domingo, 3 de novembro de 2013

Uma nova geração que resgata Marx

23/10/2013 - Uma geração de intelectuais moldada pelo crash de 2008 resgata Marx
- Por Michelle Goldberg - Carta Maior
Tradução: Rodrigo Mendes

Para aqueles jovens demais para lembrar da Guerra Fria mas com idade para lembrar da Grande Recessão, o marxismo parece incrivelmente atual.

Oito anos atrás, Jay McInerney, garoto-propaganda de um tipo de literatura glossy chic dos anos 1980, ungiu Benjamin Kunkel [foto] como a voz da nova geração.

Escrevendo na primeira página da New York Times Book Review, ele saudou o primeiro romance de Kunkel, Indecisão, por fazer “todo aquele negócio de crise pós-adolescência, de começo de vida, ser engraçado de novo”.

Ele não estava sozinho; muitos críticos ficaram impressionados com a evocação de Kunkel da passividade e vazio existencial de um jovem privilegiado.

Eles tinham menos certeza do que pensar sobre a conversão do narrador a uma política radical na América do Sul.

Imagino que as sequências sirvam para explicar o socialismo para as pessoas de vinte e poucos anos, pós-irônicas, ambivalentes, esperançosas e generosas em 2005”, escreveu Michael Agger, na Slate.

No próximo mês de março, Kunkel vai lançar seu segundo livro, Utopia or Bust.

Apesar de não ser continuação de Indecisão, o livro vai de fato tentar explicar, ou ao menos explorar, o que representa o socialismo hoje, por meio de uma série de ensaios de pensadores de esquerda contemporâneos, como Fredric Jameson e David Harvey.

Depois do sucesso de Indecisão – que conquistou um lugar nas listas de Best-sellers, foi traduzido para diversas línguas e se tornou atraente para Hollywood – Kunkel não se aproveitou de seu estrelato da mesma forma que, digamos, Jay McInerney. Pelo contrário.

Depois de cair em uma depressão profunda, ele seguiu o exemplo do seu próprio personagem, mudando-se para Buenos Aires e sesubmergindo profundamente em teoria anticapitalista.

Em um rascunho da introdução de seu novo livro, ele escreve “Para decepção de amigos que prefeririam ler minha ficção – bem como de meu agente literário, que preferiria vender – parece que eu virei um intelectual marxista público.”

De um modo estranho, no entanto, Kunkel não fugiu inteiramente do negócio. Seu novo livro surge num momento em que há um interesse renovado em Marx entre jovens autores, ativistas e estudiosos, que têm começado a identificar o capitalismo, frente à crise financeira, como um problema, e não mais como algo inevitável.

Seria simplista demais dizer que o marxismo voltou, porque ele de fato nunca foi embora.

Nos EUA depois da queda do Muro de Berlim, entretanto, estava restrita ao departamento de inglês da universidade, tornando-se objeto de crítica ácida.

Então veio o crash econômico, o Occupy Wall Street, e o desastre ainda em curso da austeridade na Europa.

Na época do Occupy, principalmente, muita gente de todo tipo de esquerda, trabalhando em publicações grandes ou literárias, meio que se encontraram, começaram a conversar, e descobriram quem estava interessado em política de classe”, diz Sarah Leonard [foto], a editora de 25 anos da Dissent, o jornal social-democrata fundado quase 60 anos atrás por Irving Howe.

Nós essencialmente achamos uma política antiga que faz sentido hoje”.

Nos EUA, é claro, o marxismo se mantém como uma corrente intelectual, muito mais do que como movimento de massas. É claro, os millenials [outra forma de se referir à chamada Geração Y] são notoriamente progressistas; uma pesquisa muito debatida de 2011 descobriu que 49% das pessoas com idade entre 18 e 29 anos têm uma visão positiva sobre o socialismo, enquanto apenas 46% têm visão positiva sobre capitalismo.

É difícil dizer o que isso significa exatamente – não se pode dizer que os jovens estão fazendo com que O Capital entre rapidamente na lista dos mais vendidos ou estejam construindo células comunistas.

