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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Antes das chuvas

Seminário sobre prevenção de emergências e desastres reúne agentes da região serrana do RJ, pesquisadores e cientistas de todo o país 


Por Maria Lúcia Martins, jornalista e colaboradora do EDUCOM (texto e fotos)

A consolidação dos Planos de Contingência, o programa federal Hospitais Seguros, aspectos do Direito Ambiental, a reorientação da visão institucional sobre os desastres “ditos” naturais, as ações da Defesa Civil-DC e da Educação em prevenção, as experiências da Rede de Cuidados, a importância da transdisciplinalidade no tratamento da questão, a gestão de riscos no campo da saúde, a cidadania e a humanização foram os temas em pauta no seminário promovido pela Secretaria de DC do município de Cordeiro-RJ e pela Rede de Cuidados, nos dias 31 de outubro e 1º de novembro.

O coordenador da DC da Região Serrana, cel. BM Alexandre Pitaluga, o sec. da DC de Petrópolis, ten.cel BM Rafael Simão, e representantes de Teresópolis, Trajano de Morais e Nova Friburgo estiveram presentes.

Prefeito de Cordeiro, Salomão Gonçalves, e Valencio, da USP (abaixo) 

É necessário tomar atitudes que se antecipem aos problemas e trabalhamos junto com a de Educação e demais secretarias de Cordeiro para enfrentar, da melhor forma, a época das chuvas", declara o sgto. BM Rodrigo de Sá Tavares Secretário da Defesa Civil de Cordeiro.

O objetivo da prefeitura de Cordeiro é se transformar num modelo de prevenção a desastres. Cordeiro abriga uma estação do INMET e já desenvolve práticas preventivas nas comunidades e nas escolas. A Rede é uma organização não-governamental multidisciplinar que atua desde 2008 (facebook.com∕rededecuidados).

Crueldades e direitos
A Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres da Universidade Federal de São Carlos e docente de Sociologia dos Desastres, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Engenharia Ambiental da USP (Universidade de São Paulo), Norma Valencio, considera que uma série de fatores no enfrentamento dos desastres “ditos” naturais, tais como medidas drásticas sem o devido cuidado social e os juízos de valor da mídia e autoridades que desconsideram, na maioria das vezes, as necessidades dos vínculos sociais e emocionais, bem como o olhar dos afetados, inviabilizam o tratamento humanizado do problema.

A cultura da prevenção considera o outro e as trocas de saberes e interesses, o que diverge da maneira autocrática como os Estados, nas suas representações, vêm historicamente construindo sua relação com a sociedade civil.

“É preciso um ajuste ético, porque hoje o que dá o tom está distante de um ideal com base metodológica da ciência social e humana. O que se chama de senso comum em muitos relatórios da área de tecnologia é uma realidade em que domina a desumanização. Há também que buscar uma síntese entre as duas racionalidades civil e militar, que não são dicotômicas, mas complementares, explica.

Norma destaca que para a sociologia dos desastres o que existe são desastres “ditos” naturais. Estes estudos, antigos no mundo, são feitos com pioneirismo há 10 anos no Brasil no Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais da Universidade de São Carlos.

Como exemplo de crueldade ela escolheu o vivido em 2011, quando com sua equipe percorreu a Região Serrana do Rio de Janeiro. Foi feito um relatório para o Gabinete de crise da Presidência da República.

Norma fala sobre as formas de expressão do poder que desumaniza o outro: crueldade de eliminar da condição do outro a proteção, fazer o outro entender que ele é menor que gente: palavras cruéis fazem parte do repertório desumanizador, refletem a incapacidade de acolher, de escutar desde o lugar do outro. Só acontece a coincidência quando a escuta do outro faz parte da construção da política.

É necessário vigiar as palavras, neste repertório cruel as pessoas se sentem culpabilizadas pelas circunstâncias. Fazem parte deste repertório: insistem em morar em área de risco, teimam em ficar nestas áreas. precisam ser educadas, precisam ser retiradas, precisam ser removidas... ela destaca que este discurso impede de se ver o lugar histórico destas pessoas, premidas a morar em áreas de moradias precárias. 

“A omissão do poder público é fator condicionante e temos que incorporar a visão de que vivemos num país em que há concentração fundiária. Os lugares dos ricos são infraestruturados, há um recorte de classe. Um quarto dos municípios brasileiros entram em crise e desastre todo ano, entre outros fatores, à ocupação territorial e o desenvolvimentismo que investe em megaobras, provocando o deslocamento em busca de novos territórios.

O higienismo social não pode passar por cima dos vínculos humanos das comunidades afetadas. Precisa-se encontrar outra opção para lidar com a tragédia das pessoas que são deslocadas, pelo fenômeno natural e pelo poder público,  para morrer em outro lugar, igualmente instável. Estas pessoas têm sua desnudada: não há esfera privada em abrigos mal geridos." Chamar de “desastre natural” esta situação é uma mentira organizada, conclui a socióloga. 

Outros conceitos equivocados, afirma Valencio, são:

1- Cenário:o desastre é lá e a culpa é de quem mora lá”, o que reduz o âmbito geográfico do fenômeno a lugares onde foram mais graves;

2- Dia do desastre:quando foi o desastre?”. A região serrana não escapou, esta abordagem quer dizer que antes havia “normalidade". De que normalidade estamos falando? Desigualdades diversas, que emergem com as chuvas. 

Quando localizamos num cenário ou num dia, perdemos a noção de todos os componentes do desastre, as partes constituintes. Especialmente do processo de desumanização. O monitoramento da natureza é importante, mas não vai mudar a questão social. O desastre dura enquanto durar a ruptura na vida das comunidades.

Valencio propõe, para se sair deste  mentira institucionalizada, questionar o qualificativo “natural”, que não aparece mais na política pública, na lei; reivindicar que o contexto é sócio histórico, não de cenário, de dia, de território; que o enquadramento da crise como meio físico seja substituído como social, que haja escuta dos grupos afetados; que as ciências humanas e sociais sejam vistas como qualificadas, que se considere a extensão corpo-casa e que a expertise dos Centros de estudos seja questionada para dar condições para que o tratamento seja humanizado.

São fundamentais arenas participativas genuínas, como o aumento do controle da população sobre a mercantilização em torno dos desastres; a mudança de abordagem; e rever radicalmente as orientações das políticas públicas, próprias da vida e do amadurecimento democrático.

Américo Sommerman, graduado em Filosofia, co-criador do Centro de Educação Transdisciplinar, membro ativo do Centre de Recherches et Études Transdisciplinaires, mestre em Educação pela Universidade Nova de Lisboa e doutor em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia fez uma retrospectiva das bases do pensamento ocidental e falou do seu desastre pessoal, que classificou como um crueldade autoimposta pelo engano de que teria de se adaptar aos moldes da educação vigente, o que provocou uma crise aos 17 anos e que se estendeu aos primeiros anos universitários. “A educação disciplinar recebida na escola, na casa, na sociedade, via mídia preocupa-se com adaptar a pessoa a uma ordem hipotética e não em formá-la como ser humano”.

A crise enfrentada motivou o retorno à natureza e a busca de outros saberes tradicionais. “No diálogo com outras culturas pude ver o ser humano com múltiplas dimensões e de maneira integrada. As ciências humanas têm um ideal civilizatório, gestado na própria origem da palavra da arte – do grego techné, cujo objetivo é o de atingir a totalidade das coisas e da realidade, usando como método a intuição, a inspiração e a imaginação”, explica Sommerman.

A questão ambiental
Thaís Dalla Corte, pós-graduada em Direito Público e mestranda em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina, falou da participação popular na gestão de danos ambientais. O dano ambiental pode ser atemporal, transfronteiriço e cumulativo. Ela considera a precaução e a prevenção como melhores caminhos, pois a condenação não corrige o dano já causado. “Na correlação entre o dano ambiental e o desastre a questão de responsabilização é complexa”, lembra Thaís.

Ela destaca a defasagem da regulação na ocupação urbana, agravada por questões econômicas. “A urbanização no Brasil foi intensificada após 1950 e o Estatuto das Cidades é de 2005”.

