Em dois posts oportunos, o jornalista-blogueiro Renato Rovai mostra por que devemos nos preocupar com o Ministério da Cultura sob gestão de Ana de Hollanda.
Ministra da Cultura dá sinais de guerra ao livre conhecimento
A ministra da Cultura Ana de Holanda lançou uma ofensiva contra a liberdade do conhecimento. Na quarta-feira pediu a retirada da licença Creative Commons do site do Ministério da Cultura, que na gestão de Gilberto Gil foi pioneiro em sua adoção no Brasil.
O exemplo do MinC foi àquela época fundamental para que outros sites governamentais seguissem a mesma diretriz e também publicassem seus conteúdos sob essa licença, como o da Agência Brasil e o Blog do Planalto.
A decisão da ministra é pavorosa porque, entre outras coisas, rasga um compromisso de campanha da candidata Dilma Roussef. O site de sua campanha foi publicado em Creative Commons o que denotava compromisso com esse formato.
Além desse ato simbólico, que demonstra falta de compromisso com o livre conhecimento, a ministra pediu o retorno ao Ministério da Cultura do Projeto de Lei de Revisão dos Direitos Autorais, que depois de passar por um debate de sete anos e uma consulta pública democrática no governo Lula, estava na Casa Civil para apreciação final e encaminhamento ao Congresso Nacional.
O que se comenta é que a intenção da ministra é revisar o projeto a partir das observações do ECAD, um órgão cartorial e que cumpre um papel danoso para a difusão da cultura no Brasil.
Para quem não conhece, o ECAD é aquele órgão que entre outras coisas contrata gente para fiscalizar bares e impedir, por exemplo, que um músico toque a música do outro. É uma excrescência da nossa sociedade cartorial.
Este blog também apurou que Ana de Holanda pretende nomear para a Diretoria de Direitos Intelectuais da Secretaria de Políticas Culturais o advogado Hildebrando Pontes, que mantém um escritório de Propriedade Intelectual em Belo Horizonte e que é aliado das entidades arrecadadoras.
Como símbolo de todo esse movimento foi publicado ontem no site do Ministério da Cultura, na página de Direitos Autorais, um texto intitulado “Direitos Autorais e Direitos Intelectuais”, que esclarece a “nova visão” do ministério sobre o tema. Vale a leitura do texto na íntegra , mas segue um trecho que já esclarece o novo ponto de vista:
“Os Direitos Autorais estão sempre presentes no cotidiano de cada um de nós, pois eles regem as relações de criação, produção, distribuição, consumo e fruição dos bens culturais. Entramos em contato com obras protegidas pelos Direitos Autorais quando lemos jornais, revistas ou um livro, quando assistimos a filmes, ou simplesmente quando acessamos a internet.”
Essa ofensiva de Ana de Holanda tem várias inconsistências e enseja algumas perguntas:
A principal, o governo como um todo está a par desse movimento e concorda com ele?
Afinal a presidenta Dilma Roussef se comprometeu, como Ministra da Casa Civil e candidata à presidente da República, a manter o processo de revisão dos direitos autorais e promover a liberdade do conhecimento. E um desses compromissos foi firmado na Campus Party do ano passado, em encontro com o criador das licenças Creative Commons, Lawrence Lessig.
O atual ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, quando candidato ao governo de São Paulo, também se comprometeu com esta luta, inclusive numa reunião que contou com a presença deste blogueiro, na Vila Madalena, em São Paulo.
O que a atual presidenta e o ministro Mercadante pensam desta inflexão?
E o pessoal do PT ligado à Cultura, o que pensa disso?
Muitos dos militantes petistas da área comemoraram a indicação de Ana de Holanda.
Alguns entraram em contato com este blog para dizer que os compromissos anteriores não seriam rasgados.
E agora, o que eles pensam dessas decisões da ministra?
Dilma Roussef foi eleita também para dar continuidade ao governo Lula. Se havia interesse em revisar certas diretrizes na área da Cultura e que vinham sendo implementadas com enorme sucesso e repercussão nacional e internacional, isso deveria ter ficado claro. Isso deveria ter sido dito nos diversos encontros que a candidata e gente do seu partido tiveram com esses setores.
Essas primeiras ações do MinC não são nada alentadoras. Demonstram um sinal trocado na política do ministério exatamente no que de melhor ele construiu nos anos de governo Lula.
Não há como definir de outra forma essa mudança rota: é traição com o movimento pela democratização da cultura e da comunicação.
A ministra precisa refletir antes de declarar guerra a esse movimento social.
E o PT precisa assumir uma posição antes que seja tarde.
Porque na hora H, não é com o povo do ECAD e com o da indústria cultural que ele conta.
PS: Conversei com um amigo que entende de conteúdos licenciados em Creative Commons e ele me disse que a decisão da ministra de mudar o licenciamento do site vale exatamente nada no que diz respeito ao que foi produzido na gestão anterior.
