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domingo, 16 de setembro de 2012

“Talvez duas crianças tenham morrido para você ter o seu celular”

11/09/2012 - Por Inés Benítez, no IPS (Inter Press Service)
- extraído do blog Sociedade dos Amigos da TV Brasil (SOA Brasil)

[Aquilo que o mundo já conhece como Holocausto Colonial (*), se reproduz tanto na Faixa de Gaza e nas Colinas de Golan quanto aqui na África. A reconquista da Líbia pelas forças armadas do ocidente, uma das poucas nações africanas que ainda esboçava uma reação aos planos de dominação imperialista e neocolonial patrocinados pelas grandes corporações capitalistas, serviu para nos dar uma ideia das características  do naco da humanidade a ser varrido do mapa para que, acima de tudo, prevaleçam os interesses do mundo abastado do dinheiro.

O artigo que aqui publicamos anteontem sobre a luta pela água no Quênia (costa oriental da África), A Água ou a Vida revela outras facetas desse processo de dominação e extermínio.

E porque possui as mesmas raízes históricas coloniais, em tudo se assemelha às guerras fraticidas que assolam a República Democrática do Congo (costa ocidental dessa mesma África), objeto do artigo de hoje sobre o coltan, esse raro e imprescindível mineral presente em todos os "brinquedinhos eletrônicos" dos dias atuais.]
(Equipe Educom)

A extração de coltan contribui para manter um dos maiores conflitos armados da África, que já causou mais de cinco milhões de mortos, êxodo em massa e violações de 300 mil mulheres nos últimos 15 anos, segundo organizações de direitos humanos. Isto foi reconhecido em 2001 pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que confirmou a existência do “vínculo entre a exploração ilegal dos recursos naturais e a continuação do conflito na República Democrática do Congo”.

Um grupo de especialistas convocado pelo Conselho registrou até 2003 cerca de 157 empresas e indivíduos de todo o mundo vinculados, de um modo ou de outro, à extração ilegal de matérias-primas valiosas na RDC.

No Brasil, já existem mais celulares que habitantes, mas poucos consumidores sabem da exploração sangrenta na República Democrática do Congo de uma matéria-prima para esses aparelhos, o tântalo.

(Inés Benítez, no IPS)

Pode ser que duas crianças tenham morrido para você ter esse telefone celular”, disse Jean- Bertin, um congolense de 34 anos que denuncia o silêncio absoluto” sobre os crimes cometidos em seu país pela exploração de matérias-primas estratégicas como o coltan (columbita-tantalita). A República Democrática do Congo (RDC) possui pelo menos 64% das reservas mundiais de coltan, nome popular na África central para designar as rochas formadas por dois minerais, columbita e tantalita.
Da tantalita se extrai o tântalo, metal duro de transição, de cor azul acinzentado e brilho metálico, resistente à corrosão e que é usado em condensadores para uma enorme variedade de produtos, como telefones celulares, computadores e tablets, bem como em aparelhos para surdez, próteses, implantes e soldas para turbinas, entre muitos outros. “A maldição da RDC é sua riqueza. O Ocidente e todos que fabricam armas metem o nariz ali”, lamenta Jean-Bertin, que chegou há oito anos à cidade espanhola de Málaga, procedente de Kinshasa, onde vivem seus pais e dois irmãos.

A extração de coltan contribui para manter um dos maiores conflitos armados da África, que causou mais de cinco milhões de mortos, êxodo em massa e violações de 300 mil mulheres nos últimos 15 anos, segundo organizações de direitos humanos. Isto foi reconhecido em 2001 pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que confirmou a existência do “vínculo entre a exploração ilegal dos recursos naturais e a continuação do conflito na República Democrática do Congo”. Um grupo de especialistas convocado pelo Conselho registrou até 2003 cerca de 157 empresas e indivíduos de todo o mundo vinculados, de um modo ou de outro, à extração ilegal de matérias-primas valiosas na RDC.

A exploração de coltan em dezenas de minas informais, salpicadas na selva oriental da RDC, financia os grupos armados e corrompe militares e funcionários. A extração artesanal, sem nenhum controle de qualidade, comporta um regime trabalhista próximo da escravidão e um grande dano ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores, incluindo crianças, segundo o documentário de 2010, Blood in the Mobile (Sangue no Celular), do diretor dinamarquês Frank Piasecki.

