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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Aos médicos cubanos: escárnio é o nome do jogo

17/02/2014 - O nome disso é escárnio - Saul Leblon - Carta Maior

Algo outrora inescapável do epíteto de um escárnio contra o povo brasileiro está em curso nos dias que correm.

O ruído que provoca - tanto das fileiras do governo, quanto nas de segmentos que se avocam à esquerda dele - é incompreensivelmente desproporcional a sua gravidade.

Que as sininhos não badalem e, igualmente, seus carrilhões silenciem, é ilustrativo do fosso existente entre o inflamável alarido anti-Copa bimbalhada nas ruas e a real preocupação com o futuro do país e a sorte da população.
   
A Associação Médica Brasileira [AMB], em sintonia com a embaixada dos EUA e aliada à coalizão demotucana, tendo respaldo e torcida da mídia, opera abertamente para destruir um programa de saúde pública emergencial voltado às regiões e contingentes mais vulneráveis do país.

Não há resguardo das intenções, nem pudor na propaganda da ação.

A entidade que se proclama representante da corporação médica brasileira acolhe e viabiliza deserções de profissionais cubanos fisgados  pelo redil conservador em diferentes regiões e municípios.

O Estado brasileiro  investirá este ano R$ 1,9 bi em recursos públicos nesse programa, para agregar 43 milhões de atendimentos/ano ao SUS a partir de abril, quando o Mais Médicos atingirá seu efetivo pleno, com mais de 13 mil profissionais em ação, sendo seis mil cubanos.

A embaixada dos EUA no Brasil - em sintonia com a Associação Médica e lideranças dos partidos conservadores - opera abertamente para que não seja assim.

O tripé orienta e encaminha pedidos de vistos especiais, a toque de caixa, para que o maior número de desistentes possa rumar a Miami, onde os espera a estrutura da ‘Solidariedade Sem Fronteiras’.

A ONG de fachada humanitária tem como principal negócio – financiado por recursos orçamentários que a bancada cubana assegura no Congresso - promover e operar deserções em convênios de saúde firmados entre Havana e 66 países nesse momento.


São mais de 43 mil médicos cubanos em ação na América Latina, Ásia e África. Devem atingir um recorde de 50 mil em dois meses, quando o convênio brasileiro estiver plenamente implantado.

Um aspecto da remuneração desses profissionais deliberadamente pouco divulgado é que nem todos os convênios internacionais de Havana são pagos.

Na verdade, dos 66 países assistidos nesse momento apenas 26 se enquadram no que se poderia chamar de prestação de serviços pagos.

Outros 40 países recebem contingentes médicos gratuitamente.

O mesmo ocorre com missões de educação ou esporte.

A ‘exportação’ de serviços rende a Havana, segundo a chancelaria cubana, cerca de US$ 6 bi/ano (três vezes mais que a segunda fonte de divisas do país, representada pelo turismo).

A exportação de serviços pagos - principalmente na área de saúde – financia as missões solidárias destinadas a países de extrema precariedade econômica e material ou focadas em situações de calamidade devastadora.

É assim desde 1960, quando Cuba enviou sua primeira missão de solidariedade ao Chile, vítima de um terremoto.

Eis a principal razão para a diferença entre o salário efetivamente recebido pelo profissional de uma missão e aquilo que o governo cubano arrecada pelo serviço prestado.

Uma parte do saldo financia as missões gratuitas que, repita-se, são a maioria.

Outra sustenta a Escola Latino-americana de Medicina, que possuía em 2013 cerca de 14 mil alunos estrangeiros, gratuitamente cursando ou com subsídio quase integral.

Com pouco mais de 11 milhões de habitantes, Cuba investe pesado em pesquisa na área de saúde e formação de médicos: são quase 83 mil (1/138 habitantes).

O investimento tem duplo objetivo: zelar pela população que tem a menor taxa de mortalidade infantil do mundo, e gerar receita numa economia asfixiada há 50 anos pelo embargo comercial norte-americano.

Também isso se financia através das missões remuneradas.

