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domingo, 31 de março de 2013

Dia de luto!



Fonte: Sergio Luiz Bertoni... Do mural de Danilo Abreu

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Fritz Utzeri, um jornalismo de qualidade que desmontava versões oficiais

Utzeri (1944-2013) foi o primeiro a denunciar a morte de Rubens Paiva e a desmentir o IPM do Riocentro


Fritz entre Sérgio Fleury e Heraldo Dias, na redação do JB

Marcelo Auler, no JB On Line
O alemão de berço e brasileiro por opção Fritz Utzeri, que o jornalismo perdeu na segunda-feira, 4, foi daqueles profissionais que os próprios colegas se orgulhavam de com ele trabalhar. Forjado na reportagem numa época em que não existia meios digitais — a comunicação à distância era feita por telex e linhas telefônicas que nem sempre funcionavam — e quando a Ditadura impedia, mediante todos os artifícios do poder, a renovação dos quadros políticos e o instituto da reeleição para os cargos executivos,  Fritz acabou dando aulas de apuração de reportagens, que hoje seriam chamada de jornalismo investigativo. Mais do que isso, ajudou a escrever parte da história contemporânea do país ao desmontar versões falaciosas.

Fritz faleceu vítima de um câncer linfático com o qual lutava há três anos. Seu corpo está sendo velado na capela 6 do Memorial do Carmo, no Caju — Zona Portuária do Rio —,  de onde sairá na terça-feira, ao meio-dia, para o Crematório.

Jornalismo brasileiro de luto
Em 1978 o país ainda estava debaixo da ditadura militar. Muito embora o presidente Geisel promovesse uma abertura "lenta, gradual e segura" através da qual, aos poucos, a censura à imprensa foi sendo suspensa, ainda se vivia o bipartidarismo da Arena e do MDB, as greves estavam apenas recomeçando através de Luiz Inácio da Silva, o Lula — então um novato líder sindical — o debate sobre a Anistia política só existia entre grupos de esquerda, e assim como a discussão em torno dos desparecidos/assassinados nos porões dos quartéis e órgãos de repressão ocorria à boca pequena.

Foi neste cenário político ainda cinzento que, no domingo 22 de outubro de 1978, uma reportagem assinada por Fritz Utzeri e Heraldo Dias (também já falecido) contestava pela primeira vez de forma clara com minúcias de detalhes a versão oficial dos militares sobre a morte do ex-deputado Rubens Paiva.

Não foi apenas uma reportagem de jornalismo investigativo, mas um verdadeiro desmonte da versão oficial sobre o “desaparecimento” do ex-deputado Paiva. Até então, a única versão: Fritz e Heraldo se superaram nas três páginas em que o Caderno Especial do Jornal do Brasil daquele final de semana questionava: “Quem matou Rubens Paiva?”

Anos mais tarde, em 1981, quando do episódio da bomba destinada a estourar no Riocentro, a dupla de repórteres e amigos voltou a dar um show de apuração jornalística, que resultou em uma série de matérias que também mostraram ser insustentável a versão oficial, que tentava esconder um atentado que os militares da linha dura tentaram perpretar.

Revelando um tabu
Na reportagem sobre a morte do deputado Rubens Paiva — até hoje dado como “desaparecido” pelos militares — o trabalho dos dois jornalistas teve como primeiro mérito trazer à tona um assunto que muitos conheciam mas que a imprensa não divulgava, até por causa da censura que existiu nos anos de chumbo para alguns jornais.

Mas o trabalho não apenas revelou um dos casos sobre o qual não se falava, como desceu às minúcias para provar que era impossível o tão falado “sequestro” de Paiva, versão oficial do seu desaparecimento. Por ela, o ex-deputado que fora preso pela Aeronáutica e depois levado ao Quartel da PE na Rua Barão de Mesquita, teria sido resgatado, na madrugada do dia 22 de janeiro de 1971, por oito “subversivos” ao ser conduzido em um Volkswagen pela Avenida Edson Passos por três militares. O relato dava conta de uma troca de tiros, durante a qual o capitão e dois sargentos se refugiaram atrás de um muro. Teria ocorrido saraivada de tiros. Clique na imagem para ler obituário completo e a reportagem de 1978 sobre Rubens Paiva.

  

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

RJ: líder do MST assassinado em Campos com mais de 10 tiros na cabeça

'É questão de honra Cambahyba virar assentamento', dizia Cícero Guedes, executado na última sexta em Campos dos Goytacazes



Vivian Virissimo, no Brasil de Fato*

O trabalhador rural assentado Cícero Guedes [acima] não conseguia conter as lágrimas quando recordava da mística que homenageou militantes incinerados nos fornos da Usina Cambahyba pela ditadura civil-militar brasileira nos anos 1970 e 1980. Era angustiante para ele imaginar que naquele lugar pelo menos dez militantes torturados e mortos no DOI e na Casa da Morte haviam sido incinerados por lutarem por justiça social. Décadas depois, no mesmo lugar, a liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Cícero Guedes, tomba pelo sonho de ampliar a reforma agrária no país.

“A mística foi muito forte, ninguém merece ser queimado. Muita gente faz atrocidade neste mundo e não é queimado. É questão de honra para o movimento esse latifúndio virar assentamento. A gente se emociona porque somos seres humanos e sabemos e sentimos na pele o companheiro que luta por justiça social”, disse, à época, Cícero, sobre o ato promovido em agosto do ano passado pelo MST e pela Articulação Estadual Memória, Verdade e Justiça na usina.

Coordenador do acampamento Luiz Maranhão, localizado no parque industrial da Usina Cambahyba, Cícero, de 49 anos, foi assassinado com mais de dez tiros na cabeça por pistoleiros na madrugada de sexta, dia 25, em Campos dos Goytacazes. Ele participou de uma reunião na noite anterior no acampamento e foi baleado em uma emboscada quando retornava de bicicleta para sua casa no assentamento Zumbi dos Palmares. Cícero fazia parte da Coordenação Estadual do MST no Rio de Janeiro.

“Pedimos e reivindicamos que investiguem e punam os responsáveis, que garantam a segurança para os familiares de Cícero que moram na região, além da imediata desapropriação da Cambahyba. Este é mais um crime do latifúndio de Campos dos Goytacazes, que envolve diretamente as questões da Cambahyba”, declarou Marina dos Santos, da coordenação estadual do MST.