No entanto, fontes da indústria, como o Tantalum - Niobium International Study Center (TIC), alertam que as jazidas de coltan na RDC e de toda a região da África central estão longe de serem a fonte principal de tântalo. A Austrália foi o principal produtor desse mineral durante vários anos e mais recentemente cresceu a produção sul-americana e asiática, além de outras fontes, como a reciclagem. O TIC estima que as maiores reservas conhecidas de tântalo estão no Brasil e na Austrália, e ultimamente há informações sobre sua existência na Venezuela e na Colômbia.

A RDC tem outras riquezas naturais igualmente contrabandeadas, como ouro, cassiterita (mineral de estanho), cobalto, cobre, madeiras preciosas e diamantes. Contudo, está em último lugar no Índice de Desenvolvimento Humano 2011. Neste cenário, as denúncias da sociedade civil organizada apelam cada vez mais aos consumidores de produtos que contêm estes materiais. Na Espanha, a Rede de Entidades para a República Democrática do Congo – uma coalizão de organizações não governamentais e centros de pesquisa – lançou em fevereiro a campanha Não Com o Meu Celular, para exigir dos fabricantes o compromisso de não usarem coltan de origem ilegal.

O surgimento de novas fontes de tântalo e a reciclagem deveriam ajudar a reduzir a pressão da demanda sobre o coltan congolense. A organização Entreculturas e a Cruz Vermelha Espanhola promovem desde 2004 a campanha nacional Doe seu Celular, para incentivar a entrega de aparelhos velhos para serem reutilizados ou para reciclagem de seus componentes. Os fundos obtidos são investidos em projetos de educação, meio ambiente e desenvolvimento para setores pobres da população. Até julho foram coletados 732.025 aparelhos e arrecadados mais de um milhão de euros, contou ao Terramérica a coordenadora da campanha na Entreculturas, Ester Sanguino.

Entretanto, fundações e empresas dedicadas à reciclagem, ouvidas pelo Terramérica, concordam que seria impossível abastecer com esta fonte uma porção significativa da crescente demanda mundial por tântalo. A pressão do mercado faz com que as pessoas troquem o celular por outro mais moderno de tempos em tempos, por isso a reciclagem, mesmo feita em grande escala, não daria conta, disse ao Terramérica uma fonte da BCD Electro, empresa de reutilização e reciclagem informática e eletrônica. E a telefonia móvel é apenas um segmento das aplicações atuais do tântalo.

Apple e Intel anunciaram, em 2011, que deixariam de comprar tântalo procedente da antiga colônia belga.

Nokia e Samsung fizeram declarações similares. A Samsung assegura em sua página corporativa que tomou medidas para garantir que seus terminais “não contenham materiais derivados do coltan congolense extraído ilegalmente”. Na verdade, os códigos de conduta empresariais vieram preencher o vazio de normas taxativas.

O esforço maior é o das Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, pois compreende todas as nações industrializadas sócias da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Porém, o longo e opaco circuito do coltan congolense torna difícil demonstrar que tais códigos são cumpridos. Os minerais explorados ilegalmente são contrabandeados através de países vizinhos, como Ruanda e Uganda, para Europa, China e outros destinos.

Os grupos rebeldes proliferam pela riqueza das terras em coltan, diamantes ou ouro”, disse ao Terramérica o coordenador da organização humanitária Farmamundi na RDC, Raimundo Rivas.

Os governos vizinhos são “cúmplices” e “até o momento tudo é apoiado e encoberto pelas empresas beneficiárias, em seu último destino, dessas riquezas”, ressaltou.

Há muitos interesses econômicos em torno do negócio do coltan”, alertou Jean-Bertin.

Enquanto isso, na RDC “as matanças são reais. O sangue está por toda parte, e, no entanto, é como se o país não existisse”.

Por isso gera expectativas a decisão da Comissão de Valores dos Estados Unidos (SEC), que, no dia 22 de agosto, regulamentou um capítulo da Lei de Proteção do Consumidor e Reforma de Wall Street, referente aos “minerais de conflitos”. A Lei 1.502 estabelece que todas as empresas nacionais ou internacionais já obrigadas a entregar informação anual à SEC e que manufaturem ou contratem a manufatura de produtos que contenham um dos quatro minerais de conflito (estanho, tântalo, tungstênio, ouro) deverão adotar medidas para determinar sua origem mediante a análise da cadeia de fornecimento.

