quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A Outra História do Mensalão - o livro

06/02/2013 - Livro sobre ‘mensalão’ pode virar novo best-seller político
- Eduardo Guimarães - do blog Cidadania

O blogueiro recebe da “Geração Editorial” release de livro que está para ser lançado e que, por razões que serão explicadas adiante, pode reeditar o sucesso de obra anterior publicada pela mesma editora, “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que, entre o fim de 2011 e início de 2012, tornou-se o maior best-seller político do século XXI no Brasil.

Trata-se de “A Outra História do Mensalão”, do jornalista Paulo Moreira Leite (foto), ex-colunista da revista Época e atual colunista da revista IstoÉ. Como bônus, a obra ainda tem prefácio do jornalista Jânio de Freitas, colunista da Folha de São Paulo e um dos maiores – e escassos, na grande mídia – críticos dos excessos do julgamento do mensalão.

Basicamente, o livro reúne colunas de Moreira Leite no blog que tinha hospedado no portal da Globo na internet, o qual teve que abandonar após ser boicotado pela revista Época por estar divergindo da linha editorial da publicação. O autor, porém, inseriu textos novos para encadear as postagens de seu antigo blog.

Os exemplares de “A Outra História do Mensalão” chegarão da gráfica para a editora no próximo dia 18 e, no dia seguinte, já deverão começar a ser despachados para livrarias de todo país.

Detalhe: a livraria Saraiva e a “Livraria da Folha” já abriram pré-venda do livro de Moreira Leite. Na Saraiva, em preço promocional, custa R$ 27.

O campeão de vendas anterior da Geração Editorial, o “A Privataria Tucana”, cumpriu um ritual antes de chegar às livrarias que parece estar se reeditando. Vale relembrar a trajetória impressionante de um livro que se transformou em best-seller com base exclusiva em repercussão antecipada na internet.

Com exceção da revista Carta Capital e da TV Record, o resto da mídia, em um primeiro momento, ignorou solenemente o lançamento do “A Privataria Tucana”, mas só até o dia 15 de dezembro.

Carta Capital, Record e blogs de esquerda acusaram a imprensa corporativa de boicotar a obra para não prejudicar José Serra, personagem central do livro.  A despeito do boicote, “Privataria” teve uma repercussão que nenhum livro amplamente divulgado pelos grandes meios obteve.

Para que se possa mensurar o sucesso daquela obra, os 15 mil exemplares de sua 1ª edição se esgotaram no primeiro dia em que foram distribuídos às livrarias, em dezembro de 2011.

Nos dois meses seguintes, “Privataria” alcançaria a marca impressionante de 120 mil exemplares vendidos. Livro de denúncias políticas análogo, o “Pais dos Petralhas”, de Reinaldo Azevedo, colunista e blogueiro da revista Veja, vendeu apenas 30 mil exemplares em seu primeiro ano.

Naquele dezembro de lançamento do “Privataria”, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (foto), outra personagem central do livro, chegou a cancelar evento de autógrafos de seu novo livro de memórias e todos os seus eventos de fim de ano, adiantando suas férias. Foi praticamente impossível falar com José Serra até várias semanas após o lançamento da obra.

Vale outra medida de comparação sobre a supremacia da obra: o livro de não-ficção mais vendido no Brasil em 2011, “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, lançado em 2009 pelo jornalista Leandro Narloch, vendera 71 mil cópias em todo o ano. Tanto este quanto “Petralhas” tiveram enorme divulgação da grande mídia, enquanto que “Privataria” virou best-seller com divulgação apenas em blogs e redes sociais.

Após o boicote inicial à obra, porém, o interesse comercial falou mais alto e a grande mídia passou a incluir o fenômeno de vendas em suas listas de livros mais vendidos.

Passados 19 dias da chegada de “A Privataria Tucana” às livrarias, do alto de uma busca ensandecida de leitores por exemplares em todo país a obra foi inserida na lista de Veja. O Globo, no caderno Prosa & Verso, colocou o livro em primeiro lugar, à frente do livro de Steve Jobs, que ficou em segundo.

A Privataria Tucana”, com 120 mil exemplares vendidos, chegou ao topo da lista geral de vendas da primeira semana de 2012. “Steve Jobs” e “As esganadas”, de Jô Soares, fecharam em segundo e terceiro lugar, respectivamente.

A Privataria Tucana” também foi um dos finalistas da 54ª edição do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, o prêmio mais prestigiado da literatura brasileira, na categoria Reportagem.

Eis que, agora, experiência pessoal do blogueiro – que, na última terça-feira (5/2), divulgou a obra em primeira mão no Facebook, ao mesmo tempo em que mais alguns poucos outros blogueiros que também receberam o release da Geração Editorial – mostra que o fenômeno pode se repetir.

A postagem naquela rede social anunciando o lançamento da obra do jornalista Paulo Moreira Leite, em algumas horas foi “compartilhada” por 1.178 pessoas, o que quem conhece o Facebook sabe que é muita coisa, sobretudo em se tratando de lançamento de um livro.


Os comentários dos leitores de tal postagem no FB dão a medida do sucesso que o livro pode vir a ter. Vale a pena ler.

Mostram que importante setor da sociedade está sequioso por ver contada a versão dessa história que a grande imprensa brasileira sonegou amplamente no âmbito de sua tentativa de condenar o governo Lula e desmoralizar o PT.