Nestes 50 anos, a migração rural fez com que hoje 85% da população se concentre nas cidades. E o município é atualmente o poder que tem mais competência e menos recursos. Dalla Corte frisa as diferenças de conceitos importantes: prevenção = risco concreto, precaução que tem por base a lei 12.608, de 2012, que estabelece a Política Nacional de Defesa Civil, ampliando a visão ou percepção do que seja risco. A lei possibilita a Tutela Precaucional, que deverá ser usada e difundida na mesma proporção da prevenção. Esta Lei, que começa a ser aplicada, restitui as famílias à condição anterior. “O quadro tende a se modificar, chegou a hora de sermos pró-ativos”, assinala Thaís.

O resgate da cultura local é um fator primordial da recuperação das comunidades, como a realizada no bairro de Córrego Dantas, em Nova Friburgo, sob coordenação de Raquel Nader, artista plástica e formada em Letras.  ”Eu acredito na memória, na História, no que os mais velhos têm pra contar”, diz Raquel.

Após o desastre, um grupo de artistas plásticos e outros artistas percorreram os locais na Serra para transmitir um pouco de arte pelo caminho Humano. Esta iniciativa aconteceu, com o apoio da Cátedra de Memória da PUC de Petrópolis e de secretarias dos governos.  O resultado do trabalho está no blog agentedaserracd.blogspot.com

Humanização das relações e cidadania
A psicóloga da Rede de Cuidados, Izaura Gazen, pós-graduada em Psicoterapia Psicanalítica, resumiu em uma frase, que ouviu do pai ainda criança, a filosofia da Rede de Cuidados: “A prática é o critério da verdade”. Izaura destaca que “enquanto não tivermos a visão de um desenvolvimento macro regional, conjuntamente, estamos distantes da cidadania".

Samira Younes Ibrahim, uma das fundadoras da Rede, psicóloga, pós-graduada em Psicologia Médica e membro da Escola Dinâmica Energética do Psiquismo, afirma a preocupação de trazer todos os olhares: psicologia, sociologia, Defesa Civil etc, possibilitando o diálogo para construir uma ação de prevenção ampla.

Em 2011, a Secretaria Nacional de Defesa Civil lançou no Brasil a campanha "Construindo cidades resilientes: minha cidade está se preparando". Entre as providências a serem tomadas pelos prefeitos e gestores públicos locais destacam-se as estabelecidas em 2005 pelo Marco de Ação de Hyogo (cidade do Japão). A campanha pode ser acompanhada pelo site www.integracao.gov.br∕cidadesresilientes.

Luis Henrique de Sá, integrante da Rede, psicólogo da secretaria municipal de saúde de Petrópolis, especialista em TCI-Terapia Comunitária Integrativa, destaca o sentido de resiliência, amplo e inclusivo.

O termo, emprestado das ciências físicas, que usa-o  para descrever materiais que retomam a sua antiga integralidade, não significa no contexto humano um catálogo de qualidades que um indivíduo possuiria para responder a impactos. É um processo que se inicia no nascimento e segue até a morte, nos liga sem cessar com o meio que nos rodeia de maneira complexa, está distante de uma vacina contra o sofrimento, é mais que adaptação, é a capacidade ou processo de transformação.

A TCI é uma metodologia aprovada pela PNAB-Política Nacional de Atenção Básica, do Ministério da Saúde, e trabalha com o acolhimento respeitoso, formação de vínculos e empoderamento das pessoas, com foco nas possibilidades de soluções a partir das competências locais.

Plano de Contingência e educação
A secretária municipal de Educação de Cordeiro, Deuzimar Caetano, destaca a importância da Prevenção e dos Diretos Humanos nas áreas urbanas, em que aumenta a violência. Com o objetivo de desenvolver a cidadania, a secretaria local implantou o programa Agente Mirim, que trabalha disciplina, valores e princípios de segurança, em parceira com a DC. A prefeitura oferece também transporte para alunos de cursos universitários que estudam em dois dos municípios vizinhos. “Queremos formar multiplicadores”, destaca.

A Defesa Civil da cidade capacitou, com participação da Rede de Cuidados, 27 agentes. Na capacitação são fundamentais a percepção do risco; curso prático de primeiros socorros, com simulação de acidentes; e prevenção de incêndio.  O Plano de Contingência prevê que num prazo de duas horas efetivo integrado por pessoas de todas as secretarias e outros agentes estejam em ação.

O cel. BM Alexandre Pitaluga, Coordenador Geral da DC da Região Serrana, assinala que a DC se faz no município, por muito do que seja estadual e também de âmbito federal. Ele apresentou um quadro de eventos extremos ou inusuais de 2007-2011 na América do Sul e disse que a gestão dos riscos se dá em cinco fases: prevenção, percepção do risco, mobilização, alerta pré-desastre e ação.

O sgto. BM Rafael Simão, sec. da DC de Petrópolis, destacou a importância do apoio dos prefeitos para que um bom trabalho de prevenção seja feito, envolvendo todas as secretarias. Este trabalho deve ser realizado ANTES DAS CHUVAS, pois durante estas pouco se pode fazer para diminuir os danos e salvar vidas.

Os dois principais riscos são alagamento e deslocamento de massas ou deslizamento. A prefeitura de Petrópolis fez uma parceria com a Japan International Cooperation Agency - JICA para formar 1.500 pessoas, o que mostra que estamos ainda engatinhando em prevenção, lembra Simão.

Gestão de riscos no setor da saúde
Desde 2011, a ONU por meio da Eird-Estratégia Internacional para a Redução de Desastres tem alertado para os desastres relacionados com a água, pois os mesmos têm aumentado tanto em frequência quanto em intensidade em virtude da forma predominante de assentamento humano no mundo. Os eventos hidrometereológicos encontram uma vulnerabilidade socioambiental cada vez mais significativa de contingentes da população mundial.

A bióloga, pesquisadora da Ensp – Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Elisa Francioli Ximenes, considera a Eird um marco e a Ação de Hyogo a ferramenta mais importante a nível mundial para a redução de desastres. Ações e subações orientam os governos, com especial foco na quinta delas. 

Com base no Relatório do MMA para a Região Serrana em 2011, descobriu-se que dos 43 estabelecimentos de saúde, 35 estão em área de risco, o que significa 81%. Estes estabelecimentos foram incluídos no programa federal Hospitais Seguros, que visa habilitá-los até 2015 a permanecer em funcionamento durante os desastres ou imediatamente após. Os investimentos são em infraestrutura, equipamentos e serviços. 

No âmbito do Ministério da Saúde foram criados o Vigidesastres e os Cievs-Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em saúde, como também a Comissão de Desastres e a Força Nacional do SUS. A cadeia de acionamento desta Força Nacional provoca a instalação do gabinete de crise e a declaração de Espin, que se refere a Emergência em Saúde Pública.

O estudo em andamento, que Elisa mostra, é um mapa das consequências dos desastres na saúde, que podem se estender por anos após o evento registrado. São doenças infecciosas e parasitárias; transtornos mentais e do comportamento; aumento de abusos sexuais, especialmente em situação de abrigos; doenças do olho; e doenças do aparelho circulatório. 

Aderita Sena, da Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e do Trabalhador, do Ministério da Sáude, afirma que no Brasil, como a saúde foi descentralizada, alguns municípios não conseguem cumprir o marco legal que consta da Constituição de 1988 e classifica a saúde como muito mais do que curar doenças. Em 1990 (lei 8080), neste marco foi incluído o saneamento básico, o meio ambiente, trabalho e renda.

Ela assinala que com o SUS a saúde deixou de ser exclusividade da esfera federal, sendo que compete à união planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente secas e inundações. Para ter acesso aos serviços de saúde, 80% da população brasileira depende exclusivamente do SUS. É importante observar que a seca causa muito maior impacto no ser humano que a inundação. Estabeleceu-se, no passado, uma indústria da seca, máquina de fazer dinheiro, que agravou a situação regional, levando a catástrofes”, destaca. 

O cidadão pode notificar desastres pelo telefone 0800 644 6645 ou através do email: notifica@saude.gov.br.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O complexo de vira-lata e a lata de lixo dos EUA

20/09/2013 - Raul Longo (*)
– Dos EUA para Santa Catarina: 350 toneladas de lixo tóxico
- do blog Quem Tem Medo da Democracia (QTMD)

Em 10 de setembro deste ano, fiscais da Receita Federal e do Ibama apreenderam lixo tóxico no porto de Navegantes (SC).

O COMPLEXO DE VIRA-LATA E A LATA DE LIXO DOS ESTADOS UNIDOS

Felizmente o complexo de vira-latas vem sendo superado por muitos brasileiros.