“A gente está considerando um crime semelhante ao que aconteceu com Sebastião Lan, que foi assassinado nos anos 80 pelo latifúndio Campos Novos, na região de Cabo Frio (litoral do estado do Rio de Janeiro). Ele era presidente do sindicato dos trabalhadores rurais. Da mesma forma que Cícero, Sebastião era referência para o movimento e fazia o trabalho de organização dos trabalhadores”, acrescentou Marina.

A Polícia Civil emitiu um comunicado afirmando que está empenhada na investigação da morte da liderança. O órgão também informou que medidas cautelares estão sendo adotadas para esclarecer a autoria e a motivação do crime.

 

'Desafio é pra ser cumprido'
Cícero acompanhava todas as áreas que estavam na luta pela terra na região de Campos. Ele atuava nos diversos assentamentos e era responsável pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal.

Na ocupação de Cambahyba, ele planejou todo o processo de organização das famílias. Referência na produção agroecológica, Cícero também era organizador e entusiasta das Feiras da Reforma Agrária do MST que acontecem no Largo da Carioca, no centro do Rio, com a venda de verduras e frutas livres de agrotóxicos.

“Realizar mais feiras é um desafio e desafio é pra ser cumprido. Tudo pra nós é desafio, estamos acostumados com essa situação. Esse negócio de veneno é uma babaquice desses filhos da puta. O capitalismo é cruel e devasta tudo. Não tem esse negócio de remédio, é veneno mesmo e veneno mata”, dizia Cícero.

O alagoano Cícero vivia desde 2002 no Sítio Brava Gente no assentamento Zumbi dos Palmares. De Alagoas, trazia lembranças de uma vida sofrida, onde trabalhava em condições desumanas e até passava necessidade. Foi nos canaviais de Campos dos Goytacazes que Cícero, junto com a esposa Maria Luciene, iniciou suas atividades na cidade. Depois, como operário da construção civil, participou das obras da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). O sonho de ter sua própria terra para plantar se concretizou com a mobilização popular da primeira ocupação de terras na região, em 1996, da Usina São João, que deu origem ao maior assentamento do estado, o Zumbi dos Palmares.

Mesmo assentado, com seu lote garantido, Cícero nunca perdeu de vista a necessidade de fortalecer o movimento e ampliar a reforma agrário no Brasil. Ele coordenava o acampamento Cambahyba que pressionava o governo federal a destinar para fins de reforma agrária as terras da usina que são consideradas improdutivas pelo Incra há 14 anos. Em dezembro, o Incra sinalizou que retomaria o processo de desapropriação para fins de reforma agrária, mais ainda não há nada concreto.

A usina Cambahyba é um complexo de sete fazendas que totaliza 3.500 hectares. A área pertencia ao já falecido Heli Ribeiro Gomes, ex-vice governador biônico do Rio de Janeiro (1967-1971), ligado à Tradição Família e Propriedade (TFP) e agora é controlada por seus herdeiros. De extrema-direita, Heli permitiu que a usina funcionasse como braço operacional das execuções, uma alternativa para eliminar os vestígios dos mortos pelo regime. Segundo o ex-delegado Claudio Guerra, no livro Memórias de uma Guerra Suja, a usina recebeu até benefícios dos militares pelos serviços prestados com acesso fácil a financiamentos.
*foto: MST

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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Aos 25 anos da morte de Henfil - sem nenhum registro especial

Por Júlio Hungria, em seu portal Blue Bus


A Wikipédia nao conheceu Henfil pessoalmente, então passa pelo cartunista um tanto superficialmente, sem avaliar a tremenda importância que teve para o humor, para os quadrinhos, para o jornalismo e mesmo para a renovação do idioma natal – ele transformava a grafia das palavras em inglês comumente usadas ou das que referiam nomes próprios como, por exemplo, Nova York, que mudou para Nova Iorque – era a sua forma de não se conformar. 

Hoje se completam 25 anos da sua morte (1988) sem nenhuma lembrança especial. Ele incomodava muito – e até hoje – com os ‘tipos’ e as falas dos fradins, a Graúna, Bode Orelana, Zeferino e, depois, Ubaldo, o paranóico. Não era controlável – trafegava entre o impresso, o cinema, o teatro, a TV e também publicou alguns livros como o ‘Diário de um cucaracha’ (1976), em que falava com os amigos – “procurava sempre o tom intimista de quem dialoga não com um leitor anônimo, mas com um amigo ou conhecido” – como fez em ‘Cartas à mãe’.


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A ditadura e o futebol brasileiro

O canal de esportes ESPN Brasil exibiu em dezembro a série de documentários "Memórias do Chumbo - O Futebol nos Tempos do Condor", mostrando a exploração do futebol por quatro ditaduras do Cone Sul - Argentina, Chile, Uruguai e Brasil. Este é o episódio final e primeiro a ser distribuído na internet. Documento histórico e imperdível.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Carta aberta de um jornalista ao Supremo Tribunal Federal

26/11/2012 -  J. Carlos de Assis (*) - Carta Maior



Passei as duas décadas da ditadura sem ter sido vítima de tortura física, sem enfrentar mais que dois interrogatórios militares, sem ter sido condenado.

Conheci, porém, pessoalmente, a justiça da ditadura.


Em 1983, incriminado nos termos da Lei de Segurança Nacional por ter denunciado na “Folha de S. Paulo as entranhas do escândalo da Capemi, enfrentei um processo pela antiga Lei de Segurança Nacional no qual a denúncia se baseava em dedução.


Foi com base em deduções que Vossas Excelências, em plena democracia, condenaram figuras proeminentes do PT, pela culpa de serem proeminentes.


Quanto a mim, tive melhor sorte: fui absolvido por um juiz militar que já não acreditava mais na ditadura, Helmo Sussekind.

Não traço paralelo entre o crime a mim imputado e aquele por que foram condenados Dirceu e outros senão pela absoluta falta de prova, num caso, e a declarada desnecessidade dela, noutro. Meu crime teria sido, na letra do Art. 14 da LSN de 68, “divulgar, por qualquer meio de comunicação social, notícia falsa, tendenciosa ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com as autoridades constituídas”. Pena, de seis meses a dois anos de reclusão. Nota-se que não se falava de provas.


