quarta-feira, 11 de setembro de 2013

40 anos do golpe no Chile

10/09/2013 - Samuel Pinheiro Guimarães - Agência Carta Maior

Fora do contexto mais amplo da política dos Estados Unidos para a América Latina, é difícil compreender o golpe no Chile, 40 anos atrás.

Desde a Independência das colônias espanholas e portuguesa, no início do século XIX, e da proclamação da Doutrina Monroe, em 1823, os Estados Unidos consideram, e as potências europeias reconhecem (e muitos latino americanos aceitam), que a América Latina deve estar necessariamente na sua área de influência, isto é, sob a sua hegemonia.

Sobre a América Central e o Caribe os Estados Unidos estabeleceram o seu domínio com a conquista pela força armada de mais da metade do território do México, em 1848; com as seguidas intervenções e longas ocupações militares na Nicarágua, no Haiti, na República Dominicana e outros países; com a conquista de Cuba e de Porto Rico à Espanha; com a promoção da secessão do Panamá, em 1903, e a construção do Canal, com sua Zona de ocupação militar permanente, que perdurou até o ano 2000.

Estava criado o Mar Americano, do novo Povo Eleito.

Sobre a América do Sul, os Estados Unidos demorariam a estabelecer sua hegemonia, em parte devido à maior dimensão dos Estados e em parte devido à presença financeira, comercial e política inglesa até o fim da Primeira Guerra Mundial.

Encontraram os americanos sempre, em suas investidas de articulação política dos países da América do Sul, a oposição argentina, o VI Domínio da Grã-Bretanha, e a cooperação brasileira, desde o Barão do Rio Branco, na chamada Aliança não-escrita.

Após a penosa vitória sobre o Império Alemão, em 1918, conseguida, aliás, somente graças à ajuda econômica e militar americana, começa a se esvair a presença britânica na América do Sul e a se afirmar a influência política e econômica dos Estados Unidos.

O Corolário à doutrina Monroe, de autoria de Teodoro Roosevelt, belicoso tio de Franklin Delano, anunciado em 1904, em que os Estados Unidos se arrogavam o direito de intervir em qualquer país do Continente que se revelasse incapaz de manter a ordem (isto é, os interesses americanos) e o 
êxito em incluir a Doutrina Monroe entre os princípios do tratado de criou a Liga das Nações, em 1919, revelam claramente a visão americana da América Latina. 

Devido à necessidade de aliciar o apoio dos Estados do Continente diante da ameaça nazista no horizonte, os Estados Unidos abandonaram a política do big stick e a diplomacia do dólar e lançaram a Política de Boa Vizinhança, com Zé Carioca e tudo o mais, renunciando retoricamente à sua hegemonia, e passaram a cultivar ativamente as elites e, muito em especial, os proprietários dos meios de comunicação na América do Sul.

Após a Segunda Guerra, o extraordinário prestígio americano e sua determinação de alinhar os regimes sul-americanos na luta contra o comunismo levou, de um lado, à criação, em 1948, da Organização dos Estados Americanos, a OEA, organismo regional previsto na Carta das Nações Unidas, e, de outro lado, à defesa da livre iniciativa como dínamo do desenvolvimento latino-americano, com atração do capital estrangeiro, o que 
significava capital americano, visto o estado precaríssimo das economias europeias no pós-guerra.

Com a Revolução Cubana, em 1959, tudo muda. A invasão fracassada da Baía dos Porcos (semelhante à operação que depôs Jocobo Arbenz, na Guatemala, 
em 1954); a oposição americana, cada vez mais feroz, a Cuba; a arregimentação dos regimes latino-americanos contra Cuba; a resistência de certos governos, entre eles o do Chile, à determinação americana de intervir em Cuba; e a suposta fragilidade dos governos civis latino-americanos diante da imaginada influência cubana e comunista, transformariam a política de Boa Vizinhança na política de instalação de governos militares, na aplicação da teoria da modernização autoritária, da qual fazia parte a Aliança para o Progresso.

O primeiro regime militar a ser instalado na execução da nova política foi o do Brasil, em 1964, em que houve ampla participação americana na preparação do golpe, inclusive na escolha do novo presidente, o general Castelo Branco, amigo do adido militar americano, Vernon Walters, segundo os documentos revelados pelos Estados Unidos e mostrados no educativo filme, O Dia que Durou 21 Anos.

Era a política de mudança de governo (regime change) executada pela CIA, de forma encoberta (covert action) com ações diretas e de espionagem, hoje fartamente documentada, e que nos dias atuais se faz de maneira absolutamente aberta, e até com certa desfaçatez, com a participação de 
serviços de inteligência e de ação americanos (special operation forces), de fundações públicas e privadas, de ONGs.