Até em São Paulo, onde a maioria da população há tantos anos se considerava uma sub-raça e para se aproximar àqueles aos quais idealiza como superiores elegia para governantes os ligados ao grupo do melhor amigo de Henry Kissinger e Bill Clinton; já se aperceberam que ou modernizam a forma de pensar politicamente ou a cada gestão se perderão mais para trás da história do país.

Enfim, ali também se notou que isso de dar a patinha, se fingir de morto e correr pra pegar a bolinha, cansa. Enjoa até o dono.

E em todo o continente, enfim, se começa a desconfiar da fidelidade dos cães de caça que garantem o abate do que deveria pertencer aos vira-latas se vira-latas não fossem.

Mas a cura do complexo de vira-latas iniciou-se mesmo a partir de um processo de choques sequenciais.

Quando menos se esperava o Brasil, como estado e entidade sócio-político internacional, passou a ser respeitado. Justo quando o vira-lata já ia enfiando o rabo no meio das pernas, abaixando a cabeça e arrepiando o pelo dos costados para amenizar a dor das pauladas que até considerava justas, se dá exatamente o contrário. 

Nem mais exigem que se fique deitado no capacho da porta de entrada ou que se tire sapatos para ser revistado em aeroportos.

Aquilo deixou os vira-latas meio atordoados, sem saber se abanavam ou se corriam atrás do próprio rabo para mostrar serviço ao dono de suas 
consciências colonizadas e, muitas vezes, colonizadas por gerações.

Sei de pai e mãe que antes de colocar o filho na escola para aprender a ler e escrever em português contratava logo um treinador particular para ensinar a criança, desde a mais tenra idade, a latir em bom e perfeito inglês.

Nada de xenofobia, por favor! Não me acusem de xenófobo porque adoro o inglês na pronúncia de Mahalia Jackson, Billie Holiday e Louis Armstrong. 

Também gosto da construção sonora das frases de William Shakespeare… Mas convenhamos que cada idioma tem sua característica e preferir o inglês 
ao português é condicionamento de vira-latas.

Tive de quebrar esse condicionamento em meus alunos para poder ensinar alguma coisa do nosso idioma, pois todos achavam perda de tempo e chatice ter de apreender o português correto. Achavam que bom mesmo é falar “como quem inveja negros que sofrem horrores nos guetos do Harlem”, como dizia Caetano Veloso.

Pedia ao mais revoltado que levantasse e pronunciasse lentamente e alto para todos ouvirem, a palavra “irmão”. De forma meio enfarada o rapaz ou 
a moça dizia a palavra.

Eu pedia que repetisse… “Um pouco mais alto e mais lento”. “Iiirr.. Mããão!” 

Então, gesticulando, sugeria que observassem que o gutural ou fricativo das pronúncias regionais daquele “iiiirr…” poderia ser descrito como braços que se abrem… E aquele “… mããão” nasal se assemelhava ao fechamento de um abraço largo, apertado, franco.

Pedia ao aluno que mais uma vez sentisse a palavra, interpretando-a gestualmente.

E logo toda a classe imitava o exercício, assimilando o prazer da envolvente pronúncia.

Mas então, repentinamente, interrompia pedindo a qualquer outro que se levantasse e pronunciasse a mesma palavra no idioma inglês. Meio 
intimidado a princípio, logo o aluno caprichava orgulhoso: “Bro-ther”. Sempre postado à frente, eu simulava limpar um olho atingido e perguntava: “- Por que você cuspiu?”

A classe ria e assim ia convencendo-os a se interessar pelo idioma empregado no Brasil.

Romper com tantas décadas de condicionamento não é fácil e brincadeiras de sala de aula não teriam sido suficientes para libertar, não apenas os 
brasileiros, mas todo o terceiro mundo do complexo de vira-latas.

Desde sua independência os Estados Unidos sempre foram governados por um mesmo sistema de interesses de elites econômicas divididas em Democratas ou Republicanos.

Sucedem-se políticos de dois únicos grupos a representar a ditadura de uma mesma classe social, mas todo mundo sempre acreditou naquele país e governo como padrão de democracia, mesmo quando promoviam golpes de estado contra governos realmente democráticos como os de João Goulart ou Salvador Allende.

Apesar de ali a vida de um negro não valer mais do que um assovio, criou-se o mito de que a civilização estadunidense fosse a mais livre e humana 
do planeta como se não houvesse partido daquele governo e militares o maior genocídio já praticado em toda a história da humanidade, contra duas cidades civis de um país já derrotado e rendido: Hiroshima e Nagasaki.

Os vira-latas acreditavam no heroísmo e na bondade de uma covardia a se repetir periodicamente, como no Vietnã, contra povos indefessos a usar 
bambu contra alta tecnologia bélica e bombas napalm.

O engodo do 11 de Setembro de 2001 despertou as gentes e mesmo que muitos ainda não consigam conceber que aquele governo tenha sido capaz de ordenar um atentado contra o próprio povo, a certeza de que algumas horas de treino em teco-teco não habilitariam ninguém às manobras dos Boeing que atingiram o World Trade Center; tem exercido forte impacto nas mentes colonizadas de muitos que hoje se sacodem como cachorros molhados de chuva, enfim percebendo o incomodo da coleira pendurada ao pescoço.

Também houve a arrogância de decisão unilateral de invasão, a mentira das armas químicas do Sadam, a guerra desnecessária, o genocídio, as crianças esfaceladas, as humilhações de Abu Ghraib, as torturas de Guantánamo e todas essas realidades há muito sabidas, mas que só então se projetaram como intermitentes flashes da verdade antes velada, negada à própria consciência que forçosamente se viu obrigada a despertar, cada qual envergonhado do hipnótico condicionamento à que se expôs comportando-se como vira-lata.

Claro que ainda nem todos despertaram, mas são muito menos os adormecidos embora em determinadas classes sociais o condicionamento persista e em regiões onde essas classes compõem a maior parte da população, o complexo de vira lata continua bastante forte, pois mesmo que o vira lata tenha se desencantado com quem o colonizava, ainda prefere políticos relacionados ao velho sistema ao qual se apegou numa dependência bastante comum, ainda que mórbida, entre dominado e dominador.

É como aquele pobre cão que por mais que o dono o espanque, jamais abandona o terreiro.

Um caso típico de eleitores do DEM e do PSDB, por exemplo, que há muito tempo ocupam o topo do ranking da corrupção anualmente divulgado pelo 
STE, mas mesmo assim seguem elegendo prefeitos e até governadores aqui e ali.

O DEM, que ocupa o primeiro lugar no ranking da corrupção é seguido pelo PMDB. E, logo depois, os tucanos.

Considerando que o PMDB é o maior partido político do Brasil, está presente em cada município desse país e tem muito mais do dobro de integrantes do que o PSDB, até compreensível que conste como o segundo da lista com maior quantidade de corruptos… Mas o DEM?!!!

Um dos menores partidos políticos do Brasil, integrado apenas pelo coronelato: latifundiários, banqueiros e empresários! A elite econômica e financeira desse país! Só gente rica! Campeão de corrupção todos os anos?

Claro! De alguma forma essa gente tinha de ficar rica, não é? E não há forma mais fácil de ficar rico nesse país do que explorando o complexo de vira-lata daqueles que hoje até podem ser poucos no resto do Brasil, mas aqui em Santa Catarina, de recente colonização europeia, com todos os preconceitos que vão desde os éticos/raciais até os econômicos/sociais, o complexo de vira-lata é tão forte que se rosna para qualquer outro que venha de fora, embora se seja dócil e a cada dois anos sempre se eleja o guarda caça preferido do dono.

Só quem conhece sabe não ser nenhum exagero o rosnar dos catarinenses a qualquer que seja considerado “estrangeiro”, podendo ser estrangeiros não 
apenas os brasileiros de outros estados e até mesmo catarinenses de outras cidades, como inclusive o concidadão de outro bairro.

E isso na capital que das cidades do estado é a que mais recebe visitantes de toda parte do mundo.

Uma questão de cultura e para se entender as diferenças culturais entre Santa Catarina e demais estados do país, convém lembrar que em Pernambuco, que tem um dos menores PIBs do Brasil, o orçamento anual destinado às atividades cinematográficas é de R$ 13 milhões.

Em Santa Catarina, que está entre os cinco maiores PIBs do país, o governo do estado destina anualmente R$ 3 milhões.

