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segunda-feira, 15 de abril de 2013
Bancada ruralista pressiona para tirar poderes da Funai
Agência Brasil
Brasília – Deputados da bancada ruralista prometem apertar o cerco contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a atribuição do órgão de auxiliar na demarcação de terras indígenas no Brasil. Entre as estratégias para pressionar o governo por mudanças, integrantes da Frente Parlamentar da Agricultura dizem já ter assinaturas suficientes - mais de 180 - para protocolar um pedido de criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar a Funai, mas ainda não há definição sobre quando isso será feito.
Na semana passada o grupo contabilizou duas vitórias. Na primeira, conseguiu convocar a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para prestar esclarecimentos na Comissão de Agricultura da Casa sobre as questões indígenas. A data da ida da ministra ao Congresso deve ser definida ainda esta semana pelo presidente comissão, deputado Giacobo (PR-PR).
Os ruralistas conseguiram ainda, na última quarta-feira (10), o apoio que faltava para a criação de uma comissão especial para apreciar e dar parecer à Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/2000) que inclui, nas competências exclusivas do Congresso Nacional, a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a titulação de terras quilombolas, a criação de unidades de conservação ambiental e a ratificação das demarcações de terras indígenas já homologadas, estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei. A comissão foi criada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), em retribuição ao apoio que recebeu dos ruralistas para comandar a Casa.
“Nós estamos criando uma série de injustiças para aqueles que são proprietários de terras, independentemente do tamanho. O que nos preocupa é a falta de critérios e de uma condição de defesa dentro dos processos de homologação conduzidos pelos antropólogos [da Funai]”, diz o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) que integra a Frente Parlamentar da Agricultura.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reagiu à criação da comissão. Em nota divulgada no site, o Cimi repudiou a decisão. “O ato do presidente da Câmara constitui-se em um atentado à memória dos deputados constituintes, ataca de forma vil e covarde os direitos que os povos indígenas conquistaram a custo de muito sangue e atende os interesses privados de uma minoria latifundiária historicamente privilegiada em nosso país”, diz o documento.
Procurada pela Agência Brasil, a Funai enviou nota classificando a PEC 215/00 como um retrocesso e uma ação contrária à efetivação dos direitos territoriais dos povos indígenas.
“A Funai acredita que tal medida, ao invés de contribuir para a redução dos conflitos fundiários decorrentes dos processos de demarcação de terras indígenas, ocasionará maior tensionamento nas relações entre particulares e povos indígenas, diante das inseguranças jurídicas e indefinições territoriais que irá acarretar”, alerta o documento.
Entre as preocupações da Funai está o fato de a PEC prever a criação de mais uma instância no procedimento administrativo de regularização fundiária de terras indígenas. “Isso tornará mais complexo e moroso o processo de reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas - se não significar sua paralisia -, com graves consequências para a efetivação dos demais diretos destes povos, como, por exemplo, garantia de políticas de saúde e educação diferenciadas, promoção da cidadania e da sustentabilidade econômica, proteção aos recursos naturais, entre outros.”
Esta semana a bancada ruralista na Câmara deve se reunir com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa. No encontro, os parlamentares vão pedir a conclusão do julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol – que ainda depende da publicação do acórdão do julgamento e dos embargos declaratórios a respeito das 19 condicionantes impostas pela Corte, em 2009, para que a demarcação da área fosse mantida em terras contínuas.
Depois que isso for feito, a polêmica Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU) pode entrar em vigor. A norma proíbe a ampliação de áreas indígenas já demarcadas e a venda ou arrendamento de qualquer parte desses territórios, se isso significar a restrição do pleno usufruto e da posse direta da área pelas comunidades indígenas. Ela também veda o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico da terra pelos índios, além de impedir a cobrança, pela comunidade indígena, de qualquer taxa ou exigência para utilização de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas.
As divergências da Frente Parlamentar da Agricultura em relação às atribuições da Funai também levaram o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a se comprometer a criar um grupo de trabalho para receber as manifestações dos deputados. Em 30 dias, representantes da Secretaria de Assuntos Legislativos da pasta, da Funai e parlamentares devem começar a discutir propostas que envolvem a demarcação e desapropriação de terras no país.