Contudo, o primeiro informe deverá ser apresentado em 31 de maio de 2014, prazo considerado excessivo por defensores dos direitos humanos, que denunciam os crimes que continuam sendo cometidos na RDC, apesar da presença desde 2010 de uma missão de paz da ONU.

Com o olhar dominado pela raiva e sua filha de seis meses nos braços, o congolense Jean-Bertin insiste que os grupos armados “dão armas a muitas crianças e as obrigam a entrar para um ou outro bando".

Para Rivas, “a única solução é um governo forte na RDC, que possa responder aos ataques, e um apoio internacional real que penalize aquelas empresas suspeitas de importar minerais de zonas em conflito”.


Postado por SOA BRASIL
Fonte:
http://amigosdatvbrasil.blogspot.com.br/2012/09/pense-talvez-duas-criancas-tenham.html
(*) Alusão ao livro de Mike Davis, Holocaustos Coloniais

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A água ou a vida

12/09/2012 - por Protus Onyuango, da IPS (Inter Press Service)
extraído do site Envolverde

Nairóbi, Quênia – A escassez de água desata guerras interétnicas que continuam ceifando vidas no Quênia.


Mandera, na Província Nordeste do Quênia, palco de enfrentamentos pela água.
Foto: Protus Onyuango / IPS
Se nada for feito para educar as comunidades sobre como conservar os valiosos recursos hídricos, a situação se agravará ainda mais, alertam ambientalistas e especialistas governamentais.

No dia 9, 38 pessoas morreram em ataques de vingança no distrito do delta do Rio Tana, na Província Costeira, incluindo oito crianças, cinco mulheres, 16 homens civis e nove policiais.

O incidente aconteceu após anúncio do governo da realização de um exercício de desarme no delta do Tana, depois que enfrentamentos por água e pastagens deixaram mais de 80 mortos. O chefe de polícia da Província Costeira, Aggrey Adoli, informou à IPS que cerca de 500 cavaleiros do grupo étnico pokomo atacaram a aldeia de Kilelengwani, incendiaram um acampamento policial e destruíram várias estruturas. No dia 10, a região estava inacessível e os policiais tiveram que usar helicópteros para se trasladarem e deter a violência.

Isto foi em represália pelo incidente do dia 6, no qual 13 pokomos foram assassinados quando cavaleiros do grupo étnico orma atacaram a aldeia de Tarassa”, informou Adoli. No entanto, os conflitos pelos recursos não estão limitados a esta região. No dia 22 de agosto, quatro pessoas foram assassinadas em incidentes separados na aldeia de Muradellow, na Província Nordeste. A polícia disse que as mortes aconteceram em um manancial no qual pastores haviam levado seus animais. Em março, 22 pessoas foram mortas em Mandera, na mesma província, enquanto mais de 1,5 mil fugiram da violência na aldeia El Golicha, perto da fronteira com a Somália.

Ernest Munyi, funcionário da Província Noroeste e comissário assistente da polícia regional, contou à IPS que os combates são cada vez mais frequentes. “Os ataques de clãs são comuns na região, que agora é palco de confrontos mensais, desde fevereiro. Antes eram mais esporádicos”, acrescentou. Os choques acontecem entre “pastores nômades que dependem do gado para sobreviver e que lutam pela água e os poucos campos para pastar”, detalhou.

Líderes políticos, ativistas pelos direitos humanos e ambientalistas querem que o governo cuide do problema imediatamente. Mwalimu Mati, diretor-executivo da organização não ernamental Mars Group, que trabalha em temas de governança, disse à IPS que o governo deve distribuir equitativamente os recursos. “Os conflitos pelos recursos estarão conosco por um longo tempo porque as políticas governamentais que promovem o corte de árvores causam desmatamento”, explicou Mati, que também é advogado.