Fonte:
http://www.blogdacidadania.com.br/2013/02/livro-sobre-mensalao-pode-virar-novo-best-seller-politico-2/
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05/02/2013 - Da redação do jornal Correio do Brasil - Rio de Janeiro

O livro disseca os meandros políticos do julgamento mais polêmico dos últimos anos.

Neste livro corajoso, A Outra História do Mensalão – as contradições de um julgamento político, independente e honesto, o jornalista Paulo Moreira Leite, que foi diretor de Época e redator-chefe de Veja, entre outras publicações, ousa afirmar que o julgamento do chamado ‘mensalão’ foi contraditório, político e injusto, por ter feito condenações sem provas consistentes e sem obedecer a regra elementar do Direito segundo a qual todos são inocentes até que se prove o contrário.

Os acusados estavam condenados – por aquilo que Moreira Leite chama de opinião publicada, que expressa a visão de quem tem acesso aos meios de comunicação, para distinguir de opinião pública, que pertence a todos – antes do julgamento começar.

Naquele que foi o mais midiático julgamento da história brasileira e, possivelmente, do mundo, os juízes foram vigiados pelo acompanhamento diário, online, de todos os seus atos no tribunal.

Na sociedade do espetáculo, os juízes eles se digladiaram, se agrediram, se irritaram e até cochilaram aos olhos da multidão, como num reality show.

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Ler esses textos agora, terminado o julgamento, nos causa uma pavorosa sensação. O Supremo Tribunal Federal Justiça, guardião das leis e da Constituição, cometeu injustiças e este é sem dúvida um fato, mais do que incômodo, aterrador.

Como no inquietante O Processo, romance de Franz Kafka, no limite podemos acreditar na possibilidade de sermos acusados e condenados por algo que não fizemos, ou pelo menos não fizemos na forma pela qual somos acusados.

Num gesto impensável num país que em 1988 aprovou uma Constituição chamada cidadã, o STF chegou a ignorar definições explícitas da Lei Maior, como o artigo que assegura ao Congresso a prerrogativa de definir o mandato de parlamentares eleitos.

As acusações, sustenta o autor, foram mais numerosas e mais audaciosas que as provas, que muitas vezes se limitaram a suspeitas e indícios sem apoio em fatos.


A denúncia do “maior escândalo de corrupção da história” relatou desvios de dinheiro público mas não conseguiu encontrar dados oficiais para demonstrar a origem dos recursos. Transformou em crime eleitoral empréstimos bancários que o PT ao fim e ao cabo pagou.

Culpou um acusado porque ele teria obrigação de saber o que seus ex-comandados faziam (fosse o que fosse) e embora tipificasse tais atos como de “corrupção”, ignorou os possíveis corruptores, empresários que, afinal, sempre financiaram campanhas eleitorais de todos, acusados e acusadores.


Afinal, de que os condenados haviam sido acusados? De comprar votos no Congresso com dinheiro público, pagando quantias mensais aos que deveriam votar, políticos do próprio PT – o partido do governo! – e de outros partidos.
Em 1997 um deputado confessou em gravação publicada pelo jornal Folha de S. Paulo que recebera R$ 200 mil para votar em emenda constitucional que daria a possibilidade de o presidente FHC ser reeleito.

Mas – ao contrário do que aconteceu agora – o fato foi considerado pouco relevante e não mereceu nenhuma investigação oficial. Dois pesos, duas medidas.






Independentemente do que possamos aceitar, nos limites da lei e de nossa moral, o fato é que, se crimes foram cometidos, os criminosos deveriam ter sido, sim, investigados, identificados, julgados e, se culpados, condenados na forma da lei.

Que se repita: na forma da lei.

É ler, refletir e julgar. Há dúvidas – infelizmente muitas – sobre se foi isso o que de fato aconteceu.

Fonte:
http://correiodobrasil.com.br/destaque-do-dia/paulo-moreira-leite-lanca-outra-historia-do-mensalao/578325/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem nos textos originais.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Credibilidade de blogueiro tem preço

15/01/2013 - O preço da credibilidade nos blogs de jornais
- Por Carlos Castilho - Observatório da Imprensa

A maioria dos jornais adotou em massa a solução dos blogs autorais como forma de personalizar conteúdos informativos a baixo custo, mas agora os editores começam a ter dores de cabeça com a cobrança de rigor jornalístico por parte de leitores.

Este é o teor do desabafo do ombudsman do The Washington Post, Patrick Pexton, que constatou ser impotente a corrida dos autores de blogs em agir rápido para manter a fidelidade dos leitores, ao mesmo tempo em que as redações e os leitores cobram precisão, objetividade, isenção e ineditismo com base no patrimônio editorial da revista ou jornal.

Trata-se de um conflito de duas lógicas e que dificilmente será resolvido com base apenas nas normas vigentes nas redações.

Os blogs têm uma dinâmica, um formato e um objetivo diferentes dos de uma reportagem, notícia ou comentário impressos. A grande maioria dos blogs é um produto individual, enquanto o material de um jornal, revista, ou telejornal é resultante de um trabalho coletivo.   

Os blogs precisam ter uma alta rotatividade de textos para manter a fidelidade de seus leitores porque espaços muito grandes entre uma atualização e outra abrem a possibilidade de que o usuário seja atraído por outro blog.