Ainda assim, há décadas que tantos pensadores jovens se envolveram tanto em imaginar uma ordem social que não seja governada pelos imperativos do mercado.

Os motivos para isso são bastante óbvios.

Agora está tudo desmoronando”, diz Doug Henwood [foto], Publisher da Left Business Observer e mentor de diversos novos pensadores marxistas.

“Nem mesmo o mais ardoroso defensor pode dizer que as coisas estão indo bem. As premissas básicas da vida dos americanos, sobre mobilidade social e todo esse tipo de coisa, parece tudo uma grande piada de mau gosto agora”.

Enquanto isso, o fim da Guerra Fria libertou as pessoas – especialmente os que são novos demais para lembrar – para que elas pudessem revisitar as ideias marxistas sem o medo de elas justificarem a existência de regimes repressivos.

A União Soviética sempre pairou sobre a vida intelectual dos EUA no século 20, especialmente aqueles setores dominados pelos formados da Universidade Judaica Municipal, como Howe [E] e seu contraponto intelectual Irving Kristol [D].

Havia aqueles que condenavam mas se apegavam aos ideais socialistas – posição emblematizada pela Dissent –, e havia aqueles, como Kristol, que viam tais valores como sendo intrinsecamente ligados a um regime tirânico, e se tornavam neoconservadores.

Agora que o comunismo é uma força marginal no mundo, essas discussões parecem muito distantes. “Imagino que não tenhamos na nossa cabeça 1989”, diz Leonard.

Nossa crise é de uma natureza diferente. É uma crise capitalista, e temos um arsenal de ferramentas de análise muito útil”.

Para servir ao novo pensamento de esquerda, a editora radical Verso – que também vai copublicar o novo livro de Kunkel – começou recentemente a fazer uma série chamada Pocket Communism (Comunismo de Bolso), pequena, elegante, criada tendo em mente a capacidade de atenção da Geração Y.


Entre os livros estão A hipótese comunista, de Alain Badiou [E] e A atualidade do comunismo, de Bruno Bosteels [D]. Eles são vendidos fora das lojas tradicionais – em galerias de arte, por exemplo.

Mesmo quando esses neocomunistas não são marxistas ortodoxos – Badiou é meio maoista – Marx ainda tem um peso muito grande em suas obras. “As pessoas não têm mais medo de voltar aos textos e usar palavras que eram tabu”, diz Sebastian Budgen, editor sênior da Verso.

Há um efeito emancipador em não mais se precisar se justificar para usar Marx.

Em nenhum lugar isso é mais verdade que na Jacobin, a revista socialista fundada por Bhaskar Sunkara [foto], de 24 anos, que vai publicar Utopia or Bust com a Verso.

Um empreendedor marxista, Sunkara ainda não tinha se formado quando usou o dinheiro de seu crédito estudantil para publicar o primeiro número de Jacobin, em 2011.

Hoje ele tem cerca de cinco mil assinantes, um número pequeno em perspectiva, mas impressionante para um jornal de esquerda, comparável ao alcance da Dissent.

Seus leitores são desproporcionalmente jovens, de acordo com Sunkara, e em geral novatos no que diz respeito a publicações de esquerda.

“Acho que boa parte dos leitores não escolhe a Jacobin ao invés da Dissent ou da Monthly Review”, afirma. “Eles são mais para liberais desiludidos ou jovens que não são politizados”.

De sua parte, a Dissent, editada por Michael Kazin, foi revigorada por pessoal novo, como Leonard.

Até recentemente, ela havia se tornado soturna, conhecida por seu conflito com a irresponsabilidade de outros radicais.

Em 2002, por exemplo, seu antigo coeditor, Michael Walzer, criticou as respostas dos progressistas ao 11 de setembro, em um artigo intitulado Pode haver uma esquerda decente?” 