A escassa cobertura florestal tem como consequência uma redução das chuvas, segundo especialistas em água. Peter Mangich, diretor de Serviços de Água do Ministério de Água e Irrigação, disse à IPS que, devido aos efeitos da mudança climática, este país agora recebe apenas um quarto de suas históricas precipitações. “A média anual de chuva é de 630 milímetros, quando deveria ser quatro vezes maior. O Plano Nacional de Desenvolvimento 2002-2008 reconhece o Quênia como um país com escassez hídrica, onde a demanda excede os recursos renováveis”, afirmou o diretor. “O esgotamento de nossos recursos naturais devido às poucas precipitações e à escassa cobertura florestal, que chega a 3%, é um problema. As bacias hidrográficas não cobrem o país de maneira equitativa”, destacou.

Essa é a razão dos crescentes conflitos, segundo o geólogo e ambientalista Bernard Rop. “Houve confrontos por água e pastagens na maior parte da Província Nordeste, bem como entre os turkana, os samburu e os pokot na Província Costeira e na de Rift Valley nos últimos dez anos, causando a morte de 400 pessoas e o roubo de dez mil cabeças de gado”, disse à IPS.

E os conflitos não afetarão apenas as áreas secas. A mudança climática é real. O governo precisa adotar medidas para solucionar este problema”, ressaltou Rop.

Mati explicou que a necessidade de água levou Etiópia, Quênia, Sudão, Sudão do Sul, Tanzânia e Uganda a pedirem a revogação de um tratado de 1959, patrocinado pela Grã-Bretanha, que dá ao Egito, e em menor grau ao Sudão, direitos históricos sobre os recursos do Rio Nilo. Rop afirmou que o Quênia tem água facilmente disponível, mas que deve ser melhor aproveitada. Este país é o maior produtor de energia geotermal na África, com 290 megawatts, afirmou. Também “possui grandes quantidades de água subterrânea, que, se for aproveitada e distribuída nas áreas afetadas, acabará com o conflito”, ressaltou.

Mangich assegurou que o governo está abordando o problema. “Desde o ano passado, temos patrocinado organizações não governamentais, como a World Vision, para que cavem poços nas áreas afetadas, e os moradores possam obter água suficiente para o gado e uso doméstico”, detalhou.


Também os estimulamos a usar a água para plantar vegetais e milho, a fim de complementar a produção pecuária”, ressaltou. Porém, o diretor da Mars Group observou que é preciso exortar os pastores nômades a participarem de outras atividades econômicas mais viáveis, e sugeriu que o governo deveria promover a urbanização.

Isto permitirá a muitas pessoas viver em localidades com serviços públicos e cultivar a terra como grupo, não como indivíduos”, enfatizou Mati.

O ministro da Educação, Mutula Kilonzo, declarou à IPS que antes o governo deve implantar políticas já existentes sobre o acesso a água. “A nova Constituição tem políticas muito boas para as regiões secas, que consistem em cavar poços e promover a irrigação. Deixem que implantemos as leis sobre agricultura e os combates cessarão”, assegurou.


Envolverde/IPS

Fonte:

quinta-feira, 5 de abril de 2012

“Devemos mudar a economia”

05/4/2012 - por Rousbeh Legatis, da Inter Press Service (IPS)
reproduzido do site Envolverde

  
América Latina experimentou “luzes e sombras”, disse à IPS a secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena. Foto: Rousbeh Legatis/IPS

 
Nações Unidas, 05/04/2012

Depois da “década perdida” para a América Latina e o Caribe, nos anos 1980, a região experimentou um período de “luzes e sombra”, segundo a secretária executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena. O progresso real no campo social ocorreu na primeira década deste século, porque passamos de 44% da população da região vivendo na pobreza, em 2002, para 31% no ano passado”, destacou. Esta porcentagem representa 177 milhões dos 600 milhões de latino-americanos e caribenhos.

Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá no Rio de Janeiro em junho, 19 agências da Organização das Nações Unidas (ONU) colaboraram em um informe sobre os progressos e os desafios da região nas duas últimas décadas. Bárcena falou à IPS sobre as vias para avançar no desenvolvimento sustentável, sobre a histórica oportunidade que representa a cúpula no Rio de Janeiro para revisar as estruturas de governo globais e sobre o papel do Sul na luta contra os problemas de um futuro comum.