Tudo com a ajuda da tecnologia mais sofisticada de espionagem, da qual não escapam os aliados (acólitos) mais confiáveis, como a Alemanha de Frau Angela Merkel e a França de Monsieur François Hollande e aqueles Estados amigos, como o México, do Señor Peña Nieto, tão longe de Deus, e o Brasil, da Senhora Dilma Rousseff, surpresa e indignada.

O Chile era, em 1973, um caso de grande importância estratégica para a política americana na América do Sul. 

A ascensão democrática de Salvador Allende, sua disposição de implantar um regime socialista democrático e nacional no Chile, sua política externa independente, o receio de que viesse a estimular países latino-americanos a procurarem novas estratégias de desenvolvimento e a se rebelarem contra as ditaduras militares já implantadas no Brasil (1964) na Argentina (1966 ) no Uruguai (1971), na Bolívia (1971) levaram à determinação americana de organizar um golpe militar no Chile com a articulação financeira, política e midiática da direita civil e militar do pais. 

Os Estados Unidos articularam a ascensão ao poder de uma das ditaduras mais cruéis, violentas e implacáveis da América Latina, comandada pelo 
General Augusto Pinochet, pelo jornal El Mercúrio e pelo empresariado chileno. 

A ditadura do General Augusto Pinochet (foto) reverteu a reforma agrária do Governo Allende e implantou um programa neoliberal de reformas econômicas, 
sob o comando dos Chicago Boys , um primeiro resultado do programa de formação de pessoal nos Estados Unidos, financiado pela Aliança para o Progresso, fenômeno que se repetiria mais tarde em outros países da América do Sul.

A Operação Condor (abaixo), a articulação dos governos militares para perseguir, capturar e executar as lideranças políticas de esquerda , teve como seu inspirador o Chile, com a famosa DINA, Direção de Inteligência Nacional, cujo chefe era pago pela CIA. 

O apoio brasileiro ao golpe militar chileno foi imediato e prolongado no tempo assim como o apoio norte americano e dos países europeus.


Com a crescente oposição americana aos regimes militares devido à sua deriva para uma posição de certa independência em relação aos Estados 
Unidos, com projetos em especial na área militar (tais como o projeto Condor de mísseis na Argentina e os programas brasileiros nas áreas espacial, nuclear e de informática), e com a nova política americana de direitos humanos, o regime de Pinochet perderia o apoio americano, dos europeus e dos países da região mas somente viria a ser substituído em 1990.

Interessante, antes e após a queda do regime de Pinochet, ditadura cruel e implacável, foi a defesa, por certos órgãos da mídia internacional e brasileira, do regime chileno como modelo para o Brasil, e para outros países latino-americanos, justificando o regime militar como forma necessária de implantar as reformas econômicas.

Agora, redemocratizada a América do Sul, neoliberalizada pelos programas de renegociação da dívida e pela aplicação das políticas, definidas pela academia, Tesouro americano, FMI e Banco Mundial, resumidas no Consenso de Washington, políticas implantadas por economistas treinados nas melhores universidades americanas, futuros banqueiros e empresários, tudo parecia tranquilo para o Império.

Mas, como o Continente viu a emergência de movimentos sociais e de Partidos políticos de diferentes matizes de esquerda, eleitos democraticamente, presenciamos hoje operações políticas de regime (ou policy) change nos diversos países da América do Sul que não aderiram ao modelo americano de política econômica, implantado pelos acordos de livre comercio que o Chile, já em 1994, a Colômbia e o Peru celebraram com os Estados Unidos e que tem como princípios a privatização, a desregulamentação, a abertura comercial e financeira, o privilégio ao capital multinacional.

Hoje, os Governos da América do Sul podem realizar programas sociais (no que terão o apoio da Igreja, antiga defensora dos regimes militares, hoje convertida), reduzindo a pobreza e estabilizando sociedades em extremo desiguais, podem construir sua infraestrutura a duras penas e podem ter veleidades de política externa, até aceitas pois agradam os movimentos de esquerda, mas não podem, sob pena de se tornarem alvo de políticas 
ativas de regime change, tomarem iniciativas concretas para promover políticas que abalariam os pilares da dominação imperialista:

democratizar a mídia 
fazer a auditoria da dívida pública 
substituir o regime de metas inflacionárias por um regime de metas de desenvolvimento e emprego 
disciplinar o capital multinacional 
desenvolver sua indústria de defesa 

Os Estados que respeitarem estes limites, que não tentarem implementar políticas com tais objetivos, continuarão a crescer a taxas muito baixas, 
cada vez mais desiguais ainda que com menos pobres, sem autonomia tecnológica, vulneráveis política e militarmente, seu Estado endividado, mas, 
para a tranquilidade e satisfação de suas classes conservadoras (ainda que sempre apreensivas) continuarão a ser parceiros confiáveis (reliable 
partners) dos Estados Unidos e de sua hegemonia imperial. 