Lamentando a tendência de intelectuais de esquerda de “viver nos EUA como estrangeiros internos, recusando-se a se identificar com seus cidadãos, considerando qualquer traço de patriotismo como politicamente incorreto”, ele parecia reviver uma velha briga entre a esquerda anticomunista e a contracultura na década de 1960.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Uma-geracao-de-intelectuais-moldada-pelo-crash-de-2008-resgata-Marx-/4/29294

sábado, 2 de novembro de 2013

Burguesias nacionais? Não existem mais

06/10/2013 - Leo Panitch: "não existem mais burguesias nacionais"
- Rodrigo Mendes - Carta Maior

Leo Panitch é um dos nomes mais respeitados na esquerda sobre assuntos como relações internacionais, política internacional e imperialismo.

Pensador de renome, o professor da Universidade de York, no Canadá, tem feito, ao longo dos anos, formulações que desafiam profundamente o senso comum da esquerda, ao questionar, por exemplo, o uso da conceituação sobre imperialismo de mais de um século atrás para descrever a relação dos EUA com o mundo hoje e ao longo do século XX.

Panitch se declara marxista, e seu trabalho é considerado absolutamente inovador dentro dessa corrente de pensamento.

Seu questionamento sobre o papel dos EUA e, principalmente, como a esquerda vê esse papel, elabora que não se pode usar o conceito da Era Vitoriana de imperialismo, que leva em conta, por exemplo, com grande peso, a exportação de capitais para estabelecer uma relação imperialista, e isso já não se aplica no mundo hoje.

Outro questionamento dele, que provoca grandes controvérsias na esquerda, é sobre o papel dos sindicatos, que segundo ele, não são capazes de, por si só, fazerem os trabalhadores desenvolverem uma consciência de classe – e isso é o oposto do que Marx disse. O professor considera que, nesse ponto, Marx estava errado.

O professor Leo Panitch está no Brasil atualmente, e proferiu uma série de palestras até agora, uma das quais na Universidade Federal do ABC, em São Bernardo do Campo, na sexta-feira (4/10), onde expôs suas formulações.

Leo Panitch começou saudando o belo auditório da UFABC, uma universidade, segundo ele, para a classe trabalhadora.

Ele afirmou que a universidade onde ele dá aula, de York, também tem uma esmagadora maioria de alunos da classe trabalhadora, filhos de pais que nunca foram à universidade, mas que nem de perto tem instalações tão boas quanto às que ele estava vendo ali, o que ele considerou muito bom: “nada é bom demais para a classe trabalhadora”.

Panitch então apresentou uma elaboração que tem todo o potencial de ser muito intrigante para os estudiosos do campo da esquerda, a de que as instituições financeiras dos EUA, como o Federal Reserve e o tesouro dos EUA são muito mais importantes para a manutenção do capitalismo global – ainda que as instalações militares, ações de agressão e espionagem sejam muito mais aviltantes e provoquem grande indignação.

Ele explica que isso começou depois da II Guerra, afirmando que “os estados europeus passaram por um processo da ‘Canadalização’”, disse, usando seu próprio país como exemplo – que, segundo ele, é a maior colônia dos EUA, e não o México.

Para ele, hoje, as relações ficaram tão misturadas, intrincadas, que não há qualquer tipo de possibilidade de um país, dentro do sistema capitalista, questionar as bases materiais do imperialismo do outro.

As economias são absolutamente interdependentes, e as relações entre os ministros da fazenda e os bancos centrais do mundo é que determinam isso.

Nesse sentido, o professor condena a visão, assumida por boa parte da esquerda, de que os governos têm suas ações ditadas pelos grandes capitalistas.

Para ele, na realidade, o Estado também se tornou absolutamente dependente da acumulação capitalista.

Os empresários não dizem para o PT o que fazer. Como podemos dizer que o PT segue o que a burguesia manda? Não é isso que acontece, não há uma ‘mente’ que diz o que o governo deve fazer. O Estado é dependente da acumulação capitalista.

Para Leo Panitch, é ruim para a esquerda essa ideia de que os EUA tentam impor seu capitalismo, seu modo de viver, ao mundo.

Segundo ele, o fato é que os países desenvolvidos quiseram isso. Seus dirigentes, a classe dominante do Japão e da Europa, “tinham seus bens, suas vidas, e queriam que os EUA os ajudassem a manter o capitalismo, não foi algo imposto”, disse se referindo ao pós-guerra de 1945.