Poderia ter sido condenado, pois tudo ficava ao arbítrio do juiz: sob pressão do sistema sua tendência era condenar. 

Sussekind, contra a letra e o espírito da lei, para me absolver me permitiu a exceção da verdade. Vossas Excelências, inventando lei, fizeram a exceção da mentira para condenar.

Não disseram mais de um de seus pares que não era possível acreditar que Dirceu não soubesse dos fatos, fatos esses que só existiram na imaginação fértil de dois procuradores e de um ministro relator com ganas de promotor, decididos todos a inventá-los para compor um “caso”?


É assim que julga um ministro deste Tribunal, pensando o que os réus teriam sido obrigados a pensar seguindo o figurino da acusação?

Deem-me uma evidência, uma apenas, de relação entre pagamentos de despesas de campanha e votações no Congresso: suas estatísticas estão simplesmente furadas; elas não comportam uma análise científica de correlação, mesmo porque o critério que o procurador usou para estabelecê-la estava viciado pelo resultado que ele queria encontrar.

Não sou jurista. Mas na ciência política que tenho estudado junto a pensadores eminentes como Max Weber e Norberto Bobbio as doutrinas jurídicas têm uma posição singular. Weber, sobretudo, fala em justiça no cádi em casos de grande comoção social. Entretanto, nosso país está em calma.


O pouco que aprendi de direito de cidadania me leva a concluir que Vossas Excelências cometeram uma monstruosidade jurídica ao fundar seu veredito contra Dirceu, de forma arbitrária, no princípio alemão do domínio funcional do fato. 

Não me estenderei sobre isso para não repetir o que já disse alhures, embora me alegra o fato de que outros jornalistas e principalmente juristas, consultando um dos formuladores originais do princípio, passaram a expor com evidência cristalina sua inaplicabilidade ao caso Dirceu.


Sim, Excelências, para condenar é preciso ter provas.
Vossas Excelências condenaram sem provas.

Fiquei estupefato ao ouvir o discurso patético de seu novo Presidente com o elogio da independência política do Judiciário.

É que suas excelências se comportaram como servos de uma parte da opinião pública manipulada pela mídia de escândalos.


Creio que, absorvidos em sua função, Vossas Excelências não têm se apercebido do que está acontecendo com a mídia brasileira.

Acossada pela internet, ela já não encontra meios de atrair leitores e anunciantes senão pela denúncia de escândalos reais ou forjados. Haja vista o imenso caudal de ações contra denúncias infundadas que se amontoa no próprio Judiciário.


Com o propósito de explorar mais um grande escândalo, desta vez dentro do Governo e do PT, criaram o chamado “mensalão” e o venderam à opinião pública como fato consumado. 



Nunca houve evidência de pagamentos regulares, mensais, a parlamentares, mas tornou-se impossível esclarecer os pagamentos como acertos de campanha. Criou-se, dessa forma, no seio da opinião pública uma sensação de grande escândalo, não de caixa dois de campanha, exacerbada quando o procurador (foto), num assomo de retórica, recorreu à expressão, totalmente falsa, de quadrilha.

Finalmente, agora na condição de especialista em Ciência Política, quero propor a Vossas Excelências que não atropelem a linha que os separa dos demais poderes. Sobretudo, que não interfiram na organização política do Brasil condenando arbitrariamente alianças partidárias. Sem alianças não há governo no Brasil.

É possível que Vossas Excelências prefiram o sistema americano, ou algum sistema europeu com dois partidos hegemônicos, mas nós não estamos nem nos Estados Unidos nem na Europa. O Supremo não tem competência para alterar isso.


Não há democracia sem política, não há política sem partido, e não há partido sem liberdade de organização.


O ódio de Vossas Excelências por alianças partidárias nasce de um vício idealista de quem chega ao poder sem ter que passar pelo voto da cidadania. Caveat [Atenção aos embargos, mantenha-se alerta!].


É essencial para a ordem pública confiar na Justiça, mas para que isso aconteça não basta condenar os grandes: é preciso simplesmente condenar os culpados, segundo as provas.

(*) Economista, professor de Economia Internacional e chefe do Departamento de Relações Internacionais da UEPB, autor do recém-lançado “A Razão de Deus”. Esta coluna sai também nos sites Rumos do Brasil e Brasilianas, e, às terças, no jornal carioca “Monitor Mercantil”.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21310

Imagens: Google Images

sábado, 31 de março de 2012

O 31 de Março deveria ser feriado nacional

30.03.2012 - Leonardo Sakamoto em seu blog




Deveríamos transformar o 31 de Março em feriado nacional.


Talvez assim possamos garantir que esse dia nunca seja
encarado por nós
e, principalmente, pelas gerações que virão como um grande Primeiro de
Abril, como se o golpe de 1964 nunca tivesse existido.


Cicatriz que não deveria ser escondida mas permanecer como algo incômodo, à vista de todos, funcionando como um lembrete. Não vivemos três décadas de piada, apesar da elite militar e parte da elite econômica do país terem rido muito às custas de quem pedia liberdade e democracia nos Anos de Chumbo.

Pouco me importa o que pensam os verde-oliva da reserva que tomam seu uísque nos Clubes Militares enquanto, saudosos, lançam confetes ao Dia da Revolução (sic).

Demonstrações de afeto a um período autoritário são peça de museu, então que fiquem, democraticamente, com quem faz parte do passado. Mas eles precisam saber que, desta vez, a História não vai ficar com a versão dos golpistas. E que o mundo que eles ajudaram a construir, mais cedo ou mais tarde, vai embora com eles. Não por vingança, mas por Justiça.


Em nome de uma suposta estabilidade institucional, o passado não resolvido permanece nos assombrando. Seja através de um olhar perdido da mãe de um amigo que, da janela, permanece a esperar o marido que jaz no fundo do mar, lançado de helicóptero. Seja adotando os métodos desenvolvidos por eles para garantir a ordem e o progresso.

Durante a ditadura, os militares armaram uma farsa para encobrir o assassinato do jornalista Vladimir Herzog. A explicação trazida à público, de suicídio na cela, não convenceu e a morte de Vlado tornou-se símbolo na luta contra o regime.