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22668

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A BRICSNET - UMA REDE PARA OS BRICS

Por Mauro Santayana*

(JB)-Entre as diferentes hipóteses de resposta à espionagem da Presidente da República e de seus ministros e assessores, aventa-se a possibilidade – segundo afirmam os meios de comunicação, teria sido suspenso o envio da delegação precursora – do cancelamento da viagem de Dilma Roussef aos EUA, no mês que vem.

Pensando fria e estrategicamente, esta pode não ser a opção mais adequada para enfrentar o problema. Ao deixar de comparecer a uma visita de Estado, mesmo que em previsível gesto de protesto, o Brasil estaria abdicando de mostrar ao mundo que procura ter com os Estados Unidos uma relação à altura.

Estaríamos, guardadas as devidas proporções e circunstâncias, agindo como o governo golpista  de Federico Franco, que, ao tentar – de maneira inócua - reagir contra a suspensão do Paraguai do Mercosul por    quebra  de suas  salvaguardas democráticas, resolveu votar contra a vitoriosa eleição de representantes brasileiros na OMC e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Muito mais efetivo seria se, no âmbito dos  BRICS, Dilma obtivesse de nossos parceiros russos, chineses, indianos e sul-africanos, o compromisso de se trabalhar, coordenada e aceleradamente, no desenvolvimento de uma BRICSnet.

Uma rede de internet para o grupo, alternativa e paralela à que foi criada pelos Estados Unidos e que permanece sob estrito controle dos norte-americanos. Um sistema que contasse com avançados programas criptográficos que embaralhassem a informação entre origem e destino,  impedindo que ela fosse decifrada pelas agências de inteligência dos EUA.

Segundo o analista geopolítico Eric Drauster, entrevistado pela edição espanhola do Russia Today esta semana, o grande alvo da espionagem norte-americana – e isso está claro no caso brasileiro – são os BRICS, como a única aliança capaz de rivalizar com o bloco EUA-União Européia nos planos político, estratégico e econômico nos próximos anos, e essa mesma premissa vale para o campo das redes globais de comunicação instantânea.
 
A China possui, hoje, tecnologia de ponta na área de telecomunicações, a ponto da  Huawei ter sido impedida de trabalhar nos EUA, pelo Congresso dos Estados Unidos, sob a suspeita – olhem só quem está falando – de que seus equipamentos fossem usados para espionar os norte-americanos.
A Índia, com centenas de milhares de programadores formados, todos os anos, nas mais avançadas linguagens da engenharia da computação, dispõe de um verdadeiro exército para o desenvolvimento de softwares e chaves  criptográficas virtualmente imunes à bisbilhotice da CIA ou da NSA.

Juntos, Rússia, China, Índia, Brasil e África do Sul poderiam, se quisessem, em menos de um ano, espalhar uma rede de cabos submarinos da BRICSnet unindo seus respectivos continentes sem que esses equipamentos passassem, como acontece hoje, pelo território dos EUA.

Uma rede de satélites de comunicação da BRICSnet também poderia ser desenvolvida e lançada em curto espaço de tempo – quem sabe como o primeiro projeto a ser financiado pelo banco de infraestrutura dos BRICS - nos moldes de outros programas já existentes, como o CBERS, o Programa de Satélites China-Brasil de Recursos Terrestres.

Uma aliança na BRICSnet entre desenvolvedores indianos e a manufatura chinesa, com a colaboração de russos, brasileiros e sul-africanos, seria praticamente imbatível no desenvolvimento e venda, para os países emergentes – só o Grupo BRICS representa mais de 40% da população do mundo – de  novos serviços de email, redes sociais, navegadores, sistemas de exibição e distribuição de vídeos e música, sistemas operacionais para tablets e telefones inteligentes, tudo desenvolvido à margem das empresas ocidentais que hoje colaboram, prestimosamente, com os serviços de espionagem dos Estados Unidos.

A Presidente Dilma, poderia, sim, fazer sua visita de Estado aos Estados Unidos.  É importante que ela escute as explicações – se houver e forem dadas – do Presidente Barrack Obama, que pode ter lá seus problemas com a área de inteligência, como temos aqui, de vez em quando, com a nossa.
Mas é muito mais importante, ainda, que ela discurse no jardim da Casa Branca, dizendo na cara dos norte-americanos, e diretamente ao próprio Presidente Barrack Obama, que a nenhum país foi dado o direito de tutelar os outros em assuntos de segurança.

Que o Brasil, assim como outros grandes países, não delegou a ninguém a licença de defendê-lo no mundo.