Da mesma forma, a propaganda norte-americana levou a que “os trabalhadores europeus quisessem os confortos dos americanos”. 

Dessa forma, ele refuta também a ideia de uma burguesia nacional.

Pelas intrincadas relações hoje, “pelo grau de integração entre as multinacionais dos estados ricos, as burguesias agora são internacionais”. Para um ganhar dinheiro em um país, o outro, de outro país, também ganha. As relações não se prendem mais aos países.

Isso tem outro reflexo, o de que não há mais uma rivalidade entre estados, que poderiam se postular impérios, como já houve antes.

O dólar, segundo ele, virou a moeda internacional. O Federal Reserve hoje sofre pressões de todo o mundo, como o exemplo dado por Panitch da pressão alemã sobre o governo americano para diminuir a força dos sindicatos, pois o que acontece com a economia dos EUA e com as suas finanças afeta o mundo todo. “O Fed gerencia as finanças do mundo todo”, diz ele.

Ele também questiona o poder do Fed e do FMI de imporem suas políticas ao Brasil. “Claro que era isso que eles defendiam, mas essas propostas já tinham muita força aqui dentro, internamente”, afirmou ele.

Para o professor, o fato de não haver mais rivais postulantes a potência hegemônica é demonstrado pela ausência de matéria para questionar as bases fundantes do sistema norteamericano. “Os estados não buscam diminuir a liderança dos EUA, tentam imitar”, afirmou.

Panitch também questionou a estratégia do PT de fugir um pouco da influência da liderança dos EUA ao buscar outros polos de poder, afirmando que “a questão não é como se dar melhor no capitalismo, a questão é como sair do capitalismo”. 

O professor também afirmou que não acredita na força da “mão invisível” do mercado, e que se engana quem acha que o neoliberalismo queria “menos estado”.

Para ele, o papel do neoliberalismo era de “espalhar o capitalismo”, mas isso precisa de estado, de leis. “Alguém precisa definir como são feitos os contratos”.

Para ele, “o capitalismo só opera por meio de e junto dos estados. Os estados são dependentes dos arranjos para manter o capitalismo funcionando.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Leo-Panitch-nao-existem-mais-burguesias-nacionais-/6/29134

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Halloween. "É a Economia Seu burro!"

31/10/2013 - Bemvindo Sequeira em seu
blog do Bemvindo

"It's the economy, stupid!". Esta  frase de James Carville na campanha de Bill Clinton resume tudo.

Ontem escrevi um post sobre o Halloween, que pessoalmente não curto muito, porque acho mais uma colonização cultural.

Mas escrevi apenas para marcar posição, porque se o halloween dá grana então ele vai ficar e vai crescer e tomar vultos espetaculares.

Não se tratará apenas de incorporá-lo à cultura nacional, mas antes à economia nacional. Se é rentável economicamente, vira cultura.

Quando o capitalismo percebeu o quanto os gays gastam em turismo, diversões, roupas, modas etc. etc. ficou muito mais fácil a luta dos ativistas gays para incluí-los na Sociedade.

O salto de qualidade se deu a partir da economia.

O  Dia do Orgulho Gay, com sua Parada, retorna aos cofres públicos e ao comércio uma grana preta!!!

Que bom que seja assim, pelo menos mais direitos civis são assegurados.

Claro, ainda falta a Lei Anti homofobia, mas a luta continua.

Salvar beagles? Cachorro em novela das 9? Proteção total aos animais? 

Claro, é bandeira justíssima, mas melhor, muito melhor assimilada pelo Sistema quando se noticia que só este ano no Brasil os PETs movimentarão 6 bilhões e meio de reais na economia.

Aí cães e gatos ganham até status de cidadania.

A campanha contra o cigarro só aconteceu porque os gastos com a saúde pública se tornaram maiores que os impostos arrecadados com o tabaco.

Aí a luta por ambiente livres de fumaça e por uma vida mais saudável ganha impulso e vitórias.

No Brasil dos últimos dez anos 36 milhões de cidadãos saíram da pobreza; 40 milhões entraram para a classe média...isso muda tudo.