Mas um tal de Sistema Estadual de Incentivo à Cultura – Seitec, se orgulha ao anunciar a existência do Funcultural que investe entre 25 e 28 milhões no que eles chamam de cultura catarinense, mas que tem como instituição mais significativa o Balé de Bolshoi, da Rússia, ao qual se associa um festival que traz dançarinos e bailarinos para anuais expressões dessas artes nas culturas do hemisfério norte: balé clássico, jazz, street dance, break, hip hop, country, sapateado, etc.

Tudo muito bonito, mas jamais esperem algo como Antônio Nobrega ou qualquer coisa brasileira, pois que os nativos de “nossa terra, nossa gente” 
apesar de rosnarem para os “estrangeiros” do Brasil, pulam, abanam e se lambem de alegria numa estreita identificação com os estrangeiros de 
fato.

Na sequência da relação do empregado pelo governo do estado de Santa Catarina para incentivo à cultura, o próprio Seitec cita meia dúzia de instituições de pouquíssima ou nenhuma significação pública, entre as quais alguns museus estáticos que se visitados duas vezes em uma década, na seguinte pode faltar luz que ninguém se perde.

E, por fim, segundo o Seitec o restante é empregado nas festas gastronômicas ítalo/germânicas como a Oktoberfest, a Festa do Marreco e a Festa do Pinhão. E pronto!

Para a compreensão dos responsáveis pelo incentivo à cultura de Santa Catarina, isso é tudo e o suficiente para atrair os turistas para essa terra e essa gente tão fechada ao Brasil e tão aberta àqueles que pouco vêm para cá por preferirem o calor, a maior proximidade à Europa, e a cultura típica e popular de Salvador, Recife, Natal, Fortaleza, etc.

Perante esse panorama e também considerando que a coleira catarinense é bem apertada e controlada pelo monopólio de comunicações do Grupo RBS que se somado aos 600 milhões de sonegação da Rede Globo a quem representa neste estado e no de sua sede, o Rio do Grande do Sul, perfazem um calote de 1 bilhão de reais a cada brasileiro, inclusive catarinenses.

Mas catarinenses são nativos e como nativos se distinguem dos demais brasileiros.

Talvez por esta distinção prefiram continuar elegendo os mesmos políticos que desde os tempos da ARENA da famigerada ditadura militar, depois 
PFL, depois DEM e atual PSD, cumprem com o ritual e estilo do vira-lata que cuida da presa abatida para seu dono caçador.

Deve haver alguma recompensa, como a recebida pelos estadunidenses de Puerto Rico, pois sem alguma recompensa nem vira-lata funciona.

E essas siglas partidárias, como todas as demais que aqui mantém diretórios estaduais, sem exceção, pertencem a um mesmo [Jorge] Bornhausen (foto), o feroz, eficiente e treinadíssimo guarda caças de Santa Catarina que há anos vive em São Paulo.

No caso da notícia abaixo reproduzida, como a Receita Federal por alguma suspeita razão não divulga o nome, seria uma leviandade Bornhausen por essas 350 toneladas de lixo tóxico, mas não há a menor dúvida de se tratar de alguém da matilha.

Não há nenhuma dúvida porque esse tipo de despejo é recorrente aqui no estado e não há muito tempo ocorreu o mesmo problema com containers encontrados no porto de Itajaí.

O orgulho da nativa classe média se infla, pois aqui o complexo de vira-lata não é um sintoma, é síndrome.


E se o lixo está chegando é porque apesar da renitente arrogância de uma Presidenta que se acha no direito de exigir explicações e se nega a atender o chamado do dono, é porque ao eleger sempre os políticos da mesma matilha os catarinenses se confirmam como os melhores guaipecas (**) para a guarda do quintal!

(**) Guaipeca – Regionalismo do sul do Brasil equivalente a vira-lata.

Clique aqui e confira a matéria citada no artigo. 

(*) Raul Longo é jornalista, escritor e poeta. Mora em Florianópolis e é colaborador do “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Pouso Longo”.

Fonte:
http://quemtemmedodademocracia.com/2013/09/20/raul-longo-dos-eua-para-santa-catarina-350-toneladas-de-lixo-toxico/

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Pesquisador alemão diz que discurso sobre fim da vida na Terra é mentiroso

Heloisa Cristaldo

Enviada Especial da Agência Brasil/EBC

Recife – Há 350 milhões de anos o planeta Terra enfrentava mudanças climáticas semelhantes às vividas atualmente, disse hoje (23) o pesquisador alemão Ulrich Glasmacher, da Universidade de Heidelberg. “[Mudanças climáticas] não são fenômenos novos na história. No passado, há 350 milhões de anos tivemos os mesmos problemas de hoje. Estamos no mesmo ponto daquela época”, explicou durante palestra na 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Segundo o pesquisador, a temperatura do planeta não está aumentando se comparada com a de outros períodos, mas oscilando. “As temperaturas estão flutuando – sobem e descem – neste momento que vivemos. Mas estamos muito influenciados pela mídia e diretamente pensamos em efeito estufa [como causa de aumento]”.

Glasmacher explica que o efeito estufa é agravado por poluição humana, mas um fenômeno antigo da própria natureza do universo. A energia irradiada pelo Sol é modificada ao chegar à atmosfera. As novas moléculas reagem se transformando em gás carbônico, metano e dióxido de nitrogênio – os principais gases que causam o efeito estufa.

“O gás metano tem os efeitos mais catastróficos, mas sobrevive menos tempo na atmosfera. O gás carbônico sobrevive mais, por esse motivo é que ouvimos falar mais a respeito dele. Outro processo importante e bem conhecido é que parte dessas partículas é desviada pelas nuvens [antes de chegar à superfície da Terra]”, explica.

Naquele período, segundo o pesquisador, dinossauros e vulcões foram responsáveis pela alta concentração de gases na atmosfera. “Existe uma teoria de que os dinossauros produziam gás metano com sua alimentação e a emissão era em níveis tão altos quanto acontece hoje. Os vulcões, mesmo fora de atividade, liberam volumes enormes de gás carbônico. No entanto, os dinossauros não foram extintos do nosso planeta por causa dos gases, mas devido a queda de um enorme meteorito na Terra”.

De acordo com Glasmacher, há 100 milhões de anos havia um clima completamente diferente na Terra. A hipótese do pesquisador é que o planeta era coberto por neve, “um bolo de gelo, com clima muito frio”.

“Há 60 milhões de anos, o Brasil, ainda unido com parte da África, também estava coberto por uma camada de gelo. As florestas substituíram o gelo e originaram depósitos de carvão. Há jazidas de carvão nos dois países com a mesma idade”.

Glasmacher aponta que fósseis e sedimentos rochosos mostram como era o clima no planeta há milhões de anos e que, em geral, períodos muito quentes são precedidos por época muito frias.

“A África Oriental era uma floresta úmida e se transformou em savana. Nesse período o homem aprendeu a se adaptar e criar instrumentos. O ser humano aprendeu que se bater na noz, ela vai se abrir. Em pouco tempo foi possível reagir a mudanças do ambiente”.

Nos anos 900 a 1000, segundo o pesquisador, os vikings navegavam a parte norte do Oceano Atlântico e por toda Groenlândia – ainda sem cobertura de gelo. “Parece que eles gostavam disso. Os vikings achavam muito bom o período quente e produziam vinho em locais que hoje são congelados”.

“Precisamos pensar também que até agora somos os únicos no universo. Não sabemos e nem temos ferramentas para saber se existem vidas como a nossa em outros planetas. Mas, mesmo sem o homem, a vida na Terra vai continuar em qualquer circunstância. Falar em cenário fatal para o planeta é mentiroso, só serve para gerar medo”, conclui.


Publicado originalmente no site Agência Brasil - Edição: Beto Coura
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-23/pesquisador-alemao-diz-que-discurso-sobre-fim-da-vida-na-terra-e-mentiroso

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Agronegócio e ecomercado ameaçam a vida

Por Zilda Ferreira
A diferença básica entre agronegócio e ecomercado é que o primeiro já é letal, principalmente pelo uso indiscriminado de agrotóxicos. O ecomercado ameaça a soberania do país e também será letal à natureza, no futuro. São dois temas complexos e de difícil comparação. Por isso merecem teses comparativas. Mas esse papel é para a academia. Aos jornalistas, cabe apenas denunciar e quando possível alertar. Em um blog como o nosso a limitação é ainda maior. 