Que somos uma nação soberana que não aceita ser monitorada, sob nenhum pretexto, por quem que seja.

E que a comunicação entre países e entre pessoas não pode – em defesa justamente da liberdade e da democracia – ficar, sob nenhuma hipótese, a cargo de um único estado, por mais que esse estado acredite em mandato divino ou destino manifesto.


Prefiro os brasileiros

24/08/2013 - Porque prefiro ser tratado por médicos brasileiros. Ou não!
- Antonio Mello em seu blog do Mello

Eu prefiro ser tratado por médicos brasileiros, embora 54,5% dos 2400 formandos que fizeram a prova do Conselho Regional de Medicina de SP não

O pior é que os erros se concentraram em áreas básicas. Mesmo assim vão poder exercer a profissão e atender aos infelizes que caírem em suas reprovadas mãos. Mas eu não moro em São Paulo.

Prefiro médicos brasileiros, porque eles são coisa nossa. Por exemplo, a gente liga pra marcar consulta e a telefonista do doutor pergunta: - é particular ou plano? Se for plano, empurram sua consulta lá pra frente. Particular, eles dão um jeitinho. Coisa nossa.

Prefiro médicos brasileiros, porque quando chego ao consultório, fico esperando mais de uma hora pra ser atendido. É porque eles são bonzinhos,
gostam de atender a todo mundo, e sabem que ali, no calor apertado da sala de espera, sempre pode rolar uma conversa agradável sobre sintomas e
padecimentos com outros médicos. E a socialização é muito importante.

Sem contar que podemos adquirir informação, com a leitura daquela Veja em 
que Airton Senna e Adriane Galisteu ainda estão namorando. Ah, tempo bom! É coisa nossa.

Prefiro médicos brasileiros, porque quando a consulta é particular, eles fazem questão de não dar recibo, ou então a recepcionista pergunta se vou querer a nota fiscal, porque aí o preço é diferente. Não é sonegação, claro que não. É porque eles têm vergonha de espalhar quanto cobram pela consulta. Coisa nossa.

Prefiro médicos brasileiros, porque eles vivem chorando miséria, mas, mesmo assim, no estacionamento dos médicos nos hospitais só tem carrão carrão importado. Parece até pátio de delegacia de polícia. Coisa nossa.

Prefiro médicos brasileiros, porque você faz todo o acompanhamento de sua doença com o doutor do seu plano de saúde, mas na hora da cirurgia,
embora ela seja coberta pelo plano, o doutor sempre pede um por fora, pra ele e equipe. Inclusive o anestesista, aquele médico que não é médico, não tem plano, não obedece a sindicatos nem nada. É sempre por fora. É coisa nossa.

Prefiro médicos brasileiros, porque várias vezes você chega ao posto de saúde, a uma emergência ou ao hospital e ele simplesmente não foi trabalhar, e usa de sua criatividade, inventando até dedinhos de silicone, para receber aquele salário que eles dizem que é uma merreca. Mas, isso é mentira, na verdade eles não vão trabalhar porque os hospitais, ambulatórios, as emergências e postos de saúde não dão condições.

Eles só não largam o emprego porque têm pena dos pacientes que vão deixar na mão - embora não trabalhem. Pelo menos é o que dizem. Coisa nossa.

Só escrevo este texto, porque tenho vários amigos médicos e, infelizmente, não vejo nenhum deles se levantar contra esse hediondo corporativismo,
contra essa maluquice generalizada de que seus colegas cubanos (que trabalham no mundo inteiro) são despreparados e, pior, vão espalhar a
ideologia comunista pelo Brasil.

Esses médicos que acham que municípios sem médicos têm que continuar assim, enquanto não tiverem infraestrutura, como naquela história da época da ditadura, de que era preciso primeiramente fazer crescer o bolo para depois dividi-lo.

Se os médicos estivessem defendendo seu mercado de trabalho... Mas, não, os médicos estrangeiros só estão vindo ocupar vagas que foram recusadas por seus colegas brasileiros, que não querem trabalhar e também não querem que outros trabalhem. O paciente... ah, o paciente. Ele não é mais paciente, agora é cliente.

Claro que temos ótimos médicos. E muitos deles já se declararam a favor da vinda de seus colegas do exterior.

Temos ótimos médicos, repito. Vários deles trabalhando em condições precárias. Temos muito o que melhorar, e a presidenta Dilma reconheceu o problema em seu pronunciamento na TV:

"Quero propor aos senhores e às senhoras acelerar os investimentos já contratados em hospitais, UPAs e unidades básicas de saúde.

Por exemplo,ampliar também a adesão dos hospitais filantrópicos ao programa que troca dívidas por mais atendimento e incentivar a ida de médicos para as cidades que mais precisam e as regiões que mais precisam.