Mas fez escola.

Tempos atrás, aqui em São Paulo, um homem de 39 anos foi encontrado enforcado pouco mais de duas horas depois de ter sido preso. Supostamente, era traficante e transportava cocaína. Supostamente, teria se enforcado usando um cadarço de sapato. Questionado por jornalistas se não é praxe da polícia retirar os cadarços de sapatos de presos, um policial afirmou que o acusado usou um pedaço de papelão para arrastar um cadarço que estava fora da cela. Seria cômica se não fosse ofensiva uma justificativa dessas.

Como aqui já disse, o impacto de não resolvermos o nosso passado se faz sentir no dia-a-dia dos distritos policiais, nas salas de interrogatórios, nas periferias das grandes cidades, em manifestações, nos grotões da zona rural, com o Estado aterrorizando ou reprimindo parte da população (normalmente mais pobre) com a anuência da outra parte (quase sempre mais rica). A verdade é que não queremos olhar para o retrovisor não por ele mostrar o que está lá atrás, mas por nos revelar qual a nossa cara hoje.


Lembrar é fundamental para que não deixemos certas coisas acontecerem novamente.


Que o governo tenha a decência de instalar urgentemente a Comissão da Verdade que, mesmo esvaziada na versão em que foi aprovada, trará um pouco de luz às trevas.


Que o Supremo Tribunal Federal considere que crimes contra a humanidade, como a tortura, não podem ser anistiados, nunca.


Que a história dos assassinatos sob responsabilidade da ditadura seja conhecida e contada nas escolas até entrar nos ossos e vísceras de nossas crianças e adolescentes a fim de que nunca esqueçam que a liberdade do qual desfrutam não foi de mão beijada.


Mas custou o sangue, a carne e a saudade de muita gente.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Justiça para Cesare Battisti e Mário Alves

Países como Argentina, Uruguai, Chile e Peru já instalaram a “Comissão da Verdade” para separar os militares criminosos e torturadores dos verdadeiros militares e servidores da pátria

Por Emanuel Cancella, na Agência Petroleira de Notícias*
Há 41 anos, na madrugada do dia 16 para 17 de janeiro, morria num quartel do Exército Mário Alves de Souza Vieira, jornalista, poliglota, baiano de 47 anos. Mário fazia parte do PCBR, braço armado do partido comunista que se insurgiu contra a ditadura militar.

O crime ocorreu no Rio de Janeiro, dentro da prisão do Doi-Codi na rua Barão de Mesquita, 425. Mário foi espancado barbaramente, empalado com um cassetete dentado, o corpo todo esfolado por escova de arame, por se recusar a prestar as informações exigidas pelos torturadores do 1° Exército e do DOPS, como denunciou sua companheira Dilma Borges.

Sua companheira e a filha Lucia conseguiram que a União, em 1987, reconhecesse a responsabilidade civil pela prisão, tortura, morte e danos morais. Até hoje os brasileiros não conseguiram identificar e responsabilizar os autores desse e de outros crimes dentro de dependências de quartéis, crimes bárbaros que maculam a imagem de nossas instituições já que os autores usaram muitas vezes as dependências das Forças Armadas para seu ritual de torturas.

Em Ibiúna, São Paulo, existe um painel da artista plástica Cristina Pozzobon com 23 mortos pela repressão e do outro lado lista com nomes de 719 presos e torturados pelo regime militar. O livro “Luta das mulheres na ditadura”, livro lançado em Recife em junho de 2010, com a presença do Ministro da Secretaria de Direitos Humanos da República, Paulo Vannuchi registra lista de 45 mulheres entre torturadas, mortas e desaparecidas.

No mesmo Brasil que não conseguimos instalar a “Comissão da Verdade” para apurar os crimes de torturas, identificar os responsáveis por desaparecidos, por prisão arbitrárias, inclusive com igual ou maior violência contra mulheres durante a ditadura militar, neste mesmo país, as mesmas forças que não querem que nada seja apurado também querem que o italiano Cesare Battisti seja extraditado para a Itália para cumprir pena de prisão perpétua pelos mesmos “crimes” que praticaram Mário Alves e tantos outros brasileiros e estrangeiros que, na mesma década de 70, lutaram para que hoje tivéssemos liberdade no Brasil, na Itália, em nosso continente e em grande parte do mundo.

Vale lembrar que países de nosso continente como Argentina, Uruguai, Chile e Peru já abriram à sociedade os arquivos da ditadura. Urge que instalemos a “Comissão da Verdade” para separar os militares criminosos e torturadores dos verdadeiros militares e servidores da pátria, respeitadores de nossa Constituição, pois estes constituem a ampla maioria do efetivo das Forças Armadas.

Também não podemos extraditar Cesare Battisti porque os crimes imputados a ele são de um tribunal de exceção, já que a Itália vivia uma ditadura não declarada; quem o acusa é um ex-companheiro que usa dessa delação em beneficio próprio e os crimes imputados a Cesare são políticos e nenhum em beneficio próprio!
*Emanuel Cancella é secretário-geral do Sindipetro-RJ

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A história que não consta nos livros

Mais um primoroso artigo do jornalista e comentarista político Laerte Braga. Há mais de quatro décadas trabalhando na mídia e, portanto, testemunha ocular da história, o blogueiro mineiro nos ajuda a entender um pouco mais o jogo do poder em Brasília.

TANCREDO, AÉCIO, MALUF

Laerte Braga

Há diferenças abissais entre Tancredo Neves, de um lado e Aécio Neves e Paulo Maluf de outro. No dia 21 de dezembro em Moscou, milhares de comunistas foram ao túmulo de Stalin depositar cravos vermelhos em homenagem aos 131 anos de nascimento do líder soviético.

O presidente russo Medvedev anunciou que vai iniciar uma campanha para desestalinizar a Rússia. Não há muita diferença entre Vladimir Putin e Stalin, guardadas as proporções de tempo, espaço e personalidade. Putin se inspira e adota os métodos do secretário geral do antigo PCUS (Partido Comunista da União Soviética), com uma diferença. Stalin tinha um sentido coletivo em tudo o que fazia, até na barbárie. Putin não.