Mas, nesta Semana do Meio Ambiente, a mercantilização da natureza tem nos deixado impotentes, além de preocupados. Por esse motivo decidimos contar alguns fatos que nos acenderam o sinal de alerta. O REDD - Redução de Emissões de Carbono por Desmatamento e Degradação, por exemplo, é praticamente desconhecido, não só pelo povo, como por profissionais liberais e políticos. A passividade diante da mercantilização dos nossos recursos naturais é perceptível até mesmo pelo olhar estrangeiro, de quem vem ao Brasil lucrar com este grande negócio.

Segundo funcionários de agências europeias com quem tenho conversado, os brasileiros desconhecem o significado, como atua e o que representa o REDD para o país. “Temos empresas européias com concessões florestais na Amazônia, em áreas maiores que a Suíça. Parece que não se incomodam com a perda dessas áreas”, ouvi recentemente de um deles (leia, abaixo, Amapá e Conservation International debatem economia verde e confira os links Quem ganha e quem perde com o REDD e Economia Verde e financeirização da Natureza).

Para facilitar a comparação entre agronegócio e ecomercado, no Brasil, vamos territorializar.  Nos cerrados brasileiros se concentra o agronegócio. E na Amazônia, o ecomercado. Isso não que dizer que estão limitados a essas regiões, é apenas para demonstrar se dá a maior ocorrência de cada um.

CERRADOS - a disputa pela terra tem como objetivo produzir commodities para exportação. Ali quem manda é o agronegócio. Os malefícios mais conhecidos são: uso indiscriminado de agrotóxicos, matança de índios, desertificação do solo, extinção de fitoterápicos específicos do bioma, erosão do solo, contaminação do lençol freático e de nascentes de rios importantes. Apesar dos cerrados serem considerados o celeiro do mundo, é nessa região onde morrem mais crianças indígenas de desnutrição (confira O Tsunami da fome nas aldeias indígenas de Mato Grosso do Sul e A disputa pela terra em Copenhague).

AMAZÔNIA - o ecomercado foi colocado à sociedade brasileira como uma salvação às Mudanças Climáticas e foi abraçado ainda na gestão da ministra Marina Silva, que defende a economia verde. Esta tem como sustentáculo o mercado de carbono, o REDD. A financeirização da natureza é feita, atualmente, pela especulação através da Bolsa de Ativos Ambientais do Rio de Janeiro (BVRio), conhecida como Bolsa Verde, implantada na Rio+20 pelo secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro e ex-ministro Meio Ambiente Carlos Minc. No Brasil, o ativo ambiental mais cobiçado é a água, abundante na Amazônia (leia A Luta pelo direito à Água na Rio+20 e Luto e luta: hoje é o Dia Internacional da Água).

‘Amazônia, pátria das Águas, cofre do Brasil’ (Thiago de Mello, poeta)
O vice-presidente da Coca-Cola, Jeff Seabright, enfatizou durante a Rio+20 que a água está no cerne do desenvolvimento sustentável e que é mais importante que petróleo, ao defender a economia verde. Uma completa radiografia – e também um alerta – sobre como as grandes corporações estão se apoderando da água doce do  planeta pode ser visto no livro Ouro Azul, de Maude Barlow e Tony Clark. Como exemplo, podemos citar que os habitantes de Manaus pagam a água mais cara do país. Ali, o serviço foi privatizado e entregue a uma concessionária estrangeira subsidiária da francesa Suez. A capital amazonense fica em cima do aquífero Alter do Chão, o maior do mundo em volume de água. Os habitantes de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, estão sobre o aquífero Guarani. Pagam ainda assim por um dos serviços de abastecimento de água mais caros do país.

Em Alter do Chão, distrito de Santarém, onde fica o Rio Tapajós, região dos grandes rios amazônicos, há uma ONG mantida pelo conglomerado financeiro britânico HSBC. O local foi escolhido para receber o príncipe Charles em suas visitas ao Brasil e fica no coração do aquífero Alter do Chão. Outro dado importante é a riqueza em fitoterápicos do cerradão, vegetação intermediária entre cerrados e mata amazônica. Nessa região há outra ONG, esta financiada pela Fundação Adenauer, por sua vez ligada à indústria farmacêutica (leia Aquífero Alter do Chão pode ser entregue a pesquisadores estrangeiros).

Imagine a festa com as concessões florestais para REDD, em áreas maiores do que a Suíça. Vão poder se apropriar de água, biodiversidade e minérios. E com a mudança do Código Mineral, os ativos ambientais da Amazônia farão a reciclagem do capitalismo das nações hegemônicas. Por sua vez, os povos amazônicos vão continuar pobres com vida curta, mas como vagalumes, iluminando as matas para os estrangeiros.

Em Santarém, no Pará, ouvi de um engenheiro florestal que o maior problema ambiental da Amazônia Legal, atualmente, não é o desmatamento e sim a mineração (leia Um povo cercado por um anel de ferro). E que as concessões aos estrangeiros de grandes áreas para manejo florestal e REDD podem comprometer a soberania do país, além de intensificar a extração de minérios estratégicos desconhecidos pela maioria dos brasileiros.

O REDD está recebendo todo o apoio do Congresso Nacional e alguns representantes do agronegócio já viraram ambientalistas desde criancinhas. A Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas promoveu um seminário no mês passado sobre o marco legal desta prática no Brasil, que ganhou uma nova denominação: é o REDD+. O REDD+ é uma estratégia em discussão na Convenção Quadro de Mudanças Climáticas e seu objetivo é oferecer incentivos para países em desenvolvimento reduzirem emissões de gases que provocam efeito estufa, para investirem em desenvolvimento sustentável e práticas de baixo carbono no uso da terra.

Ficou esclarecido, durante o seminário, que o financiamento virá de países desenvolvidos, conforme as regras que regem a Convenção do Clima. Apurei, novamente a partir do ouvi de representantes de agências europeias, que só a Alemanha deve investir um bilhão de euros no Fundo Amazônico. Isso prova que o REDD é mesmo um grande negócio. Será que agora vão entender por que Blairo Maggi ficou com a presidência da Comissão de Meio Ambiente do Senado e por que Marina Silva disse na Universidade Católica de Pernambuco que discriminá-lo por ser empresário era preconceito? 

Para entender como o Ecomercado é danoso e como ele ameaça a soberania do país e o futuro de novas gerações, basta viajar um pouco por esse país. Por mais que temamos o agronegócio, este ao menos é conhecido e criticado na academia. Como é um trator de destruição do meio ambiente, os movimentos sociais também o conhecem. Além disso, dificilmente avançará na Amazônia, porque as terras são impróprias para agricultura e a carne produzida nessa região não é boa. Ao contrário, o ecomercado não é conhecido, é extremamente sofisticado e é cobiçadíssimo pelo sistema financeiro, nacional e internacional, principalmente pelos banqueiros da União Europeía e do Reino Unido. A banca internacional ambiciona transformar seus recursos virtuais em ativos ambientais, dando concretude ao seu “direito” sobre as riquezas do Brasil. A força do ecomercado está no marketing e no baixo risco financeiro que oferece.
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Amapá e Conservation International debatem economia verde*

O governador Camilo Capiberibe está nos EUA onde mantém encontros com entidades governamentais e entidades ambientais. A viagem tem o objetivo de mostrar o que o Amapá está fazendo para fomentar a economia verde e a regulamentação das concessões florestais. 

Na sede da Conservation International (CI), Camilo falou sobre as experiências e desafios que o Governo do Amapá enfrenta para implementar uma economia sustentável, que gera riqueza agregando valor aos produtos da floresta e dos rios, criando empregos e renda nas áreas rurais e nas cidades. O governo está investindo R$ 50 milhões, nos quatro anos de mandato, em projetos para apoiar a produção de açaí, castanha-do-brasil, cipó-titica, pesca e agricultura familiar.

O Estado é o mais preservado do país, com 97% da sua cobertura florestal intacta, e com 72% do território em áreas protegidas. "Queremos algo em contrapartida para isso. Já que nós preservamos, queremos políticas, investimentos e tecnologias que nos permitam desenvolver a cadeia produtiva da floresta, agregando valor, gerando emprego, garantindo o desenvolvimento e a preservação da Amazônia", disse o governador.