Quando não houver a disponibilidade de médicos brasileiros, contrataremos profissionais estrangeiros para trabalhar com exclusividade no Sistema Único de Saúde. 

Neste último aspecto, sei que vamos enfrentar um bom debate democrático. De início, gostaria de dizer à classe médica brasileira que não se trata, nem de longe, de uma medida hostil ou desrespeitosa aos nossos profissionais. Trata-se de uma ação emergencial, localizada, tendo em vista a grande dificuldade que estamos enfrentando para encontrar médicos, em número suficiente ou com disposição para trabalhar nas áreas mais remotas do país ou nas zonas mais pobres das nossas grandes cidades. 

Sempre ofereceremos primeiro aos médicos brasileiros as vagas a serem preenchidas. Só depois chamaremos médicos estrangeiros. Mas é preciso ficar claro que a saúde do cidadão deve prevalecer sobre quaisquer outros interesses.

O Brasil continua sendo um dos países do mundo que menos emprega médicos estrangeiros. Por exemplo, 37% dos médicos que trabalham na Inglaterra se graduaram no exterior. Nos Estados Unidos, são 25%. Na Austrália, 22%.

Aqui no Brasil, temos apenas 1,79% de médicos estrangeiros. Enquanto isso, temos hoje regiões em nosso país em que a população não tem atendimento médico. Isso não pode continuar.

Sabemos mais que ninguém que não vamos melhorar a saúde pública apenas com a contratação de médicos, brasileiros e estrangeiros. Por isso, vamos tomar, juntamente com os senhores, uma série de medidas para melhorar as condições físicas da rede de atendimento e todo o ambiente de trabalho dos atuais e futuros profissionais. 

Ao mesmo tempo, estamos tocando o maior programa da história de ampliação das vagas em cursos de Medicina e formação de especialistas.

Isso vai significar, entre outras coisas, a criação de 11 mil e 447 novas vagas de graduação e 12 mil e 376 novas vagas de residência para estudantes brasileiros até 2017."

Mas, o que estamos vendo é que existe um grupo de médicos para quem os cidadãos brasileiros de municípios sem médicos devem sofrer calados ou pegar um ônibus, barca, trem, o que seja, para procurar uma cidade onde um senhoríssimo doutor (brasileiro) o atenda, quando der.

A esses lembro que Deus é ironia, e eles podem amanhã ou depois sofrer um acidente, numa pequena cidade, um pequeno município daqueles que ninguém jamais ouviu falar, eu gostaria de saber o que sentiriam ao ouvir alguém lhe falar assim:

- Necesita de ayuda, señor?

Não deixe de ler:
- O que move as entidades médicas - Luciano Martins Costa - Observatório da Imprensa
- O espírito da medicina cubana - Paulo Nogueira - DCM

Fonte:
http://blogdomello.blogspot.co.at/2013/08/porque-prefiro-ser-tratado-por-medicos.html#more

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Copom sobe Selic na surdina

06/9/2013 - Por Paulo Kliass, de Paris - Jornal Correio do Brasil

Em seu 6° encontro deste ano, 27-28/ago, o Comitê deliberou mais uma vez pelo aumento da taxa SELIC

Muito pouca gente parece ter se dado conta do acontecimento.

As páginas de economia dos jornalões e os minutos de televisão preferiram não comemorar muito o fato. Afinal, parte da população já começa a perceber os prejuízos que a grande maioria sofre a cada vez que o governo resolve pelo caminho da elevação da taxa oficial de juros.

Apesar disso, o Comitê de Política Monetária (COPOM), em sua 177ª reunião ordinária, decidiu arrochar ainda mais a política monetária praticamente na surdina, quase sem nenhum alarido. Fez tudo no escurinho do cinema, quase incógnito.

Em seu sexto encontro desse ano, realizado em 27 e 28 de agosto, o Comitê deliberou mais uma vez pelo aumento da taxa SELIC. Assim, a taxa referencial de juros saiu dos 8,5% e foi para 9% ao ano. Tratava-se da quarta elevação em reuniões seguidas, em uma trajetória de alta que começou em 17 de abril desse ano. Naquela época, a SELIC estava em 7,25% e desde então passou a sofrer a espiral um novo aumento a cada 45 dias, periodicidade de reuniões do colegiado.

Mas como aquela semana estava totalmente tomada por outros fatos da conjuntura política e econômica, pouca atenção foi dada à decisão. O governo parece completamente perdido no quesito “diretrizes de política econômica”. 

Fica um pouco girando feito biruta de aeroporto, à mercê das mudanças repentinas dos ventos e sem uma linha de conduta racional e coerente a seguir.

As notícias do mundo real da economia não apresentavam nenhuma indicação de risco de descontrole das variáveis econômicas, que pudesse justificar a decisão pelo aumento dos juros oficiais. Essa alternativa não se colocava nem mesmo sob a ótica conservadora, resultado de uma suposta necessidade de promover um controle sobre um possível excesso de demanda.

Elevação da SELIC: o equívoco e o custo
Nesse caso, a estratégia de aumento da taxa oficial de juros obedeceu apenas e tão somente aos interesses da finança. Os únicos a lucrarem com essa política monetária extemporânea são os bancos e as demais instituições do sistema financeiro.

De um lado, se beneficiam pela maior remuneração que passam a receber pela aplicação de seus ativos em títulos da dívida pública. E de outro lado, ganham muito mais ainda pela elevação das taxas cobradas nas operações de crédito e empréstimo concedidas a indivíduos, famílias e empresas.

Em sumo, o que se vê é o governo estimulando e premiando a atividade parasitária do financismo em nossas terras, contra o empreendedorismo da economia real.

Ora, se a Presidenta Dilma estava insatisfeita com o quadro observado até então e reclamando que a economia não deslanchava, algum assessor tinha de lhe explicar que uma das razões para tanto era justamente o problema do elevado custo financeiro das atividades empresariais e o limite para maior nível de endividamento, atingido também pelo lado do consumo. Em tais condições, deve parecer óbvio – até para quem não estudou economia – que aumentar a taxa de juros tem o significado de um verdadeiro tiro no pé. 

Ganham os bancos e os especuladores. Perdemos todos os demais.
Por outro lado, o aumento da taxa de juros também apresenta uma fatura pesada para as próprias finanças públicas.

A taxa SELIC é a que se utiliza, como piso mínimo, para calcular a remuneração dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional. Considerando-se que o total do estoque da dívida atual é de aproximadamente R$ 2 trilhões, conclui-se sem maiores dificuldades o tamanho da encrenca.

Esse aumento de 0,5% implicará um dispêndio adicional de R$ 10 bilhões no orçamento anual da União, apenas a título de novas despesas com juros. Ora, se a própria Presidenta elegeu o Pacto nº 1 como sendo o de austeridade fiscal, fica evidente que seus próprios auxiliares diretos já começam a descumprir suas recomendações.

Afinal, gastar recurso do Estado – supostamente escasso na atual conjuntura – com rubricas de dimensão financeira não pode ser considerado como bom sinal de rigor no controle da despesa pública.

Semana carregada: de Obama a Donadon
A conjuntura política e econômica estava bastante conturbada. A agenda estava tomada por uma série de eventos e processos de elevada sensibilidade. Terminaram por atrair mais a atenção do que essa reunião do COPOM. Já estava na pauta da política internacional a ameaça dos EUA em invadir a Síria, com a desculpa do suposto uso de armas químicas do governo de Assad contra as oposições. Ainda no plano das relações internacionais, veio à cena as “trapalhadas” dos responsáveis pela diplomacia brasileira na Bolívia, com a fuga espetacular do senador condenado pela justiça, com o auxílio e apoio do embaixador substituto.

A saia justa custou o posto do Ministro Patriota e colocou a nossa Presidenta em dificuldades frente ao Presidente Morales e aos demais parceiros. Por outro lado, vale lembrar que as denúncias de espionagem que a sociedade e o governo brasileiros estão sendo vítimas por parte dos norte-americanos tampouco haviam sido esclarecidas, com a participação direta do Presidente Obama.

Na política interna, o foco estava dividido entre dois pontos. De um lado, a negativa do STF em conceder os embargos dos condenados no caso do mensalão. De outro lado, a verdadeira vergonha nacional, patrocinada pelo plenário da Câmara dos Deputados, ao não proporcionar quórum para a cassação do deputado-presidiário Donadon.

Com uma coleção de itens tão candentes como esses, é até um pouco compreensível que “apenas mais uma reunião do COPOM” não estivesse tão à frente na lista de prioridades de cobertura e preocupação da grande imprensa.

Mas o ponto a se indagar é que até pouco tempo antes do encontro, a queixa generalizada era que a economia continuava patinando e que o Brasil não conseguia decolar para patamares mais interessantes de seu ritmo de atividade.

Mas, como costuma acontecer com certa frequência, as vozes ouvidas pelas editorias de economia dos meios de comunicação foram apenas aquelas vinculadas ao mundo do financismo. Criou-se, assim, mais uma vez o falso consenso em torno do modelito do monetarismo inescapável.

A lógica embutida no raciocínio favorável a mais essa elevação da SELIC voltava-se para os possíveis riscos derivados do movimento de desvalorização cambial. Mas isso não representava novidade alguma. Essa hipótese já estava posta na mesa há muito tempo.

Todos sabiam que o processo de valorização artificial de nossa moeda frente ao dólar norte-americano – e demais moedas estrangeiras consideradas “fortes” – estava com seus dias contados.

Além de ser extremamente perverso para nossa economia, o real valorizado combinava apenas com o interesse do capital especulativo internacional, que para cá se dirige em busca da rentabilidade estratosférica.

Mas o problema é que a equipe econômica há muito tempo se acomodou ao real sobrevalorizado. Os dividendos políticos fáceis derivados da farra dos eletrônicos chineses importados e da festa das famílias de classe média na ponte aérea para Miami devem ter falado mais alto. Valia manter a popularidade alta das pesquisas a qualquer custo.

Desvalorização cambial e a tensão no ar
No entanto, agora que a economia norte-americana começa a dar sinais de reaquecimento, a situação muda de figura. O FED (Banco Central dos EUA) cogita de um aumento na sua taxa básica de juros, depois de um longo período com taxas quase próximas a zero. Com isso, o diferencial de rentabilidade dos especuladores pelo mundo afora muda de patamar. Uma parte dos recursos sai do circuito terceiro-mundista e se volta para lá, em busca dessa alternativa de menor risco e menor remuneração.

Esse movimento de redução da enxurrada de dólares em nossa direção provoca uma tendência de desvalorização do real, no caminho de uma taxa de câmbio mais realista. Normal, é isso mesmo que se espera de uma política cambial menos fantasiosa.

O problema é que esse rearranjo provoca uma elevação de nossos preços internos, em razão da presença forte de produtos e componentes importados em nossa economia. E a inflação ameaçada, atiça os nervos dos monetaristas, que começam a clamar por elevação dos juros. O ciclo se fecha. 

E o COPOM resolve atender aos pleitos das finanças, aumentando outra vez os juros.

Mas o fato é que o governo perdeu a oportunidade de efetuar esse choque de câmbio necessário em um ambiente mais tranquilo, como até há poucos meses atrás. Agora terá de fazê-lo com mais cuidado, pois a inflação já havia iniciado um fase de alta, arriscando chegar na banda superior da meta.

De qualquer forma, existem outros mecanismos de evitar o alastramento da alta de preços provocados pela desvalorização.

E não será a elevação da SELIC a corrigir esse fato. Estão aí outros instrumentos, como o aumento do depósito compulsório dos bancos, a substituição de produtos importados mais sensíveis e a ação mais incisiva do governo junto às empresas e corporações.

Afinal, o mais importante é não se deixar amedrontar pela chantagem e pelo pânico.

Quem não se lembra da “terrível” semana da inflação do tomate, quando tudo parecia perdido, a nos orientarmos pelos editoriais dos grandes meios de comunicação. Amedrontado, o governo também havia cedido às pressões à época e aumentou a SELIC por conta disso.

Mas a safra dos hortifrutigranjeiros obedece a uma dinâmica que nada tem a ver com as decisões do COPOM. Assim, logo depois o tomate voltou aos preços de antes, até mais baixos. O pequeno detalhe é que, apesar disso, a SELIC não baixou.

As informações oriundas da economia real tampouco são muito claras para se perceber uma tendência firme de retomada das atividades no patamar exigido pelo País.

Apesar das boas notícias relativas ao PIB do segundo trimestre (crescimento de 1,5% na comparação com o mesmo período do ano passado), as estatísticas da produção industrial ainda são titubeantes. Em julho ela voltou a recuar 2%, acumulando um crescimento de apenas 0,6% ao longo de 12 meses.

Muito pouco para as nossas necessidades! Frente a esse quadro, a elevação dos juros é um das poucas decisões que o governo deve evitar sem nenhuma vacilação.

(*) Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte:
http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/copom-sobe-selic-na-surdina/642493/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=b20130907

domingo, 8 de setembro de 2013

A ingratidão da Globo

06/09/2013 - Mino Carta - Revista Carta Capital

Com desfaçatez suprema, jornal desculpa-se enquanto evoca as razões que, 50 anos atrás, pretende terem justificado o apoio ao golpe.

Ingratidão da Globo me espanta, ela vomita no prato em que comeu, com o perdão pelo uso do verbo, de eficácia indiscutível, no entanto. Aludo ao editorial com que o mais autorizado porta-voz das Organizações, O Globo, brindou seus leitores dia 1º de setembro.

Diz-se ali que apoiar o golpe de 64 foi erro nascido de um equívoco. Veio a ditadura, como sabemos, provocada pelos gendarmes chamados pelos donos do poder civil, entre os quais figurava, com todos os méritos, Roberto Marinho, e os anos de chumbo de alguns foram de ouro para a Globo.