Muda a moda, a produção fonográfica, a produção literária, muda até a produção de papéis higiênicos.

Logo, não sejamos ingênuos: as lutas e os ideais de lutas por todos os direitos, por todas as causas justas, por tudo que a ideia humana conceber como um bem a ser conquistado continuarão, mas só serão vitoriosos quando do salto econômico.

O Dia do Saci não vai pegar enquanto o Saci não vender.

Se o Saci não aportar grana no mercado sob a forma de fantasias, festas, viagens, fotos, filmes... vai ficar só no ideal.

Aliás Marx já sacou isso há quase 200 anos, o apressadinho do Lenin não leu direito, e James Carville repetiu para Clinton:
"É a economia, seu burro!"

Fonte:
http://blogdobemvindo.blogspot.com.br/2013/10/halloween-e-economia-seu-burro.html

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Cristina Kirchner, coragem de enfrentar monopólios

29/10/2013 - Que a coragem de Cristina Kirchner em enfrentar monopólios de mídia inspire Dilma
- Paulo Nogueira (*) - Diário do Centro do Mundo

Há uma enorme torcida na mídia brasileira contra o governo de Cristina Kirchner.

Colunistas brasileiros festejaram “o fim de seu ciclo” na Argentina depois dos resultados das eleições legislativas de domingo.

Mas como mostrou hoje a charge do jornal argentino Página 12: que “derrota” peculiar é aquela em que o governo mantém a maioria no Congresso.

Pois foi isso o que aconteceu na Argentina.

E eis que, mal terminada a apuração dos votos, Cristina obtém uma de suas maiores vitórias como presidenta, senão a maior. A Suprema Corte da Argentina aprovou a famosa Ley de Medios.

É uma lei que combate monopólios e estimula a pluralidade nos debates trazidos pela mídia.

O grupo Clarín – uma espécie de Globo local – se bateu quanto pôde contra a lei. Seu ponto – quem acredita nele acredita em tudo – é que se trata de uma legislação contra a liberdade de expressão.

Mentira

O grupo Clarín poderá continuar a dizer o que quer. Apenas não terá o monopólio da voz.

A decisão da justiça encerra a disputa: o Clarín vai ter que se desfazer de parte de seu monstruoso portfólio de mídia.

Conexões com o Brasil são inevitáveis.

Até quando a Globo continuará a desfrutar de seu monopólio abjeto, com o qual seus três acionistas herdaram a maior fortuna brasileira?


Até quando a mídia negará aos brasileiros, sem embaraço de qualquer natureza, pluralidade nos debates?

Cristina Kirchner fez uma coisa que nem Lula e nem Dilma (pelo menos até aqui) ousaram: enfrentou a mídia.

Ah, as circunstâncias lá são diferentes, objetarão alguns. Sim, nada é exatamente igual em dois países. Isto é um truísmo.

A real diferença entre o caso argentino e o caso nacional reside na bravura de Cristina para combater o bom combate.

No Brasil, há décadas, sucessivos governos se acovardam quando se trata de lidar com a mídia.

Numa situação patética, as empresas de jornalismo não pagam imposto pelo papel com que imprimem suas publicações, sejam jornais ou revistas.

São os cofres públicos financiando, pelo chamado “papel imune”, empresas riquíssimas empenhadas em perpetuar privilégios nocivos à sociedade.

Outra mamata inacreditável é a reserva de mercado de que a mídia goza, ela que fala tanto na importância do livre mercado.

Num artigo relativamente recente publicado no Globo para defender a reserva, foi dito que as novelas são “patrimônio nacional”, e por isso não podem ser ameaçadas pela concorrência estrangeira.

Também foi dito que haveria risco de uma emissora chinesa fazer propaganda de Mao Tsetung, caso instalada no Brasil.

O autor desse beatialógico é o hoje ministro do Supremo Luís Roberto Barroso, à época advogado do órgão de lobby da Globo, a Abert.

Quanto o poder irrestrito da mídia é ruim para o Brasil foi espetacularmente demonstrado em 1954 e em 1964, quando seus donos conspiraram abertamente contra governos eleitos e fizeram campanhas nas quais a verdade foi a primeira vítima.