IPS: Quais as principais ameaças que a América Latina e o Caribe enfrentam?
Alicia Bárcena: Um dos sinais de alerta para nossa população é que as taxas de fertilidade estão caindo, em geral. Contudo, a maioria dos novos nascimentos se dá por gravidez de jovens. As mulheres jovens pobres são as que mais têm filhos. Isto é crucial, porque se nossa região não investir nas primeiras idades, de zero a cinco anos, o futuro desta região estará nas mãos da pobreza. Também analisamos ondeestão as áreas da América Latina mais vulneráveis à mudança climática, de acordo com seu impacto esperado para 2050. Por exemplo, consideramos eventos extremos e manifestações como a elevação do nível do mar ou desastres naturais, como os furacões.

As áreas mais afetadas serão América Central, do lado do Atlântico, México, na bacia do Caribe, algumas áreas de Equador, Peru e Colômbia, do lado do Pacífico, e a região do porto de Montevidéu, no Uruguai. É verdade que no plano social melhoramos as taxas de pobreza, mas o desemprego continua sendo um tema muito importante na América Latina e no Caribe. A taxa de 6,6% é baixa comparada com Europa ou Estados Unidos. O problema é a qualidade do emprego: em geral, é informal e sem seguridade social. Tão importante quanto reduzir a pobreza é reduzir a desigualdade.

IPS: Se considerarmos os fundamentos das economias da região, a exploração e exportação de matérias-primas e recursos naturais, como, neste cenário, a economia verde poderá obter algum impacto?
AB: A abundância de recursos naturais deve ser vista como uma benção. A maldição é não ter políticas para manejá-la. O que se necessita é investir a renda gerada pela extração desses recursos naturais em outras áreas, para construir outras formas de capital e de produtividade para as futuras gerações. E isto deve ser feito com o menor impacto possível no meio ambiente. E a renda deve ser distribuída de forma adequada. Precisamos de mecanismos que garantam isso. Portanto, estamos discutindo a governança dos recursos naturais. É o que fizeram países como Noruega, Finlândia, Austrália e Nova Zelândia, que têm abundância de recursos naturais e levaram adiante uma transição para uma sociedade mais voltada para a tecnologia, e o conseguiram graças à renda gerada pelos recursos naturais.

IPS: As experiências de economia verde são até agora apenas estudos de casos e bons exemplos. No cenário econômico dominante, como podem os governos tomar medidas como reformas fiscais e de subsídios?
AB: Antes de tudo, a expressão “economia verde” é muito polêmica em nossa região, por ser vista como uma tendência imposta pelos países do Norte industrializado sem considerar os mecanismos e os custos da transição para essa economia, e sem responder quem pagará. Isto também gera temor pelos riscos de protecionismo. O que os governos podem fazer? Creio que muito em matéria de reformas fiscais, o que seria um sinal muito poderoso. Os governos que realizam reformas fiscais dão indicações aos agentes produtivos, mas também redistribuem os recursos. Para ter êxito, uma forma do sistema tributário deve se basear em um consenso. É isto que precisamos. Não se pode impor. Tem que haver discussões internas para determinar o quanto a sociedade está disposta a pagar por esta transição. Isto é essencial.

IPS: O que se pode fazer em matéria de soluções?
AB: O que tentamos dizer aos governos é: “não precisam intervir em tudo, mas em certas coisas que são essenciais para a população”. Eletricidade, água potável, acesso à internet banda larga, transporte público e construção inteligente. Por que não construir casas com energia solar aplicando engenharia ou projetos que já estão disponíveis? Na América Latina e no Caribe pode-se melhorar o planejamento urbano. Os programas de transferência de dinheiro também tiveram muito êxito, como o Bolsa-Família do Brasil. Este programa tirou 20 milhões de brasileiros da pobreza nos últimos dez anos. Ao se expandir esses programas e as transferências condicionadas de dinheiro, pode-se buscar que não sejam apenas por educação e saúde – ou seja, levar os filhos à escola e ao médico –, dizendo à comunidade: “vamos lhes dar dinheiro, mas devem proteger o solo”, ou “usem a água desta maneira”, etc., e então também se está incluindo medidas de sustentabilidade.