Foi esse sentido coletivo, vamos ficar com essa expressão, que lhe valeu um livro de encômios os mais elevados do filósofo Jean Paul Sartre, muitas páginas de louvor aos planos qüinqüenais do governante soviético.

Em seguida a morte de Stalin o marechal Zukov, herói da IIª Grande Guerra e grande comandante do exército soviético (venceu os alemães, sem ele a guerra teria durado muito mais tempo e sabe-se lá que lado venceria), ao perceber as indecisões e disputas no Politburo, principal câmara do Partido Comunista Soviético, fez saber aos líderes que o Exército Vermelho apoiava a indicação do ucraniano Nikita Kruschov.

Há um episódio, se real ou não é outra história, mas dimensiona Kruschov, sobre dar a notícia a Stalin que os alemães haviam invadido a União Soviética e rompido o pacto que fora feito com Ribbentrop. Stalin entrou para um apartamento do Kremlin com algumas mulheres, embebedou-se durante dias e ao abrir a porta diante do desatino dos líderes do partido sobre o que fazer, mandou que Kruschov lhe calçasse as botas e disparou.

“Vocês são tão covardes que tendo oportunidade de me matar não o fizeram. Vamos ganhar a guerra”.

Tancredo Neves não teve a dimensão de Stalin e muito menos o caráter cruel, bárbaro e criminoso. Em defesa de Stalin se diga que a União Soviética começou sua história na defensiva e isso significa muito mais do que se possa imaginar.

Tancredo tinha uma característica. Não metia a mão no bolso de ninguém. Optou pelo que poderíamos chamar “caminho do meio”. O papel de pêndulo, mas sem perder de vista seus objetivos e sem deixar de ter uma visão de conjuntura de cada momento que viveu da história do Brasil.

Foi leal a Getúlio como foi leal a Jango.

Almino Afonso conta um episódio revelador sobre o golpe militar de 1964. Ministro do Trabalho do governo de Jango foi chamado por Darcy Ribeiro na Casa Civil, no dia 1º de abril de 1964 e recebeu a seguinte missão.

“Reassuma seu mandato de deputado e vá impedir que o Tancredo faça alguns acordos e o golpe triunfe”.

Almino relata numa entrevista que concedeu à revista PLAYBOY, logo após a anistia, que ao chegar ao Senado não disse uma palavra ao perceber a reação de Tancredo diante da disposição de Auro Soares de Moura Andrade, presidente da Casa e do Congresso, de decretar a vacância do cargo. Segundo Almino a coragem de Tancredo o surpreendeu. Enfrentava Auro e não poupou adjetivos à covardia golpista do senador. Fernando Lira, mais tarde, aliás, indicado ministro da Justiça de Tancredo afirma que esteva presente a algumas decisões de Tancredo que o surpreenderam pelo nível de comprometimento do ex-presidente com a democracia sem adjetivos.

Tancredo Neves deixou de ser eleito governador de Minas em 1960 por conta de manobras de parte do PSD, seu partido então. José Maria Alckimin e Benedito Valadares não aceitavam a candidatura de Tancredo e inventaram a de Ribeiro Pena pelo antigo PR – Partido Republicano, com o intuito de dividir os votos e permitir a eleição do sacripanta Magalhães Pinto.

Ribeiro Pena foi presidente de um banco estatal mineiro durante todo o governo de Magalhães. A compensação.

Quando Aureliano Chaves, Marco Maciel e outros foram comunicar a Tancredo que haviam fundado o PFL, que estavam em desacordo com o candidato do PDS, partido da ditadura e iriam apoiar sua candidatura presidencial, isso em 1984, se prontificaram a conversar com o general Ernesto Geisel e pedir-lhe o apoio a Tancredo.

O então ex-governador de Minas levantou-se, foi ao telefone, ligou para Geisel, chamou-o de “meu general” e deu a notícia do apoio de Aureliano e outros. Ali Sarney virou vice-presidente. Falta de alternativa, sob forte resistência de Tancredo.

Geisel foi do gabinete parlamentarista de Tancredo e ambos eram próximos, mais próximos que os principais líderes parlamentares da ditadura. Boa parte da “distensão lenta e gradual” de Geisel foi formulada por Tancredo. O general tinha absoluta confiança no mineiro.

No velório de Tancredo em Brasília pode-se ver, é só buscar os arquivos, o general Geisel subindo a rampa do Planalto sozinho e a pé, sem seguranças. Disse aos repórteres – “uma perda sem tamanho para a democracia e o Brasil –.

Era prodigiosa a capacidade de Tancredo Neves de equilibrar-se entre forças antagônicas, tanto quanto a de ser leal aos seus companheiros.

Delfim Neto está aí, vivinho da silva, pode confirmar a quem quiser. Quando se começou a primeira negociação, governo Figueiredo, para pedir ajuda ao FMI e renegociar a dívida externa do Brasil, ouviu de John Rockfeller, um dos maiores banqueiros do mundo, que a dívida de Minas ele preferia negociar pessoalmente com Tancredo.

Delfim tomou um susto, passou batido e disse aos jornalistas que “o doutor Tancredo é outro departamento”. Tancredo era governador recém empossado de Minas. E o primeiro pedido que fez a Rockfeller foi a suspensão de um contrato de locação de uma loja do grupo ao governo de Minas, sem multa pelo rompimento. A multa era de cinco mil dólares e Rockfeller acedeu.

Em 1982, pouco depois das eleições para governos estaduais, as primeiras desde o golpe de 1964, o eleito governador do Rio, Leonel Brizola, ao ouvir de um companheiro que o perigo para as eleições presidenciais seria o governador Franco Montoro de São Paulo, respondeu assim, “Você está enganado, o perigo vem de Minas”.

Brizola, como Tancredo, enxergava além de umbigo e vaidades pessoais.

O cineasta Sílvio Tendler está a ponto de lançar um documentário sobre Tancredo Neves e já surge uma polêmica. Tancredo teria recebido ajuda financeira de Paulo Maluf em duas campanhas eleitorais (senado e governo do estado de Minas) para neutralizar eventuais adversários nas eleições presidenciais de 1984, alvo de Maluf. O ex-governador de São Paulo pretendia debilitar a candidatura de Mário Andreazza, a preferida da direita militar, pois sabia que a disputa nesse campo se daria entre ele e o coronel ministro da ditadura, dentro do PDS.