A ideia de que a doutora Ramona Rodriguez [foto] possa ter desembarcado no Brasil desinformada dessas particularidades acerca de seu salario, subestima a conhecida determinação de Havana, de ressaltar interna e externamente aquela que é a marca inegável de sua ação internacional: a solidariedade.

A mesma alegação de ignorância tampouco se pode conceder – neste aspecto -  ao colunismo isento, que cuida de festejar as deserções – por ora pontuais - como se fossem o preâmbulo de uma diáspora libertária, em marcha épica rumo a Miami.

A participação da embaixada norte-americana no jogo de aliciamento e hipocrisia é ainda mais grave.

Trata-se de uma tentativa de sabotagem de um programa soberano de saúde pública emergencial, cujo desmonte poderá agregar novas vítimas e mais sofrimento num universo de milhões de brasileiros desassistidos.

Se a intrusão é desconcertante, não se pode dizer que surpreenda.

Quando o governo Lula decidiu quebrar a patente de anti-virais, em 2007, a embaixada norte-americana operou para sabotar a medida.

Agiu em contato direto com as múltis do setor farmacêutico, o Departamento de Estado do governo Bush e ‘amigos’ locais - não se sabe se os mesmos que hoje cerram fileiras com o duplo interesse de  implodir o ‘Mais Médicos’ e sangrar Havana.

Telegramas secretos da época, obtidos pela organização Knowledge Ecology International (KEI), revelam ameaças de represália enviadas então a Brasília:

“(...) uma licença compulsória pode fazer com que fabricantes de produtos farmacêuticos evitem introduzir novos remédios no mercado e seria mais difícil para o Brasil atrair os investimentos que tanto necessita", relatava um deles sobre o teor de reuniões com autoridades e políticos locais.

Lula oficializaria em maio de 2007 o licenciamento compulsório do anti-retroviral  Efavirenz, usado por 75 mil pacientes de Aids atendidos pelo SUS. Um genérico importado da Índia passou a ser usado ao preço de  US$ 0,45, contra US$ 1,59 cobrado pela multinacional norte-americana.  

Uma economia de US$ 30 milhões até 2012.

Volte-se um pouco mais no tempo, até as vésperas do golpe de 64, e lá estarão, de novo, os mesmos protagonistas, com idênticos propósitos.

O embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, fileiras udenistas e lacerdistas, múltis do setor farmacêutico e sabujos da mídia, a ganir a pauta da estação.

Eram tempos de inflação galopante e dinheiro curto: a saúde corria risco.

O então ministro da Saúde, Souto Maior, lutava para obter uma redução de 50% sobre os preços de 70 medicamentos mais usados pela população.

Laboratórios das multinacionais abriram guerra contra o tabelamento.

Às favas a saúde: primeiro, os interesses das corporações.

Lembra algo do comportamento atual da embaixada que se orienta pelos mesmos valores e da Associação Médica Brasileira [AMB] que tanto quanto os abraça?

No famoso comício da Central do Brasil, sexta-feira, 13 de março de 1964, João Goulart decretou a expropriação de terras para fins de reforma agrária, encampou refinarias e anunciou estudos para fabricação estatal de medicamentos no país.

O conjunto era fiel aos preceitos do ‘sanitarismo-desenvolvimentista,’ abraçado então pelas fileiras progressistas da medicina brasileira.

Médicos como Samuel Pessoa, Mário Magalhães, Gentile de Melo e Josué de Castro – autor do clássico ‘Geografia da Fome‘ e primeiro secretário-geral da FAO, que faleceu no exílio, cassado pela ditadura e impedido de retornar ao Brasil mesmo para morrer – eram alguns de seus expoentes.

Profissionais que hoje seriam olhados com suspeita, enxergavam a luta pela saúde como indissociável da luta pela desenvolvimento econômico e humano do país.

Em setembro de 1963, Jango, com apoio deles, restringiu a remessa de lucros da indústria farmacêutica. Mister Lincoln Gordon foi à luta: a USAID retaliou no lombo da pobreza cortando a ajuda no combate à malária – que se destacava como uma das principais doenças tropicais na época.