IPS: No informe a senhora afirma que “os países industrializados não honram seus compromissos para fornecer financiamento e liderança”. Como é isto?
AB: Os países industrializados se comprometeram, em 1970, a destinar 0,75% de seu produto interno bruto à ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA). Agora estamos em 0,33%, que é a metade. Muito bem, no momento da crise financeira é muito difícil alcançar esta meta. Mas, historicamente, os países industrializados se desenvolveram com um alto consumo de energia e recursos do planeta. Agora, é muito injusto impor restrições nesses aspectos aos países em desenvolvimento, quando são mais caras. A outra forma de conseguir esta transferência do Norte para o Sul é compartilhar conhecimento e tecnologia. Por isso, creio que as patentes, a capacitação e o livre intercâmbio de conhecimento poderiam ser mecanismos úteis. O investimento em ciência, tecnologia e inovação é essencial. Isto será a chave da transição para um desenvolvimento sustentável.

IPS: Qual seria um bom resultado para a Rio+20?
AB: Que fossem acordadas metas de desenvolvimento sustentável, porque isso poria muita pressão em todas e cada uma das instituições para alcançá-las. Também sugerimos uma espécie de “taxa Tobin” sobre as transações financeiras para apoiar o desenvolvimento sustentável. Com um imposto de 0,0005%, teríamos dinheiro suficiente para que o mundo atravessasse esta primeira transição (para uma economia verde). Em segundo lugar, ferramentas claras de financiamento. Em terceiro, que haja mecanismos de transferência de tecnologia e, em quarto, instituições que funcionem. Do nosso ponto de vista, em nível multilateral, o Conselho Econômico e Social (Ecosoc) das Nações Unidas deveria ser fortalecido. É preciso levar os atores econômicos ao Ecosoc para que discutam, porque o que está ruim é a economia, o meio ambiente apenas a suporta. Precisamos mudar a economia.

Envolverde/IPS


terça-feira, 20 de março de 2012

Brics pensa em novo banco próprio

20/03/2012 - Inter Press Service - por Kester Kenn Klomegah, da IPS - Envolverde
  

Moscou, Rússia, 20/3/2012 – A proposta da Índia, de criação de um banco do Brics, ocupará o lugar central da agenda na cúpula deste grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que acontecerá no dia 28 em Nova Délhi. A Índia considera que a ideia de um banco conjunto está em concordância com o crescente poderio econômico destes cinco países e permitirá reafirmar sua posição nos processos de decisão globais.

Um banco do Brics não precisa de muito capital para começar”, afirmou à IPS o especialista Alexander Appokin, do Centro de Previsões e Análise Macroeconômica, com sede em Moscou. “O mais importante é que um banco de desenvolvimento do grupo será uma oportunidade única de investimento direto interno das reservas estrangeiras dos países-membros”, ressaltou.

Por exemplo, permite emitir dívida conversível, que pode ter uma boa qualificação e ser comprada pelos bancos centrais dos países do grupo. “A China seria a maior beneficiária”, acrescentou Appokin. “Além disso, o que mais exige o investimento em infraestrutura não é só financiamento de longo prazo, mas controle externo para melhorar a transparência e aumentar a eficiência”, explicou.

Um banco de desenvolvimento do Brics também ofereceria assessoria para implementar projetos de sucesso”, destacou Appokin. “Este tipo de estrutura financeira só é efetiva se tem independência dos governos para decidir sobre a assistência de projetos ou, pelo menos, se tem espaço para operar em um contexto de desenvolvimento de longo prazo”, acrescentou.

Yuhua Xiao, professor-adjunto do Instituto de Estudos Africanos da Universidade Normal de Zhejiang, na China, afirmou que a ideia de criar um banco de desenvolvimento é sinal do crescente domínio e de independência ou interdependência das economias emergentes. “Como o enfoque das potências emergentes sobre o desenvolvimento pode variar a respeito das normas estabelecidas, uma instituição como esta colocará à prova a possibilidade de cooperação em um contexto diferente e gerar novas ideias”, opinou Yuhua à IPS por e-mail.

A proposta da Índia vem de longa data, afirmou John Mashaka, analista financeiro da multinacional Wells Fargo Capital Markets. “É a forma como as nações emergentes procuram sair da dependência do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional” (FMI), dominados pelos países ricos, disse à IPS. “Basicamente, Índia, China e, talvez, Rússia, tentem mostrar ao ocidente seu poderio econômico e que não sentem falta de sua participação”, ressaltou.

