárias à energia nuclear temem há anos. Agora, aproveitam as conclusões do estudo para reclamar sua eliminação gradual do continente.

Tobias Muenchmeyer, especialista do escritório alemão do Greenpeace, declarou à IPS que “os testes de resistência confirmam que os sistemas de alerta são insuficientes e que a aplicação das diretrizes em caso de acidentes graves também o é. Nessas situações, as usinas devem ser fechadas. Os testes constituem um sinal de alarme para a eliminação gradual das usinas nucleares em toda a Europa”.



Segundo outros ativistas e dirigentes políticos, pelo menos as conclusões da avaliação devem levar ao fechamento imediato de todas as centrais nas regiões fronteiriças, nas quais os acidentes não teriam impactos apenas na população e no meio ambiente locais, mas também em regiões externas e em seus cidadãos. Tais medidas afetariam instalações de Bélgica, Bulgária, Eslováquia, França, Holanda, Hungria, República Checa e Romênia.

Johannes Remmel, ministro do Meio Ambiente do estado alemão de Renânia do Norte-Westfalia, disse aos jornalistas que todas as centrais nucleares deficientes instaladas nas regiões de fronteira da Europa deveriam ser fechadas ou, pelo menos, não funcionarem após sua “vida operacional”. Segundo Remmel, “um acidente com vazamento radiativo afetaria as populações de vários países”. Ele se referiu em especial às centrais belgas de Tihange e Doel, consideradas particularmente frágeis e localizadas, respectivamente, a 60 e 120 quilômetros do território alemão. Houve reclamações semelhantes na Áustria pelas usinas nucleares de Eslováquia e República Checa.


Os testes de resistência lançaram luz sobre o alto preço que as centrais atômicas podem ter. Contudo, a UE assegurou que “os países participantes começaram a tomar medidas para melhorar a segurança de suas usinas nucleares."

O custo para melhorar a segurança iria de US$ 39 milhões a US$ 258 milhões para cada um dos 132 reatores existentes. Os números se baseiam em estimativas da autoridade de segurança nuclear francesa, que cobre mais de um terço dos reatores da UE e estão sujeitas a confirmação pelos planos nacionais de ação.

Jo Leinen, ex-ministro do Meio Ambiente do Estado alemão de Sarre, considera que poderia ser feito melhor uso desse dinheiro. “Ou a UE e seus membros investem para melhorar as usinas nucleares a fim de torná-las mais seguras, ou as fecham”, disse à IPS o atual deputado do Parlamento Europeu. “Se as melhoras custam, realmente, US$ 32 milhões no total, seria melhor investi-los em fontes alternativas de energia”, ressaltou.


Fukushima também fortaleceu a oposição popular à energia nuclear no mundo. Enquanto isso, numerosas centrais em construção, como Olkiluoto 3, na Finlândia, e Flamanville, na França, incorrem em custos elevadíssimos.

Agora, os testes de resistência feitos pela UE acrescentaram outra pedra no sapato da energia nuclear.

O crescente peso das fontes renováveis na geração de eletricidade revela que é possível e factível um mundo sem energia nuclear, a qual, por outro lado, diminuiu de forma regular em relação ao máximo histórico de 17%, em 1993, para 11% no ano passado.

Envolverde/IPS

Fonte:
http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/a-seguranca-das-usinas-nucleares-europeias-em-xeque/?utm_source=CRM&utm_medium=cpc&utm_campaign=18

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A água ou a vida

12/09/2012 - por Protus Onyuango, da IPS (Inter Press Service)
extraído do site Envolverde

Nairóbi, Quênia – A escassez de água desata guerras interétnicas que continuam ceifando vidas no Quênia.


Mandera, na Província Nordeste do Quênia, palco de enfrentamentos pela água.
Foto: Protus Onyuango / IPS
Se nada for feito para educar as comunidades sobre como conservar os valiosos recursos hídricos, a situação se agravará ainda mais, alertam ambientalistas e especialistas governamentais.

No dia 9, 38 pessoas morreram em ataques de vingança no distrito do delta do Rio Tana, na Província Costeira, incluindo oito crianças, cinco mulheres, 16 homens civis e nove policiais.

O incidente aconteceu após anúncio do governo da realização de um exercício de desarme no delta do Tana, depois que enfrentamentos por água e pastagens deixaram mais de 80 mortos. O chefe de polícia da Província Costeira, Aggrey Adoli, informou à IPS que cerca de 500 cavaleiros do grupo étnico pokomo atacaram a aldeia de Kilelengwani, incendiaram um acampamento policial e destruíram várias estruturas. No dia 10, a região estava inacessível e os policiais tiveram que usar helicópteros para se trasladarem e deter a violência.