A ofensiva apenas fortalecia as convicções dos sanitaristas-desenvolvimentistas.

Embora heterogêneos nas filiações ideológicas, seus  representantes entendiam que doença e pobreza caminhavam juntas.

Como tal deveriam ser enfrentadas em ações soberanas, abrangentes e desassombradas, que rompessem a fragmentária estrutura de uma sociedade retalhada por interesses que não eram os de seu povo. 

Compare-se isso com o sultanato de jaleco branco.

Esse que  hoje trata a saúde como um entreposto de camelos; alia-se ao conservadorismo mais retrógrado e tem na embaixada dos EUA um corredor de fuga em prontidão obsequiosa.

Bajulado pela mídia, o conjunto quer implodir o ‘Mais Médicos’.
  
O nome disso é escárnio.

E Brasília deveria dizê-lo claramente ao embaixador gringo, ao chamá-lo a prestar esclarecimentos sobre ingerência e sabotagem em assuntos internos.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/O-nome-disso-e-escarnio/30275

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O cinismo e a desfaçatez é a pior face do corporativismo médico


Que tal assumir um posto de saúde em Tefé ou em Santo Antonio do Salto da Onça?


Com a aceleração da execução do programa do governo federal Mais Médicos, os porta-vozes do atraso e da irresponsabilidade, geralmente presidentes de conselhos e associações médicas, encontram imenso espaço na mídia tradicional para revelar seus interesses mesquinhos.

por Washington Araújo - Carta Maior
   
O cinismo e a desfaçatez é a pior face do corporativismo médico.

Com a aceleração da execução do programa do governo federal Mais Médicos, os porta-vozes do atraso e da irresponsabilidade, geralmente presidentes de conselhos e associações médicas, encontram imenso espaço na mídia tradicional para revelar seus interesses mesquinhos: manter a população carente sem médicos para assim manter seu poder de barganha junto ao Ministério da Saúde, às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

A agenda – antes oculta – revela-se agora escancarada. A vinda de médicos estrangeiros para o Brasil coloca em risco de morte qualquer possibilidade de êxito na longa queda-de-braço entre governos e classe médica. O governo, seja de qual cor partidária for, sabe que precisa disponibilizar médicos pelo Brasil profundo. As corporações médicas sabe que somente acuando o governo poderá efetivamente aumentar seus salários, diminuir a carga horária semanal dos médicos, criar a ambicionada carreira de Estado para profissionais da saúde, hipervalorizar o pagamento de horas extras, superdimensionar o preço dos plantões.. E a lista... é infindável.

Lamentavelmente, alguns países europeus como a França e a Alemanha, mostram sempre que pode, sua carranca xenofóbica. O Brasil não precisa se alinhar a eles, ainda mais em se tratando da vinda de médicos, sejam de Cuba, sejam de Marte. Será necessário repisar argumentos óbvios? Não nos esqueçamos jamais de que o Brasil, desde o início, foi e é um país de imigrantes. Porque brasileiros legítimos mesmo, apenas os nossos indígenas o são, já que quando os portugueses por aqui aportaram há cerca de 500 atrás, já os encontraram aqui nesta Pindorama até então desconhecida do restante do mundo.

O que se busca com tanto esperneio amplificado generosamente por meios de comunicação que também priorizam suas agendas partidárias é nada mais que manter a reserva de mercado para a prestação de assistência médica à população.

A propósito, não seria uma boa iniciativa que o Conselho Federal de Medicina, tão ousado em boicotar o programa Mais Médicos, providenciasse missões de médicos brasileiros para áreas muito necessitadas desses profissionais, países como a Tanzânia, Zanzibar, Síria, Faixa de Gaza, Gabão, Somália? Por que ninguém critica programas mantidos por organismos como as Nações Unidas,Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha e Crescente Verde? Todos esses programas, alguns reconhecidos com o Nobel da Paz, enviam médicos para regiões de conflitos, áreas de risco ou apenas de grande pobreza e nunca colocam como prerequisito que em tais locais existam hospitais bem equipados, postos de saúde com linhas telefônicas funcionando, sistema de água corrente.