Segundo Mashaka, além de ser uma instituição financeira para os países Brics, o banco coletivo também poderia apoiar projetos de infraestrutura em países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina. Contudo, ainda há muito caminho pela frente, destacou. “É preciso ver a eficácia do banco. Não será fácil. A China já disse que quer a presidência permanente, e Rússia e Índia podem reclamar o mesmo”, ponderou.

Sabemos que a África é um mercado lucrativo para Pequim em termos de recursos naturais e como mercado de produtos industriais”, acrescentou Mashaka. “Sendo a África uma região estratégica, a China pode querer que o banco financie muitos de seus projetos ali ou simplesmente que coopere com o Banco de Desenvolvimento Africano”, detalhou.

Mashaka também disse que há assuntos que não têm resposta quanto à estrutura do capital, como quais membros do Brics colocarão maior quantidade de dinheiro para criar o banco e o papel que terão os membros.

Albert Khamatshin, do Centro de Estudos sobre a África austral, da Academia de Ciências da Rússia, acredita que a África do Sul seria o país mais beneficiado, pois o principal centro de interesse do banco seriam os projetos de desenvolvimento dentro do Brics.

Alexandra A. Arkhangelskaya
Alexandra A. Arkhangelskaya, diretora do Centro de Informação e Relações Internacionais, do Instituto de Estudos Africanos da Academia de Ciências da Rússia, afirmou que um banco como este poderia mudar o equilíbrio econômico, embora sua criação seja difícil. “É bom em termos de um contexto multicultural de cooperação. Porém, os países do Brics têm diferente peso econômico, e encontrar o equilíbrio correto para evitar que um ou mais membros sejam dominantes poderá significar um desafio. A ameaça de que alguns sejam marginalizados pela China é evidente”, ressaltou.

O grupo “Brics é uma unidade na diversidade, e será um desafio dar novos passos para uma cooperação mútua. Assim, é interessante observar o desenvolvimento desta ideia e compreender de forma clara o mecanismo de sua implementação”, destacou Arkhangelskaya.

Também considerou que o banco poderá ser muito benéfico para outros, como as nações menos adiantadas, como fez o Fundo de Desenvolvimento Ibas (Índia, Brasil, África do Sul), que tem em seu haver vários projetos de sucesso.

Os países em desenvolvimento estariam dispostos a colocar dinheiro para resolver os problemas da zona do euro em troca de mais poder no FMI, afirmou o professor Adams B. Bodomo, da Faculdade de Humanidades da Universidade de Hong Kong. Entretanto, alertou que o Fundo Monetário Internacional não é realmente para os países em desenvolvimento e o chamou de Fundo Monetário Ocidental.

Envolverde/IPS

Fonte IPS em: http://ipsnews.net/news.asp?idnews=107115 (inglês)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Primavera Árabe só deu outra cor à censura

31/1/2012 - por Simba Shani Kamaria Russeau, da Inter Press Service - postado em Envolverde - Jornalismo & Sustentabilidade


Cairo, Egito, 31/1/2012 – Os esforços dos regimes do Oriente Médio e do norte da África, para impedir o fluxo de informação durante as revoltas populares do ano passado, deixaram uma grande quantidade de jornalistas mortos, feridos ou detidos. Hoje, a censura continua. “No começo da Primavera Árabe, o controle de informação foi uma prioridade para as autoridades”, contou à IPS (Inter Press Service) a pesquisadora para o Oriente Médio e a África do Norte da organização Repórteres Sem Fronteiras, Soazig Dollet. “Os governos tratam de censurar a cobertura da repressão lançada pelas forças de segurança contra os protestos, impedindo o acesso à internet e bloqueando os telefones celulares, bem como atacando jornalistas locais e internacionais”, denunciou.

O levante popular na Tunísia, em janeiro de 2011, que levou à queda do presidente Zine al-Abidine Ben Ali, deu origem a uma onda de protestos que rapidamente se propagou pelo resto do mundo árabe. No dia 25 daquele mês, foi a vez do Egito, quando manifestantes começaram a reclamar o fim do regime de 30 anos do presidente Hosni Mubarak. Após o êxito de Egito e Tunísia, outros países como Bahrein, Marrocos, Líbia, Iêmen e Síria lançaram suas próprias revoltas.