Curiosamente, depois de chegar ao poder com uma grande frase segundo a qual a esperança deveria vencer o medo, o PT agiu de forma oposta em relação à mídia.

O medo venceu a esperança.

Mesmo sem dentes, mesmo com Ibope em queda livre, mesmo sem ganhar uma única eleição em muitos anos, mesmo ameaçado de morte pela internet, o Jornal Nacional continua a meter medo, melhor, pavor em administrações petistas.

Em Cristina Kirchner, a esperança foi maior que o medo, e o resultado é uma conquista histórica não dela, não de seu governo – mas da Argentina.

(*) O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/que-a-coragem-de-cristina-kirchner-em-enfrentar-monopolios-de-midia-inspire-dilma/

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

STF garante direitos indígenas

24/10/2013 - STF garante direitos constitucionais indígenas
- por Felipe Milanez (*)
- em seu blog, no site da Carta Capital

Decisão sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol não vincula condicionantes a outros casos de disputas territoriais.

Luis Roberto Barroso, relator do processo, profere seu voto enquanto é observado por indígenas

No julgamento dos embargos da Petição (PET) 3388, na quarta-feira, 24, em Brasília, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu os direitos constitucionais dos povos indígenas restringindo a aplicação da decisão, que contém 19 "condicionantes", apenas para o caso ao que se refere o julgamento: a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Os ministros foram precisos em afirmar: a decisão não tem efeito vinculante, não se estendendo a outros litígios que envolvam terras indígenas.

Qualquer extensão da decisão deste caso para um outro caso é mera "argumentação", segundo disse o relator, ministro Roberto Barroso [foto].

De forma clara, assim ele definiu a decisão do acórdão que estava em sede de embargos: "decisão atípica e não é um bom padrão a ser seguido".

As condicionantes teriam sido escritas para garantir a aplicação daquela decisão de 2009 na área, para ser efetiva, com a retirada dos invasores e a proteção do direito territorial dos povos indígenas. Por isso, de forma "atípica", a Corte definiu certas condições para o caso.

Portanto, segundo Barroso: "Uma outra demarcação pode levar em conta outras circunstâncias. A solução não pode ser a mesma para demarcações de áreas com outras características. As condicionantes estabelecidas para Raposa Serra do Sol valem apenas para este caso."

As "19 condicionantes" haviam sido oferecidas, na época, pelo falecido juiz Menezes Direito [foto], e criaram conflitos desde que o acórdão que protegeu a demarcação da Raposa Serra do Sol foi publicado.

Ruralistas, assim como o advogado da União, Luis Inácio Adams [foto abaixo], representando os interesses do governo federal, passaram a fazer uma interpretação extensiva desse argumento, tentando impedir novas demarcações e autorizar empreendimentos sem consulta aos índios.

Na visão dessas partes, não caberia demarcar nenhuma terra onde os índios não estivessem em 1988, não poderia haver nenhuma "ampliação", e os indígenas não teriam direito de serem consultados sobre projetos de "interesse nacional" (um termo complicado de ser definido) que recaiam sobre seus territórios tradicionais.

Portanto, Adams editou uma Portaria, a 303, e os ruralistas usaram os argumentos em mandados de segurança, como se a decisão da Raposa Serra do Sol funcionasse como uma súmula vinculante.

O alvo de Menezes Direito, cuja opinião serviu ao lobby ruralista, não era especificamente a terra indígena em Roraima mas, longe de lá, as terras guaranis no Mato Grosso do Sul e no sul do País, e os projetos desenvolvimentistas do governo federal.

Mesmo os casos de demarcações nos quais houvesse nulidade absoluta do processo não poderiam ser revistos.

A tentativa de Menezes Direito de produzir uma legislação por meio de uma decisão jurídica foi rechaçada pelos ministros do STF.

A decisão do STF sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas, explicou o ministro Barroso.

E, se não vincula o judiciário, também não deve vincular o Executivo na administração pública. Nesse sentido, a Portaria 303 da AGU, assinada por Adams em 2012 e que estava suspensa, perdeu sua justificativa maior.