Russell Mittermeier, presidente da CI, afirmou que "o elemento central de desenvolvimento sustentável é o capital natural, que o Amapá tem abundante. O Estado não tem só as florestas mais conservadas do país, mas também a maior quantidade de água per capita do mundo", ilustrou.

O diretor e chefe-executivo da CI, Peter Seligmann alertou para a necessidade de criar uma engenharia financeira capaz de valorizar e compensar a conservação desse capital natural para o bem do planeta. "Toda a equipe da Conservação Internacional está alinhada com o Amapá para ajudar no que for necessário. É o nosso compromisso de trabalhar juntos numa perspectiva de longo prazo, pois, apesar de todos os desafios, o exemplo do Amapá é um exemplo para o mundo seguir".

Como estradas, hidroelétricas e portos são importantes para o desenvolvimento do Amapá, mas trazem pressões sobre as florestas e outro recurso natural existe a preocupação em procurar apoio para preparar o Estado a enfrentar esses obstáculos, investindo em projetos que garantam uma vida digna para os produtores da floresta, que são provedores dos serviços ambientais, mantendo a floresta em pé.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Economia verde e financeirização da natureza


Transformar a atmosfera, o oxigênio, os rios, os oceanos, as florestas, os subsolos em mercadorias já é movimento bastante problemático. Permanecer aceitando que os rumos desse tipo de atividade sejam determinados apenas pelo ritmo da especulação financeira é colocar uma verdadeira pá de cal na já exígua credibilidade do conceito de economia verde.

Carta Maior - Paulo Kliass*
 
Às vésperas de completarmos um ano da organização da tão badalada “Rio + 20”, realizada em meados de junho de 2012, muito pouco temos a comemorar no campo das mudanças efetivas no modelo que determina, de forma hegemônica, as relações econômicas no mundo globalizado.

O clima de grandes expectativas criadas em torno do evento, que deveria propiciar um balanço de 2 décadas após a realização da Conferência da ONU de 1992, foi por demais otimista. Estava claro que tal animação não correspondia à realidade da crise econômica internacional e da quase impossibilidade de que os países mais importantes do mundo avançassem alguns milímetros na direção de um sistema menos comprometedor do futuro da Humanidade.

“Rio + 20” e a economia verde

A polêmica toda se deu em torno da avaliação de supostos avanços ou recuos que poderiam estar contidos nos termos da declaração final do encontro. O famoso documento “O futuro que queremos” sintetizava os limites da costura possível entre as proposições das delegações oficiais e das representações das associações e entidades da sociedade civil organizada. Ora, como toda peça resultante de evento de natureza multilateral, o documento procurava expressar algum grau de consenso, a ser obtido entre as representações diplomáticas participantes, a respeito dos temas em questão. Assim, o fato de incorporar o conceito de “economia verde” foi muito criticado por correntes vinculadas ao movimento ambientalista, ao passo que o fato do termo sempre estar acompanhado da expressão “no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza” era saudado por outros grupos como sinalização de um avanço importante.

O fato concreto é que a Rio + 20 deu-se num contexto de dominação política, social e econômica dos valores associados a um modelo que privilegia a exploração descontrolada e desregulada dos recursos naturais e da força de trabalho, na perspectiva da geração e da apropriação privada dos lucros de tais empreendimentos. Some-se a esse quadro a crença de que a solução do ainda tão idolatrado “mercado” seja sempre o mecanismo mais “eficiente” para a busca das soluções de equilíbrio entre os diversos fatores e atores envolvidos no complexo jogo de interesses do mundo globalizado.

Toda e qualquer avaliação mais realista e dotada de bom senso deveria levar em consideração os limites de tal conjuntura. Infelizmente, havia - como ainda continua a haver - pouco espaço para avanços expressivos no campo dos consensos diplomáticos. Afinal, nem mesmo os Estados Unidos aceitaram assinar o já antigo Protocolo de Kyoto (já referendado por mais de 170 países), a respeito de um compromisso para redução da emissão de gases comprometedores do efeito estufa. De outra parte, é necessário recordar que a maioria dos países se volta atualmente para a China, na esperança de que o ritmo de crescimento do gigante asiático seja o elemento de salvação para a recuperação da economia internacional.

As diferentes interpretações da economia verde

O termo “economia verde” vem sendo utilizado há mais tempo em vários circuitos: ambientalista, empresarial, governamental, organismos multilaterais, meios de comunicação, entre outros. Como toda novidade que ainda não foi devidamente digerida e serve para cobrir um nível de ansiedade social a respeito de tema que não apresenta soluções fáceis a curto prazo, ele ocupa o vácuo e preenche a carência. Assim a expressão é muitas vezes apresentada com uma verdadeira panacéia para todos os malefícios que o capitalismo tem proporcionado para o meio ambiente em escala planetária. No entanto, os problemas associados ao processo de degradação ambiental são muito mais complexos do que aparentam numa abordagem superficial. Não basta apenas adjetivar a dinâmica econômica de “verde” para que tudo se resolva, como num passe de mágica.

Exatamente por isso ainda existem diversas acepções do conceito circulando pelos circuitos que tratam do tema. De um lado, permanecem algumas interpretações ainda bem intencionadas no campo dos que estão sinceramente preocupados com a deterioração do sistema ambiental. De outro lado, porém, estão aquelas proposições que estão mais preocupadas em oferecer uma alternativa estratégica de sobrevivência para as grandes corporações multinacionais. Assim, a economia verde se amplia no largo espectro que vai desde os ambientalistas mais ingênuos até aqueles que defendem os interesses do grande capital em seu permanente processo de acumulação e reprodução.

Mecanismos de financiamento: do Protocolo de Kyoto aos dias de hoje

A realidade do sistema capitalista apresenta uma característica essencial: sua tendência a universalizar o conjunto dos processos sociais e transformá-los em relações mercantis. Com isso, o sistema econômico nos tempos mais modernos passou a incorporar a dimensão do “meio-ambiente” também como mecanismo de acumulação e de dinamização do mercado. As primeiras tentativas concentraram-se no espaço da emissão de gases do efeito estufa (GEE). Tendo por base as alternativas previstas no Protocolo de Kyoto, começaram a aparecer os “créditos de carbono”, que se converteram aos poucos em mecanismo de transação no interior do mercado financeiro. De acordo com as normas previstas, as empresas que diminuíssem sua quantidade de emissão de GEE teriam direito a lançar tais títulos de crédito de carbono. Estas novas modalidades de papéis passaram a ter seus preços cotados e negociados no mercado. Segundo os padrões atuais, um crédito de carbono seria equivalente à redução da emissão de 1 tonelada de dióxido de carbono (CO2). Portanto, em tese, a cotação de crédito de carbono deveria ser correspondente ao custo monetário do investimento necessário para obter tal redução de gases poluentes.

A intenção subjacente é que estaria em marcha um mecanismo para estimular, inclusive em termos de ganhos econômicos, a substituição de processos de produção considerados “sujos” por novos sistemas produtivos “limpos”. Esse tipo de ação passou a ficar conhecido como “mecanismo de desenvolvimento limpo” (MDL) e deveria contar com apoio da ONU para fins de regulação e fiscalização, com o objetivo de evitar que os títulos de crédito de carbono pudessem ser fonte de ações fraudulentas e sem nenhum tipo descontrole. O aumento da quantidade de títulos emitidos e a ampliação da escala de sua negociação terminaram por consolidar um verdadeiro mercado, com uma série de produtos financeiros associados. Os créditos de carbono passaram a ser cotados nas Bolsas de Mercadorias, com preços no mercado diário, no mercado futuro e demais características do mercado financeiro em geral. Em conseqüência, a exemplo do que ocorre com outros títulos similares, eles estão também bastante sujeitos a muita especulação.

A partir dessa experiência inicial, novos títulos de natureza financeira foram sendo incorporados pelas empresas multinacionais, mas ainda não contam com mecanismos de controle ou regulamentação. Trata-se dos papéis de “redução de emissão por desmatamento e degradação evitados” (REED), por meio do qual os conglomerados e seus empreendimentos de larga escala buscam obter retornos financeiros a partir de iniciativas que podem reduzir o ritmo de destruição ambiental. É o caso da diminuição de áreas de floresta ou de regiões com atividades de extração mineral. Os mercados financeiros podem facilitar a realização dos negócios e a obtenção de recursos para os projetos, pois todo o processo ocorre por meio de emissões de títulos que têm um valor definido e que são transacionados nos balcões de negócios em todas as principais praças do mundo. No entanto, o problema é que esses papéis – em tese, associados a atividades de “economia verde” - são operados também com base na especulação, a exemplo dos demais títulos financeiros. Ou seja, trata-se um nicho voltado para o meio-ambiente, mas sem quase nenhum lastro no setor real da economia.