Aquele conteúdo foi ofertado em Creative Commons e o Ministério não pode simplesmente revogar a licença de uso.
Se isso for feito, o Ministério infringe a licença Creative Commons e se torna um infrator de direitos.
MinC: O debate é entre o comum e o privado
O texto (acima) sobre a decisão do MinC de retirar do seu site a licença Creative Commons e ao mesmo tempo solicitar à Casa Civil o projeto de Direitos Autorais causou polêmica tanto neste blog quanto em outros espaços que o republicaram.
A maior parte dos internautas manifestou preocupação com as medidas. Um setor menor, mas não inexpressivo, preferiu acusar o autor do texto tanto de estar a serviço de interesses imperialistas como de fazer parte de uma “frente” anti Ana de Hollanda.
A acusação de imperialista cultural por defender o licenciamento em Creative Commons é tão tacanha que me permito não respondê-la.
Em relação ao fato de fazer jogo deste ou daquele grupo, registro que participo de debates culturais há algum tempo e por isso conhecia alguns dos principais colaboradores da gestão anterior no ministério.
Mas também conheço e admiro alguns dos que ganharam espaço com Ana de Holanda.
Ou seja, não é essa a questão. Ela é outra, bem outra…
O fato de o Minc deixar de licenciar o seu site em Creative Commons foi um ato político. Uma declaração de que há uma nova postura no ministério em relação ao debate dos direitos autorais.
A nota que o ministério emitiu alegando que só trocou a licença por uma frase em português liberando o conteúdo não dá conta do problema. Em relação a isso, vale a pena ler a matéria da revista Rede em que o professor Ronaldo Lemos , da Fundação Getúlio Vargas, explica as diferenças.
Há outras tantas que poderiam ser listadas. Quem sabe num outro post…
O ponto central que quero discutir nesse novo texto é que a retirada do CC do site do ministério parece indicar que a política nesta área de direitos autorais vai ser modificada. O que muda muita coisa.
Ao que muda então.
No governo Lula, o MinC foi aliado da luta para garantir que os bens culturais pudessem ser acessados por toda a população e trabalhou no sentido de construir pontes para debater novas formas de financiamento para o produtor cultural.
Isso equivale dizer que o Estado fez seu papel republicano e democratizante e não atuou como um despachante de interesses privados ou de corporações.
Quando se fala em mudar o sinal e reforçar a velha lógica dos direitos autorais o que se está sinalizando? Entre outras coisas que o ministério vai trabalhar entendendo o “direito” do artista (de poucos, diga-se de passagem) como mais relevante do que o da difusão da cultura.
Dá pra dizer também, em outras palavras, que a manutenção da indústria cultural importa mais do que a possibilidade do livre conhecimento para todos.
Quando se fala em livre conhecimento, entre outras coisas se quer dizer que se é contra criminalizar alguém por baixar música da internet ou por fazer uma cópia de um livro na faculdade.
Que se é contra impedir uma banda do interior de executar Tom Jobim porque não recolheu a grana do ECAD.
Que se é contra impedir um grupo de jovens de apresentar um espetáculo de teatro de um autor nacional importante só porque sua família não autorizou.
Ser a favor do livre conhecimento é lutar para que a maior parte dos produtos culturais esteja disponível na rede e que o maior número de brasileiros tenham acesso a eles a partir de um acesso, se possível, público e gratuito à rede.
Isso quer dizer que o livre acesso ao conhecimento não pode se submeter ao interesse comercial e privado de alguns, mas não significa que os artistas não devam ser remunerados pelo seu trabalho.
Mas significa sim que nem eles (artistas) e nem ninguém podem ser censores da difusão da obra cultural.
O que se espera de um MinC de um governo como o de Dilma é que se ele não vier a se associar a esta luta de forma clara, ao menos seja um instrumento de mediação do confronto entre os que defendem a produção cultural como algo privado. E os que a entendem como bem coletivo.
Para os que a entedem como bem coletivo é preciso libertar a produção cultural do todo poderoso mercado e impedir que seja tratada tão somente como mercadoria.
Na opinião desses, esse é o um dos papéis fundamentais do MinC e tem, sim, relação com a posição o ministério vai adotar na questão dos direitos autorais.
Este blog espera que a ministra Ana de Hollanda e os novos gestores do ministério estejam abertos para travar de forma republicana e democrática esse debate.
Ele é um debate central e guarda relação com a sociedade que desejamos construir, a do comum ou a do privado.
Não é perfumaria e nem coisa de imperialista. E quem é intelectualmente honesto sabe disso.
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terça-feira, 25 de janeiro de 2011
sábado, 16 de outubro de 2010
Gilberto Gil vota em Dilma 13
Parabéns mais uma vez à companheira Marilia Guimarães, que gravou o vídeo com o ex-ministro. O depoimento está na página oficial da campanha Dilma Presidente.
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