A Frente Parlamentar Ambientalista, presidida pelo deputado Sarney Filho (PV-MA), marcou uma reunião para a próxima quarta-feira (17). Na avaliação dos ambientalistas, os apoiadores da PEC 215 são motivados por “interesses pessoais e individuais contrariados”. “A PEC é um retrocesso absoluto, ela acaba com qualquer possibilidade de política indigenista e de política ambiental. Tirar a prerrogativa do Poder Executivo de criar unidade de conservação e reservas indígenas e passar para o Congresso é a mesma coisa de dizer que não vai ter mais”, disse Sarney Filho.
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-14/bancada-ruralista-pressiona-para-tirar-poderes-da-funai
domingo, 27 de janeiro de 2013
Território das comunidades tradicionais: uma disputa histórica
21/01/2013 - por Viviane Tavares (*) - extraído do site EcoDebate
Para o decreto nº 6040/07, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades, os grupos tradicionais são aqueles culturalmente diferenciados, que se reconhecem como tais, ‘que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição’.
Aldeia Maracanã e pescadores artesanais da Baia de Guanabara, no Rio de Janeiro; os Guaranis Kaiowás, no Mato Grosso do Sul; os índios Juruna, e Yawalapiti, além de outras tantas tribos em Belo Monte (foto acima), os quilombolas do Maranhão e também os de Minas Gerais, todos esses, além de serem considerados e se auto reconhecerem como comunidades tradicionais compartilham também de outra questão: a luta pela preservação da sua cultura e da sua memória histórica-social.
De acordo com dados da Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SCDC/MinC), o Brasil, que se caracteriza por sua multiplicidade sociocultural e se vangloria para o mercado externo desta, é composto por 522 etnias com modos e culturas particulares.
Na contabilidade feita pela secretaria, são, no total, oito milhões de brasileiros que vivem em comunidades tradicionais.
A coordenadora de Pesquisa e Projetos de Povos e Comunidades Tradicionais da SCDC/Minc, Jô Brandão (foto abaixo), lembra que estas comunidades vivem em brigas constantes de direitos, mas que estes não podem ser confundidos com privilégios.
Grande exemplo disso é a questão dos territórios, que, para Jô Brandão, deve ser rediscutida de maneira abrangente e considerando diferentes peculiaridades.
“A lei de terras (Lei 601/1850) do Brasil, que é muito antiga e teve poucas reformas, estabelece o processo de titulação individual, com demarcação de lotes e de quantidade de hectares por família. Isso pode até servir para determinado campo como o de agricultura familiar, mas não serve para o quilombo, por exemplo.
Estas comunidades surgem de modo diferente. Existem 300 famílias e o título é apenas um, que demarca o território para a necessidade de sobrevivência deste grupo. A mesma coisa se passa com os indígenas, não tem como intitular um lote para cada família. As terras indígenas têm um espaço coletivo, no qual, várias famílias moram e produzem.
Se for intitular uma aldeia com o nome de cada pessoa, de cada família, isso vai virar um problema, além disso, o que nunca levam em consideração é a questão identitária. Não adianta tirar de suas terras de origem e colocá-las em outra com demarcações. Eles não sobreviveriam em um conceito individualista”, explica a coordenadora do SCDC/MinC.
Comunidades tradicionais e seus territórios
“Nós, que somos os ancestrais habitantes da Bacia do Xingu, que navegamos seu curso e seus afluentes para nos encontrarmos; que tiramos dele os peixes que nos alimentam; que dependemos da pureza de suas águas para beber sem temer doenças; que dependemos do regime de cheias e secas para praticar nossa agricultura, colher os produtos da floresta e que reverenciamos e celebramos sua beleza e generosidade a cada dia que nasce; nós temos nossa cultura, nossa espiritualidade e nossa sobrevivência profundamente enraizadas e dependentes de sua existência”.
A carta produzida no encontro Xingu Vivo para Sempre, realizado em Altamira (PA) em maio de 2008, mostra a dependência material e afetiva dessas comunidades com a terra.
A grande questão a ser discutida, como explica a coordenadora nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Isolete Vichinieski, é o reconhecimento dessas comunidades por parte do Estado como espaço diferenciado e sua devida proteção.
”As comunidades tradicionais têm uma relação diferente com a terra, com a questão da natureza e com a própria organização social. Esses espaços vão muito além do geográfico porque eles são também culturais. Não adianta levar essas pessoas para outra realidade.
Além disso, essas políticas compensatórias que acabam gastando muito mais recursos não resolvem porque são, na verdade, uma maquiagem do desenvolvimento, afinal, acabam gerando apenas dependência dessas comunidades que se autossustentavam, em vez de proporcionar uma melhor qualidade de vida às pessoas”, analisa.
O professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa, caracteriza esses impasses como empobrecimento da cultura local.
“O valor cultural dos povos originários é desconsiderado quando a lógica é do preço e do lucro na perspectiva dos patrocinadores desses grandes empreendimentos.
A desterritorialização da Aldeia Maracanã (foto) e de tantos outros espaços que vêm sofrendo as mesmas ameaças significa o empobrecimento da cidade.
Infelizmente, este não é um caso isolado, pois verificamos que tanto a lógica da Copa do Mundo e de outros megaempreendimentos é a mesma, uma visão de cidade empresa”, analisa Alexandre.
Para Jô Brandão, a questão territorial vai além da posse de terras porque é uma questão identitária e ressalta que essas comunidades têm como uma de suas características o modo de vida em coletividade.
Ela ressalta que o Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito aos territórios a esses povos e o respeito ao seu modo de vida.
“Não existe um indígena sozinho, em seu próprio espaço, ele faz parte de um contexto coletivo.
Da mesma forma são os quilombolas, as comunidades de terreiro, os ciganos e outros grupos que a gente reconhece e que se reconhecem como comunidades tradicionais por manter suas práticas culturais ancestrais.
Precisamos regulamentar a Convenção 169, da qual somos signatários há dez anos, para que eles possam de fato fazer valer seus direitos. No entanto, a mobilização tanto das comunidades, quanto da sociedade civil, já conquistou muita coisa nesses últimos anos, mas precisamos lutar mais e ter o direito garantido”, diz a coordenadora.
Casos emblemáticos
Um dos casos mais recentes de luta pelo território é o do antigo Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Instalado em um antigo casarão de 1862, o local hoje abriga a Aldeia Maracanã, na qual convivem hoje índios de diversas etnias como Puris, Botocudos, Tapajós, Guajajara, pataxós, tukanos, fulni-o e apurinãs, Potiguaras, Guarani, Kaingáng, Krikati, Pankararu, Xavante, Ashaninkas, entre outras.
O espaço fica nas proximidades do Estádio Mário Filho, o Maracanã – que está em reforma desde 2010 por conta das exigências da Fifa para abrigar jogos da Copa do Mundo a ser realizada em 2014.
A proposta do Governo do Estado é que o espaço cultural seja demolido para dar mais mobilidade ao empreendimento e que os indígenas que vivem no local sejam deslocados por meio de programas compensatórios como, por exemplo, o aluguel social.
A demolição do prédio pode ser decidida a qualquer momento pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). O Ministério Público da União já apresentou uma ação contrária à demolição e a Defensoria Pública da União, além de ter recorrido da decisão do TRF, acionou a Fifa, que se posicionou contrária à demolição por escrito, e também recorreu à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos para que o debate tome caráter internacional.
O defensor público federal Daniel Macedo (foto-E), um dos responsáveis pela ação, defende que o espaço habitado pelos indígenas é inegociável. Além disso, ele explica que as propostas já realizadas não levaram em consideração as particularidades dos grupos afetados.
“Para a reinserção desses índios, eles devem ser colocados em local congênere; deve haver um depósito público para a guarda dos bens, a Vara da Infância e Juventude deve ser comunicada por conta das crianças que vivem no local, entre outras coisas. Não dá simplesmente para entregar um aluguel social como forma compensatória”, explica.
O professor Alexandre Pessoa lembra também o caso dos pescadores artesanais da Baia de Guanabara e da Baia de Sepetiba, que vêm sofrendo por conta das construções do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e da Thyssen Krupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA). (veja entrevista com Alexandre Anderson da ONG AHOMAR concedida à EPSJV).
“Os pescadores artesanais, que trazem sua cultura de várias gerações e têm o cordão umbilical diretamente ligado com os ecossistemas também estão sofrendo violações de direitos humanos. Eles estão sendo expulsos dos seus territórios porque as baías estão perdendo a finalidade de ecossistemas e de bens comuns.
Dentre as suas reivindicações está o reconhecimento dessas comunidades como tradicionais, o direito à pesca e aos seus territórios, a exemplo do Movimento Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP)”, explica Alexandre.
E completa: “Eles vêm perdendo a sua fonte de renda por meio da pesca artesanal e de subsistência e, consequentemente, perdendo seu território, sua saúde e habitação. Isso significa que milhares de famílias têm saído de uma condição historicamente constituída. Precisamos fazer uma vigilância ao desenvolvimento”.
Jô Brandão explica que desde o Decreto 6040/07 as comunidades caiçaras e os pescadores artesanais já são consideradas comunidades tradicionais e também têm representantes na Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), que atua com apoio do Ministério do Desenvolvimento Social no fortalecimento social, econômico, cultural e ambiental dos povos e comunidades tradicionais.
“O caso dos caiçaras que vivem de pesca artesanal ainda é mais complicado porque esbarra também na questão ambiental, como é vivido pela comunidade da região da Jureia, em São Paulo, que se encontram agora em uma área de preservação ambiental.
Dependendo do formato e do modelo desta área de preservação, ela não permite a presença das pessoas no local, que é o caso de lá, e isso tem gerado muito conflito porque os caiçaras estão ficando desamparados”, lembra.
O caso do município de Alcântara, no Maranhão, onde vivem mais de 100 quilombos também é lembrado por Jô Brandão. Segundo ela, os quilombolas estão sofrendo ameaças pela segunda vez de serem expulsos de suas terras, por conta de obras de ampliação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), do Comando da Aeronáutica, mas por meio da luta e o amparo pela Convenção 169 impediu este novo deslocamento. A primeira vez foi na construção do CLA na década de 80, em que os quilombolas foram vítimas de deslocamentos compulsórios.
A construção da Hidrelétrica de Belo Monte, na barragem do Rio Xingu, no Pará, também é emblemático nessa questão.
Considerada a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, a construção além de ter sérios impactos ambientais (ver na matéria publicada no site da EPSJV), deve deslocar 14 diferentes povos indígenas, totalizando milhares de famílias, de suas terras originárias.
O estudo de viabilidade técnica vem sendo executado desde 1980, mas foi em 2009, momento em que foi apresentado o novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e logo após, no início de 2010, quando o Ministério de Meio Ambiente concedeu a licença ambiental prévia para sua construção, que os conflitos ficaram mais tensos.
Até agora grande parte das condicionantes propostas no estudo não foram cumpridas, no entanto, o projeto está sendo realizado.
“O Brasil vem caminhando na contramão da preservação de patrimônio histórico e cultural dessas comunidades que chegaram antes da gente. Em nome do capitalismo, do empreendedorismo, estão fulminando culturas como os índios e os quilombolas.
Infelizmente, vivemos um momento obscuro na manutenção desses povos indígenas e tantos outros povos.
O Brasil que vende a imagem de ter índios e negros está acabando com esses povos.
É inimaginável que por conta de um evento ou de uma construção estamos limando nossa história”, lamenta o defensor público federal.
Desenvolvimento x tradição?
O desafio se dá por conta da preservação das comunidades tradicionais e o meio em que vivem e o desenvolvimento do país, mas estes dois caminhos são conflitantes?
Para Jô Brandão (foto) a resposta é não, mas essa é a principal barreira a ser enfrentada.
“De um lado você tem uma legislação de amparo e reconhecimento, mas que ainda é falha, e de outro, você tem um projeto de desenvolvimento que não leva em consideração esses povos. A questão é conciliar a proposta de desenvolvimento com a preservação da vida. As comunidades que reivindicam seus direitos não são contrárias ao desenvolvimento”, analisa.
Isolete, da CPT, afirma que no Brasil atualmente existe um alto índice de conflito territorial e agrário em função de inúmeras propostas de infraestrutura que estão sendo desenvolvidas ou previstas em áreas que constam como territórios tradicionais.
“Quando se assume uma proposta de um modelo de desenvolvimento do país, tem que se pensar a partir das comunidades, das pessoas. Mas o que vemos hoje é diferente."
"O modelo de desenvolvimento atual é a partir do interesse de grandes corporações nacionais e internacionais, a partir de interesses econômicos”.
E ressalta: “Essas grandes obras estão sendo colocadas como uma saída econômica para o Brasil, assim como o projeto desenvolvimentista da década de 1970. A gente acaba repetindo o mesmo projeto que teve consequências negativas, como os inchaços das cidades e a precarização das relações de trabalho”.
O exemplo claro disso é a agroecologia, que hoje é a grande responsável por produzir alimentos consumidos no país”, destaca.
(*) Viviane Tavares é jornalista, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio /Fiocruz
Fonte:
http://www.ecodebate.com.br/2013/01/21/territorio-das-comunidades-tradicionais-uma-disputa-historica-por-viviane-tavares/
Nota:
A inserção de algumas imagens, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Quilombolas da Amazônia têm seus territórios ameaçados por projetos hidrelétricos e minerários
por Bianca Pyl.
O livro “Terras Quilombolas em Oriximiná: pressões e ameaças”, que acaba de ser lançado pela Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP), traz dados preocupantes que evidenciam os desafios enfrentados pelas 35 comunidades quilombolas do município paraense de Oriximiná, na região Amazônica, para proteger suas terras mesmo aquelas já tituladas.Os quilombolas em Oriximiná constituem uma população de cerca de 8.000 pessoas que se distribuem por 35 comunidades rurais em nove territórios étnicos nas margens dos Rios Trombetas, Erepecuru, Acapu e Cuminã. Quatro dos territórios já se encontram titulados e um quinto está parcialmente regularizado – a dimensão da área titulada em Oriximiná corresponde a 37% do total das terras quilombolas tituladas no Brasil.
O estudo inédito confirmou a contribuição das terras quilombolas na proteção das florestas. O estudo de imagens de satélite demonstrou que apenas 1% dos territórios quilombolas em Oriximiná encontra-se desmatado e que, de forma geral, o ritmo do desmatamento nas terras quilombolas está diminuindo.
Mas a pesquisa revela também que as terras quilombolas estão sob risco. Além do avanço de desmatamento na direção das áreas quilombolas foram identificados diversos fatores de risco, como a ação das empresas madeireiras; as iniciativas de concessão florestal pelo governo federal e estadual; e os projetos minerários e hidrelétricos, envolvendo empresas privadas e o governo federal, que pretendem explorar os recursos dos territórios destas comunidades, causando grande impacto em seus modos de vida.
Dentre as pressões identificadas pela pesquisa da CPI-SP chamam a atenção os interesses minerários: são 94 processos minerários incidentes nas terras quilombolas em Oriximiná, sendo que 10 deles são concessão de lavra em nome da Mineração Rio do Norte. Quatro dos territórios quilombolas têm mais de 70% de sua extensão sob interesses minerários em diversas etapas.
Na região de Oriximiná, na bacia do Rio Trombetas, o Ministério de Minas e Energia realiza estudos para a construção de 15 empreendimentos hidroelétricos: 13 deles contam com estudos de inventário; um com estudo de viabilidade e um com projeto básico. Segundo o “Plano Nacional de Energia 2030”, a área total a ser inundada por tais hidroelétricas soma 5.530 quilômetros quadrados abrangendo terras quilombolas, terras indígenas e unidades de conservação.
A publicação aponta ainda que o direito a consulta livre, prévia e informada — previstos na Convenção 169 — não tem sido respeitado na medida em que muitas decisões que afetam diretamente essas comunidades estão sendo tomadas sem que os quilombolas tenham acessam a informação completa e acessível, tenham a oportunidade de refletir internamente sobre as questões postas e de fato possam expressar sua opinião.
Com a divulgação do livro, a CPI-SP busca apoiar as comunidades quilombolas nas suas demandas por políticas públicas para a proteção e gestão dos territórios quilombolas antes e depois da titulação e pelo cumprimento do direito a consulta livre, prévia e informada.
Para ter acesso a publicação completa clique aqui.
Fonte: Site Envolverde
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sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
A contrarrevolução jurídica
por Boaventura de Sousa Santos*, publicado originalmente na Leitura Global
Está em curso uma contrarrevolução jurídica em vários países latino-americanos. É possível que o Brasil venha a ser um deles.
Entendo por contrarrevolução jurídica uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política, quase sempre a partir de novas Constituições.
Como o sistema judicial é reativo, é necessário que alguma entidade, individual ou coletiva, decida mobilizá-lo. E assim tem vindo a acontecer porque consideram, não sem razão, que o Poder Judiciário tende a ser conservador. Essa mobilização pressupõe a existência de um sistema judicial com perfil técnico-burocrático, capaz de zelar pela sua independência e aplicar a Justiça com alguma eficiência.
A contrarrevolução jurídica não abrange todo o sistema judicial, sendo contrariada, quando possível, por setores progressistas.
Não é um movimento concertado, muito menos uma conspiração. É um entendimento tácito entre elites político-econômicas e judiciais, criado a partir de decisões judiciais concretas, em que as primeiras entendem ler sinais de que as segundas as encorajam a ser mais ativas, sinais que, por sua vez, colocam os setores judiciais progressistas em posição defensiva.
Cobre um vasto leque de temas que têm em comum referirem-se a conflitos individuais diretamente vinculados a conflitos coletivos sobre distribuição de poder e de recursos na sociedade, sobre concepções de democracia e visões de país e de identidade nacional.
Exige uma efetiva convergência entre elites, e não é claro que esteja plenamente consolidada no Brasil. Há apenas sinais nalguns casos perturbadores, noutros que revelam que está tudo em aberto. Vejamos alguns.
Ações afirmativas no acesso à educação de negros e índios
Estão pendentes nos tribunais ações requerendo a anulação de políticas que visam garantir a educação superior a grupos sociais até agora dela excluídos.
Com o mesmo objetivo, está a ser pedida (nalguns casos, concedida) a anulação de turmas especiais para os filhos de assentados da reforma agrária (convênios entre universidades e Incra), de escolas itinerantes nos acampamentos do MST, de programas de educação indígena e de educação no campo.
Terras indígenas e quilombolas
A ratificação do território indígena da Raposa/Serra do Sol e a certificação dos territórios remanescentes de quilombos constituem atos políticos de justiça social e de justiça histórica de grande alcance. Inconformados, setores oligárquicos estão a conduzir, por meio dos seus braços políticos (DEM, bancada ruralista) uma vasta luta que inclui medidas legislativas e judiciais.
Quanto a estas últimas, podem ser citadas as “cautelas” para dificultar a ratificação de novas reservas e o pedido de súmula vinculante relativo aos “aldeamentos extintos”, ambos a ferir de morte as pretensões dos índios guarani, e uma ação proposta no STF que busca restringir drasticamente o conceito de quilombo.
Criminalização do MST
Considerado um dos movimentos sociais mais importantes do continente, o MST tem vindo a ser alvo de tentativas judiciais no sentido de criminalizar as suas atividades e mesmo de o dissolver com o argumento de ser uma organização terrorista.
E, ao anúncio de alteração dos índices de produtividade para fins de reforma agrária, que ainda são baseados em censo de 1975, seguiu-se a criação de CPI específica para investigar as fontes de financiamento.
A anistia dos torturadores na ditadura
Está pendente no STF arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela OAB requerendo que se interprete o artigo 1º da Lei da Anistia como inaplicável a crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar.
Essa questão tem diretamente a ver com o tipo de democracia que se pretende construir no Brasil: a decisão do STF pode dar a segurança de que a democracia é para defender a todo custo ou, pelo contrário, trivializar a tortura e execuções extrajudiciais que continuam a ser exercidas contra as populações pobres e também a atingir advogados populares e de movimentos sociais.
Há bons argumentos de direito ordinário, constitucional e internacional para bloquear a contrarrevolução jurídica. Mas os democratas brasileiros e os movimentos sociais também sabem que o cemitério judicial está juncado de bons argumentos.
*doutor em sociologia do direito e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Está em curso uma contrarrevolução jurídica em vários países latino-americanos. É possível que o Brasil venha a ser um deles.
Entendo por contrarrevolução jurídica uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política, quase sempre a partir de novas Constituições.
Como o sistema judicial é reativo, é necessário que alguma entidade, individual ou coletiva, decida mobilizá-lo. E assim tem vindo a acontecer porque consideram, não sem razão, que o Poder Judiciário tende a ser conservador. Essa mobilização pressupõe a existência de um sistema judicial com perfil técnico-burocrático, capaz de zelar pela sua independência e aplicar a Justiça com alguma eficiência.
A contrarrevolução jurídica não abrange todo o sistema judicial, sendo contrariada, quando possível, por setores progressistas.
Não é um movimento concertado, muito menos uma conspiração. É um entendimento tácito entre elites político-econômicas e judiciais, criado a partir de decisões judiciais concretas, em que as primeiras entendem ler sinais de que as segundas as encorajam a ser mais ativas, sinais que, por sua vez, colocam os setores judiciais progressistas em posição defensiva.
Cobre um vasto leque de temas que têm em comum referirem-se a conflitos individuais diretamente vinculados a conflitos coletivos sobre distribuição de poder e de recursos na sociedade, sobre concepções de democracia e visões de país e de identidade nacional.
Exige uma efetiva convergência entre elites, e não é claro que esteja plenamente consolidada no Brasil. Há apenas sinais nalguns casos perturbadores, noutros que revelam que está tudo em aberto. Vejamos alguns.
Ações afirmativas no acesso à educação de negros e índios
Estão pendentes nos tribunais ações requerendo a anulação de políticas que visam garantir a educação superior a grupos sociais até agora dela excluídos.
Com o mesmo objetivo, está a ser pedida (nalguns casos, concedida) a anulação de turmas especiais para os filhos de assentados da reforma agrária (convênios entre universidades e Incra), de escolas itinerantes nos acampamentos do MST, de programas de educação indígena e de educação no campo.
Terras indígenas e quilombolas
A ratificação do território indígena da Raposa/Serra do Sol e a certificação dos territórios remanescentes de quilombos constituem atos políticos de justiça social e de justiça histórica de grande alcance. Inconformados, setores oligárquicos estão a conduzir, por meio dos seus braços políticos (DEM, bancada ruralista) uma vasta luta que inclui medidas legislativas e judiciais.
Quanto a estas últimas, podem ser citadas as “cautelas” para dificultar a ratificação de novas reservas e o pedido de súmula vinculante relativo aos “aldeamentos extintos”, ambos a ferir de morte as pretensões dos índios guarani, e uma ação proposta no STF que busca restringir drasticamente o conceito de quilombo.
Criminalização do MST
Considerado um dos movimentos sociais mais importantes do continente, o MST tem vindo a ser alvo de tentativas judiciais no sentido de criminalizar as suas atividades e mesmo de o dissolver com o argumento de ser uma organização terrorista.
E, ao anúncio de alteração dos índices de produtividade para fins de reforma agrária, que ainda são baseados em censo de 1975, seguiu-se a criação de CPI específica para investigar as fontes de financiamento.
A anistia dos torturadores na ditadura
Está pendente no STF arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela OAB requerendo que se interprete o artigo 1º da Lei da Anistia como inaplicável a crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar.
Essa questão tem diretamente a ver com o tipo de democracia que se pretende construir no Brasil: a decisão do STF pode dar a segurança de que a democracia é para defender a todo custo ou, pelo contrário, trivializar a tortura e execuções extrajudiciais que continuam a ser exercidas contra as populações pobres e também a atingir advogados populares e de movimentos sociais.
Há bons argumentos de direito ordinário, constitucional e internacional para bloquear a contrarrevolução jurídica. Mas os democratas brasileiros e os movimentos sociais também sabem que o cemitério judicial está juncado de bons argumentos.
*doutor em sociologia do direito e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
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