A imprensa teve um papel fundamental informando sobre as manifestações e a consequente repressão, mas os profissionais correram sérios riscos quando as autoridades trataram de bloquear a propagação de notícias. Um informe da Repórteres Sem Fronteiras diz que pelo menos 20 jornalistas foram mortos e 553 agredidos ou ameaçados na Primavera Árabe, o que fez do Oriente Médio e do norte da África uma das regiões mais perigosas para os trabalhadores da imprensa.
Os regimes dos países onde houve levantes populares tentaram, no começo, censurar a informação”, apontou Ayman Mhanna, diretor-executivo da Fundação Samir Kassir. “Começaram bloqueando o acesso a redes sociais como Facebook e Twitter, mas depois se deram conta de que podiam abrir esses sites para controlar quem escrevia e o que escreviam. Depois restringiram o acesso a jornalistas estrangeiros e independentes, a menos que estivessem totalmente sob seu controle”, disse Mhanna à IPS.

A situação melhorou um pouco, salvo na Síria e no Bahrein. No primeiro país, os jornalistas estrangeiros só entram furtivamente, a menos que aceitem trabalhar sob controle das autoridades, que, por outro lado, não garantem sua segurança. A morte de Gilles Jacquier (no dia 11) é um exemplo disso”, afirmou Mhanna. “No Bahrein, a situação é muito difícil. Os países do Conselho de Cooperação do Golfo têm interesses em bloquear a revolução nesse país. Todos os meios de comunicação opositores estão censurados, e os que são afinados com o regime distorcem totalmente a informação”, ressaltou.

Defensores dos direitos humanos consideram o Oriente Médio e o norte da África uma das regiões com maior censura pela abundância de controles, leis, normas, hostilidades, detenções e restrições físicas. Disposições legais de todo tipo são usadas para deter jornalistas, acusando-os de prejudicar a reputação do Estado, freando, assim, denúncias de corrupção contra funcionários públicos. As autoridades do Bahrein utilizaram a Lei de Imprensa de 2002 para censurar. O Código Penal da Síria criminaliza a propagação de notícias no estrangeiro. Além disso, Egito e Síria têm leis de emergência que permitem perseguir e deter sem o devido processo jornalistas, trabalhadores de imprensa em geral e ativistas políticos.

Durante o regime de Mubarak houve muitas formas de censura, como pressão sobre os editores, proibições de impressão de determinados números em particular, confisco de edições diárias, hostilidades contra jornalistas e apreensão de seus pertences”, contou Ramy Raoof, diretor de mídia na internet para a Iniciativa Egípcia de Direitos Pessoais. “Estas coisas continuam ocorrendo, mas com diferentes funcionários. No lugar do pessoal do Ministério do Interior, entra o do sistema militar. Por exemplo, no dia 22 de fevereiro de 2011, uma carta da Marinha enviada aos jornais egípcios dizia, de modo resumido, que não publicassem nada sobre o exército”, afirmou Raoof à IPS.

Os códigos de imprensa da maioria dos países árabes pretendem respeitar a liberdade de imprensa, mas na realidade deixam amplos espaços para serem violados pelos regimes da vez. Alguns de seus artigos, como ‘desmoralizar a nação’, são usados muito nos últimos tempos na Síria. Acusar ativistas de traição ou de cooperar com inimigos estrangeiros é outra acusação à qual se recorre frequentemente”, esclareceu Mhanna.

No entanto, um ano depois do começo da Primavera Árabe, quando vários países lutam para construir um futuro democrático e em outros continuam ocorrendo manifestações reclamando democracia, ainda é difícil para os jornalistas fazerem seu trabalho.

Agora “os jornalistas podem expressar suas opiniões com maior liberdade porque quebraram a barreira do medo. Porém, continua sendo perigoso expressar sua opinião onde as revoluções conseguiram derrubar o regime ou onde cresce o peso de grupos religiosos extremistas”, alertou Mhanna. “De certa forma, mudou a natureza da censura. Agora, são perigosas as consequências do que escreve ou diz um jornalista”, acrescentou.

Envolverde/IPS