Mas no caso do Brasil, o CFM em sua insana luta para manter o status quo de pessoas morrendo por falta de assistência médica básica, passa a brandir argumentos risíveis – “não adianta ter médicos sem hospitais”, “não adianta médicos sem centros cirúrgicos” – como se deixando a população à própria sorte fosse muito mais sábio e razoável que colocar à sua disposição médicos vindos de outros países. A verdade é que boa parte dos médicos brasileiros não cogitam, nem de longe, residir em um rincão afastado dos grandes centros urbanos, sem as comodidades do acesso a bons supermercados, bons cinemas e teatros, sem acesso a bons clubes e shoppings. É tanto que em uma primeira fase o Mais Médicos deu preferência a médicos brasileiros. E qual foi o resultado? Ao menos 701 municípios de praticamente todos os Estados do país não receberam uma mísera inscrição. Isso significa que 701 municípios continuarão sem contar com um médico sequer para atender à saúde de sua população.

Isso é justo?

No caso dos 4.000 médicos cubanos prontos para virem ao Brasil pelo programa Mais Médicos 84% deles contam com mais de 16 anos de experiência médica, e a maioria detêm experiência no exercício da medicina em países diversos dos seus. Então, qual o problema?

O problema é o cinismo e a desfaçatez levados a extremo. Querem partidarizar o atendimento público de saúde. E para isso contam, como sói poderia se esperar, com a velha e tradicional mídia – a mídia que torce pelo quanto pior melhor como melhor atalho para virar o jogo político.

Precisamos urgentemente de um organismo nos moldes da organização não-governamental ‘Médico Sem Fronteiras’ atuando dentro do Brasil. Sem fronteiras ideológicas, sem fronteiras corporativistas, sem fronteiras elitistas. Existem médicos abnegados. E muitos. Nem precisam ir para a Somália ou o Haiti. Bastam ir para o interior da Amazônia, da Bahia, do Rio Grande do Sul. A dor humana não tem nacionalidade. Nem a enfermidade.

Aos médicos que criticam a vinda dos cubanos, um conselho:

"Ao invés de boicotarem qualquer iniciativa para a vinda de médicos estrangeiros, porque não pensam em assumir posto de saúde em Tefé ou em Santo Antonio do Salto da Onça?"

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com


terça-feira, 27 de março de 2012

A culpa não é do SUS

25/03/2012 - blog Direto da Redação - Mário Augusto Jakobskind*

A reportagem veiculada pelo programa Fantástico, da Rede Globo, no domingo, dia 18 de março corrente, indubitavelmente choca pela contundência ao exibir imagens explícitas de corrupção ativa e passiva. A prática da corrupção permeia a vida pública e privada brasileira, em todos os seus escalões e níveis, sendo até agora infensa a qualquer tipo de abordagem saneadora, constituindo uma verdadeira praga.


É impossível outra atitude que não a de repúdio ao que foi mostrado.

Apesar de deixar claro o repúdio mais absoluto a essa excrescência, a corrupção, que assola a vida nacional, a reportagem veiculada pelo Fantástico e longamente repercutida dia a dia pela Rede Globo, suscita algumas considerações que, embora se refiram a aspectos muito sutis – que se não forem devidamente considerados redundariam em provocações gratuitas –, não podem passar despercebidas. O primeiro aspecto é quanto à ética e à legalidade de uma reportagem concretizada em tais condições.

No entanto, não se pode esquecer que liberdade de imprensa implica compromisso com a legalidade, com a ética, e pede, em contrapartida, responsabilidade. É defensável que um repórter, com o suporte de uma empresa de comunicação de indiscutível competência e ampla penetração na vida brasileira, assuma uma personalidade falsa para obter informações, ainda que seja sobre tema de alta relevância para o aprimoramento da vida nacional? Os fins perseguidos justificam a utilização desses meios? É correto recorrer à falsidade ideológica para tal objetivo? Esse tipo de imprensa deve ser incentivado, suportado e defendido como efetivo exercício de liberdade profissional?