A portaria era um dos principais alvos do movimento indígena, pois reescrevia as 19 condicionantes de Menezes Direito para os casos gerais.

Produzia, assim, uma interpretação da Constituição Federal que inovaria a ordem legislativa, o que perpassa os poderes dos advogados da União. Em meio a protestos, a medida foi suspensa.

STF e o acirramento dos conflitos
As argumentações sobre a aplicação da lei e o funcionamento do sistema jurídico podem sempre ser múltiplas e contraditórias.

É o que tem ocorrido nas decisões da Corte Suprema: decisões de Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa geralmente são antagônicas às de Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello no que tange os direitos indígenas.

Quando cai no colo de um ou de outro um processo, cada um decide do jeito que quer.

Lewandowski [foto] já havia decidido pela não aplicação
das condicionantes, enquanto Gilmar Mendes encontrou nelas um subterfúgio para suspender a demarcação da Terra Indígena Arroio-Korá, dos Kaiowá e Guarani, no Mato Grosso do Sul. 

Infelizmente, o STF, que deveria ser uma instituição pacificadora e garantidora do Direito, é um dos grandes responsáveis pelo acirramento de conflitos no campo no País e pela concentração fundiária.

A Corte, órgão máximo do Judiciário, é apontada pelo governo como responsável por travar as demarcações.

Apesar do julgamento ter sido favorável aos povos indígenas, os adversários dos índios passaram a contar na imprensa uma versão diferente, de que quem perdeu teria ganhado. Algo como: não ganhou, mas levou.

É uma retórica confusa, mas que ficou patente na declaração de Adams logo após o julgamento:

"[A decisão] reforça a portaria da AGU. O que a portaria é, é uma orientação técnica do advogado-geral à área jurídica dizendo que, na interpretação da norma constitucional, na aplicação da norma constitucional, nós temos que observar as condicionantes."

Acontece que a decisão do STF é justamente o contrário do argumento utilizado pelo advogado. Uma eventual tentativa de publicar a Portaria não será resguardada pelo STF, a priori, mas apenas opinião externada pelo órgão advocatício, e que deverá enfrentar opiniões contrárias e manifestações.

Em aberto
O STF deixou em aberto grandes questões, no entanto, que estão em debate no Brasil.

Tendo sido refutada a restrição das demarcações, resta o problema da "consulta prévia" aos povos indígenas, direito adquirido com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Para Raul do Valle, advogado do Instituto Socioambiental, o problema é o seguinte

"A decisão de 2009 é extremamente ambígua, dizendo que a instalação de bases militares, bem como suas intervenções, não precisam de consulta prévia para ocorrerem, no que o ministro 
Barroso concordou.

Mas ela estende essa mesma regra à "expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas, de cunho estratégico", sendo que a definição de "estratégico" caberia ao Conselho de Defesa Nacional.

Claramente uma extrapolação e uma afronta ao estado de Direito, na medida em que permite que decisões totalmente discricionárias possam impedir o exercício de um direito 
fundamental.

Se esse conselho decidir que é estratégico ao país vender soja para China com o menor preço possível estaria o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) autorizado a cortar uma pequena terra Kaingang no Paraná ao meio, sem consulta, porque seu desvio encareceria a saca exportada por Paranaguá em alguns centavos?"

Para Valle [foto acima], porém, é importante frisar que o voto de Barroso foi claramente pela negativa dessa hipótese, "dizendo que nem tudo pode ser considerado 'estratégico'".

Até o lado espiritual dos povos indígenas foi debatido pelos ministros em suas togas.

Há igrejas na Raposa Serra do Sol, protestantes e católicas, e a dúvida era se elas deveriam serem expulsas após a demarcação.

Sobre esse ponto, Barroso reafirmou o princípio constitucional da liberdade religiosa, facultando aos indígenas o poder da escolha se querem ou não a permanência das igrejas, templos, etc. No entanto, fez questão de frisar a "proteção aos locais de culto".

Nesse sentido, o trabalho das agências missionárias fundamentalistas, que praticam o proselitismo, segue sendo proibido nas terras indígenas, conforme portaria da Funai que expulsou missões internacionais que tentam evangelizar povos e traduzir a bíblia.