Elizeu Rezende em Minas, candidato ao governo contra Tancredo em 1982 fortaleceria Andreazza.

Pode soar um tanto estranho e soa, mas a lógica política não é uma ciência exata como a concebia Bertrand Russel, por exemplo. Ou melhor, é possível matematizar a lógica. Na política e no futebol não.

A polêmica sobre essa “ajuda” de Maluf a Tancredo começa a surgir em veículos da mídia privada, portais da rede mundial de computadores e o cineasta Sílvio Tendler, um dos maiores nomes do cinema/documentário do País já disse que não sabe se o episódio será ou não incluído no filme “já um tanto longo”.

Não se queixou de pressões sobre o fato, tampouco disse algo sobre ele, como os veículos que deram guarida à notícia não revelaram que o intermediário entre Tancredo e Maluf foi o general Golbery do Couto e Silva. Do esquema do general Geisel, sustentáculo militar de Tancredo para a disputa presidencial.

Não sei se o documentário fala de uma grave crise de depressão que acometeu Tancredo logo após a derrota em 1960 para Magalhães Pinto. Refugiou-se em Petrópolis até a recuperação.

Em 1964 quando JK foi dizer a Tancredo que havia fechado um acordo para eleger o marechal Castello Branco presidente da República, JK era senador e Tancredo deputado, ouviu que não votaria em Castello. “Eu fui líder do governo Jango na Câmara e não tenho o hábito de trair amigos e nem princípios”.

Não votou. Disse um sonoro não quando chamado a proferir seu voto. Foi o único pessedista a não fazê-lo. E advertiu Juscelino que estava cavando sua sepultura.

Eleito presidente começou a trabalhar o Ministério e Fernando Henrique Cardoso procurou-o um dia para sugerir a indicação de seu próprio nome para o Itamaraty. Cabotino e sem caráter nenhum FHC chegou a dizer que “o senhor vai enriquecer o seu governo com um intelectual de renome mundial”. Tancredo disse não e nunca escondeu de ninguém que tinha ojeriza a FHC. Na melhor das hipóteses considerava-o um bobo.

Costumo enxergar Tancredo na história do Brasil a partir de três caixões. Carregou o de Getúlio e Jango em São Borja e o de JK. Sua morte em 21 de abril de 1985 provocou uma das maiores comoções já vistas no Brasil. A de São Paulo, quando o corpo saia do hospital num carro do corpo de bombeiros talvez tenha sido a maior manifestação espontânea de todos os tempos em nosso País. As pessoas iam abandonando seus carros, seus afazeres e quase um milhão de paulistas acompanhou o cortejo até o aeroporto onde o esquife seguiu para Brasília.

Analisar ou deixar de analisar erros e acertos de Tancredo é outra conversa. Não é o caso aqui. E por isso mesmo não há equívoco em afirmar que foi um dos maiores vultos de nossa história contemporânea. Se presidente teria evitado catástrofes como Sarney, Collor, FHC e Itamar. Por si só o ganho para o Brasil seria e é inestimável.

Aécio não tem nada a ver com Tancredo exceto o fato de ser neto. É um irresponsável com talento político e charme que usa e abusa, mas vazio e inconseqüente. Seus oito anos de governo em Minas foram só o de aparecer na hora agá. As decisões não eram dele, nunca foram. Cercou-se de gente da pior espécie, como o governador atual Antônio Anastasia (os mineiros viveram um dilema terrível nas últimas eleições, ou Anastasia, ou Hélio Costa, dois políticos menores, nunca à altura de Minas Gerais).

Se alguém encapuzar o ex-governador Aécio Neves em Belo Horizonte e soltá-lo num ponto qualquer do centro da capital, não tem a menor idéia de como chegar em casa, ou em qualquer lugar. É um tonto e uma grande ameaça ao País.

Cedo ou tarde vai se perceber isso, tomara que cedo.

Maluf é a lástima que conhecemos, legitimado por essa aberração que se chama Justiça Eleitoral. Um trem que não existe em países supostamente, claro supostamente, civilizados. Ou, minimamente organizados.

O documentário de Sílvio Tendler vai cumprir o papel de permitir aos brasileiros julgar um dos políticos mais importantes do século passado. Viveu e participou de momentos decisivos de nossa história.

Esse mérito do cinema de Tendler é decisivo para o resgate dessa história e associado ao seu talento extraordinário, torna-se imprescindível.

O filho de Pablo Escobar, um dos maiores produtores e chefe de cartel de drogas, financiador do ex-presidente da Colômbia Álvaro Uribe, apareceu num documentário exibido por um canal de tevê a cabo pedindo desculpas aos colombianos, bolivianos e aos povos do mundo pelo mal causado pelo pai.

No caso de Tancredo é diferente. Ele não pode pedir desculpas pelo destrambelhamento que é Aécio Neves. Pela ameaça que representa com sua conversa mole para boi dormir.

Um não tem nada a ver com o outro, exceto o fato de um ser avô e outro neto.

Fora isso Tancredo é parte da história do Brasil e Aécio do lixo político do País.

Que venha o documentário. Vai cumprir, como todos de Tendler, um papel importante na percepção e compreensão de uma quadra da vida brasileira.

E esse tipo de trabalho é de fundamental importância, como a controvérsia é parte de qualquer documentário feito com seriedade. Tendler é sério.

Palavra de Remy.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Lula lança pedra fundamental da sede da UNE ao lado de estudantes. Prédio deve ficar pronto até 2013

Praia do Flamengo 132, nada será como antes
do Estudantenet*

Nova sede é projeto de Oscar Niemeyer, terá 13 andares e vai ser erguida no mesmo local da antiga, incendiada pelos golpistas de 1964

Niemeyer é responsável pelo projeto do novo prédio da UNE
RIO - A funcionária pública Maria Arlinda de Castro, 68 anos, moradora da Praia Flamengo no Rio há mais de 40, ajeitava-se na grade de proteção montada em frente ao número 132, na tarde da última segunda-feira, 20 de dezembro. Ao seu lado, chegavam centenas de curiosos, vendedores ambulantes, turistas e outras pessoas cuja atenção se prendia no enorme painel de 18 metros de comprimento e 6 de altura, montado em frente ao endereço e onde se impõe uma foto do ex- lider estudantil e presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) Honestino Guimarães, um dos muitos desaparecidos políticos da ditadura militar (desde 1973) e homenageado da tarde.