A narrativa dos blogs também é muito mais informal e coloquial do que de uma notícia de jornal. Idealmente, eles seriam conversas entre o autor e os leitores, ao contrário dos textos impressos, que funcionam mais como comunicados.

Finalmente temos a questão do objetivo, pois os blogs vivem mais da informação segmentada e do comentário opinativo do que de uma pauta geral e ampla, como a de um jornal diário.

Essas diferenças fazem com que não seja possível avaliar um blog com a mesma régua usada pelos leitores para medir as informações de um jornal.

Mas a cultura predominante na audiência da imprensa escrita e dos veículos audiovisuais ainda é a do século 20.

Daí a cobrança de uma exatidão, isenção e credibilidades impossíveis de serem alcançadas pelos blogs.

Os blogueiros são hoje uma solução e um problema para a maioria dos jornais.

Solução porque permitem diversificar, dinamizar e personalizar o cardápio informativo do veículo.

Um problema porque nem o autor e nem a redação conseguem conferir no detalhe todas as informações publicadas no blog, quando ele está hospedado num jornal ou revista.

O próprio ombusdman do The Washington Post reconhece que a checagem detalhada das informações inseridas num blog obrigaria o seu autor a publicar em média um texto a cada 15 dias, o que segundo os entendidos é a rota mais curta para a perda de leitores.

Assim, a convivência com o erro é inevitável e só pode ser tolerada se for entendida pelos leitores como um esforço para chegar à credibilidade e não como a expressão acabada da verdade.

Os leitores não terão outra alternativa senão desenvolver as suas próprias técnicas de leitura crítica para poder comparar blogs e identificar seus erros ou deficiências.

Implica uma atitude mais ativa do que o comportamento passivo imposto pela impossibilidade de interagir mais intensa e rapidamente com as redações convencionais.

As redações, por seu lado, estão descobrindo na prática como é difícil, quase impossível, manter o férreo controle do produto editorial de um veículo impresso ou audiovisual.

Quando as redações eram grandes, o controle ainda era possível, mas com a crise elas foram reduzidas quase “ao osso”, justo no momento em que a oferta informativa passou a crescer freneticamente.

A solução do dilema entre a rapidez e a exatidão só pode ser alcançada se o conteúdo de blogs e jornais for avaliado em seu contexto especifico, levando em conta as exigências comuns de credibilidade, exatidão, relevância e pertinência.

Não se trata de ser mais tolerante com os erros de blogueiros, porque em matéria de credibilidade o leitor tem toda a razão ao exigir tolerância zero. Mas também não adianta cobrar o impossível.

Uma possibilidade é ver os blogs como algo parcial, fluido, incompleto e diverso.

Um insumo para análise e reflexão mais do que um padrão a ser seguido. Ver os blogs como um conjunto, onde as partes podem ser contraditórias e conflitantes.

Avaliá-los como se fossem intervenções num debate público em que cada leitor tira depois as suas conclusões pessoais.

Fonte:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/posts/view/o_preco_da_credibilidade_nos_blogs_de_jornais

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

No livro de Assange: liberdade e o futuro da internet

02/02/2013 - Especial: a apresentação do livro de Julian Assange
- Por Natalia Viana (*) no blog Outras Palavras

“Uma guerra furiosa pelo futuro da sociedade está em andamento. Para a maioria, essa guerra é invisível”, alerta Julian Assange, fundador do WikiLeaks, na apresentação do seu programa de entrevistas World Tomorrow, realizado em parceria com a rede de TV russa WT – e que serviu de base para este livro.

De um lado, uma rede de governos e corporações que espionam tudo o que fazemos. Do outro, os cypherpunks, ativistas e geeks virtuosos que desenvolvem códigos e influenciam políticas públicas.

Foi esse movimento que gerou o WikiLeaks”.

É com essa descrição em mente que o leitor deve percorrer cada página deste livro, que traz uma das mais instigantes conversas públicas entre importantes partícipes desta batalha: a batalha pela liberdade na rede.


Na obra, Assange, ao lado dos companheiros de armas – e eficientes desenvolvedores de códigos digitais – Jérémie Zimmermann, Jacob Appelbaum e Andy Müller-Maguhn, disseca temas essenciais que estão definindo, hoje, os principais embates sobre como deve ser o futuro da internet.

Jacob Appelbaum
Andy Müller-Maguhn
A rede mundial de computadores apresenta, como muitas tecnologias, uma variedade de usos possíveis. É, como a energia elétrica, a semente de uma gama infinita de possibilidades, e semente poderosa: seu potencial ainda está sendo descoberto ao mesmo tempo que seu rumo vai sendo definido pelo caminhar tecnológico e pelo caminhar político.

Fica cada vez mais claro, assim, que a rede é espaço de disputa política. Um exemplo: em 2012, nos EUA, após diversos protestos, a opinião pública conseguiu forçar a suspensão de duas legislações que estavam sendo discutidas no Congresso norte- americano, a Sopa (Stop Online Piracy Act [Lei de Combate à Pirataria On-line]) e a Pipa (Protect IP Act [Lei de Prevenção a Ameaças On-line à Criatividade Econômica e ao Roubo de Propriedade Intelectual]).

Ambas previam a possibilidade de bloqueio de sites, inclusive estrangeiros, por infração de direitos autorais.