Essas atividades continuam sendo consideradas contrárias a lei. Isso não significa que os povos indígenas não possam praticar diferentes religiões que as suas tradicionais.

Mas invadir terras indígenas para converter os povos que lá habitam permanece sendo considerado uma afronta à proteção aos locais de culto.

As almas indígenas, conforme publiquei aqui no blog, em seus locais de culto que são os territórios tradicionais, devem continuar protegidas pelo Estado da sanha fundamentalista.

No julgamento, após terem sido tomadas as decisões centrais, os ministros que aparentemente teriam opinião diversa passaram a oferecer um debate raso, permeado de preconceito e discriminação aos povos indígenas.

[Gilmar] Mendes, [à direita, com Marco Aurélio Mello] que possui fazendas no Mato Grosso, chegou a citar uma reportagem preconceituosa da revista Veja, [VEJA - Edição 2091 - 17 de dezembro de 2008] como é a tônica da publicação, contrária aos índios da Raposa Serra do Sol.

Mendes inclusive deixou transparecer uma expressão de raiva no momento em que pronunciou "tribos de índios vivendo nos lixões" [ao lado].

Ao que Marco Aurélio de Mello deu seguimento ao bate-papo, como uma conversa de compadres na varanda do curral, revirando fantasmas da Ditadura e criticando os índios "aculturados" (um conceito que carrega significados discriminatórios).

Eles haviam aproveitado o gancho de Teori Zavascki [foto].

Segundo o advogado Raul Valle, Zavascki "queria, por alguma razão, dizer que os efeitos dos julgados se
estendiam a outros casos, mas não teve coragem".

Após uma grande confusão na sua argumentação, Zavascki resumiu tudo dizendo que o futuro é imprevisível e que tudo pode mudar um dia. Sob esse alerta, o relator Barroso completou: pode cair um meteorito aqui amanhã.

A onda anti-indígena em curso no Brasil hoje não acabou com a decisão do STF.

Especialmente pelos argumentos que aparentemente tornariam a decisão ambígua.

O bate papo dos ministros deu indicativos de que o STF empurrou para o Legislativo e o Executivo a pressão contrária aos índios.

E o Executivo tenta argumentar que vai se "inspirar" na decisão para agir de acordo com seus interesses e editar, novamente, normas que restringem direitos.

No entanto, por mais que se mire os índios como adversários de seus interesses, no caso do governo e ruralistas, em um aspecto o STF foi claro, sem nenhuma ambiguidade: vai ser preciso respeitar a Constituição Federal de 1988.

Caso ela seja mudada, tudo muda. Mas, hoje, o que vale é a Constituição e o sistema jurídico de hierarquia das normas e a separação dos poderes.

A Casa Grande, representada pelos grandes detentores de terras que não admitem interferências em seus negócios, vai ter de aceitar. 

Assim como o governo, submetido a um controle constitucional. Essa é a regra do jogo do "contrato social" que constitui o Brasil.

Conforme alerta o Conselho Indigenista Missionário, os desafios 
enfrentados pelos povos indígenas não foram resolvidos:

"O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) ressalta, todavia, que o encerramento do julgamento e a publicação do acórdão da Petição 3388 não servirão para cessar as problemáticas no tocante a questão das terras tradicionais dos povos indígenas.

É de se presumir que as forças político econômicas anti-indígenas continuem o ataque violento que vem desferindo contra os povos e seus direitos constitucionalmente estabelecidos."

Caso caia um meteorito em Brasília, cuja possibilidade alertou o ministro Barroso, muita coisa pode acontecer.

No entanto, mesmo assim, as 19 condicionantes formuladas por Menezes Direito não serão aplicadas fora do caso da Raposa Serra do Sol.

(*) Felipe Milanez, pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Felipe Milanez escreve sobre meio ambiente, conflitos sociais e questões indígenas. É também pesquisador visitante na Universidade de Manchester e integra o European Network of Political Ecology (Entitle). 

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/raposa-serra-do-sol-stf-garante-direitos-constitucionais-indigenas-6541.html