Outra consideração que não pode deixar de ser evidenciada tem a ver com o gestor do hospital público, cenário dos lamentáveis flagrantes registrados pelas câmaras da televisão.
 
O que teria levado o médico Edmilson Migowski a permitir que a operação tivesse lugar na instituição sob o seu comando, o Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)? O que levaria esse gestor a dar a sua cara a tapa, expondo, na tela da televisão, a sua incompetência para enfrentar a corrupção em curso entre os seus subordinados? Será de fato incompetência ou inapetência para enfrentar o desafio? Que subordinados são esses, e que poder maior que o do diretor os sustenta, para consumar os seus atos de corrupção: respaldo político ou qualquer outra forma espúria de poder que o diretor não pudesse encarar pelos meios oficiais?

Será que esse gestor é tão ingênuo que não considerou um dado irretorquível: o de que ele é conivente com os fatos ocorridos nos porões da sua instituição e que vai responder por eles, na sua qualidade de funcionário público e de cidadão brasileiro? O fato de haver apoiado a estratégia da reportagem configura dois crimes: incentivo ao exercício da falsidade ideológica e conivência com os atos que certamente vinham ocorrendo, desde antes da reportagem, sem que fosse capaz de denunciá-los. De pronto, ele agrediu o Estatuto do Funcionário Público, que não permite a qualquer gestor investir na qualidade de servidor alguém que de fato não o é, permitindo que pratique, em nome da instituição, atos que seriam exclusivos de alguém que fosse concursado ou, no mínimo contratado para o posto pelo regime das leis trabalhistas. O suposto responsável pelas compras era um estranho ao meio funcional. Seria o mesmo que ele permitisse que um falso médico praticasse cirurgias, pondo em risco a vida de outrem, para averiguar irregularidades nas práticas atinentes a um centro cirúrgico.


Também produz estranheza que o segmento escolhido para exemplificar a corrupção tenha sido a saúde pública.

Por que motivo isso teria ocorrido, quando há muitos outros, com potencial financeiro infinitamente maior, por movimentarem recursos astronômicos e que são recorrentes, na própria mídia, como indiscutivelmente dados à prática da distribuição de largas propinas, que têm produzido não poucos casos de enriquecimento ilícito fantásticos? O alvo secundário terá sido agredir as políticas públicas de saúde, desvalorizando-as mais do que já estão junto à opinião pública, como forma de favorecer a medicina privada, que cresce a olhos vistos no país, a custa dos preços absurdos dos planos médicos e dos repasses de recursos públicos?

Diante da péssima distribuição de riquezas aqui registrada e da consequente penúria de grande parcela da população nacional, promover políticas públicas de saúde ainda constitui providência de primeira necessidade. É uma compensação para os menos favorecidos. E o Brasil consagrou esse princípio, com base na sua lei maior, a Constituição Federal e em outros dispositivos voltados para assegurar um mínimo de dignidade humana no acesso à saúde dos brasileiros mais carentes.

A maneira pela qual se configurou esse atendimento se traduziu no Sistema Único de Saúde (SUS), que vem sendo bombardeado por todos os lados por seus inimigos. Então, por que exterminá-lo? É uma dívida social e há que ser paga. Portanto, atacar o SUS, tentar bombardear a sua estrutura é um desserviço e a sua concretização fará o país mergulhar em problemas ainda maiores do que os hoje enfrentados.

O SUS hoje é integrado, em todo o país por 6.500 hospitais. Desses, 48% pertencem à iniciativa privada, que recebem perto da metade dos repasses federais para estados e municípios, atualmente, segundo o próprio O Globo, em editorial no dia 21 de março último, da ordem de R$ 175 bilhões, oriundos dos impostos pagos pelos cidadãos. Não será ele também indício de uma corrupção mais aguda e mais profunda do que aquele mostrado na reportagem encenada no IPPMG? Parece que voltamos ao ponto de partida: a corrupção não pode ser analisada no varejo. É coisa do atacado.
  
*Mário Augusto Jakobskind, é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de "América que não está na mídia", "Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE"