segunda-feira, 17 de maio de 2010

Como se prepara uma conquista

Por Mauro Santayana

Desde que existem fronteiras, existem guerras. As guerras se fazem sobre as fronteiras, para que se abram aos invasores. Ao se abrirem, deslocam-se, em favor dos que vencem, cujo espaço se vê ampliado. Há as fronteiras físicas, eventualmente com suas fortalezas e seus obstáculos naturais, e há as fronteiras morais. O povo invadido não se defende apenas com as armas, por mais poderosas sejam; defendem-se com sua bravura, sua honra, seu sentimento de fraternidade.

É natural que os homens morram na defesa de suas ideias e de sua dignidade, mas para isso devem nelas acreditar como alguma coisa maior do que eles mesmos. Nenhuma outra ideia, nenhum outro compromisso, é maior do que a ideia de pátria, que aceita e amplia o sentimento de família. O homem que morre na defesa de sua pátria, morre na defesa de seus filhos e de todos os filhos, de todas as mulheres, de todos os anciões de seu povo.

Por isso, a defesa é mais poderosa do que o ataque – como temos visto em todas as guerras. A defesa se transforma em ataque, como ocorreu na Segunda Guerra Mundial. A resistência russa, nas portas de Moscou e na gesta desesperadora de Stalingrado, se converteu na cena orgulhosa do soldado que fixa a bandeira vermelha no alto do Reichstag, em Berlim.

As guerras não são fenômenos repentinos na História. Muitos estudiosos vão à mitológica Guerra de Troia, na versão de Homero, com seus paradigmas de astúcia, heroísmo, covardia e traições, para nela encontrar o exemplo clássico dessa patologia: todos os conflitos anteriores e todos os que se seguiram se explicam com a expedição de Agamenon, a astúcia de Ulysses, o inútil “corpo fechado” de Aquiles, com seu calcanhar vulnerável, a coragem de Ájax no confronto com Hector, a enigmática figura de Palamedes.

A guerra está presente em todas as comunidades humanas, seja na conquista ou na defesa. Um dia, se houver Deus, é possível que haja paz. Não tem havido paz. Assim, os agressores, mais do que pensar nas defesas físicas do presumido inimigo a ser conquistado, buscam atingir previamente sua armadura moral. Uma desmoralização fácil, e de que se valeram os nazistas, é a racial. Sendo diferente, o inimigo deve ser aniquilado: não faz parte da nossa espécie. Os mais velhos se lembram das histórias em quadrinhos americanas, nas quais os japoneses eram caricaturados como se fossem símios, e os alemães sempre obesos e embriagados. Para combatê-los, surgiu a nova mitologia dos super-homens, dos fantasmas-voadores, dos capitães-américa.

Depois de Avatar, de James Cameron, uma alegoria claramente identificada com a Amazônia, sua biodiversidade e seus minérios, a cineasta Kathryn Bigelow anuncia película a ser ambientada na Tríplice Fronteira. Alguns senhores, de curta inteligência ou de duvidoso patriotismo, saúdam a iniciativa, como promoção do turismo. Não percebem que se trata de abrir caminho a futura ocupação da área, anunciada durante o governo Bush, contra a soberania do Brasil, da Argentina e do Paraguai, a pretexto do “combate ao terrorismo”. Trata-se da construção de uma ideia da região, que nada tem a ver com a realidade, e da justificação subliminar para operações das Forças Armadas norte-americanas na área. Para isso, os ianques já construíram grande pista de pouso no Chaco paraguaio.

Os três governos atuam em conjunto para reforçar a vigilância nas fronteiras, contra o contrabando e o tráfico de drogas, além de outras formas do crime organizado. A eles cabe – e a ninguém mais – cuidar dos interesses comuns, na defesa da soberania de cada um de seus países e da paz para seus povos.

Os americanos se movem pela fé no Destino manifesto. Não se trata somente de política de Estado, mas de certa crença nacional, consolidada pelos meios de comunicação, a partir de Hearst e Pulitzer, e robustecida pela indústria cinematográfica, de que se imbuem cineastas como Cameron e Bigelow. Desde os gregos o entretenimento é instrumento de convencimento político. Temos todo o direito de recusar a entrada, em nossos países, dos que nos querem engambelar com a magia do cinema. Os colares de miçangas e os presentes de grego mudam de formato e de conteúdo, mas o propósito de conquista e domínio continua o mesmo.

A prostituição n(d)a imprensa

Por Emir Sader

Ocupa quase três páginas diárias no jornal, sob o título Relax, com mais de 200 anúncios de prostitutas se oferecendo, das formas mais diversas. Oferecem-se, desde uma “paraguaia com dificuldades econômicas” até brasileiras que anunciam seus dotes, passando por uma “agência de contatos (sic) necessita senhoritas”, explicitando: “Experimente conosco, notará a diferença. Inclui alojamento.”

A coluna é do jornal El País, o de maior circulação na Espanha, de orientação socialista neoliberal. O negócio do sexo e sua publicidade rendem 50 milhões de euros por dia, 18 bilhões de euros por ano. 90% das prostitutas envolvidas são estrangeiras, metade delas são sulamericanas, 13% menores de idade. 300 mil mulheres são exploradas sexualmente na Espanha. 40 milhões de euros são arrecadados por jornais como El Pais
O governo espanhol, através do seu Ministério da Igualdade, dirigido por uma mulher, Bibiana Aído, tenta, há três anos, encontrar as formas de proibir esse tipo de publicidade, sem sucesso. “...enquanto continuem existindo anúncios de contatos na imprensa séria se estaria contribuindo para a normalização da exploração sexual”, razão pela qual deveriam ser eliminadas, afirma ela, que considera que os anúncios de prostituição “são uma vergonha” e “atentam contra a dignidade da mulher”.

Mas o Ministério que ela dirige busca formas legais que permitam atuar contra essa cínica atividade comercial da imprensa considerada “séria”, que resiste, alegando a “liberdade de expressão” – neste caso, significativamente vinculada, de forma direta à prostituição. Apelou-se para a “auto regulação”, tão a gosto os dos donos das empresas de comunicação, tanto lá, como aqui. Dois jornais – Público, de esquerda, e La Razón, nacionalista – decidiram que não aceitariam esse tipo de publicidade, mas os outros jornais continuaram a publicar e auferir os correspondentes milhões de euros, que lhes ajudam a enfrentar a crise financeira que afeta a todas as empresas de comunicação. Eles demandam “compensação financeira” – como ocorreu na França, para deixar de promover a prostituição, incluído a infantil, revelando o tipo de caráter, de moral que orienta aos donos da mídia privada. Justamente quando o governo promove um drástico corte de recursos sociais, vêm os empresários privados da mídia pedir essa “compensação”. Até nisso e nessa hora, querem faturar o deles.

Às vezes imprensa privada e prostituição tem muito mais em comum do que simplesmente a mercantilizaçã o da informação e a venda dos espaços para as oligarquias políticas tradicionais.

sábado, 15 de maio de 2010

A ÚLTIMA CHANCE – A INTEGRAÇÃO LATINO AMERICANA

Por Laerte Braga

O Departamento de Estado do governo dos EUA – Ministério das Relações Exteriores – através de um dos seus porta-vozes, disse a jornalistas na quinta-feira que a visita do presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, ao Irã será a última chance do governo daquele país aceitar as regras impostas pelas grandes potências, Estados Unidos à frente, contra o seu programa nuclear.

É simples entender isso. O presidente Barack Obama não preside uma nação, ou uma federação de estados associados como pressupõe a constituição dos EUA. É uma espécie de gerente de um conglomerado que envolve grupos sionistas (judeus radicais, não haveria exagero algum dizer judeus/nazistas), empresários de setores estratégicos (armas e petróleo principalmente) e banqueiros.

O bi-partidarismo vigente nos EUA (existem mais de mil partidos regionais, de bairros, etc, mas dois com presença nacional, Democratas e Republicanos) não traz em si nenhuma contradição no que diz respeito à postura imperialista e terrorista desse conglomerado.

É só olhar, com o mínimo de atenção, o que aconteceu e acontece no Iraque, no Afeganistão, na Colômbia, como antes na Coréia, no Vietnã, na antiga Iugoslávia, ou antes ainda, na América Latina.

Nos Estados Unidos vivem 320 milhões de seres humanos. Tomando como referência uma família considerada padrão, quatro pessoas, temos 80 milhões de famílias na maior potência do mundo.

Um relatório do Departamento de Agricultura – Ministério da Agricultura – afirma que os números da fome nos EUA são maiores em 2009 que em 1985. Perto de 15% das famílias de cidadãos daquele país não têm acesso “a um abastecimento de comida adequado”. Isso significa que perto de 12 milhões de norte-americanos vivem em estado crônico de fome.

A população de Cuba é de 11 milhões de habitantes. Ninguém passa fome. Um documentário do cineasta Michael Moore mostra que, além disso, idosos e veteranos de guerra nos EUA, além de negros, latinos, asiáticos, não têm a menor assistência de saúde pública. Um dos planos do presidente Obama é diminuir esse número com um novo modelo de saúde pública. Mas, ainda assim, exclui imigrantes, mão de obra literalmente escrava.

Quando o furacão Katrina destruiu a cidade de New Orleans, importante centro cultural no país, o presidente George Bush – texano – levou 72 horas para tomar medidas de socorro e assistência às vítimas da tragédia. Em Cuba, a cidade de Holguin foi totalmente destruída pelo furacão, nenhuma casa ficou de pé e uma única morte foi registrada.

A mãe de Bush, Barbra Bush, esposa de um também ex-presidente, George Bush, chegou a declarar de forma debochada que as vítimas do Katrina em New Orleans estavam melhores nos acampamentos de emergência “pois aqui comem pelo menos três vezes por dia”.

É a síntese das elites que dirigem esse conglomerado e nem as mudanças no plano de saúde pública que Obama conseguiu aprovar no Congresso, atenuam ou mudam essa situação.

A rede de supermercados WAL-MART anunciou que vai doar dois bilhões de dólares contra a fome nos EUA. Um comunicado da empresa afirma que durante cinco anos a venda de quase 500 milhões de quilos de alimentos em suas lojas vai financiar um programa de distribuição de alimentos através da Sam’s Club, divisão de lojas especializadas em negócios atacadistas.
O anúncio foi feito por Eduardo Castro-Wright, vice-presidente da rede WAL-MART.

Uma única dessas guerras estúpidas e bárbaras calçadas em mentiras (como a das armas químicas e biológicas de Saddam Hussein), mas voltadas para o controle de petróleo, minerais estratégicos e interesses geopolíticos do império, seria o suficiente para que os doze milhões de norte-americanos saíssem da zona da miséria, da fome, por muito mais que os cinco anos do projeto da rede WAL-MART.

E é bem mais simples ainda entender isso. Nem Bush, nem Obama, nenhum deles, antes, o que está, ou os que virão, têm a menor preocupação com o problema. Não afeta aos “negócios”, pelo menos por enquanto.

A decisão do governo do Irã de ter acesso a tecnologia nuclear para fins pacíficos – nem importa que sejam para fins militares, Israel é o agressor na região e dispõe de armas nucleares fornecidas pelos EUA – transforma-se num risco não para norte-americanos, mas para o conglomerado que transformou a nação naquilo que o general – um general – Dwight Eisenhower chamou de “complexo industrial e militar”. Constatação que o escritor John dos Passos havia feito anos antes.

Ao colocar nas mãos do presidente do Brasil e sua viagem ao Irã uma pretensa negociação para que o governo de Ahmadinejad aceite as regras impostas pelos senhores do mundo, o governo de Obama, mais que isso, constrange o presidente Lula, pois não é esse o objetivo da visita de Lula.
Uma declaração feita pelo brasileiro frente à primeira-ministra da Alemanha, quando em visita àquele país e em resposta a uma declaração da senhora Merkel sobre o Irã (também tentando pressionar o Brasil) foi fulminante sobre o assunto – “para que se possa exigir que um país não tenha armas nucleares é preciso não ter armas nucleares, ter moral para isso” – .

Os Estados Unidos por sua história de potência intervencionista, imperialista, por sua postura diante do genocídio perpetrado pelo governo sionista de Israel contra o povo palestino, suas políticas golpistas e terroristas contra governos independentes, por tudo o que representa como império de um dos mais estúpidos modelos políticos e econômicos da história da humanidade, não tem moral, vale dizer fundamentos na verdade, para tentar sanções contra o Irã ou qualquer país livre do mundo (livre do jugo de Washington).

O campo de concentração de Guantánamo, as prisões secretas agora reveladas pela imprensa norte-americana (inclusive porta-aviões usados como tal), os assassinatos de líderes oposicionistas em outros países (um líder do Hamas em Dubai por agentes israelenses com passaportes falsos e confeccionados na Grã Bretanha), os seqüestros, as mortes de contingentes e contingentes de civis nas guerras que travam, toda a sorte de terrorismo travestido de defesa da liberdade e da democracia, é farsa, encobre o mais violento e brutal império – pelo poder brutal de destruição que querem manter exclusivo – de toda a trajetória da humanidade.

Nós, os povos latino-americanos, somos um alvo preferencial dos EUA. Países da América Central e da América do Sul têm importância capital para os negócios do conglomerado. O general Colin Powell, quando das articulações com o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso para a ALCA –ASSOCIAÇÃO DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – chamou essa parte do mundo de “mercado de um trilhão de dólares”.

Negócios, só negócios. Seres humanos nesse jogo são meros adereços.
As grandes potências da Europa hesitam no ventre da Comunidade Européia em assumir as responsabilidades por países que vivem crises econômicas decorrentes do modelo neoliberal. A perspectiva é que além da Grécia, Portugal, Espanha e Itália venham a necessitar de socorro para evitar a débacle, ao mesmo tempo em que a Bélgica, dissolvida entre duas forças populacionais – flamencos (língua holandesa) e valões (língua francesa), se desintegra como nação (é a sede da Comunidade Européia).

EUA (que inclui México e Canadá como sub-nações) e Comunidade Européia (sustentando Alemanha, Grã Bretanha e França) sobrevivem falidos na exploração de países asiáticos, latino-americanos, africanos, em políticas e guerras de terra arrasada.

São potências, maiores ou menores, que buscam pela força, pela aliança econômica e principalmente militar, manter o mundo de joelhos, submisso aos seus interesses.

O Brasil tem um papel muito maior do que se possa imaginar nesse contexto. E a sobrevivência do nosso Pais como nação soberana, independente, não depende de um porta-voz determinar (a mando de superiores evidente) que Lula seria como que um preposto a dar um ultimato ao Irã.

Não importa nem que nossos militares pensem como norte-americanos, sujeitem-se a norte-americanos (num acordo militar ultrajante para o Brasil e os brasileiros).

Ou que José Collor Arruda Serra tenha tentado privatizar a PETROBRAS em manobra de anos atrás. E o que pretende fazer agora se eleito. Importa que a integração latino-americana, por conta de nossas histórias, nossos caminhos, nossos ideais, nossos sentimentos de liberdade, seja um fato concreto e efetivo nos próximos anos, sob pena de como o México e o Canadá, ou o Paquistão, ou a Colômbia, virarmos sub-nações, protetorados das grandes potências.

A história conta que a Inconfidência Mineira se deu como conseqüência dos altos impostos, o quinto, cobrado pela coroa portuguesa. Foi uma reação de elites, mas um movimento de independência.

Não é diferente hoje. É o quinto é do passado. EUA querem o Brasil inteiro e o Brasil é chave na América Latina.

Como? Apostam tudo em militares comandados por controle remoto a partir de Washington, elites econômicas podres e apátridas (FIESP/DASLU/CNA, etc), no latifúndio do transgênico nosso de cada dia e materializam essa aposta em José Collor Arruda Serra, funcionário da Fundação Ford, braço do império.

Eleições não vão nos levar ao paraíso. Eleições são instrumentos para conquistas efetivas de um povo, dentre elas maior participação popular no processo de decisões e isso implica em consciência da realidade.
Vivemos a escravidão da mídia controlada pelos EUA. O espetáculo da desintegração do ser humano.

A questão é de sobrevivência e um retrocesso com Arruda Serra vai nos colocar no tempo das diligências.

A própria questão nuclear. Se não houver um desarmamento de países imperialistas e detentores do poder de destruição total, não há porque, a despeito dos nossos militares em sua maioria prestarem continência à bandeira dos EUA, não buscarmos a nossa bomba atômica.

Ou somos uma nação e continuamos a ser, ou seremos de novo colônia.
Se isso acontecer, a eleição de José Collor Arruda Serra, breve nova corte com nova d. Maria a Louca, ou outra Carlota Joaquina passeando por jardins e terras nacionais enquanto carregamos liteiras para sustentar impérios.
Yes, we cant foi o slogan de Obama. “Sim nós podemos mais” é a adaptação de Arruda Serra.

Lula não vai dar a última chance ao Irã e nem pode sob pena de trair seus próprios princípios, ao que tem dito sobre o assunto. E a integração latino-americana tem que ser a nossa resposta a um império onde 12 milhões de pessoas não têm o que comer. Mas é capaz de destruir o mundo duzentas vezes se preciso for.

Ou comprar a mídia podre (GLOBO, VEJA, FOLHA DE SÃO PAULO, etc), partidos inteiros (PSDB, DEM, PPS, etc) e se fartar em elites corruptas, venais, sintetizadas na ostentação FIESP/DASLU.
É uma questão de sobrevivência.

A Europa está implodindo?

Por Immanuel Wallerstein

A Europa teve os seus opositores desde o início da longa senda para a unificação. Houve muitos que a acharam impossível. E houve muitos que a consideraram indesejável. Ainda assim, temos de dizer que, no longo e sinuoso caminho que seguiu desde 1945, o projeto de unificação europeia teve um notável sucesso. Afinal, a Europa fora dilacerada por conflitos nacionalistas durante pelo menos 500 anos, conflitos que culminaram na horrenda Segunda Guerra Mundial. E a vingança parecia ser o sentimento dominante. Em 2010, o que hoje se chama União Europeia (UE) alberga uma moeda única, o euro, usada em 16 países. Tem também uma zona de 25 membros, chamada Schengen, que permite uma forma de livre circulação, sem vistos. Tem uma burocracia central, um tribunal de direitos humanos, e está a caminho de ter um presidente e um ministro de Negócios Estrangeiros.

Não se deveria exagerar a força destas estruturas, mas não se deveria também subestimar até que ponto tudo isto representou, para o bem ou para o mal, a superação da resistência nacionalista por toda a Europa, especialmente em alguns dos estados mais fortes. Contudo, também acontece que neste momento, em certos aspectos importantes, a Europa parece estar a implodir. As palavras-chave desta implosão são "Grécia" e "Bélgica".

A Grécia, como todo o mundo sabe, está a atravessar uma crise severa da sua dívida soberana. A Moody declarou que os títulos gregos estatais são lixo (junk bonds). O primeiro-ministro George Papandreou disse, muito relutantemente, que teria provavelmente de virar-se para o Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter um empréstimo, um empréstimo que implica as habituais condições que exigem formas específicas de reestruturação neoliberal. Esta ideia é muito impopular na Grécia - um ataque à soberania grega, ao orgulho grego, e especialmente aos bolsos gregos. Também foi acolhida com desânimo em muitos estados europeus, que consideram que a ajuda à Grécia deveria provir, em primeiro lugar, dos outros membros da UE.

A explicação deste cenário é bastante simples. A Grécia tem um grande défice orçamental. Como o país é parte da zona euro, não pode desvalorizar a moeda para aliviar o problema. Por isso, precisa de ajuda financeira. O país maior e mais rico da Europa, a Alemanha, tem sido muito relutante, para não dizer pior, a dar essa ajuda. O povo alemão opõe-se fortemente a ajudar a Grécia, basicamente por um reflexo proteccionista num momento de tensão europeia. Temem também que a Grécia seja o primeiro de uma fila de outros (Portugal, Espanha, Irlanda, e Itália) que façam pedidos semelhantes se a Grécia obtiver essa ajuda.

O povo alemão parece desejar que todos os problemas desapareçam, ou pelo menos que a Grécia de alguma forma seja expulsa da zona euro. Para além do fato de isto ser legalmente impossível, o país que mais sofreria as consequências disto, a seguir à Grécia, seria certamente a Alemanha, cuja riqueza econômica é amplamente baseada no forte mercado exportador que possui no interior da zona euro. Assim, de momento, parecemos estar num impasse. E os abutres do mercado estão a pairar sobre os países da zona euro que estão em dificuldades com a sua dívida soberana.

No meio disto, a agora perene crise belga voltou a manifestar-se de forma particularmente aguda. A Bélgica, como país, chegou à existência como resultado de políticas pan-europeias. O colapso do império Habsburgo de Carlos V resultou na partição dos chamados Países Baixos da Borgonha nas Províncias Unidas no Norte e nos Países Baixos Austríacos no Sul. As Guerras Napoleónicas levaram a que as duas partes se unissem de novo no restaurado Reino dos Países Baixos. E os conflitos europeus de 1830 levaram mais uma vez à divisão das duas partes, com a criação da Bélgica, mais ou menos no que outrora tinham sido os Países Baixos Austríacos, com um rei importado de fora.

A Bélgica sempre foi um composto de "Flamengos" de fala holandesa e de "Valões" de língua francesa, em grande parte, mas imperfeitamente localizados em dois diferentes sectores geográficos (o norte e o sul da Bélgica). Há também uma pequena zona de fala alemã.
Até 1945, os valões eram os mais ricos e educados, e controlavam as principais instituições do país. O nacionalismo flamengo nasceu como a voz dos desfavorecidos lutando pelos seus direitos políticos, econômicos e linguísticos. Depois de 1945, a economia belga sofreu uma mudança estrutural. As áreas dos valões perderam e as áreas flamengas ganharam força. A política belga, em consequência, tornou-se uma luta infindável dos flamengos para obter mais direitos políticos - devolução de poderes, com muitos tendo o objetivo final de dissolver a Bélgica em dois países.
Pouco a pouco, os flamengos foram obtendo mais e mais. Hoje, a Bélgica, como país, tem uma monarquia comum, um ministro dos negócios estrangeiros comum, e muito pouco mais. A questão problemática neste acordo é que a Bélgica é hoje um estado confederal, com três, não duas, regiões - Flandres, Valónia, e Bruxelas (a capital).

Bruxelas não é só a capital da Bélgica. É a capital da Europa, a sede da Comissão Europeia. Bruxelas é também uma cidade muito bilingue. E os flamengos insistem em torná-la menos. O problema é que, mesmo que houvesse um acordo para a dissolução da Bélgica, não haveria uma forma fácil de chegar a acordo sobre o destino de Bruxelas.

A última negociação foi tão intratável que o Le Soir, o principal jornal de língua francesa, proclamou que "A Bélgica morreu em 22 de Abril de 2010". O principal editorialista perguntou: "Este país ainda faz sentido?" De momento, o rei está a tentar, talvez em vão, recriar o governo. Pode ser forçado a convocar novas eleições, sem muitas esperanças de que estas produzam um parlamento realmente diferente. Em 1 de Julho, a Bélgica assume a presidência rotativa, de seis meses, da UE, e não é certo que haja um primeiro-ministro belga que a presida.

O problema grego é o problema da propagação. Não haverá uma réplica das dificuldades - será que isso não está já a acontecer - noutros países da Europa? Será que o euro pode sobreviver? O problema belga apresenta contudo, um ainda maior problema de propagação. Se a Bélgica se divide, e ambas as partes serão então membros da UE, não haverá outros estados a pensar em dividir-se? Afinal, existem importantes movimentos secessionistas ou quase secessionistas em muitos países da UE. A crise belga pode facilmente tornar-se a crise da Europa.

Das duas ameaças de implosão, aquela simbolizada pela Grécia é a mais fácil de resolver. Basicamente, é necessário que a Alemanha compreenda que as suas necessidades são melhor preenchidas pelo proteccionismo europeu que pelo protecionismo alemão.

A crise belga coloca uma questão muito mais fundamental. Se a Europa estivesse disposta, imediatamente, a avançar para um verdadeiro estado federal, poderia acomodar a explosão de qualquer dos seus estados existentes. Mas, até agora, não se mostrou disposta a isso. E as dificuldades econômicas mundiais colectivas reforçaram em muito os estreitos elementos nacionalistas em virtualmente cada país europeu, como demonstraram todas as recentes eleições. Sem uma forte federação europeia, seria extremamente difícil que a Europa sobrevivesse a uma corrente de divisões. No meio da destruição política, a Europa poderia ir pelo cano abaixo.

Há uma certa Schadenfreude (alegria mordaz) entre os políticos americanos acerca das dificuldades europeias. Porém, o que pode salvar a Europa da implosão é precisamente a sempre crescente ameaça de implosão dos Estados Unidos. A Europa e os Estados Unidos estão numa gangorra, na qual enquanto um sobe, o outro desce. Que resultado isto vai ter nos próximos dois a cinco anos é tudo menos claro.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

"A qualidade da TV brasileira é muito baixa"

JUCA FERREIRA O ministro da Cultura fala com exclusividade a Caros Amigos

Por Lúcia Rodrigues

Ex-presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas, ex-militante do MR-8 no tempo da luta armada contra a ditadura militar, o atual ministro da Cultura, João Luiz Silva Ferreira, mais conhecido como Juca Ferreira, baiano de Salvador, chegou ao ministério pelas mãos de seu amigo Gilberto Gil. Assumiu o cargo com a saída do ex-ministro e tem dado continuidade ao trabalho de valorizar as manifestações culturais criadas pela comunidade, respeitando a diversidade dos mais diferentes pontos do território nacional.

Os Pontos de Cultura cadastrados pelo ministério animam cerca de quatro mil grupos de produção cultural. Nesta entrevista exclusiva para Caros Amigos, Juca Ferreira fala da atuação do ministério, das atividades culturais e dos meios de comunicação. Ele considera a televisão um "meio incrível", e admite que "a qualidade da TV brasileira é muito baixa".

Caros Amigos - Fale sobre a sua trajetória de vida e política. Como foi a chegada até o ministério da Cultura?
Juca Ferreira - Sou filho de uma família de classe media baiana. Meu pai era engenheiro construtor de estradas e minha mãe professora. A gente acompanhava meu pai, e ia morando onde a estrada ia abrindo e a estrada ia atrás. A partir de uma certa idade a gente era internado. Morei no interior da Bahia, do Sergipe, de Alagoas, Espírito Santo e depois fui interno no Rio de Janeiro. Estudei dos oito aos dez anos no Rio de Janeiro.

Caros Amigos - Por que interno?
Juca Ferreira - Porque minha família estava no interior construindo estrada e minha mãe era professora. Éramos cinco e todos passaram pela experiência do internato. Aí, depois como a perspectiva era sempre voltar para Salvador, voltei para lá, fiz exame de admissão para o colégio militar, estudei sete anos no colégio militar. Fiz curso de formação de reservista e fui para o colégio central público para fazer política estudar para arquitetura. Em 67, estava no movimento estudantil, quando houve as grandes movimentações estudantis secundaristas na Bahia. Eram manifestações de manhã, de tarde e de noite, e eu acabei virando líder estudantil. Em 68, ao invés de eu ir fazer vestibular eu fui para a escola técnica, liderei uma greve, abri o grêmio, e no dia do Ato 5 eu fui eleito presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas.

Caros Amigos - O senhor fazia política estudantil já no movimento secundarista?
Juca Ferreira -
Sim, em 68 eu tinha 18 anos.

Caros Amigos - E qual a sua formação superior?
Juca Ferreira - No dia do Ato 5, além de eu ser eleito presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, eu fui expulso da escola técnica. Aí eu fiz vestibular e passei para História, estudei dois anos, na Universidade Federal da Bahia. E aí eu já estava organizado na resistência clandestina.

Caros Amigos - O senhor participava de qual organização?
Juca Ferreira - No final de 67 eu entrei para o Partido Comunista, em 68 eu saí com a Dissidência da Bahia e depois juntamos com o Rio de Janeiro e virou o MR-8.

Caros Amigos - O senhor participou da luta armada ou ficou só na resistência?
Juca Ferreira - Eu participei depois. Fui preso, fiquei três meses e meio preso, fui solto e eles queriam me pegar de novo. Fui para o Rio, onde já estava mais barra pesada, com aqueles cartazes todos de 'procura-se' e depois em 71 eu fui para o exílio.

Caros Amigos - O senhor foi torturado?
Juca Ferreira - A rigor fui torturado, mas diante das torturas não fui. Tomei uns 'cachações', fiquei dois dias sem comer, soltaram um cachorro na minha cela....

Caros Amigos - Foi para o pau de arara?
Juca Ferreira - Não, eles estavam atrás de uma outra turma. Além do mais, o cara que comandava a tortura na Bahia tinha sido professor no colégio militar, e acho que isso ajudou a livrar a barra. Ele não era o torturador, era o que dirigia a repressão. A primeira ação política que eu fiz foi em 64, quando queimaram uma porção de livros. E aí a gente criou um grupo de leitura e íamos repondo os livros na biblioteca. No grupo de leitura tinha o filho do comandante do maior quartel do nordeste. Eu li Caio Prado, Nelson Werneck Sodré. Minha família era de esquerda, meus irmãos também, os mais velhos.

Caros Amigos - E a vida no exílio foi a partir de 71?
Juca Ferreira - Eu fui para o Chile, pois comecei a defender a saída da luta armada porque estava fadada ao fracasso, ao isolamento. Já tinha morrido muita gente e sentíamos o cerco. Acabei secretário político do MR-8 e organizando a saída das pessoas. Eu ficando por último, mas fomos tirando todo mundo que estava em cartaz. Chegou minha vez de sair. Peguei o golpe de Pinochet. Morei um ano no Chile.

Caros Amigos - Como foi enfrentar um golpe de Estado no estrangeiro?
Juca Ferreira - A insegurança era imensa, não só por ser exilado, mas no meu bairro a polícia matou muito jovem da juventude comunista, socialista, e eu fui salvo pelo vizinho. Nós morávamos numa 'poblacion', uma favela de lá, e éramos cinco, dois casais e um solteiro. Nossa casa era visitada por todos os meninos da favela, mas quando houve o golpe, a mãe de um deles disse 'vocês tem que sair daqui'. Aí encontramos o escritório das Nações Unidas. Fomos parar no primeiro refúgio das Nações Unidas. Não tinha bandeira das Nações Unidas lá e de vez em quando o Pinochet entrava lá. Um dia a mulher mais bonita do refúgio, uma peruana, me disse "não sou peruana, sou cubana e Pinochet já sabe que eu estou aqui'. Ela disse que sabia quem eu era, sabia tudo. Aí eu liguei para o inglês que falou com o embaixador da Suécia, que estava cuidando dos negócios cubanos, um nobre socialista. Ele pegou a cubana e perguntou se ela queria ir para a Suécia, e aí fizemos um grupo de pessoas que foi todo para a Suécia.

Caros Amigos - Seu exílio todo foi na Suécia?
Juca Ferreira - Sete anos na Suécia e quando eu vi que ia sair a anistia, fui para a França terminar meu curso universitário. Na Suécia eu estudei português, eu ia ser professor de português e cultura brasileira na Suécia. Na França, terminei meu curso num departamento da Sorbonne onde Fernando Henrique era professor, Bresser Pereira, Alain Touraine.

Caros Amigos - Da luta armada, da resistência à ditadura militar ao ministério da Cultura, como foi essa trajetória?
Juca Ferreira - Na Suécia eu fui trabalhador braçal, auxiliar de cozinha de um hospital, pelava as batatas, lavava os pratos. Depois eu fui auxiliar de trânsito, estivador, baby sitter, depois eu trabalhei no maior jornal da Suécia.

Caros Amigos - Como jornalista?
Juca Ferreira - Não, como faxineiro. Tomei curso de passar sinteco e foi legal para mim porque aqui no Brasil a classe média só quer saber do pescoço para cima, e lá eu fui trabalhador braçal, só queriam saber do pescoço para baixo. Foi quando eu tive a oportunidade de juntar as duas coisas. Foi positivo para mim. Eu vivi lá, estava havendo uma mudança cultural grande, os punks aparecendo.

Caros Amigos - Na Suécia o senhor tinha contato com o Gabeira?
Juca Ferreira - Tinha sim, eu já tinha antes da clandestinidade, a gente se encontrou no Chile e na Suécia. Ele é meu amigo. Hoje a gente está pensando um pouco diferente nesse momento, mas é uma pessoa que eu gosto, que eu convivi muito, é uma pessoa inteligente. Outro dia ele disse que a minha divergência com o PV era para manter o 'empreguinho' , e eu achei deselegante da parte dele. As paixões políticas passam por essas coisas...

Caros Amigos - O senhor suspendeu a sua filiação ao PV?
Juca Ferreira - Sim, por um ano. Eu acho que o PV está ficando careta, abandonando o seu programa. Ele surgiu no Brasil com uma coragem imensa de colocar questões comportamentais na política, defendendo com muita ousadia uma política de drogas para a redução de danos, defendendo os direitos dos homossexuais. E agora está todo mundo meio aderindo a um comportamento tradicional de se apresentar como ursinho de pelúcia da política brasileira, todos fofinhos, sem arestas, sem levantar nenhuma questão polêmica. Estão caretas, com uma escoliose para a direita, só querem alianças com o DEM. No Rio, o Gabeira está fazendo altos elogios e só quer aliança com o DEM, César Maia. Em São Paulo, há muito tempo tem alianças com DEM e PSDB e assim já em muitos Estados convivendo com o fisiologismo tradicional da política brasileira.

Caros Amigos - Como o ministério está atuando na sua gestão para preservar a cultura brasileira?
Juca Ferreira - A cultura brasileira não precisa de uma política de preservação nesse sentido. Claro que há uma política de patrimômio, que é uma política de preservação em última instância, mas a estratégia é de desenvolvimento cultural. Eu penso mais em expansão e desenvolvimento do que proteção. A nossa cultura é de boa cepa e tem condições de se desenvolver nesse ambiente de contato e signos e conteúdos vindos de outros países. Acredito que se criarmos igualdade de condições a cultura brasileira se desenvolve.

Caros Amigos - Como o senhor define a TV brasileira hoje?
Juca Ferreira - A gente incorporou a TV como parte da política cultural. Não só a TV pública como a TV privada também. A convergência digital, dos diversos suportes e mídias tem permitido que a gente pense para além da produção do cinema, que a gente pense a produção do audiovisual. Esses conteúdos migram de uma tela para outra, então é do nosso interesse, é talvez o meio mais popular, um dos mais importantes. Mas a qualidade da televisão brasileira é muito baixa. A nossa tradição é mais da TV de entretenimento, e não satisfaz as necessidades da população. Então é preciso contribuir para a elevação do padrão, seja através da TV pública seja através de estimular que as TVs privadas avancem sua programação, sua grade para coisas mais qualificadas.

Caros Amigos - Além do entretenimento, que o senhor ressalta, a gente observa o emburrecimento, o Big Brother é um programa que...
Juca Ferreira - É, mas o mundo inteiro gosta. A humanidade tem vínculos com esse tipo de produção. É um voyeurismo. A banalidade exerce um fascínio enorme sobre as pessoas.

Caros Amigos - O senhor acha que é uma coisa a ficar, ou dá para reverter e entregar para a população um produto de qualidade?
Juca Ferreira - É, mas eu sou a favor da liberdade de escolha por parte da população. Quem quer ver Big Brother que veja. Eu sou uma pessoa que gosta do meio televisão. Às vezes eu assisto coisas absolutamente banais, mas assisto me distanciando, como acredito que a maioria das pessoas faz. Ali é um pretexto para uma série de observações. Eu gosto desses programas de auditório. Se você me perguntar, eu diria que o padrão é baixo, mas tem alguma coisa que me interessa ali. Desde Chacrinha eu gostava.

Caros Amigos - O senhor assiste Silvio Santos, Faustão?
Juca Ferreira - Eu zapeio muito, mas assisto, sim. Vejo Ratinho, tenho curiosidade. Acho a TV um meio incrível.

Caros Amigos - Mas o senhor não acha que são programas de baixa qualidade de conteúdo, que contribuem para um conservadorismo, como o caso do programa do Ratinho, que achincalhava as pessoas?
Juca Ferreira - Achicalhando as pessoas, usando as aberrações.. É verdade isso. Mas os circos medievais faziam isso. A humanidade tem uma atração.

Caros Amigos - O senhor considera que a produção regional ainda está muito aquém do que poderia ser? O eixo Rio São Paulo concentra o maior número de emissoras A regionalização do conteúdo da comunicação não é uma saída?
Juca Ferreira - Nenhum país democrático do mundo permite que os radiodifusores transmitam em cadeia nacional o tempo todo. A Suécia é um pouco maior do que Sergipe, tem três regiões culturais, e na época que eu morava lá se não me engano só podia transmitir em rede nacional 25% do total do tempo. O resto tinha que regionalizar para dar emprego, para permitir que a cultura nacional aparecesse. Isso num país de dimensões continentais como o Brasil é um absurdo funcionar o tempo inteiro em rede nacional. Nos Estados Unidos também tem limites, na Europa toda, aqui é que o regime militar achava que tinha que uniformizar culturalmente. Havia uma desconfiança com a diversidade cultural brasileira, que ela pudesse produzir uma dispersão, uma fragmentação do país, por isso que ela incentivou essa homogeneização.

Caros Amigos - E o que se pode fazer para conseguir avançar nesse sentido, se produzir mais regionalmente?
Juca Ferreira - Acho que a regulação tem que avançar. O PL 29 que está tramitando vai regulamentar a TV a cabo, vai obrigar o percentual de produção brasileira, vai obrigar a produção independente. O Minc tem entrado aos poucos, mas cada vez mais como um fator de estímulo à melhoria tanto na regulamentação, como na área de estímulo à produção.

Caros Amigos - Tem um outro problema que é o conteúdo que vem de fora. Mesmo nas TVs a cabo, acontece um bombardeamento de programas e filmes que vem de fora. Como fazer para reverter essa situação?
Juca Ferreira - Tem que ter percentuais mínimos para conteúdos brasileiros. Isso eu defendo, é necessário. O cinema brasileiro é quase estrangeiro nas salas de exibição e isso tem que mudar, tem que avançar. A gente faz o filme para quem vê, e se nas salas de exibição brasileira o cinema americano é soberano e na televisão também. A gente tem que ter um pouco de soberania no audiovisual brasileiro.

Caros Amigos - Como daria para fazer incentivo ao cinema nacional?
Juca Ferreira - Uma parte a gente já tratou, que é abrir as salas de exibição para o conteúdo nacional. Temos que ter percentuais garantidos, de que quando um filme brasileiro esteja com um nível de público acima da média, o exibidor não tire para passar um filme estrangeiro, que muitas vezes tem um público menor do que aquele filme. Volta e meia acontece isso. O filme do Daniel Filho "Se eu fosse você" saiu antes de realizar sua missão comercial. O "Besouro" também estava acima da média de público quando foi tirado. Isso é um crime contra o cinema brasileiro. Os filmes que substituem essas produções brasileiras compram pacotes, é dumping, é proibido pela legislação brasileira. A gente percebe que tem muito enlatado de péssima qualidade que vem para cá e fica aí... Se fosse de péssima qualidade mas alta aceitação de público é um fato. Mas se é de péssima qualidade, baixo público e menor que o público brasileiro. Isso é o máximo do escândalo.

Caros Amigos - Mas o senhor não considera por exemplo, que tem uma aceitação do público porque é aquilo que é oferecido. Se você começa a oferecer um filme de qualidade nacional essa aceitação vem naturalmente?
Juca Ferreira - Historicamente, o público do cinema brasileiro são as classes C, D e E. Com esse encolhimento dessa rede de exibição, o cinema brasileiro ficou sem seu público. Nas salas de shopping center que tem como seu público principal a classe média, a disputa é braba porque há um deslumbramento pelo cinema americano. Há toda uma indústria por detrás que promove esses filmes. Então, pelo nosso lado temos que aumentar o interesse aumentando a qualidade do cinema brasileiro, fazendo filmes que conquistem o público. Tem um problema de produção também. A gente saiu de pouco mais de 20 filmes ao ano, quando entramos no ministério, e estamos com quase cem filmes ano. Mas muitos desses filmes nem contribuem para o desenvolvimento da linguagem e nem para o aumento de público, que seriam os dois grandes critérios. O que o Ministério da Cultura pode fazer? Aumentar o padrão dos roteiristas, desenvolver linguagens cativantes e atraentes para um número cada vez maior de público. O papel do ministério é estimular isso, criar critérios na disponibilizaçã o dos recursos que levem à melhoria do padrão da linguagem e para a conquista de parcelas do público.

Caros Amigos - E a Embrafilme não seria uma saída para isso?

Juca Ferreira - A gente está disponibilizando mais dinheiro que a Embrafilme. É mais complexo do que a Embrafilme. Precisamos recuperar o cinema popular no Brasil. Está começando aí. Tem vários filmes que tem bombado. Temos que aumentar a cota de filmes que tem capacidade de bombar e por outro lado financiar os filmes que mesmo com pouco público contribuam para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica. Existe o problema da distribuição. Precisamos estimular a distribuição brasileira para que possa atuar também no exterior. O ministério tem investido nisso, em apoiar a venda do cinema brasileiro e dos conteúdos audiovisuais brasileiros no exterior. É um processo mais global. Uma distribuidora estatal poderia contribuir assim como o crescimento das distribuidoras privadas. Eu não me fixaria como única alternativa uma distribuidora pública.

Caros Amigos - Quanto que o ministério investe de recursos em cinema nacional?
Juca Ferreira - Eu não lembro, mas é mais do que da época da Embrafilme. Quando chegamos ao ministério, os recursos orçamentários eram em média 280 e poucos milhões, correspondiam a 0,2 do total do orçamento do governo federal. Passamos esse ano de 2010 de 1% que é o mínimo recomendado pelas Nações Unidas, que corresponde a 2,5 bilhões. Além disso, quando chegamos, a renúncia fiscal era menos de 300 milhões, e agora está em 1 bilhão e meio. E estamos avançando nas regras de disponibilização de recursos. Criamos o fundo setorial do audiovisual, estamos lançando linhas de financiamento junto com o BNDES para financiar a ampliação das salas de exibição, estamos lançando o Vale Cultura, que vai injetar 7 bilhões da economia da cultura. São várias ações convergindo no Estado apoiar e incentivar o crescimento da arte e da cultura no país.

Caros Amigos - Como funciona o Vale Cultura?
Juca Ferreira - É muito parecido com o Vale Refeição, mas um é para alimentar o estômago e outro para alimentar o espírito. É um cartão magnético que é disponibilizado para o trabalhador com um valor nominal de 50 reais para ele comprar livro, comprar CD, assistir espetáculo de dança, de música, para consumo cultural. Percebemos que não adiantava estimular a produção se o índice de acesso é muito pequeno. O Vale Cultura vai produzir efeitos colaterais muito positivos. Como o controle do uso vai ser muito grande. Vai estimular o consumo do CD legal. Vai estimular abertura de negócios culturais perto de onde os trabalhadores moram. É uma novidade que está sendo estudada até por outros países. Vai incluir 14 milhões de pessoas no consumo cultural.

Caros Amigos - Em que pé estão as discussões em torno da Lei Rouanet?
Juca Ferreira - Eu rodei o Brasil defendendo a mudança da Lei Rouanet. As estatísticas provam que a lei esgotou o que podia dar de positivo e houve muitas distorções. 80% do dinheiro da lei vai para os Estados de Rio e São Paulo e 60% do dinheiro fica em duas cidades,Rio e São Paulo. 3% dos proponentes ficam com mais da metade desse dinheiro. São sempre os mesmos. Tem estados que não recebem nem 0,0%, então a gente vai democratizar o acesso, disponibilizar o benefício da renúncia fiscal para todas as áreas da cultura, demandar de que os empresários entendam que essa é uma parceria público privada e que não pode ser 100% de renúncias. Se fosse assim, não precisaria de empresas. Nesses 19 anos de Lei Rouanet, foi só 5% de dinheiro privado, então a gente está exigindo um mínimo de 20% de dinheiro privado.

Caros Amigos - A crítica dos opositores da Lei é de que haverá muita centralização, como o senhor vê isso?
Juca Ferreira - Isso é uma bobagem. Hoje, o ministério avalia as propostas, emite um parecer favorável ou contrário demandando o aperfeiçoamento, vai para a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, que é bipartite. Eles sacralizam ou não o parecer. E vai continuar a mesma coisa. E mais, a gente vai fortalecer o Fundo Nacional de Cultura, Fundo Setorial da Música, da Dança, do Patrimônio.

Caros Amigos - Os recursos vão todos para esses fundos?
Juca Ferreira - 80% vão para os Fundos. Hoje 80% vai para renúncia sem critério o que dificulta muito o desenvolvimento cultural e reduz muito o papel do Estado no apoio à produção cultural brasileira. Permite essas distorções de concentração. Os ingleses estão visitando o Brasil são responsáveis pela política cultural do Reino Unido, disseram que Lei Rouanet jamais poderia acontecer na Inglaterra.

Caros Amigos - Por que?
Juca Ferreira - Porque segundo eles, e eu concordo, cada centavo que é renunciado, é um centavo a menos a ser disponibilizado para a produção cultural. A visão deles é que mecenato é quando mecenas coloca a mão no próprio bolso para fazer uma benesse cultural. Não é meter a mão no bolso do Estado. O Estado tem a sua responsabilidade muitas vezes de estimular, financiar uma atividade que não é lucrativa e portanto não é atraente para a iniciativa privada. Nem retorno de imagem dá.

Fonte: Caros Amigos, edição de Abril de 2010.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O povo da Grécia luta pela Humanidade

por Miguel Urbano Rodrigues

As gigantescas manifestações de protesto do povo grego contra a política do Governo do Partido Socialista e as medidas impostas ao país pela União Europeia e o FMI iluminam nestes dias a amplitude e complexidade de uma crise sem precedentes.

A grande maioria da Humanidade não tomou ainda consciência de que o seu futuro é inseparável da luta de classes em desenvolvimento na terra que foi berço da civilização europeia e do conceito de democracia política.

Um sistema mediático controlado pelo imperialismo insiste em apresentar os acontecimentos da Grécia como episódio de uma crise financeira mundial prestes a ser superada.

Trata-se de uma inverdade. A Humanidade enfrenta uma crise global e estrutural do capitalismo que se agrava a cada semana nas frentes económica, financeira, cultural, energética, ambiental, militar, social e politica.

O MITO OBAMA

A crise iniciou-se nos EUA, o principal baluarte do imperialismo. A potência que os media portugueses insistem em apresentar como "a maior economia do mundo" entrou num processo de decadência irreversível. Os EUA são hoje o país mais endividado do mundo. A sua divida externa no final de 2008 atingia 13,77 milhões de milhões de dólares, o equivalente ao PIB do país; actualmente já o excede. É actualmente superior a todas as dívidas externas somadas da Europa, Ásia, África e América Latina. Uma divida impagável, anunciadora de um estouro que abalará o mundo. Por si só, a China é possuidora de mais de 900 mil milhões de dólares em reservas de dólares e títulos do Tesouro norte-americano.

Por que se mantém então a hegemonia dos EUA?

Dois factores a garantem. O primeiro é o seu imenso poderio militar. O outro a permanência do dólar como moeda de referência no comércio internacional, nomeadamente a divisa utilizada nas transacções do petróleo. E não há controlo para a emissão do bilhete verde.

Mas como os EUA se transformaram numa sociedade parasitária que consome muito mais do que produz, o país avança para um desastre, sem data no calendário, de proporções colossais.

O gigante tem pés de barro. O seu défice comercial ultrapassou um milhão de milhões de dólares no ano passado. Este ano será superior.

Como a acumulação capitalista não funciona mais de acordo com a lógica do sistema, Washington, na fidelidade a uma estratégia de dominação universal, saqueia os recursos naturais de dezenas de países e desencadeia guerras de agressão ditas "preventivas" com a cumplicidade dos seus aliados da União Europeia.

Neste contexto o presidente Barack Obama, apresentado pela propaganda como político progressista e humanista, desenvolve uma politica que é indispensável e urgente desmistificar porque configura uma ameaça à Humanidade.

A falsificação da História não pode apagar a realidade. O homem distinguido com o Nobel da Paz ampliou a politica belicista de Bush. Manteve a ocupação do Iraque, intensificou a guerra de agressão no Afeganistão, iniciou os bombardeamentos no Noroeste do Paquistão, mantém a aliança com o sionismo neofascista israelense.

Crimes monstruosos, sobretudo no Afeganistão, comparáveis aos das SS nazis na II Guerra Mundial, são cometidos rotineiramente pelas Forças Armadas dos EUA. A barbárie militar tem aliás por complemento uma vaga de barbárie cultural. Essa é porém assunto a que os grandes media dedicam atenção mínima. Seria incómodo lembrar a destruição e saque de patrimónios da Humanidade na antiga Mesopotâmia. Informar por exemplo que nas ruínas de Babilónia estacionam tanques do US ARMY, que a maior base americana no Afeganistão, Bagram, está instalada no espaço arqueológico de Kapisa, a antiga capital da desaparecida civilização Kuchana.

O Nobel da Paz dos EUA é o primeiro responsável pelo golpe de Estado nas Honduras (ver odiario.info de 26 de Julho e 1 de Dezembro de 2009), retoma a política de hostilidade à Revolução Cubana, volta a enviar a IV Esquadra para águas da América Latina, ameaça a Venezuela Bolivariana, o Equador e a Bolívia, cria sete novas bases militares norte-americanas na Colômbia, instala em África o AFRICOM, um exército permanente dos EUA naquele Continente, bombardeia a Somália e o Iémen.

O presidente dos EUA é elogiado como defensor de um mundo sem armas nucleares. Mas na recente Conferência sobre Desnuclearizaçã o ameaçou usá-las contra o Irão, se o seu governo não se submeter às exigências de Washington.

A CUMPLICIDADE COM A FINANÇA

Diariamente lemos nos jornais portugueses e ouvimos em programas televisivos em que pontificam politólogos do sistema que a recessão terminou na maioria dos países da União Europeia, que a retoma é uma realidade e que nos EUA a economia cresceu no último trimestre mais do que o previsto. A Grécia, Portugal, a Espanha, a Irlanda e a Itália seriam excepções. A "turbulência" dos mercados mantinha-se, com bruscas oscilações nas bolsas, mas isso resultaria da acção de especuladores.

Os governantes e a comunicação social esforçam-se por persuadir os povos de que tudo voltará em breve à normalidade graças a sábias políticas financeiras – insinua-se – que salvaram a banca e a medidas de austeridade impostas pela necessidade de reduzir os défices orçamentais. Em Portugal o PEC seria a solução salvadora. Com custos, é um facto, mas a hora exigiria sacrifícios de "todos" a bem da pátria.

O discurso da mentira e da hipocrisia pode mudar na forma, mas o seu conteúdo é fundamentalmente o mesmo de Washington a Paris, de Tóquio a Londres.

O objectivo é enganar os povos para impedir que a intensificação das lutas sociais abale as bases do sistema.

Uma vez mais são os EUA quem comanda a campanha de desinformação.

Na realidade, muito pouca coisa mudou ali no mundo corrupto da finança. Centenas de milhões de dólares foram injectadas no "mercado" pela Administração Obama, mas não para acudir às grandes vítimas da crise, as camadas mais pobres do povo norte-americano. As medidas tomadas pelo Governo Federal visaram salvar da falência os responsáveis pelas acções criminosas que desencadearam a crise, sobretudo a grande banca, as seguradoras, os gigantes da indústria automóvel.

Os patrões da finança são os mesmos e continuam a atribuir-se salários e prémios milionários (em Portugal acontece o mesmo) e retomam os métodos fraudulentos que estão na origem do tsunami financeiro.

Prémios Nobel da Economia como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e académicos de prestígio mundial como Noam Chomsky arrancam a máscara ao governo federal, desmontando a mentira da recuperação. Acusam frontalmente Obama de, ao invés de punir os cardeais da finança ter colocado muitos deles em postos chave da Administração. É o caso do secretário do Tesouro, Timothy Hitler, um ex-magnata de Wall Street, hoje responsável pela política monetária do país. Mais expressivo ainda é o caso de Larry Summers. Esse homem foi, durante o governo de Clinton o autor intelectual da revogação da lei que impedia a chamada "desregulamentaçã o", isto é as politica criminosas que provocaram falências em cadeia. Que fez Obama? Nomeou-o seu assessor económico.

Em 1929, no auge da crise iniciada com o crash de Wall Street, John Kenneth Galbraith, o eminente economista liberal afirmou que "o sentido de responsabilidade da comunidade financeira perante a sociedade (…) é praticamente nulo".

Nada mudou desde então.

Obama comprometeu- se a reformar profundamente o sistema financeiro. Mas, em vez de cumprir a promessa, manteve os privilégios dos cardeais da finança.

O desemprego, entretanto, cresce. A pobreza alastra em cidades como Detroit (antes pulmão da indústria automobilística) e Pittsburg (antiga capital do aço) onde bairros inteiros, desabitados, oferecem uma imagem de decadência que nega os slogans do american way of life.

A chanceler Merkel e o presidente Sarkozy bradam que "é preciso refundar o capitalismo" . Mas, conscientes de que o capitalismo não é humanizável, tudo fazem para o recauchutar.

O EXEMPLO DA GRÉCIA

Foi ilusório acreditar que a Europa escaparia aos efeitos da crise nos EUA.

Sucedem-se as crises na Islândia, na Espanha, na Irlanda, em Portugal, na Grécia.

O euro desvaloriza- se em ritmo alarmante. A taxa de desemprego atinge já os 20% em Espanha. Na Alemanha e na Grã-Bretanha a gravidade da crise será transparente após as eleições. Em França, Sarkozy tenta em vão ocultar o profundo descontentamento do povo que se expressa na amplitude assumida pela contestação social.

Na Grécia a economia desmoronou-se. O alarme foi tamanho em Bruxelas que os grandes da União Europeia, temendo o contágio, aprovaram com o FMI, após tumultuosos debates, marcados por contradições e hesitações, um plano dito de "ajuda" que na realidade impõe ao país medidas que, a serem aplicadas, o reduziria à condição de colónia administrada pela finança internacional.

Subestimaram o espírito de luta do povo grego, a sua firmeza no combate em defesa de direitos históricos adquiridos há muitas décadas.

Sete greves gerais nos últimos cinco meses expressaram a recusa dos trabalhadores gregos a submeter-se ao chamado "programa de austeridade" , eufemismo que encobre as exigências impostas pelo grande capital, violadoras da soberania nacional.

A greve do dia 5 de Maio, gigantesca, paralisou o país. Centenas de milhares de trabalhadores protestaram em Atenas e 68 outras cidades contra a agressão exterior mascarada de "ajuda".

Como era de esperar, os media internacionais desinformaram na Europa e nos EUA. Reduziram a dimensão do protesto e deturparam o significado da grande jornada de luta.

Mas o objectivo de caluniar o povo grego não foi atingido. Era impossível ocultar que o país parou. Transportes, escolas, hospitais, fábricas, portos, aeroportos, comércio; o sector privado juntou-se ao público.

Elementos da extrema-direita provocaram distúrbios na manifestação em frente do Parlamento. Entre eles havia polícias à paisana. Mas a tentativa de responsabilizar o PAME – a Frente Sindical que mobilizou os trabalhadores -fracassou porque o protesto foi pacífico, excluindo todas as formas de violência.

Os governantes e banqueiros da UE insistem em falar do "caos grego", criticam os grevistas que se opõem a medidas de austeridade concebidas para "salvar o país". Mentem conscientemente.

A Grécia projecta nestas semanas a imagem de uma luta de classes exemplar na qual o seu povo, no confronto com o capital, assume o papel de sujeito histórico. O mundo do trabalho não está disposto a pagar a factura da política capituladora que lhe é imposta, prevista aliás no Tratado de Maastricht: eliminação dos 13º e 14º salários, redução de pensões de reforma, corte brutal nos salários, congelamento dos mesmos, etc.

No dia 4 de Maio, reagindo à estratégia de Bruxelas, o Partido Comunista da Grécia (KKE), ocupou simbolicamente a Acrópole, em Atenas, e desfraldou naquela colina milenar bandeiras com uma inscrição desafiadora: "Povos da Europa levantai-vos!"

O KKE está consciente de que a Europa não se encontra no limiar de uma situação pré-revolucioná ria. Na própria Grécia não estão reunidas condições para um assalto ao poder.

Nem por isso o brado revolucionário do KKE é menos comovente e oportuno. Também em 1848 Marx sabia, quando redigiu com Engels o Manifesto do Partido Comunista, que a Revolução socialista na Europa não iria concretizar- se no futuro próximo. Mas o grito "Proletários de todos os países uni-vos!" ecoou no Continente como incentivo à luta de classes, desencadeando um vendaval de esperança nas massas oprimidas.

As grandes revoluções não se forjam em dias, sequer em meses ou anos. Não existe para elas data previsível porque resultam de uma soma de pequenas e grandes lutas inseridas em contextos históricos favoráveis.

Os comunistas gregos não ignoram que a derrota do capitalismo vai tardar. Mas adquiriram há muito a convicção inabalável de que deve ser frontal e sem concessões no combate ao sistema que invoca a necessidade de "reformas" e de "políticas de austeridade" para reforçar a opressão social.

Uma certeza: a crise, na Grécia e no mundo, vai agravar-se com pesado custo para o proletariado de novo tipo que engloba a nível planetário centenas de milhões de trabalhadores.

E não será dos Parlamentos transformados em instrumentos da dominação das classes dominantes que sairá a saída para a crise global que vivemos e ameaça a Humanidade.

Por isso mesmo, a exemplar lição de combatividade dos trabalhadores gregos e do seu heróico partido, vanguarda revolucionária na melhor tradição leninista, é tão importante, bela e simbólica.

Nesta Primavera europeia do ano 2010, os filhos da Helada voltam a lutar pela Humanidade.

Fonte: V.N.de Gaia.

sábado, 8 de maio de 2010

Grito da Terra, clamor dos povos

Por Frei Betto

Os gregos antigos já haviam percebido: Gaia, a Terra, é um organismo vivo. E dela somos frutos, gerados em 13,7 bilhões de anos de evolução. Porém, nos últimos 200 anos, não soubemos cuidar dela e a transformamos em mercadoria, da qual se procura obter o máximo de lucro.

Hoje, a Terra perdeu 30% de sua capacidade de autorregeneração. Somente através de intervenção humana ela poderá ser recuperada. Nada indica, contudo, que os governantes das nações mais ricas estejam conscientes disso. Tanto que sabotaram a Conferência Ecológica de Copenhague, em dezembro de 2009.

A Terra, que deve possuir alguma forma de inteligência, decidiu expressar seu grito de dor através do vulcão da Islândia, exalando a fumaça tóxica que impediu o tráfego aéreo na Europa Ocidental, causando prejuízo de US$ 1,7 bilhão.

Em reação ao fracasso de Copenhague, Evo Morales, presidente da Bolívia, convocou, para os dias 19 a 23 de abril, a Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra. Esperavam-se duas mil pessoas. Chegaram 30 mil, provenientes de 129 países! O sistema hoteleiro da cidade entrou em colapso, muitos tiveram de se abrigar em quartéis.

A Bolívia é um caso singular no cenário mundial. Com 9 milhões de habitantes, é o único país plurinacional, pluricultural e pluriespiritual governado por indígenas. Aymaras e quéchuas têm com a natureza uma relação de alteridade e complementaridade. Olham-na como Pachamama, a Mãe Terra, e o Pai Cosmo.

Líderes indígenas e de movimentos sociais, especialistas em meio ambiente e dirigentes políticos, ao expressar o clamor dos povos, concluíram que a vida no Planeta não tem salvação se perseverar essa mentalidade produtivista- consumista que degrada a natureza. Inútil falar em mudança do clima se não houver mudança de sistema. O capitalismo é ontologicamente incompatível com o equilíbrio ecológico.

Todas as conferências no evento enfatizaram a importância do aprender com os povos indígenas, originários, o sumak kawsay, expressão quéchua que significa “vida em plenitude”. É preciso criar “outros mundos possíveis” onde se possa viver, não motivado pelo mito do progresso infindável, e sim com plena felicidade, em comunhão consigo, com os semelhantes, com a natureza e com Deus.

Hoje, todas as formas de vida no Planeta estão ameaçadas, inclusive a humana (2/3 da população mundial sobrevivem abaixo da linha da pobreza) e a própria Terra. Evitar a antecipação do Apocalipse exige questionar os mitos da modernidade - como mercado, desenvolvimento, Estado uninacional - todos baseados na razão instrumental.

A conferência de Cochabamba decidiu pela criação de um Tribunal Internacional de Justiça Climática, capaz de penalizar governos e empresas vilões, responsáveis pela catástrofe ambiental. Cresce em todo o mundo o número de migrantes por razões climáticas. É preciso, pois, conhecer e combater as causas estruturais do aquecimento global.

Urge desmercantilizar a vida, a água, as florestas, e respeitar os direitos da Mãe Terra, libertando-a da insaciável cobiça do deus Mercado e das razões de Estado (como é o caso da hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu).

Os povos originários sempre foram encarados por nós, cara-pálidas, como inimigos do progresso. Ora, é a nossa concepção de desenvolvimento que se opõe a eles, e ignora a sabedoria de quem faz do necessário o suficiente e jamais impede a reprodução das espécies vivas. Temos muito a aprender com aqueles que possuem outros paradigmas, outras formas de conhecimento, respeitam a diversidade de cosmovisões, sabem integrar o humano e a natureza, e praticam a ética da solidariedade.

Cochabamba é, agora, a Capital Ecológica Mundial. Sugeri ao presidente Evo Morales reeditar a conferência, a exemplo do Fórum Social Mundial, porém mantendo-a sempre na Bolívia, onde se desenrola um processo social e político genuíno, singular, em condições de sinalizar alternativas à atual crise da civilização hegemônica. O próximo evento ficou marcado para 2011.

Pena que o governo brasileiro não tenha dado a devida importância ao evento, nem enviado qualquer representante. A exceção foi o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), que representou a Câmara dos Deputados.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade (Agir), entre outros livros. http://www.freibett o.org

Internet sob vigilância

Por Eduardo Guimarães

Sem saber como impor limites na rede aos políticos e aos partidos, Justiça Eleitoral demonstra apreensão com a nova realidade. "A controvérsia é muito nova, não há precedentes” , admite o ministro Marco Aurélio Mello. O TSE contará com a Polícia Federal, que investigará denúncias durante a campanha. Como a rede mundial de computadores ainda é um mundo novo para a Justiça Eleitoral, o TSE contará com a ajuda da Polícia Federal para identificar e punir abusos de candidatos e de partidos políticos.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está às cegas. E ainda não sabe como fará ao longo do ano para impor limites ao uso da internet pelos candidatos, partidos políticos e seus seguidores. Nesse trabalho de contenção dos abusos, a Justiça Eleitoral terá a ajuda da Polícia Federal, não só no que se refere a falsos dossiês, mas também na rede mundial de computadores.

A PF, entretanto, vai centralizar suas investigações, durante o período eleitoral, em fatos concretos para evitar ser tachada de ter uma atuação política. Ministro do TSE, Marco Aurélio Mello disse ao Correio que o fato de a internet ser um espaço novo para a propagação de mensagens eleitorais e de acusações contra adversários colocará a Justiça Eleitoral diante de uma situação sem precedentes.

Segundo ele, os eventuais abusos serão punidos pelos ministros conforme estabelece a resolução que trata do uso da web em período eleitoral. "A matéria é super nova. Nós não temos precedentes, mas iremos seguir a resolução que trata dos limites de atuação. Vamos aguardar o crivo do Judiciário e analisar caso a caso. É muito cedo para nos pronunciarmos porque a controvérsia é muito nova", afirmou Marco Aurélio.

O ministro aposentado Carlos Velloso, ex-presidente do TSE, que hoje tem mais liberdade para analisar os fatos, uma vez que não irá julgar eventuais ações que chegarem ao tribunal, é mais incisivo. Avalia que a imposição de limites à atuação dos candidatos será uma missão "praticamente impossível". "A Justiça Eleitoral vai ter muita dificuldade porque a internet é praticamente incontrolável. Porém, é preciso punir para coibir os abusos", disse.

Um dos primeiros testes da Justiça nessa seara será a reclamação feita na última sexta-feira pelo PT contra o PSDB por conta do site Gente que mente (www.gentequemente. org.br). Lá, há referências a obras inauguradas pela candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff, e que não funcionam. Existe ainda uma charge do presidente Lula com um nariz comprido escrito "pinoquioteca".

O PT considerou a página ofensiva à imagem do presidente e à ex-ministra. O site foi registrado por Eduardo Graeff, tesoureiro do PSDB. O advogado tucano, Ricardo Penteado, disse que é "liberdade de expressão".
O Gente que mente é apenas um dos muitos que existem na rede com referência aos pré-candidatos. É comum inclusive o uso de palavrões nas páginas, e até mesmo alguns com referências aos políticos de Brasília, como por exemplo o www.roriznaomamae. com.br.

Redes sociais

A dificuldade que o TSE terá pela frente é traduzida em números. Em 2006, havia 32 milhões de internautas no Brasil. Em quatro anos, mais do que dobrou. Pulou para 66 milhões. De lá para cá surgiram também novos sites de relacionamento, como o Twitter, ferramenta apontada como fundamental para a eleição de Barack Obama nas últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos.

O Facebook e o Orkut ganharam mais espaço no Brasil e não faltam sites falsos ou de ofensas a candidatos. No Orkut, existem várias comunidades com ofensas aos candidatos e aos partidos, como "Dilma - a arapuca de peruca", que tem 18.384 integrantes; "Dilma Rousseff - Terrorista", com 2.594; "José Serra é mentiroso", com 1.046; "PCC é fruto do PSDB", com 1.798; e ainda "Sou PT, mas juro, sou honesto", com 2.473.

Qualquer punição a candidatos ou partidos só ocorrerá a partir de denúncias apresentadas pelas legendas ou pelo Ministério Público. A explicação é simples: a Justiça Eleitoral só pode atuar se provocada, ou seja, não adota sanções por conta própria. Portanto, cada partido terá que procurar sites contra seus respectivos candidatos como agulha num palheiro e ainda torcer para que o TSE retire a ofensa do ar e puna os responsáveis.

Quem conhece os meandros da política avisa: "Não há controle. A guerrilha que vai acontecer na internet será cada vez mais forte daqui até outubro. E se houver algo falso, quem colocar estará sujeito às sanções do Código Penal, como ocorre com jornais, revistas, televisão e outros meios de comunicação. Afinal, a internet é um meio de comunicação", comenta o cientista político Murilo Aragão, da consultoria Arko Advice.

Ele, no entanto, minimiza o impacto dos sites numa campanha. "Não têm muito reflexo. Os sites mais acessados são sérios e não praticam essas ofensas. Muitos são pouco acessados e são mesmo coisa de fanático. E, se cometerem abusos, estarão sujeitos à lei", diz ele.

Dossiês

Além da internet, a Polícia Federal também estará de olho nos falsos dossiês. De acordo com o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, o surgimento deles é normal nesta época. "Nós não vamos permitir a utilização política. Só vamos atuar se houver, de fato, algo comprovado", disse Barreto. "Não vamos seguir dossiês apócrifos, mas, sim, seguiremos uma linha de Estado, como agimos nos períodos não eleitorais."

A Polícia Federal também tem orientado seu pessoal a não falar sobre as eleições, candidatos ou partidos políticos. A medida tem como objetivo evitar que a instituição seja acusada de favorecer qualquer um dos lados concorrentes.

Ficará a cargo da Coordenação-Geral de Defesa Institucional - antiga Divisão de Ordem Política e Social - o trabalho de fiscalização geral durante as eleições. Em cada capital haverá pelo menos um delegado destacado exclusivamente para o acompanhamento do pleito. Nos locais onde a corporação não atua, o papel será exercido pelas polícias Civil ou Militar.

A Polícia Federal já está montando um plano de trabalho com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que em março passado definiu qual será o papel da PF no processo. O plano, que será mantido sob sigilo até os dias que antecedem as eleições, tem como meta fazer a prevenção, principalmente, em casos relacionados a crimes virtuais (na internet) e até mesmo movimentações bancárias próximas ao pleito.

Para esse trabalho, a corporação deverá contar com o auxilio do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda.

Punição

A Resolução nº 23.191/2009, que estabelece as regras eleitorais para a internet, prevê multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil a candidatos e partidos que fizerem propaganda eleitoral atribuindo indevidamente sua autoria a terceiros.

A legislação veda o anonimato de mensagens durante a campanha e garante o direito de resposta. Diz ainda que a propaganda eleitoral só estará permitida a partir de 5 de julho. A norma permite que sejam usados no período das eleições blogs, redes sociais e sites de mensagens instantâneas, de candidatos e de partidos, mas proíbe a propaganda paga na web.

Vamos aguardar o crivo do Judiciário e analisar caso a caso. É muito cedo para nos pronunciarmos porque a controvérsia é muito nova" Marco Aurélio Mello, ministro do TSE.

Colaborou Igor Silveira
Fonte: Correio Braziliense

quarta-feira, 5 de maio de 2010

*Amazônia, um filho teu não foge à luta...*

*Entrevista de Nathana Simões – Jornal "Voz de Nazaré", de Belém, com Dom Erwin Kräutler, Bispo do Xingu e Presidente do Cimi*

Incansável, Dom Erwin Kräutler diz que a discussão sobre Belo Monte está apenas começando.

“Recuso-me a afirmar que essa luta está perdida”. A declaração é de Dom Erwin Kräutler, Bispo do Xingu e presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), sobre a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O prelado que atua na região há 45 anos, quase 30 deles dedicados como Bispo, conhece como ninguém a realidade do povo amazônida. Em entrevista exclusiva a Voz de Nazaré, ele reitera os motivos pelos quais Belo Monte não é imprescindível para o desenvolvimento do Brasil, e que existem diversas alternativas, não somente de energia, mas de respeito à dignidade, que poderiam ser adotadas.

Para ele a “luta” para tentar impedir que a usina se torne uma realidade está apenas no começo. Belo Monte não é apenas uma discussão que já perdura 30 anos, é uma incógnita que se arrasta há décadas, tanto para as populações diretamente afetadas quanto para o resto do Brasil. Para os que defendem a sua construção, Belo Monte trará consigo prosperidade, mas para outros, como Dom Erwin, não há dúvida de que a usina afetará profundamente a vida de comunidades ribeirinhas, populações indígenas e o povo da parte mais baixa da cidade de Altamira, e por consequência, cada cidadão brasileiro.

1) Após o leilão de concessão do aproveitamento de Belo Monte, do último dia 20, o senhor acredita que as chances de conseguir impedir a sua construção ficaram mais distantes? Ou o senhor acredita que ainda é cedo para dizer que a luta está perdida?

Dom Erwin: Recuso-me a afirmar que essa luta está perdida. O próprio Juiz Federal de Altamira, Antônio Carlos Almeida Campelo, que concedeu as três liminares na véspera do leilão admite que estamos apenas no início de uma verdadeira guerra judicial "nesta soma de absurdos que foi o leilão de Belo Monte"[1] . Continuo a acreditar que, finalmente, a Carta Magna do Brasil seja respeitada. A planejada usina hidrelétrica Belo Monte é a primeira no Brasil que, se for construída, aproveita recursos hídricos de áreas indígenas (Paquiçamba e Arara). Em um caso desse tipo a nossa Constituição Federal exige no seu Artigo 176 uma lei específica[2]. E essa lei regulamentadora simplesmente não existe. Nem sequer foi discutida no Congresso Nacional. Ao lado da denúncia de "irregularidades ambientais", este é o argumento primordial das ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal (MPF) e de outras entidades, entre as quais o Cimi (Conselho Indigenista Missionário). O Desembargador Jirair Meguerian, presidente do Tribunal Regional Federal, 1ª Região, cassou todas as liminares num tempo recorde, para possibilitar o leilão. O que realmente espanta é que Jirair Meguerian em nenhum momento contestou os argumentos. Justificou apenas que a decisão do MPF por ele derrubada se baseou tão somente em "conjecturas". Essa alegação não deixa de ser uma indicação de que o meritíssimo não havia lido as 50 (cinquenta) páginas da decisão. Deixou-se influenciar por outros parâmetros. Ora, se um Artigo da Constituição Federal é considerado mera "conjectura" (= fantasia, hipótese) então o Brasil está à beira da falência de Estado de Direito. A Constituição Federal foi desrespeitada, violada. Essa é a verdade! Nem o presidente da República nem um juiz estão acima da Constituição Federal. Se assim for, o Brasil já se tornou ditadura.
Até o insuspeito Senador Pedro Simon faz um alerta ao Presidente da República. Cobra explicações ao povo brasileiro sobre o processo de licitação e declara textualmente: "Precisamos de energia, mas a controvérsia em torno de Belo Monte espanta. E não é de agora. Nem os militares, com o Congresso fechado, ousaram levar adiante a obra"[3].

2) Na semana passada, o diretor de licenciamento do IBAMA, Pedro Bignelli, afirmou ao site Agência Brasil, que nenhuma terra indígena seria afetada com a construção de Belo Monte. O que senhor acha desta declaração?

Dom Erwin: Essa declaração já conheço há tempo pois foi divulgada em verso e prosa pela mídia, mas não deixa de ser uma falácia. O IBAMA (Pedro Bignelli) e Maurício Tomasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), sempre argumentaram que nenhuma área indígena será inundada. Esconderam, porém, o outro lado da moeda. O painel de 40 especialistas[4]divulgou já ano passado seu parecer sobre a viabilidade de Belo Monte. O documento analisa entre outras coisas os impactos causados aos povos indígenas. O Governo, lamentavelmente, não se deixou impressionar. Em primeiro lugar, se Belo Monte for construída, a obra será realizada no limite de terras indígenas com inegáveis impactos sociais e culturais causados pela proximidade do canteiro de obras e de pessoas estranhas às aldeias. Ao longo de cerca de 100 km, a volta Grande do Xingu sofrerá "redução da vazão e rebaixamento do lençol freático com impactos biológicos originando um Trecho de Vazão Reduzida (TVR), com vários impactos biológicos e sociais associados, como os problemas para a navegação e os efeitos sobre as florestas inundáveis". Essa perda de recursos naturais e hídricos prejudicará diretamente os povos indígenas. Áreas indígenas não serão inundadas. Sim! O contrário acontecerá: aos indígenas será cortada a água! Como viver no seco? De que se alimentarão, já que "o conjunto das espécies que vivem neste trecho do rio não sobreviverá sob um regime de vazão", em outras palavras, se aos indígenas falta o peixe? Não é macabro cinismo afirmar que nenhuma terra indígena será afetada, se aos povos indígenas aí existentes é arrancada a condição de sobrevivência?

3) Alguns especialistas apontaram que apesar de Belo Monte ter um custo elevadíssimo, ela será a Usina menos produtiva do Brasil, e deve funcionar com apenas 40% da capacidade. Apesar dessas críticas, o Governo persiste em considerar Belo Monte imprescindível para o desenvolvimento do Brasil. Na sua avaliação, porque há esta insistência?

Dom Erwin: São dois fatores que causam essa insistência. Um é de ordem política o que o Governo se nega a admitir. Mas quem não sabe que Belo Monte é a menina dos olhos do PAC 1? Se o Governo levar uma derrota, põe em risco, no entender da cúpula do PT e do presidente, a eleição da Dilma Rousseff que, como então ministra de Minas e Energia concebeu esse plano e o deu à luz. Num contexto como esse não há mais clima para uma discussão serena. E o próprio presidente avisa: tem que ser feito, mesmo que seja "de qualquer jeito", até "sozinho se for necessário". Assim ele não tem como negar que a questão tem conotação política, pois Lula mesmo o revela, quando diz com todas as letras: "As usinas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio são coisas que nossos adversários torcem para não dar certo"[5]. Assuntos e decisões tão importantes e de consequências irreversíveis para a Amazônia, o Brasil e o planeta Terra, são banalizados ao nível de queda de braço político-partidário e ainda eleitoreiro, ou então à briga entre a torcida de um time e outro. Até que ponto chegamos? O segundo fator é "econômico" e esse abarca o maior número de mentiras, pois desde o início se quis vender o projeto como medida necessária para evitar o "apagão". Fala-se de energia barata para as casas dos pobres. Mera demagogia! Na realidade a quem interessa Belo Monte são as grandes empresas, especialmente do setor mineral e, naturalmente, as firmas barrageiras que mais uma vez querem auferir somas astronômicas e empregar seu maquinário e "know how" num modelo tradicional de construção de hidrelétrica com barramentos, imensos paredões de cimento, diques e canais de derivação, repetindo os erros do passado, alagando áreas imensas e arrasando florestas.

4) Algumas pessoas defendem uma discussão em torno da busca de energias alternativas: energia solar, por exemplo. O senhor acredita que esta é uma tendência global e que o Brasil poderia sim pensar em investir mais neste tipo de alternativa?

Dom Erwin: O Brasil está perdendo uma enorme chance de inovar. Nessa época de preocupação mundial em relação ao aquecimento climático em um ritmo nunca visto, o Brasil poderia dar ao mundo um eloquente exemplo de cuidado mais esmerado com o meio-ambiente e, ao mesmo tempo, de avanço na busca de fontes alternativas de energia, como a energia solar e eólica. Não nos faltam universidades, centros de pesquisa, e cientistas de ponta na busca de tais alternativas. Falta incentivo para tal. É mais fácil gritar " o país precisa de Belo Monte" do que investir em estudos mais aprofundados que a médio prazo chegariam sem dúvida a conclusão de que não precisamos de nenhuma hidrelétrica Belo Monte, pois nesta Amazônia tropical temos energia solar de sobra, e não temos necessidade de alagar nem sequer um campo de futebol, de sacrificar um rio e acabar com uma encantadora paisagem.

5) O senhor levou esta questão para a Ad Limina?

Dom Erwin: Sim, levamos! Digo "levamos", pois não fui apenas eu quem apresentou a preocupação pelo futuro da Amazônia, mas estivemos lá todos os bispos do Regional Norte II da CNBB e assim o assunto pertencia a todos. Havia dois momentos de tratarmos das hidrelétricas na Amazônia. O primeiro foi a Coletiva de Imprensa, promovida pela Radio Vaticano no dia 15 de abril, em que falamos abertamente sobre os projetos de hidrelétricas nos rios Xingu e Tapajós e suas consequências imprevisíveis. O segundo momento foi a audiência particular com o Papa. Dom Esmeraldo de Santarém encontrou-se com o Papa pessoalmente naquele mesmo dia 15 de abril e o Papa pediu-lhe que deixasse algo por escrito a respeito das ameaças ao Rio Tapajós. Eu mesmo fui recebido pelo Papa no dia 16 de abril, dia de seu aniversário natalício, e "peguei o gancho" deixado por Dom Esmeraldo e expliquei ao Papa toda a problemática que Belo Monte irá trazer para os povos do Xingu, se o projeto realmente for executado. Aproveitei para entregar-lhe em mãos o texto que eu tinha preparado para a Coletiva de Imprensa. Posso revelar que a nossa angústia a respeito do futuro da Amazônia e, de modo especial, dos nossos rios Tapajós e Xingu tocaram o Papa profundamente.

6) Nos últimos meses muitas ações foram feitas para tentar impedir que Belo Monte se torne uma realidade, além de protestos o senhor chegou a escrever uma carta e se encontrar com o próprio Presidente Lula, agora o que o senhor pretende fazer, quais serão as próximas ações?

Dom Erwin: Na realidade não se trata de novas ações ou outras cartas ao Presidente. Vou simplesmente continuar a defender, em todas as ocasiões que se apresentam, os povos do Xingu, os povos indígenas, os ribeirinhos e o povo de Altamira que será tremendamente atingido, se Belo Monte tornar-se realidade. Enquanto Deus me der fôlego não deixarei de empenhar-me, de modo especial em favor dos mais prejudicados e necessitados. Quero repetir sempre com Dom Oscar Romero: "Como pastor, estou obrigado por mandato divino de dar a vida por aqueles que amo".

7) Para finalizar gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a importância da presença da Igreja nessa discussão, e também do cidadão comum, o senhor acha que todos deveriam se posicionar sobre o assunto?

Dom Erwin: Quero apenas citar um trecho do Documento de Aparecida que lembra a visita do Papa ao Brasil em 2007: "Em seu discurso aos jovens, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, o Papa Bento XVI chamou a atenção sobre a “devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana de seus povos” e pediu aos jovens “um maior compromisso nos mais diversos espaços de ação”" (DAp 85). Estou convicto de que não apenas nossa juventude é interpelada a assumir esse "maior compromisso", mas todos nós. A faixa etária não importa. No Símbolo Apostólico professamos: "Creio em Deus, Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra". A fé no Pai Criador implica no amor e no zelo por tudo que Ele criou e na responsabilidade a ser assumida pelo lar (ecologia = do grego: "ciência do lar") que Ele nos confiou, também em vista das futuras gerações.

domingo, 2 de maio de 2010

NÃO É DIFERENTE DE NENHUM DELES – TEM APEGO AO PODER E VAIDADE DE SER O PAPA

Por Laerte Braga

A imprensa alemã dispõe de depoimentos envolvendo diretamente o cardeal Joseph Ratzinger em casos de pedofilia ao tempo em que era apenas um sacerdote. São acusações graves e os jornais e revistas que receberam as denúncias (envolvem também o irmão do papa) decidiram apurá-las in totum e ter o mínimo de segurança para divulgá-las. Têm consciência do significado desse fato. Da sua gravidade Ratzinger foi ordenado sacerdote em 1951 e sua participação na Juventude Hitlerista é apontada como tendo sido “obrigatória”.

Os jovens alemães àquela época dentre eles os alunos de seminários teriam sido obrigados a ingressar já Juventude Hitlerista. O registro feito após a sua escolha para suceder João Paulo II dá conta que Bento XVI não era um participante “entusiasmado” do grupo.

Já o documento secreto do Vaticano que instrui bispos sobre como tratar a pedofilia na Igreja deixa claro que o então cardeal Ratzinger determinava que os casos fossem apurados, mas mantidos em sigilo. As punições ocorreriam no âmbito da própria Igreja e não implicariam em afastar os responsáveis do exercício do sacerdócio. No máximo suspensão por um determinado período.

O cerne do problema não está necessariamente aí. O caráter conservador de Bento XVI dá seqüência às revisões feitas em importantes decisões tomadas por João XXIII e Paulo VI.

A eleição do cardeal polonês Karol Wojtyla foi produto de um acordo da Igreja norte-americana através do cardeal Marcinkus com boa parte do Colégio Cardinalício diante da crise financeira que o Vaticano enfrentava e da necessidade de abortar a Teologia da Libertação em franco progresso numa América Latina de maioria católica e vivendo um período de efervescência política.

Padres e bispos envolvidos em processos políticos de transformações sociais não interessavam aos norte-americanos e um papa polonês (país então comunista) cairia como uma luva na ofensiva que acabou resultando no fim da União Soviética.

Os cardeais hoje celebram missas para golpistas que derrubam governos constitucionais, caso de Honduras, ou sorriem como aconteceu na fracassada tentativa de golpe contra o presidente Chávez na Venezuela, em 2002.
O favorito àquela época, a eleição de João Paulo II, era o brasileiro Lorscheider. Os progressistas entendiam que o Concílio Vaticano II abria as portas para um papa latino-americano.

João Paulo II iniciou um trabalho de desmonte da maior parte das reformas que ensejavam aberturas para a Teologia da Libertação na América Latina, juntou-se aos norte-americanos em ações coordenadas por Marcinkus para ataques frontais a União Soviética e uma inquisição comandada por Ratzinger afastou sacerdotes como por exemplo o brasileiro Leonardo Boff.
A imagem de “santo homem” de João Paulo II foi construída por um extraordinário trabalho de marketing.

Marcinkus terminou seus dias na condição de foragido. A justiça italiana decretara sua prisão por fraudes financeiras com o Banco do Vaticano e associação com as máfias italianas.

Joseph Ratzinger, em seguida à morte de João Paulo II, no discurso nas exéquias do papa, se impôs como seu sucessor e não deixou qualquer outra perspectiva para os cardeais. Foi o concílio mais rápido da história das eleições de papas.

O resultado disso é uma Igreja limitada a uma ortodoxia que dia a dia estreita seus caminhos e faz com que perca fiéis em todas as partes do mundo, mesmo porque os norte-americanos perceberam que é mais barato comprar pastores neopentecostais como o brasileiro Edir Macedo. Isso para a América Latina e países africanos. Macedo hoje é ponta de lança de uma ofensiva religiosa para tentar chegar a países árabes e diminuir o poder e a maioria dos muçulmanos.

A Igreja Católica Romana, pouco a pouco, vai se encolhendo e sendo acuada em escândalos que servem muito mais a interesses políticos que propriamente aos repugnantes casos de pedofilia ou abusos sexuais de qualquer natureza, levando em conta que uma ampla investigação sobre esse assunto terminaria em boa parte do atual Colégio de Cardeais, implicaria arcebispos e bispos, muito além de padres, sem falar nas denúncias feitas à imprensa alemã sobre o papa.

É bom comprar organizações semelhantes à de Edir Macedo, mas ter um contrapeso para evitar que o “bispo” se transforme em alguém com tal poder que fique difícil controlá-lo no futuro.

É interessante notar que a ofensiva contra a Igreja a partir da pedofilia partiu dos Estados Unidos.

O Vaticano não é mais um aliado importante e o papa é apenas uma lamentável figura tentando segurar um império em franca decadência.
O que era um instrumento de transformação política, econômica e social está tomando ares de seita, pois permanecem as perseguições a sacerdotes que se opõem ao nazi/fascismo da cúpula atual em Roma.

No Brasil, por exemplo, maior país católico do mundo, a criação de um grupo chamado Renovação Carismática é uma volta aos tempos da fé cega e sem sentido, desprovida de consciência, mas provida da alienação semelhante à imposta pelos neopentecostais.

No fundo uma tentativa de sobrevivência.

Bento XVI não vai renunciar, exceto diante de um fato de suma gravidade, mas certamente, vai viver dias de amargura e decepção. Não será reconhecido como um grande papa, apenas um desastre total e absoluto para a Igreja.

É simples entender isso. A mão direita escapa todas as vezes que o papa distrai e à semelhança do cientista no filme de Kulbrick, proclama Heil Hitler.

Se quisermos entender Bento XVI fazendo um paralelo com alguém no Brasil, podemos compará-lo a Fernando Henrique Cardoso. Uma figura montada em vaidade extrema, cheia de diplomas, mas pronto a qualquer negócio desde que renda poder e lucro. E principalmente capas de revistas como alguém que salva alguma coisa. Um enterra a Igreja Católica, outro enterrou o Brasil em seus oito anos de “papado”.

As acusações contra o papa à época que era um sacerdote na Alemanha devem terminar num grande acordo, caríssimo, uma cortina de silêncio em torno do assunto e o papa refém dos grandes grupos políticos e econômicos que controlam o mundo capitalista.

No fundo a máxima mafiosa, “nada pessoal, apenas negócios”.

A luta pelas reformas agrária e urbana deve estar na rua, defendem pesquisadores

Por Marina Pita

Especialistas sobre questão fundiária pedem a radicalização do movimento e a unidade em torno da luta contra a concentração da terra. Retomar a luta nas ruas, com o povo, já que as conquistas institucionais trouxeram poucos avanços para a resolução dos conflitos urbanos e agrários. Esse foi o mote das discussões da mesa redonda “Conflitos Urbanos e Criminalização dos Movimentos Sociais”, realizada no Fórum Social Urbano, no Rio de Janeiro.

“Precisamos dizer que, depois de 30 anos lutando pelo direito à cidade, nossas bandeiras foram incorporadas. Hoje todos são a favor do direito à cidade e do direito à moradia. Mas as cidades estão piorando e a pobreza aumentando. Isso significa que a transformação não será pelo caminho que estivemos construindo”, afirmou Ermínia Maricato, professora e arquiteta da USP, ao criticar o Fórum Urbano Mundial, evento que ocorre a algumas quadras do Fórum Social Urbano: “Precisamos dizer que não vamos caminhar juntos nessa toada se não houver quebra de paradigma. Temos diferenças e isto está muito claro”.

Ex-secretária de habitação da prefeitura de São Paulo durante a gestão Luiza Erundina, Ermínia defendeu que a estratégia de mudança da realidade do país por meio de conselhos de políticas públicas já mostrou sua limitação e deve ser abandonada dando lugar à retomada do movimento de rua, da unificação da esquerda por um projeto comum. “Temos que aplicar a função social da propriedade. Não podemos arredar pé”, concluiu.

Movimentos criminalizados

O ex-procurador de Terras do Estado do Rio de Janeiro, Miguel Baldez disse que hoje vivemos o pior momento para os lutadores sociais diante do nível de criminalização que os movimentos combativos sofrem. Ele criticou a legislação de terras brasileira e a “cerca viva” que impede o acesso dos trabalhadores à terra, formada por juízes, promotores e delegados de polícia. “Há duas necessidades fundamentais em questão quando falamos de acesso à terra: a moradia e a alimentação, que não podem ser usufruídas apenas por uma parcela da população. Não podem ser tratadas como mercadoria porque este é um fundamento de qualquer ética a religiosa e a política”, disse Baldez, que classificou a luta como embate de classes.

Plínio Arruda Sampaio fez um breve histórico da legislação de terras no Brasil. Historicamente, se negou o acesso a ela, sendo essa a origem da pobreza, e por isso é fundamental manter a luta contra a concentração fundiária. “Para se ter uma ideia do momento difícil que passamos, quando eu fiz o projeto de reforma para João Goulart, queríamos expropriar todas as propriedades com mais de 500 hectares.

Hoje, o movimento está pedindo um limite de mil hectares”, argumentou Plínio para pedir aos militantes que não rebaixem o programa: “devemos radicalizar nossa demanda”. Mas isso não basta, defendeu o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA). Para ele, é preciso dar condições para os pequenos agricultores produzirem e viverem dignamente. “Há mais de 2 milhões de pequenos agricultores cuja renda anual é mil reais. Essa pequena agricultura é a que mais emprega, a que mais produz alimentos e mais conserva a terra. A pequena propriedade acabaria com a deterioração da terra”.

Sampaio criticou o Governo Lula, ao afirmar que este desistiu da reforma agrária. “Ele [o Lula] ficou fascinado com a ideia de se tornar um 'xeique' do alcool. Na nova divisão internacional do trabalho, o Brasil, que ia fazer indústria e serviços para mercado interno e posteriormente exportar, é pressionado por bancos, multinacionais para assumir um papel primário exportador, aceito por este governo” e pediu uma reação do movimento: “Estamos sofrendo há 20 anos uma ofensiva da direita e temos que responder e essa resposta deve ser na terra, porque é aí que está a origem da miséria, da corrupção, da incapacidade de institucionalizar um sistema jurídico equânime de acesso à terra”.

Fonte: Caros Amigos

sábado, 1 de maio de 2010

Quem controla a mídia?

* Por Venício Lima

Você já ouviu falar em Alexander Lebedev, Alexander Pugachev, Rupert Murdoch, Carlos Slim ou Nuno Rocha dos Santos Vasconcelos? Talvez não, mas eles já “controlam” boa parte da informação e do entretenimento que circulam no planeta e, muito provavelmente, chegam diariamente até você, leitor (a).

Enquanto na América Latina, inclusive no Brasil, a grande mídia continua a “fazer de conta” que as ameaças à liberdade de expressão partem exclusivamente do Estado, em nível global, confirma-se a tendência de concentração da propriedade e controle da mídia por uns poucos mega empresários.

Na verdade, uma das consequências da crise internacional que atinge, sobretudo, a mídia impressa, tem sido a compra de títulos tradicionais por investidores – russos, árabes, australianos, latino-americanos, portugueses – cujo compromisso maior é exclusivamente o sucesso de seus negócios.

Aparentemente, não há espaço para o interesse público na Europa e nos Estados Unidos. Já aconteceu com os britânicos The Independent e The Evening Standard e com o France-Soir na França. Na Itália, rola uma briga de gigantes no mercado de televisão envolvendo o primeiro ministro e proprietário de mídia Silvio Berlusconi (Mediaset) e o australiano naturalizado americano Ropert Murdoch (Sky Itália). O mesmo acontece no leste europeu. Na Polônia, tanto o Fakt (o diário de maior tiragem), quanto o Polska (300 mil exemplares/dia) são controlados por grupos alemães.

Nos Estados Unidos, a News Corporation de Murdoch avança a passos largos: depois do New York Post, o principal tablóide do país, veio a Fox News, canal de notícias 24h na TV a cabo; o tradicionalíssimo The Wall Street Journal; o estúdio Fox Films e a editora Harper Collins. E o mexicano Carlos Slim é um dos novos acionistas do The New York Times.

E no Brasil?

Entre nós, anunciou-se recentemente que o Ongoing Media Group – apesar do nome, um grupo português – que edita o “Brasil Econômico” desde outubro, comprou o grupo “O Dia”, incluindo o “Meia Hora” e o jornal esportivo “Campeão”. O Ongoing detem 20% do grupo Impressa (português), é acionista da Portugal Telecom e controla o maior operador de TV a cabo de Portugal, o Zon Multimídia.

Aqui sempre tivemos concentração no controle da mídia, até porque, ao contrário do que acontece no resto do mundo, nunca houve preocupação do nosso legislador com a propriedade cruzada dos meios. Historicamente são poucos os grupos que controlam os principais veículos de comunicação, sejam eles impressos ou concessões do serviço público de rádio e televisão. Além disso, ainda padecemos do mal histórico do coronelismo eletrônico que vincula a mídia às oligarquias políticas regionais e locais desde pelo menos a metade do século passado.

Desde que a Emenda Constitucional n. 36, de 2002, permitiu a participação de capital estrangeiro nas empresas brasileiras de mídia, investidores globais no campo da informação e do entretenimento, atuam aqui. Considerada a convergência tecnológica, pode-se afirmar que eles, na verdade, chegaram antes, isto é, desde a privatização das telecomunicações.

Apesar da dificuldade de se obter informações confiáveis nesse setor, são conhecidas as ligações do Grupo Abril com a sul-africana Naspers; da NET/Globo com a Telmex (do grupo controlado por Carlos Slim) e da Globo com a News Corporation/ Sky.

Tudo indica, portanto, que, aos nossos problemas históricos, se acrescenta mais um, este contemporâneo. Quem ameaça a liberdade de expressão? Diante dessa tendência, aparentemente mundial, de onde partiria a verdadeira ameaça à liberdade de expressão?

Em matéria sobre o assunto publicada na revista Carta Capital n. 591 o conhecido professor da New York University, Crispin Miller, afirma em relação ao que vem ocorrendo nos Estados Unidos: “O grande perigo para a democracia norte-americana não é a virtual morte dos jornais diários. É a concentração de donos da mídia no país. Ironicamente, há 15 anos, se dizia que era prematuro falar em uma crise cívica, com os conglomerados exercendo poder de censura sobre a imensidão de notícias disponíveis no mundo pós-internet (...)”.

Todas estas questões deveriam servir de contrapeso para equilibrar a pauta imposta pela grande mídia brasileira em torno das “ameaças” a liberdade de expressão. Afinal, diante das tendências mundiais, quem, de fato, “controla” a mídia e representa perigo para as liberdades democráticas?

*Venício Lima é Pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília - NEMP – UNB.

Fonte: Carta Maior