Os riscos da financeirização sem regulação

Em termos mais gerais, o processo de financeirização pode ser compreendido como uma etapa de aprofundamento do processo de mercantilização. Assim, em uma primeira fase, observa-se a transformação generalizada dos recursos naturais, bens, serviços e relações sociais em mercadorias. Tudo passa a ser sintetizado e tratado sob a forma de preços e quantidades, tudo passa a ser analisado segundo a ótica da oferta e da demanda. A mercantilização em larga escala abre novas oportunidades à produção nos moldes capitalistas, ampliando os espaços para os mecanismos de acumulação de capital.

Em um momento posterior, não apenas a transformação em mercadorias se consolida pelo conjunto de setores e áreas da economia e da sociedade, mas também os instrumentos financeiros associados a elas se espraiam pelos mercados. Um dos aspectos que fascina e intriga no processo de financeirização é sua dupla face. De um lado, a capacidade de criar as condições de geração de recursos para as atividades onde esteja envolvido.

De outro lado, a sua capacidade de se tornar autônomo em relação ao próprio objeto que foi a razão de seu surgimento. E assim, ele ganha vida independente nos circuitos e searas dos mercados financeiros primários, secundários, terciários e por aí vai. Nos mercados especulativos espalhados pelo mundo, por exemplo, as cotações dos papéis de carbono caíram mais de 90% entre as vésperas da crise de 2008 e os dias de hoje. Ou seja, um movimento no circuito financeiro que tem muito pouco a ver com a realidade concreta dos setores da economia verde.

A resistência dos interesses do financismo em aceitar critérios mais sérios de regulamentação, fiscalização e controle das operações dos mercados de títulos converte-se em um grande obstáculo. As catástrofes observadas a partir da crise financeira não foram suficiente para tanto. Uma das causas foi, sem dúvida, o exagerado grau de financeirização e o descontrole sobre os mercados especulativos. Assim, a insistência na ilusória “liberdade de ação das forças dos mercados” termina por comprometer qualquer busca mais responsável para criação de mecanismos de financiamento de uma economia verde, que seja sustentável em termos econômicos, sociais e ambientais.

Transformar a atmosfera, o oxigênio, o gás carbônico, os rios, os oceanos, as florestas, os subsolos, enfim a natureza, em mercadorias já é movimento bastante problemático. Permanecer aceitando que os rumos de empreendimentos nesse tipo de atividade sejam determinados apenas pelo ritmo da especulação na esfera puramente financeira é colocar uma verdadeira pá de cal na já exígua credibilidade do conceito de economia verde.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte:Carta Maiorhttp://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6105

Leita também: http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/03/quem-ganha-e-quem-perde-com-o-redd-e.html
   

quarta-feira, 17 de abril de 2013

ABRIL INDÍGENA: DECLARAÇÃO DA MOBILIZAÇÃO INDÍGENA NACIONAL EM DEFESA DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS


APIB/Cimi

Nós, mais de 600 representantes de 73 povos e várias organizações indígenas de todas as regiões do Brasil, reunidos em Brasília –DF, no período de 15 a 19 de abril de 2013, considerando o grave quadro de ameaças de regressão a que estão submetidos os nossos direitos assegurados pela Constituição Federal e tratados internacionais como a Convenção 169 de Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, nos declaramos mobilizados em defesa desses direitos, principalmente o direito sagrado às nossas terras, territórios tradicionais e bens naturais, tratados hoje como objetos de cobiça, produtos de mercado e recursos a serem apropriados a qualquer custo pelo modelo neodesenvolvimentista priorizado pelo atual governo e as forças do capital que tomaram por assalto o Estado, com as quais pactua governabilidade para a continuidade de seu projeto político.

Esse modelo agroextrativista exportador é altamente dependente da exploração e exportação de matérias-primas, em especial de commodities agrícolas e minerais. Para viabilizar o modelo, o governo busca implementar, a qualquer custo, as obras de infra-estrutura nas áreas de transporte e geração de energia, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidroelétricas, linhas de transmissão. Isso supõe e potencializa sobremaneira a disputa pelo controle do território no país, e explica o fato de os setores político-econômicos, representantes do agronegócio, das mineradoras, das grandes empreiteiras e do próprio governo se articularem para avançar, com o intuito de se apropriar e explorar os territórios indígenas, dos quilombolas, dos camponeses, das comunidades tradicionais e  das áreas de proteção ambiental.

Objetivos do ataque aos direitos territoriais indígenas

A ofensiva contra os territórios indígenas por parte dos poderosos tem os seguintes objetivos:

1) inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que continuam usurpadas, na posse de não índios;
2) reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados;
3) invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos nossos povos.

Instrumentos utilizados para reverter os direitos territoriais dos povos indígenas

Para atingir os objetivos de ocupar e explorar os territórios indígenas, esses poderes econômicos e políticos aliados com setores do governo e da base parlamentar recorrem a instrumentos político-administrativos, jurídicos, judiciais e legislativos, conforme identificamos abaixo.

Objetivo 01 - inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que continuam usurpadas, na posse de não índios.

1) Proposta de Emenda Constitucional 215/00 (PEC 215): de autoria do deputado federal Almir Sá (PPB/RR), cuja admissibilidade foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados em março de 2012. O relator, deputado federal Osmar Serraglio (PMDB/PR), então vice-líder do governo na Câmara, apensou a esta matéria outras 11 PECs que tramitavam na referida Comissão. Com isso, a PEC 215/00, sendo aprovada, alterará os artigos 49, 225 e 231 da CF transferindo a competência das demarcações do Executivo para o Legislativo nacional e, em última instância, determinará: a) que toda e qualquer demarcação de terra indígena ainda não concluída deverá ser submetida à aprovação do Congresso Nacional; b) que as áreas predominantemente ocupadas por pequenas propriedades rurais que sejam exploradas em regime de economia familiar não serão demarcadas como terras tradicionalmente ocupadas por povo indígena; c) que as Assembléias Legislativas sejam obrigatoriamente consultadas em casos de demarcação de terras indígenas em seus respectivos estados; d) que a demarcação de terras indígenas, expedição de títulos das terras pertencentes a quilombolas e definição de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público sejam regulamentados por uma lei e não mais por um decreto como ocorre atualmente; e) que será autorizada a permuta de terras indígenas em processo de demarcação litigiosa, ad referendum do Congresso Nacional.

Lamentavelmente, ás vésperas das comemorações do Dia do Índio, o presidente da Câmara, deputado Henrique Alves (PMDB/RN), autorizou a criação de Comissão Especial Temporária que deverá analisar esta maléfica PEC.

2) Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 038/99: de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PMDB/RR), que aguarda inclusão na ordem do dia para ser votada pelo plenário do Senado. Caso seja aprovada, conforme o voto em separado do senador Romero Jucá (PMDB/RR), alterará os artigos 52, 225 e 231 da Constituição Federal (CF) estabelecendo competência privativa do Senado Federal para aprovar processo sobre demarcação de terras indígenas.

3) Portaria 2498, de autoria do Poder Executivo. Publicada no dia 31 de outubro de 2011, pelo Ministério da Justiça, determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas. Esta portaria tem como pano de fundo uma interpretação equivocada, por parte do Executivo, de Condicionante estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Petição 3388, única e exclusivamente relativa ao caso da Terra Raposa Serra do Sol, cujo julgamento ainda não transitou em julgado.

4) Visível inoperância nas demarcações de terras indígenas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) “não tem autorização”, ou seja, está proibida pela Presidência da República, de criar novos Grupos de Trabalho para estudos de identificação e delimitação de terras, o que revela uma situação de subserviência do governo brasileiro às demandas do agronegócio cujos representantes vêm pedindo, em audiências com Ministros de Estado, uma moratória nas demarcações sob o pretexto de se aguardar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Petição 3388.

5) Judicialização das demarcações, articulada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e pelos sindicatos a ela filiados. A medida incentiva os não-indígenas invasores de terras indígenas a questionarem judicialmente todo e qualquer procedimento administrativo que visa o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas. A demora no julgamento desses processos por parte do judiciário vem resultando em atrasos ainda maiores nas demarcações das terras indígenas.