O leitor brasileiro conhece bem esse embate. Nos últimos anos, a discussão sobre a fronteira digital por aqui também tem se centrado na propriedade intelectual.

Durante os dois mandatos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), o Ministério da Cultura tornou-se apoiador da cultura digital livre, baseada no compartilhamento do conhecimento e no incentivo ao uso de ferramentas como o software livre (ou não proprietário) e as licenças creative commons, que permitem a reutilização de qualquer produção, de acordo com os interesses do autor.

O debate ressurgiu com toda força quando, durante o governo posterior, de Dilma Rousseff, o Ministério tentou reverter essa política.





Em Cypherpunks – liberdade e o futuro da internet, Assange e seus coautores enfocam uma dimensão dessa batalha ainda pouco conhecida no Brasil – mas que se faz urgente. Trata-se do que o australiano chama de “militarização do ciberespaço”, a vigilância das comunicações em rede por serviços de segurança e inteligência de diversos países.

Ele detalha: Quando nos comunicamos por internet ou telefonia celular, que agora está imbuída na internet, nossas comunicações são interceptadas por organizações militares de inteligência. É como ter um tanque de guerra dentro do quarto. [...] Nesse sentido, a internet, que deveria ser um espaço civil, se transformou em um espaço militarizado.

Mas ela é um espaço nosso, porque todos nós a utilizamos para nos comunicar uns com os outros, com nossa família, com o núcleo mais íntimo de nossa vida privada. Então, na prática, nossa vida privada entrou em uma zona militarizada. É como ter um soldado embaixo da cama”.

Ao longo deste livro, são muitos, e instigantes, os apontamentos como esse, feitos pelos quatro “geek-filósofos”, pensadores originais das estruturas culturais, econômicas e políticas do ciberespaço.


Antes de prosseguir, porém, devemos voltar à outra trincheira de Assange na rede digital, aquela que lhe trouxe reconhecimento no mundo todo: o WikiLeaks.

Como o próprio autor pontua, o WikiLeaks, organização que se dedica a publicar documentos secretos revelando a má conduta de governos, empresas e instituições, é fruto da cultura cypherpunk.

Seu modo revolucionário de fazer jornalismo é indissociável dos temas abordados neste livro e indissociável da filosofia do próprio Julian Assange.


Fundado em 2007, o WikiLeaks ficou famoso em 2010, quando publicou milhares de documentos secretos norte-americanos supostamente vazados pelo soldado Bradley Manning (foto), que servia no Iraque.

O primeiro vazamento, em abril, consistia em um único vídeo de dezessete minutos. Seu conteúdo era chocante: de dentro de um helicóptero Apache, soldados norte-americanos atacavam doze civis desarmados – entre eles, dois jornalistas da agência de notícias Reuters. Antes da publicação, a agência tentara, sem sucesso, obter o vídeo mediante a Foia (Freedom of Information Act, a Lei norte-americana de acesso à informação).


Meses depois, em julho, o WikiLeaks publicou 75 mil diários militares sobre a guerra do Afeganistão, que comprovaram centenas de assassinatos indiscriminados de civis pelas forças dos EUA. Em outubro, a organização publicou 400 mil relatos secretos sobre a ocupação no Iraque, provando a constante tortura contra prisioneiros.

O maior vazamento, no entanto, viria no final de novembro. Uma verdadeira enxurrada. O projeto, chamado “Cablegate”, não era apenas o mais extenso material restrito a ser vazado na história do jornalismo.

Os 251.287 comunicados diplomáticos provenientes de 274 embaixadas dos EUA no mundo todo compunham o mais abrangente relato de como funcionam as relações internacionais – e também de como líderes de cada um desses países, além dos EUA, se comportam a portas fechadas.

A publicação, realizada em parceria com alguns dos principais veículos da imprensa global – e Guardian, e New York Times, Le Monde, El País e Der Spiegel, teve um profundo impacto na opinião pública. Estava ali um relato inédito da nossa história recente, preciso, datado. E delicioso.

Através dele, aprenderíamos como se dão na prática as negociações políticas, em milhares de reuniões discretas, comentários maliciosos, negociações por trás das cortinas. Um comentarista chegou a afirmar que o material constitui um novo tipo de literatura.

As revelações desnudaram aspectos sinistros da política externa dos Estados Unidos, como os pedidos da Secretária de Estado Hillary Clinton (foto) a 33 embaixadas e consulados para que diplomatas espionassem representantes de diversos países na ONU, reunindo números de cartões de crédito, senhas, dados de DNA.

Outros documentos expunham mais claramente os crimes de guerra no Iraque – como um relatório que descrevia a execução sumária de dezessete civis, incluindo quatro mulheres e cinco crianças, e as tentativas de refrear processos criminais contra soldados norte-americanos.

Os relatos da embaixada norte-americana na Tunísia, que descreviam em detalhe a extrema corrupção do governo do ditador Ben Ali, foram um enorme incentivo para a revolta tunisiana que acabou por derrubá-lo em meados de janeiro de 2011 – e outros países seguiram o exemplo, no que ficou conhecido como a Primavera Árabe.

Foi assim que grande parte da imprensa mundial travou contato com a filosofia do WikiLeaks. Tratava-se da aplicação radical da máxima cypherpunkprivacidade para os fracos, transparência para os poderosos” e do princípio fundamental da filosofia hacker:

A informação quer ser livre.