Isto foi em represália pelo incidente do dia 6, no qual 13 pokomos foram assassinados quando cavaleiros do grupo étnico orma atacaram a aldeia de Tarassa”, informou Adoli. No entanto, os conflitos pelos recursos não estão limitados a esta região. No dia 22 de agosto, quatro pessoas foram assassinadas em incidentes separados na aldeia de Muradellow, na Província Nordeste. A polícia disse que as mortes aconteceram em um manancial no qual pastores haviam levado seus animais. Em março, 22 pessoas foram mortas em Mandera, na mesma província, enquanto mais de 1,5 mil fugiram da violência na aldeia El Golicha, perto da fronteira com a Somália.

Ernest Munyi, funcionário da Província Noroeste e comissário assistente da polícia regional, contou à IPS que os combates são cada vez mais frequentes. “Os ataques de clãs são comuns na região, que agora é palco de confrontos mensais, desde fevereiro. Antes eram mais esporádicos”, acrescentou. Os choques acontecem entre “pastores nômades que dependem do gado para sobreviver e que lutam pela água e os poucos campos para pastar”, detalhou.

Líderes políticos, ativistas pelos direitos humanos e ambientalistas querem que o governo cuide do problema imediatamente. Mwalimu Mati, diretor-executivo da organização não ernamental Mars Group, que trabalha em temas de governança, disse à IPS que o governo deve distribuir equitativamente os recursos. “Os conflitos pelos recursos estarão conosco por um longo tempo porque as políticas governamentais que promovem o corte de árvores causam desmatamento”, explicou Mati, que também é advogado.

A escassa cobertura florestal tem como consequência uma redução das chuvas, segundo especialistas em água. Peter Mangich, diretor de Serviços de Água do Ministério de Água e Irrigação, disse à IPS que, devido aos efeitos da mudança climática, este país agora recebe apenas um quarto de suas históricas precipitações. “A média anual de chuva é de 630 milímetros, quando deveria ser quatro vezes maior. O Plano Nacional de Desenvolvimento 2002-2008 reconhece o Quênia como um país com escassez hídrica, onde a demanda excede os recursos renováveis”, afirmou o diretor. “O esgotamento de nossos recursos naturais devido às poucas precipitações e à escassa cobertura florestal, que chega a 3%, é um problema. As bacias hidrográficas não cobrem o país de maneira equitativa”, destacou.

Essa é a razão dos crescentes conflitos, segundo o geólogo e ambientalista Bernard Rop. “Houve confrontos por água e pastagens na maior parte da Província Nordeste, bem como entre os turkana, os samburu e os pokot na Província Costeira e na de Rift Valley nos últimos dez anos, causando a morte de 400 pessoas e o roubo de dez mil cabeças de gado”, disse à IPS.

E os conflitos não afetarão apenas as áreas secas. A mudança climática é real. O governo precisa adotar medidas para solucionar este problema”, ressaltou Rop.

Mati explicou que a necessidade de água levou Etiópia, Quênia, Sudão, Sudão do Sul, Tanzânia e Uganda a pedirem a revogação de um tratado de 1959, patrocinado pela Grã-Bretanha, que dá ao Egito, e em menor grau ao Sudão, direitos históricos sobre os recursos do Rio Nilo. Rop afirmou que o Quênia tem água facilmente disponível, mas que deve ser melhor aproveitada. Este país é o maior produtor de energia geotermal na África, com 290 megawatts, afirmou. Também “possui grandes quantidades de água subterrânea, que, se for aproveitada e distribuída nas áreas afetadas, acabará com o conflito”, ressaltou.

Mangich assegurou que o governo está abordando o problema. “Desde o ano passado, temos patrocinado organizações não governamentais, como a World Vision, para que cavem poços nas áreas afetadas, e os moradores possam obter água suficiente para o gado e uso doméstico”, detalhou.


Também os estimulamos a usar a água para plantar vegetais e milho, a fim de complementar a produção pecuária”, ressaltou. Porém, o diretor da Mars Group observou que é preciso exortar os pastores nômades a participarem de outras atividades econômicas mais viáveis, e sugeriu que o governo deveria promover a urbanização.

Isto permitirá a muitas pessoas viver em localidades com serviços públicos e cultivar a terra como grupo, não como indivíduos”, enfatizou Mati.

O ministro da Educação, Mutula Kilonzo, declarou à IPS que antes o governo deve implantar políticas já existentes sobre o acesso a água. “A nova Constituição tem políticas muito boas para as regiões secas, que consistem em cavar poços e promover a irrigação. Deixem que implantemos as leis sobre agricultura e os combates cessarão”, assegurou.


Envolverde/IPS

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