Objetivo 02: reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados.

1) Portaria 303: de iniciativa do poder Executivo, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), publicada no dia 17 de julho de 2012. Esta Portaria manifesta uma interpretação extremamente abrangente, geográfica e temporal quanto às condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3388), estendendo a aplicação delas a todas as terras indígenas do país e retroagindo sua aplicabilidade. A portaria determina que os procedimentos já “finalizados” sejam “revistos e adequados” aos seus termos.

Além disso, determina que sejam “revistos” os procedimentos de demarcação em curso e impõe limites severos aos direitos de usufruto exclusivo dos povos sobre suas terras, previsto na Constituição Federal, e à aplicação da consulta prévia, livre e informada prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A aplicação da Portaria 303/12 está suspensa, mas prevista para entrar em vigor no dia seguinte à publicação do acórdão do julgamento dos Embargos de Declaração da Petição 3388 pelo STF. Uma eventual decisão do STF que corrobore os termos estabelecidos pela Portaria, ampliaria profundamente a instabilidade jurídica e política vivida pelos povos indígenas e, na prática, significaria a conflagração de conflitos fundiários ainda mais graves envolvendo a posse das terras indígenas, inclusive a reabertura de conflitos anteriormente superados.

Objetivo 03: invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos povos indígenas.

1. Decreto nº 7.957, de autoria do Poder Executivo, publicado no dia 13 de março de 2013. Cria o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, regulamenta a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004. Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa a criação de instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.

2. Portaria Interministerial 419/11, de autoria do Poder Executivo. Publicada em 28 de outubro de 2011, regulamenta a atuação de órgãos e entidades da administração pública com o objetivo de agilizar os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infra-estrutura que atingem terras indígenas. Neste sentido: a) concede prazo irrisório de 15 dias para que a Funai se manifeste em relação a determinada obra que atinge terra indígena no país; b) determina que o governo só irá considerar como Terra Indígena atingida por uma determinada obra de infra-estrutura aquela que tiver seus limites estabelecidos pela Funai, ou seja, cujo Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação tenha sido publicado nos Diários Oficiais da União e do respectivo estado federado. Este último ponto é especialmente danoso aos povos indígenas - reconhecidamente inconstitucional -, uma vez que desconsidera o fato de que o procedimento administrativo de demarcação de terra indígena é ato apenas declaratório do direito dos indígenas sobre suas terras tradicionais. Com a portaria 419, para efeito de estudo de impactos causados pelos empreendimentos, o governo desconsidera a existência de aproximadamente 370 terras indígenas ainda não identificadas e delimitadas no Brasil.

3. Projeto de Lei (PL) 1610/96, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB/RR). O Projeto dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, de que tratam os arts. 176 e 231 da Constituição Federal. Em fase final de tramitação, aguarda parecer da Comissão Especial. Relatório preliminar divulgado, no segundo semestre de 2012 pelo deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR), é extremamente maléfico aos interesses dos povos indígenas. Caso a lei seja aprovada na forma do relatório em questão, dentre muitos outros aspectos problemáticos, destacamos: a) Não será admitido o direito de veto dos povos. Com isso, o direito de consulta prévia, livre e informada será transformado em mero ato formal, denominado “consulta pública”. A vontade dos povos não terá qualquer influência sobre a continuidade do processo de exploração mineral na própria terra. Nesse caso, inclusive, recupera o princípio da tutela, abominado pela Constituição, ao definir que uma comissão formada por não-índios decidirá sobre o que é melhor para os povos indígenas; b) Nenhuma salvaguarda constitucional é explicitada. Com isso, a exploração mineral poderá ocorrer em todo e qualquer espaço no interior da terra indígena. Não há qualquer referência que proíba a lavra de recursos minerais incidentes sob monumentos e locais históricos, culturais, religiosos, sagrados, de caça, de coleta, de pesca ou mesmo de moradia dos povos. Isso, como é evidente, oferece risco incalculável à sobrevivência física e cultural dos povos.

4. Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 237/13: de autoria do deputado Nelson Padovani (PSC/PR), busca alterar o art. 176 da Constituição, permitindo a posse de terras indígenas por produtores rurais. A PEC 237/13 acrescenta parágrafo à Constituição para determinar que a pesquisa, o cultivo e a produção agropecuária nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios poderão ocorrer por concessão da União, ao agronegócio. Aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.

5. Projeto de Lei (PL) 195/11: de autoria da Deputada Rebecca Garcia (PP/AM), prevê a instituição de sistema nacional de redução de emissões por desmatamento e degradação (REDD+). Em flagrante desrespeito ao princípio constitucional que prevê usufruto exclusivo das terras pelos próprios povos indígenas, o PL elege, dentre outras, as terras indígenas como objeto de projetos de REDD+. Aguarda constituição de Comissão Temporária Especial na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

6. Substituição do Direito pela Compensação/Mitigação: a omissão do governo brasileiro na efetivação de políticas públicas, tais como de saúde e educação, dentre outras, vem influenciando dezenas de povos a aceitarem projetos de exploração de seus territórios como forma de obter compensações/mitigações para responder as demandas criadas pelo abandono do Estado.

Diante deste grave quadro de violações aos nossos direitos, principalmente territoriais, declaramos de uma só voz:

1. Repudiamos toda essa série de instrumentos político-administrativos, judiciais, jurídicos e legislativos, que busca destruir e acabar com os nossos direitos conquistados com muita luta e sacrifícios há 25 anos, pelos caciques e lideranças dos nossos povos, durante o período da constituinte.

2. Não admitiremos retrocessos na garantia dos nossos direitos, sobretudo se considerarmos que o passivo de terras a demarcar é ainda imenso. Das 1046 terras indígenas, 363 estão regularizadas; 335 terras estão em alguma fase do procedimento de demarcação e 348 são reivindicadas por povos indígenas no Brasil, mas até o momento a Funai não tomou providências a fim de dar início aos procedimentos de demarcação.

3. Exigimos do Poder executivo a revogação de todas as Portarias e Decretos que ameaçam os nossos direitos originários e a integridade dos nossos territórios, a vida e cultura dos nossos povos e comunidades. Do Legislativo, reivindicamos que o Presidente da Câmara dos Deputados, deputado Henrique Alves (PMDB/RN), anule a decisão de constituir a Comissão Especial da PEC 215, que afronta a autonomia dos poderes e submete o nosso destino à vontade dos poderes econômicos que hoje dominam o Congresso Nacional. Exigimos ainda o arquivamento de quaisquer outras iniciativas que busquem legalizar a violência contra os nossos povos e a usurpação dos nossos territórios e bens fornecidos pela Natureza, como a PEC 237/13 e o PL 1610/96. Do Judiciário, reivindicamos agilidade no julgamento de casos que retardam a demarcação das nossas terras, submetendo os nossos povos e comunidades a situações de insegurança jurídica e social.

4. Reivindicamos do Governo brasileiro políticas públicas efetivas e de qualidade, dignas dos nossos povos que desde tempos imemoriais exercem papel estratégico na proteção da Mãe Natureza, na contenção do desmatamento, na preservação das florestas e da biodiversidade, e outras tantas riquezas que abrigam os territórios indígenas. Não admitimos que os nossos direitos sejam “atendidos” por meio de compensações decorrentes da exploração dos nossos territórios, pois estas medidas têm caráter efêmero e perduram tão somente enquanto perdurar a exploração.

5. Reivindicamos ainda do Governo, o cumprimento dos acordos e compromissos assumidos em distintas instâncias e processos de diálogo com o movimento indígena, tal como a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), onde foram trabalhados o Projeto de Lei 3571/08, que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista e as Propostas para a elaboração de um novo Estatuto dos Povos Indígenas, que não contaram com o envolvimento da bancada governamental para sua devida tramitação e aprovação.

6. Reafirmamos, por tudo isso, a nossa determinação de fortalecer as nossas lutas, continuarmos vigilantes e dispostos a partir para o enfrentamento político, arriscando inclusive as nossas vidas, em defesa dos nossos territórios e da mãe natureza e pelo bem das nossas atuais e futuras gerações.

7. Chamamos, por fim, aos nossos parentes, povos e organizações, e aliados de todas as partes para que juntos evitemos que a extinção programada dos nossos povos aconteça.

Brasília-DF, 16 de abril de 2013.

Fonte da notícia:  Cimi nacional  (APIB/Cimi)