Para isso, Assange uniu a expertise de desenvolvedor de códigos digitais aos fundamentos mais básicos do jornalismo, prática que tanto se diz em crise; em essência, trazer à tona histórias de interesse público.

Foi ele quem desenvolveu o código original, o primeiro “dropbox” do WikiLeaks, através do qual os documentos poderiam ser enviados à organização, valendo-se da mesma proficiência que já mostrara quando criou o sistema de criptografia "rubberhose", desenvolvido para que defensores de direitos humanos consigam manter em segredo parte dos dados criptografados mesmo se pressionados sob tortura por regimes autoritários.

No WikiLeaks, a ideia era manter um canal totalmente seguro para o envio de documentos, com uma criptografia poderosa, que fosse não apenas inviolável a ataques, mas que erradicasse qualquer informação sobre a sua origem.

A tecnologia, acreditava Assange, seria libertadora: permitiria que whistleblowers – fontes internas de organizações – denunciassem violações por parte de governos e empresas sem medo.


Nada mais de encontros em garagens subterrâneas, como fizera o famoso “Garganta Profunda”, codinome do informante dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, no escândalo Watergate, que levou à queda do presidente norte-americano Richard Nixon (foto) em 1974.

Agora, whistleblowers como ele, que sempre foram fontes essenciais do fazer jornalístico, teriam a possibilidade do completo anonimato. O próprio Julian Assange garante que desconhece a identidade daqueles que vazaram material ao WikiLeaks. Mais do que isso: qualquer pessoa poderia se tornar um whistleblower, ou informante, em potencial, vazando de maneira segura documentos do governo, organização ou empresa em que trabalha.

O desenho da web também permitia, pela primeira vez, a transferência e publicação de milhões de documentos, o que antes era impossível: há algumas décadas, para reunir a documentação do Cablegate seriam necessários centenas de caminhões carregados de papéis.


O WikiLeaks significava a libertação da verdade por meio da criptografia. Poderosa a princípio, essa ideia tem sido forçadamente neutralizada após o tratamento cruel destinado ao soldado Bradley Manning (foto), que permaneceu durante mais de 880 dias preso sem julgamento, boa parte desse tempo sob tratamento “cruel e desumano”, segundo o relator da ONU para tortura.

É importante lembrar que Bradley Manning não foi conectado ao vazamento por alguma quebra na segurança criptográfica do código do WikiLeaks, mas por supostamente ter confessado em um chat ser a fonte dos documentos.

Outras reações alvejam a organização, como o próprio Assange explica ao longo do livro. Basta dizer que, em julho de 2012, o porta-voz do Departamento de Justiça dos EUA Dean Boyd admitiu que a investigação sobre o WikiLeaks continuava ativa. Desde dezembro de 2010, uma semana depois da publicação do Cablegate,

Assange ficou em prisão domiciliar no Reino Unido – no momento de publicação deste livro, ele estava isolado havia mais de duzentos dias na embaixada equatoriana, onde recebera asilo diplomático.


Isso não refreou o trabalho do WikiLeaks, o que demonstra que a capacidade técnica da sua equipe se sobrepõe a esses achaques.

Nesse meio tempo, a organização publicou setecentos arquivos sobre prisioneiros de Guantánamo (foto), revelando inclusive detalhes dos interrogatórios; 2 milhões de emails do governo da Síria; centenas de propagandas de empresas de vigilância e espionagem digital; e centenas de documentos secretos do Departamento de Defesa dos EUA sobre suas políticas de detenção militar.

A batalha travada pelo WikiLeaks é tanto política quanto tecnológica.

Voltando ao aspecto jornalístico, a organização representa ainda um marco importante ao disponibilizar, por princípio, toda a base documental de suas publicações – vale lembrar que, além de divulgar documentos, o WikiLeaks produziu dezenas de matérias, vídeos e artigos de opinião. Por outro lado, no jornalismo tradicional são poucos os veículos que disponibilizam todo o material-base de suas reportagens para que seja escrutinado e reutilizado pelo público.

A tendência, é claro, já existia: na era da internet qualquer um pode ser produtor de notícia. Porém, o WikiLeaks avança mais um passo, trazendo essa lógica para o lugar do jornalismo em essência, ao valer-se dos segredos de Estado, documentos que comprovam violações de direitos humanos por empresas, o rastro documental dos crimes dos poderosos – que sempre foram a base para o jornalismo investigativo.

Permite, assim, que dezenas de veículos independentes, jornalistas, ativistas – e usuários – se apropriem dessa documentação e se tornem também provedores de jornalismo de qualidade.

Há aí uma noção hacker intrínseca na maneira de o WikiLeaks praticar jornalismo: se por um lado a organização se alia a veículos tradicionais de mídia – assim como a veículos não tradicionais – por outro ela incentiva a disseminação de conteúdos livres, fora dessa indústria.

E a indústria da notícia é hoje uma das principais trincheiras na disputa sobre
o vasto mundo da internet.

O Cablegate no Brasil

Muitos criticaram, na época do lançamento do Cablegate, a parceria estabelecida com grupos de mídia que concentram a produção e a disseminação da informação, agindo às vezes como barreira para “a informação que quer ser livre”.