Muita gente não entendia ainda a movimentação e alguns burburinhos davam conta da visita do presidente da república mais positivamente aprovado desde a redemocratização: “Lula vem aí”, ouvia-se. No entanto, a maioria não sabia o que aconteceria dentro daquele terreno, que por muitos anos abrigou somente um estacionamento. Dona Maria Arlinda sabia. No dia primeiro de abril de 1964, ao voltar do trabalho por volta das 19h, ela percebeu que o trânsito estava interrompido. Descendo a pé e caminhando em direção ao número 132, viu o prédio da UNE e da UBES pegando fogo, destruído pela ditadura militar recém-instalada no país: “Foi muito triste e chocante”, relata.

Depois disso, dona Maria Arlinda testemunhou todo o período de perseguições da ditadura, acompanhou a proclamação do AI-5, viu pessoalmente a sede dos estudantes ser demolido em 1980, acompanhou a redemocratização do país em 1985, votou cinco vezes em Lula para presidente e, nessa tarde, retornou ao endereço numero 132 para vê-lo inaugurar as obras que reconstruirão o prédio da UNE e da UBES. De acordo com o projeto de lei 12.260, de 21 de junho de 2010, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional, o Estado Brasileiro reconhece a responsabilidade pelo incêndio e demolição da casa dos estudantes, investindo agora em sua reparação.

Em frente ao terreno e por suas imediações, onde o trânsito estava interrompido e diversos carros de reportagem se amontoavam, balões ornamentavam a entrada e capacetes de construção da UNE e UBES eram distribuídos aos convidados. Entre ele muitos e emocionados ex-presidentes das duas entidades como José Frejat (1950), Aldo Arantes (1961) Jean Marc Von der Weid (1969), Wadson Ribeiro (1999), Gustavo Petta (2003 e 2005), Orlando Silva (1995), Lindberg Farias (1992), Thiago Franco (2006), Marcelo Gavião (2004), além de um dos fundadores da UNE, Irum Santana e da ex-esposa de outro, Francisca Talarico, que foi casada com José Gomes Talarico, falecido no início de dezembro. Francisca foi homenageada no evento e recebeu uma placa.

O clima de confraternização entre as gerações é brevemente interrompido com a chegada do arquiteto Oscar Niemeyer, que completou 103 anos de vida recentemente. Erguem-se as mãos de todos em aplausos ou empunhando câmeras e celulares para registrar uma imagem do homem que desenhou Brasília e que, também, generosamente cunhou o projeto da nova sede da UNE e UBES no local. Mais



Mais nova casa de UNE, UBES e Centro Universitário de Cultura e Arte (CUCA) fica pronta em 2013
do Blog do Planalto**

Verba saiu após aprovação da Lei nº 12.260, reconhecendo responsabilidade do Estado na destruição do antigo prédio

Após demolição da sede, terreno foi recuperado em 2007. Foto: R. Cordeiro/PR

A diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE) prevê que as obras da nova sede da entidade, na Praia do Flamengo, 132, no Rio de Janeiro, estarão concluídas em dois anos. O processo para contratar a empresa que vai dar forma aos traços do arquiteto Oscar Niemeyer, que doou o projeto à UNE, deverá estar concluído ainda no primeiro trimestre de 2011, informou os dirigentes da instituição, que passaram a manhã desta segunda-feira (20/12) no terreno dando uma última revisada na cerimônia que lançará a pedra fundamental do novo prédio, que contará com a participação do presidente Lula a partir das 17 horas.

Veja alguns dos croquis de Niemeyer para o novo prédio aqui, aqui, aqui e aqui.

As lideranças do movimento estudantil estão otimistas quanto ao processo de construção do prédio, que terá 13 andares. “É uma data especial para os estudantes brasileiros. Esperamos muito tempo para podermos colocar de pé novamente nessa que já foi chamada de ‘a casa do poder jovem’ e a ‘casa da resistência democrática’”, diz o presidente da UNE, Augusto Chagas.

“A reconstrução da sede, no Rio de Janeiro nada mais é do que uma reparação histórica do que foi feito com as entidades estudantis nos tempos da ditadura. Nada mais correto do que o Estado brasileiro, na imagem do presidente Lula, nesta segunda-feira, devolver às entidades esse espaço de debate e de construção da democracia”, pontua o presidente da UBES, Yann Evanovick.

No dia 21 de junho passado, a Lei 12.260, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional, reconheceu a responsabilidade do Estado Brasileiro pelo incêndio e demolição da antiga sede. Parte dos R$ 46 milhões da indenização foi liberada na última sexta-feira. Com os recursos, as entidades começam o processo de construção do prédio da UNE.
*
**com Equipe do EDUCOM


terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Bacuri recebe título póstumo de Cidadão Paulistano. Sobre a morte de Eduardo Leite e a cumplicidade da Folha

Do blog "Limpinho e cheiroso", via Blog do Miro
SÃO PAULO - Hoje, dia 7 de dezembro, o assassinato brutal de um herói da luta contra a ditadura empresarial-militar (1964-85) completa 40 anos. Logo mais, às 19 horas, na Câmara dos Vereadores de São Paulo, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, receberá in memoriam o título de Cidadão Paulistano, por iniciativa dos vereadores Juliana Cardoso e Ítalo Cardoso (PT).

Para quem não o conheceu, trata-se de mais um dos casos de absoluta crueldade da repressão. Na madrugada da véspera de ser retirado do Dops para ser assassinado, aos 25 anos de idade, a repressão lhe entregou – na cela onde estava sozinho – um exemplar da Folha da Tarde que noticiava sua “fuga”.

Para que jamais esqueçamos a história, a Folha da Tarde era aquele pasquim que o senhor Otávio Frias – pai do senhor Otávio Frias Filho – cedeu graciosamente ao esquadrão da morte durante os dois anos finais dos 1960 e que assim continuou até o final dos anos de 1970.

Bacuri tem uma das histórias mais bonitas de nossa resistência. Quando foi preso, sua companheira – a camarada Denize – estava grávida. Meses depois, nasceu a Maria Eduarda.