Diziam que o WikiLeaks fortalecia a indústria tradicional da notícia. Sei disso porque fiz parte da equipe selecionada por Julian Assange para pensar uma estratégia de divulgação para os documentos, tendo coordenado a divulgação dos 3 mil documentos de embaixadas e consulados norte-americanos no Brasil.

Foram seis meses de trabalho, que renderam uma das experiências mais ricas e completas de disseminação dos relatos diplomáticos.

No percurso, aprendi que o modo de produção do WikiLeaks, em si, questiona e abala a indústria de notícias.

Não se trata de um conceito teórico apenas; na semente do WikiLeaks – que, como organização fundamentalmente da era digital, não “é”, não termina de “ser” jamais, passa por constantes transmutações – está o questionamento profundo do controle da informação noticiosa.

A ideia, desde o começo, era que as histórias se espalhassem o máximo possível, de modo a chegar aos cidadãos dos países aos quais se referiam. Do ponto de vista logístico, disseminar esses documentos de maneira profissional e orquestrada para tantos países parecia uma tarefa impossível.

Mas, graças à estratégia de Assange, em um ano eles haviam chegado a mais de setenta parceiros de todo o mundo – jornais, revistas, sites independentes, jornalistas freelancers, ONGs.

É um feito notável, e sem dúvida um marco na história do jornalismo.

A ideia de Assange sempre foi expandir a quantidade de veículos que recebe- riam o material – a contragosto dos parceiros iniciais e Guardian, e New York Times, Le Monde, El País e Der Spiegel. E espalhar o material também para os países periféricos, longe dos centros de poder da Europa e dos EUA.

Acompanhei de perto esse embate colossal, que marcava já o início das rusgas da indústria de notícias com o WikiLeaks, porque Assange considerava o Brasil um país estratégico, que precisava ser contemplado logo na primeira leva.

Sob protestos dos jornais do hemisfério Norte, divisamos uma maneira de seguir em frente. Além de compartilhar documentos específicos com um grande veículo brasileiro, eu escreveria reportagens para o site do WikiLeaks, sob a licença creative commons, com disseminação livre, para o site da organização.


Uma dezena de jornalistas independentes de outros países, voluntários como eu, fizeram o mesmo, e o resultado foi uma profusão de matérias sobre documentos que não tinham recebido atenção daquele grupo de veículos da imprensa tradicional.

Um exemplo foi o documento que ficou conhecido como “A lista de compras do Império”, ignorado pelos grandes jornais. Ele dissecava os interesses estratégicos norte-americanos em todo o mundo – de gasodutos na Rússia até minério de ferro e nióbio no Brasil.


Nele, o Departamento de Estado de Hillary Clinton pedia que suas embaixadas pesquisassem a segurança dessas instalações em segredo: Não estamos pedindo que as embaixadas consultem os governos a respeito dessa solicitação”, dizia o documento.

O processo de publicação dos documentos da missão norte-americana no Brasil acabou sendo um dos mais criativos e extensos, e teve também uma boa dose de experimentação.

Começou com uma dura decisão, já que só existem três jornais de circulação nacional – Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo – todos eles parte de conglomerados com interesses que muitas vezes interferem na cobertura de temas nacionais.

Isso reflete a concentração histórica da mídia no Brasil, onde cinco empresas, pertencentes a seis famílias, controlam 70% de toda a mídia.

Existem, claro, excelentes repórteres que poderiam fazer um bom trabalho, mesmo que soubéssemos desde o começo que algumas histórias seriam parciais e outras jamais seriam publicadas.

Assim, decidi entrar em contato com a Folha de S.Paulo, por meio do jornalista Fernando Rodrigues, diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

Na véspera do vazamento, escrevi a primeira história que seria publicada no site do WikiLeaks, e enviei-a ao jornal, junto com trechos dos documentos. Relatava que a polícia federal prendera suspeitos de terrorismo sob acusações de outros crimes para não atrair a atenção.

A história foi publicada pela Folha e depois reproduzida por toda a imprensa. O governo Lula negou a informação, e o assunto morreu por aí. Mas a publicação chamou a atenção de toda a mídia para as futuras revelações, de modo que todos pediam mais: jornais, rádio, TVs.


Decidimos, então, trabalhar também com O Globo, no Rio de Janeiro, para dinamizar a cobertura e garantir que um jornal serviria de contrapeso ao outro. A direção da Folha não ficou muito contente com isso, mas concordou. Assim começou uma colaboração inédita entre dois dos maiores jornais brasileiros e uma organização internacional sem fins lucrativos.

Todos os temas eram decididos conjuntamente, e a Folha, o Estado e o WikiLeaks publicavam simultaneamente reportagens sobre o mesmo lote de documentos. A parceria funcionou muito bem, e produziu uma centena de
boas reportagens.

Embora os dois jornais adotassem ângulos similares em algumas histórias, outras foram cobertas de maneira bem diferente. O Globo, por exemplo, criticou duramente um ex-embaixador norte-americano que afirmara que a presidenta Dilma Rousseff teria realizado um roubo armado durante a ditadura militar. A Folha foi mais leniente.

Ambos os jornais publicaram que os EUA estavam preocupados com a segurança em relação às Olimpíadas de 2016 no Brasil; eu escrevi um artigo para o site do WikiLeaks descrevendo que os EUA estavam fazendo lobby para prover treinamento e segurança, assim como aumentando sua presença no país.

Ter três veículos analisando ao mesmo tempo os mesmos documentos permitiu vislumbrar de maneira única como funciona o jornalismo – e como o mesmo material pode ser tratado de maneiras diferentes.

Um exemplo é o texto “Meu amigo Jobim”, publicado no site do WikiLeaks, onde descrevi, com base nos documentos, como o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim (foto) manteve diversas reuniões com o embaixador norte-americano em que compartilhava abertamente sua antipatia em relação ao “antiamericanismo” do Itamaraty, passando a ele informações sobre uma compra de caças, de interesse comercial dos EUA, e sobre parcerias militares com outros países no combate ao narcotráfico.

Os documentos revelavam como a administração George W. Bush usava a estratégia de manter contatos estreitos com Jobim para contrabalançar a postura independente do Brasil, chamando-o de “incomumente ativista” em defesa dos interesses norte-americanos.

A Folha de S.Paulo recebeu os mesmos documentos, mas enfatizou o fato de que o Itamaraty é visto pelos EUA como “inimigo”.


O artigo publicado no site do WikiLeaks foi reproduzido nas redes sociais e levou muitos websites de esquerda a chamar Jobim de traidor, gerando um escândalo político que o enfraqueceu no momento em que ele assumia seu segundo mandato à frente do Ministério da Defesa no governo de Dilma Rousseff.

Jobim saiu oito meses depois, e no seu lugar assumiu o ex-chanceler Celso Amorim (foto), tão criticado por ele por trás das portas da embaixada norte-americana em Brasília.

Em meados de janeiro de 2011, estava claro que os jornais não iriam exaurir todos os documentos, por causa de suas limitações de diários impressos e comerciais.

Ao mesmo tempo, eu havia começado um blog que tinha uma ótima interação com leitores interessados nas histórias ainda não contadas. Foi assim que concebemos uma segunda etapa da divulgação.

Dessa vez, seria o público, em vez dos editores, a decidir os temas de interesse. Através do blog, eu pedi aos leitores que sugerissem tópicos, e selecionei os duzentos mais pedidos.

Para publicar as histórias, criamos uma força-tarefa de blogueiros, para quem enviei os documentos antes da publicação no site.


Foi assim, apostando em uma parceria com veículos não tradicionais, que vieram à tona furos referentes às reuniões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do ex-governador de São Paulo, José Serra com diplomatas norte-americanos, bem como as declarações do então subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo, de que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin seria membro da Opus Dei.

Nenhum dos dois jornais, parceiros de primeira hora, haviam publicado essas informações.

As publicações dos blogueiros, porém, também arrefeceram após um tempo. Faltava-lhes estrutura, pessoal e expertise para um trabalho exaustivo como o de pesquisar centenas de documentos – trabalho natural de um tipo específico de jornalista, aquele que se dedica a reportagens investigativas.

Foi assim que, em meados de março, juntei-me a um grupo de mulheres jornalistas para fundar a Agência Pública, primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do Brasil.

Inspirada em organizações similares de outros países, usamos como filosofia a disseminação livre de conteúdo, em creative commons, e a divulgação das bases de todas as nossas reportagens – todos os documentos.


A Pública realizou então a última fase de publicação dos documentos do Cablegate relativos ao Brasil.

Isso foi feito por crowdsourcing: uma redação temporária formada por quinze jornalistas se reuniu na sede da Agência Pública. Surpreendentemente, conseguimos publicar mais cinquenta matérias baseadas nos documentos diplomáticos.

Novas revelações incluíam reuniões entre diplomatas norte-americanos e representantes da imprensa e a transferência secreta para o Brasil de trinta agentes da DEA (Drug Enfrorcement Agency) norte-americana, que haviam sido expulsos da Bolívia em 2008, acusados de espionagem.

Essas histórias criaram mais um furor na mídia, que reproduziu o conteúdo em creative commons. E provaram que, na nova fronteira digital, é possível para um grupo de jornalistas independentes produzir e disseminar conteúdo de qualidade – e até prosseguir nas histórias ignoradas pela mídia tradicional.

É como uma caixa de Pandora: será impossível agora conter o fluxo de jornalismo independente inspirado pelo trabalho do WikiLeaks.

Passados dois anos dessa experiência, na conversa com seus colegas cypherpunks que você lerá a seguir, Julian Assange disseca as limitações com as quais teve contato na produção de jornalismo no Ocidente – que, segundo ele, vive um tipo de censura sofisticada:

Podemos pensar na censura como uma pirâmide. É só a ponta dela que aparece na areia, e isso é proposital.

A ponta pública – calúnias, assassinatos de jornalistas, câmeras sendo apreendidas pelos militares e assim por diante –, é uma censura publicamente declarada. Mas esse é o menor componente.

Abaixo da ponta, na camada seguinte, estão todas as pessoas que não querem estar na ponta, que se envolvem na autocensura para não acabar lá.

Na camada subsequente estão todas as formas de aliciamento econômico ou clientelista que são direcionadas às pessoas para que elas escrevam sobre isso ou aquilo.

A próxima camada é a da economia pura – sobre o que vale economicamente a pena escrever.

O conceito do WikiLeaks é um marco no jornalismo porque permite a subversão das camadas mais profundas dessa “censura”.

Não é à toa que, após a lua-de-­mel inicial do vazamento do Cablegate, grande parte do mainstream da imprensa tenha se tornado hostil à organização.

É apenas mais um front nas batalhas digitais de Assange.

(*) Natalia Viana é jornalista, codiretora da Agência Pública e autora e coautora de três livros: Plantados no chão: assassinatos políticos no Brasil hoje, Habeas corpus: que se apresente o corpo – a busca dos desaparecidos políticos no Brasil.

Artigos relacionados:
- “Por que defendemos o Wikileaks e Assange” [http://www.outraspalavras.net/2012/08/22/por-que-defendemos-o-wikileaks-e-assange/]
- “Querem vencer Assange pelo cansaço” [http://www.outraspalavras.net/2012/08/25/chomsky-inglaterra-e-eua-querem-vencer-assange-pelo-cansaco/]
- Por que o caso Assange é crucial [http://www.outraspalavras.net/2012/06/11/por-que-o-caso-assange-e-crucial/]
- E se os EUA puserem as mãos em Assange? [http://www.outraspalavras.net/2011/03/10/defensores-da-liberdade-calam-o-mensageiro/]
- Asilar Assange, em nome da democracia [http://www.outraspalavras.net/2011/01/27/asilar-assange-em-nome-da-democracia/]

Fonte:
http://www.outraspalavras.net/2013/02/02/especial-a-apresentacao-do-livro-julian-assange/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

Fritz Utzeri, um jornalismo de qualidade que desmontava versões oficiais

Utzeri (1944-2013) foi o primeiro a denunciar a morte de Rubens Paiva e a desmentir o IPM do Riocentro


Fritz entre Sérgio Fleury e Heraldo Dias, na redação do JB

Marcelo Auler, no JB On Line
O alemão de berço e brasileiro por opção Fritz Utzeri, que o jornalismo perdeu na segunda-feira, 4, foi daqueles profissionais que os próprios colegas se orgulhavam de com ele trabalhar. Forjado na reportagem numa época em que não existia meios digitais — a comunicação à distância era feita por telex e linhas telefônicas que nem sempre funcionavam — e quando a Ditadura impedia, mediante todos os artifícios do poder, a renovação dos quadros políticos e o instituto da reeleição para os cargos executivos,  Fritz acabou dando aulas de apuração de reportagens, que hoje seriam chamada de jornalismo investigativo. Mais do que isso, ajudou a escrever parte da história contemporânea do país ao desmontar versões falaciosas.

Fritz faleceu vítima de um câncer linfático com o qual lutava há três anos. Seu corpo está sendo velado na capela 6 do Memorial do Carmo, no Caju — Zona Portuária do Rio —,  de onde sairá na terça-feira, ao meio-dia, para o Crematório.

Jornalismo brasileiro de luto
Em 1978 o país ainda estava debaixo da ditadura militar. Muito embora o presidente Geisel promovesse uma abertura "lenta, gradual e segura" através da qual, aos poucos, a censura à imprensa foi sendo suspensa, ainda se vivia o bipartidarismo da Arena e do MDB, as greves estavam apenas recomeçando através de Luiz Inácio da Silva, o Lula — então um novato líder sindical — o debate sobre a Anistia política só existia entre grupos de esquerda, e assim como a discussão em torno dos desparecidos/assassinados nos porões dos quartéis e órgãos de repressão ocorria à boca pequena.

Foi neste cenário político ainda cinzento que, no domingo 22 de outubro de 1978, uma reportagem assinada por Fritz Utzeri e Heraldo Dias (também já falecido) contestava pela primeira vez de forma clara com minúcias de detalhes a versão oficial dos militares sobre a morte do ex-deputado Rubens Paiva.

Não foi apenas uma reportagem de jornalismo investigativo, mas um verdadeiro desmonte da versão oficial sobre o “desaparecimento” do ex-deputado Paiva. Até então, a única versão: Fritz e Heraldo se superaram nas três páginas em que o Caderno Especial do Jornal do Brasil daquele final de semana questionava: “Quem matou Rubens Paiva?”

Anos mais tarde, em 1981, quando do episódio da bomba destinada a estourar no Riocentro, a dupla de repórteres e amigos voltou a dar um show de apuração jornalística, que resultou em uma série de matérias que também mostraram ser insustentável a versão oficial, que tentava esconder um atentado que os militares da linha dura tentaram perpretar.

Revelando um tabu
Na reportagem sobre a morte do deputado Rubens Paiva — até hoje dado como “desaparecido” pelos militares — o trabalho dos dois jornalistas teve como primeiro mérito trazer à tona um assunto que muitos conheciam mas que a imprensa não divulgava, até por causa da censura que existiu nos anos de chumbo para alguns jornais.

Mas o trabalho não apenas revelou um dos casos sobre o qual não se falava, como desceu às minúcias para provar que era impossível o tão falado “sequestro” de Paiva, versão oficial do seu desaparecimento. Por ela, o ex-deputado que fora preso pela Aeronáutica e depois levado ao Quartel da PE na Rua Barão de Mesquita, teria sido resgatado, na madrugada do dia 22 de janeiro de 1971, por oito “subversivos” ao ser conduzido em um Volkswagen pela Avenida Edson Passos por três militares. O relato dava conta de uma troca de tiros, durante a qual o capitão e dois sargentos se refugiaram atrás de um muro. Teria ocorrido saraivada de tiros. Clique na imagem para ler obituário completo e a reportagem de 1978 sobre Rubens Paiva.