Quem não puder comparecer ao evento, envie uma mensagem dirigida a essas duas mulheres para o endereço da Denize Crispim Perez: zdenize@gmail.com.

Leia a seguir o texto sobre Bacuri que está no sítio do Tortura Nunca Mais:

Cumplicidade entre a mídia e a repressão

O relato abaixo serve para demonstrar a ação combinada e orgânica entre a repressão da ditadura militar de 64 e os órgãos da mídia oligárquica no Brasil.

O assassinato de Eduardo Collen Leite, o “Bacuri”, é um dos mais terríveis dos que se tem notícia, já que as torturas a ele infligidas duraram 109 dias consecutivos, deixando-o completamente mutilado. Quando o corpo foi entregue aos familiares estava sem orelhas, com olhos vazados e com mutilações e cortes profundos em toda a sua extensão.

Foi preso no dia 21 de agosto de 1970, no Rio de Janeiro, pelo delegado Sérgio Fleury e sua equipe, quando chegava em sua casa. Passou pelo Cenimar/RJ e DOI-Codi/RJ, onde foi visto pela ex-presa política Cecília Coimbra, já quase sem poder se locomover.

Do local da prisão, Eduardo foi levado a uma residência particular onde foi torturado. Seus gritos e de seus torturadores chamaram a atenção dos vizinhos, que avisaram a polícia. Ao constatar de que se tratava da equipe do delegado Fleury, pediram apenas para que mudassem o local das torturas.

Após ser torturado na sede do Cenimar, no Rio de Janeiro, Eduardo foi transferido para o 41° Distrito Policial, São Paulo, cujo delegado titular era o próprio Fleury.

Novamente transferido para o Cenimar/RJ, Eduardo permaneceu sendo torturado até meados de setembro, quando voltou novamente para São Paulo, sendo levado para a sede do DOI-Codi. Em outubro, foi removido para o Dops paulista, sendo encarcerado na cela 4 do chamado “fundão” (celas totalmente isoladas).

Em 25 de outubro, todos os jornais do País divulgaram a nota oficial do Dops/SP relatando a morte de Joaquim Câmara Ferreira (comandante da ALN), ocorrida em 23 de outubro. Nesta nota, foi inserida a informação de que Bacuri havia conseguido fugir, sendo ignorado seu destino. Foi encontrado nos arquivos do Dops a transcrição de uma mensagem recebida do Dops/SP pela 2ª seção do IV Exército, assinada pelo coronel Erar de Campos Vasconcelos, chefe da 2ª Seção do II Exército, dizendo “que foi dado a conhecer a repórteres da imprensa falada e escrita o seguinte roteiro para ser explorado dentro do esquema montado”.

O tal roteiro falava da morte súbita de Câmara Ferreira após ferir a dentadas e pontapés vários investigadores. E mais adiante diz “Eduardo Leite, o Bacuri, cuja prisão vinha sendo mantida em sigilo pelas autoridades, havia sido levado ao local para apontar Joaquim Câmara Ferreira (...) Aproveitando-se da confusão, Bacuri (...) logrou fugir (...)”. Estava evidenciado o plano para assassinar Eduardo Collen Leite

O testemunho de cerca de 50 presos políticos recolhidos às celas do Dops paulista (entre eles, o gaúcho Ubiratan de Souza, da VPR) neste período prova que Eduardo jamais saíra de sua cela naqueles dias, a não ser quando era carregado para as sessões diárias de tortura. Eduardo era carregado porque não tinha mais condições de manter-se em pé, muito menos de caminhar ou fugir, após dois meses de torturas diárias.

O comandante da tropa de choque do Dops/SP, tenente Chiari da PM paulista, mostrou a Eduardo e a inúmeros outros presos políticos, no dia 25, os jornais que noticiavam sua fuga.

Para facilitar a retirada de Eduardo de sua cela, sem que os demais prisioneiros do Dops percebessem, o delegado Luiz Gonzaga dos Santos Barbosa, responsável pela carceragem do Dops àquela época, exigiu o remanejamento total dos presos, e a remoção de Eduardo para a cela n° 1, que ficava defronte à carceragem e longe da observação dos demais presos. Seu nome foi retirado da relação de presos, as dobradiças e fechaduras de sua cela foram lubrificadas de forma a evitar ruídos que chamassem a atenção.

Os prisioneiros políticos, na tentativa de salvar a vida de seu companheiro, montaram um sistema de vigília permanente. Aos 50 minutos do dia 27 de outubro

Segundo testemunho de Ubiratan, todos os presos chegaram junto às grades e estendiam braços e mãos para cumprimentar ou simplesmente tocar em Bacuri, ao mesmo tempo que vibravam talheres e copos metálicos no ferro das grades numa demonstração de protesto pela iminente morte de um companheiro. Todos sabiam que Bacuri seria executado.

Eduardo não foi mais visto. Os carcereiros do Dops, frequentemente questionados sobre o destino de Bacuri, só respondiam que ele havia sido levado para interrogatórios em um andar superior. Os policiais da equipe do delegado Fleury respondiam apenas que não sabiam; apenas o policial conhecido pelo nome de Carlinhos Metralha é que afirmou que Eduardo estava no sítio particular do delegado Fleury. Tal sítio era usado pelo delegado e sua equipe para torturar os presos considerados especiais ou os que seriam certamente assassinados e, por isso, deveriam permanecer escondidos.

Em 8 de dezembro, 109 dias após sua prisão, e 42 dias após seu sequestro do Dops, os grandes jornais do País publicavam nota oficial informando a morte de Eduardo em “um tiroteio nas imediações da cidade de São Sebastião”, no litoral paulista. Era evidente o conluio entre a repressão e a mídia, nesta farsa montada para eliminar Eduardo Leite.

A notícia oficial da morte de Eduardo teve um objetivo claro: tirar as condições da inclusão de seu nome na lista das pessoas a serem trocadas pela vida do embaixador da Suíça no Brasil, que havia sido sequestrado em 7 de dezembro. Seu nome seria incluído nessa lista e seria impossível soltar o preso Eduardo que, oficialmente, estava foragido e, além do mais, completamente desfigurado e mutilado pela tortura.


As informações são do grupo Tortura Nunca Mais e de Ubiratan de Souza.