A empresa do doutor Roberto cresceu extraordinariamente graças aos favores proporcionados pelos ditadores, gozou de regalias incontáveis, floresceu até os limites do monopólio. O apoio de 64 prosseguiu impavidamente por 21 anos, enquanto o Terror de Estado imperava. Grassavam tortura e censura, repetiam-se os expurgos dentro do Congresso mantido como estertor democrático de pura fancaria.

Só o MDB do doutor Ulysses Guimarães redimiu o pecado original ao reunir debaixo da sua bandeira todos os opositores do regime. Para desgosto da Globo.

Sim, O Globo apoiou o golpe, juntamente com os demais jornalões como o editorial não deixa de acentuar, e também apoiou os desmandos do regime, a começar pelo golpe dentro do golpe que resultou no Ato Institucional nº 5. E prisões e perseguições, e até as ditaduras argentina, chilena e uruguaia.

Em contrapartida, combateu Brizola governador, e de modo geral, os demais governos de estado conquistados pela oposição em conjunturas diversas, bem como o movimento sindical surgido sob o impulso de um certo Luiz Inácio, presidente do Sindicado dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, responsável pelas greves de 78, 79 e 80, finalmente preso e enquadrado na famigerada Lei de Segurança Nacional.

Derradeiro lance global, a condenação inapelável do movimento das Diretas Já, quando a Globo foi alvo da ira popular e um veículo da empresa foi incendiado na Avenida Paulista no dia 25 de janeiro de 84, ao término de uma manifestação que reuniu na Praça da Sé 500 mil pessoas.

Rejubilou-se, contudo, o doutor Roberto, com a rejeição da emenda das Diretas, obra magistral da Arena de José Sarney, e com a formação da Aliança Nacional, nome de fantasia da enésima, inesgotável conciliação das elites.

Não se diga que a Globo deixou de ser coerente com seus ideais. Decisiva na eleição de Fernando Collor em 89, com a manipulação do debate de encerramento com Lula, comandada pelo doutor Roberto em pessoa.

Nosso colega, como sustentavam seus assalariados, não hesitou em promover a festa carnavalesca contra o presidente corrupto, desmascarado somente pela IstoÉ ao descobrir a testemunha inesperada e fatal, o motorista Eriberto. 

Antes disso, o governo Sarney contara com o apoio irrestrito da Globo, sempre beneficiada por Antonio Carlos Magalhães, ministro da Comunicações, na mesma medida em que o fora por outro amigo insubstituível, Armando Falcão, ministro da Justiça do ditador Ernesto Geisel.

O governo Fernando Henrique quebrou o País três vezes, mas nunca lhe faltou o aplauso global oito anos a fio, tanto mais na hora do singular episódio intitulado “Privataria Tucana” e da compra dos votos para garantir a reeleição do príncipe dos sociólogos, sem falar do “mensalão” também tucano.

Houve até o momento em que, tomado de entusiasmo, o doutor Roberto acreditou cegamente na sua colunista Miriam Leitão, segundo quem, eleito pela segunda vez, FHC garantiria a estabilidade da moeda até o último alento. Doze dias depois de reempossado, o príncipe desvalorizou o real e cobriu a Globo de dívidas. Havia, contudo, um BNDES à disposição para tapar o buraco.

FHC deixou saudades, a justificar o apoio compacto aos candidatos tucanos nas eleições de 2002, 2006 e 2010. E a adesão à maciça campanha midiática que, como em 1964, coloca jornalões e quejandos de um lado só, então a favor do golpe, nos últimos dez anos contra um governo tido como de esquerda, atualmente a carregar a herança de Lula.

Vale observar, aliás, que mesmo no instante do pretenso arrependimento, O Globo de domingo passado desfralda os mesmos argumentos de 50 anos atrás. Donde a evocação da “divisão ideológica do mundo” à sombra álgida da Guerra Fria, aprofundada no Brasil “pela radicalização de João Goulart”. Enfim, renova-se o aviso fatídico: a marcha da subversão estava às portas. Eu a espero em vão até hoje.

Sim, o doutor Roberto acreditou ter agido acertadamente até sua morte e sempre chamou o golpe de revolução. Explicaria em um dos seus retumbantes editoriais da primeira página, no 20º aniversário daquele que seus pupilos agora definem como “equívoco”, que “sem povo não haveria revolução”.

E quem seria o povo daquela quadra criminosa? As marchas dos titulares da casa-grande e dos seus aspirantes, secundados pelos fâmulos momentaneamente retirados da senzala.

Sim, é verdade que muitos jornalistas de esquerda tiveram abrigo na redação de O Globo, e alguns deles foram e são amigos meus, mas não me consta que o doutor Roberto se tenha posicionado “com firmeza contra a perseguição” de profissionais de quaisquer outras redações. Vezos nativos.

O Estadão chegou a hospedar colunistas portugueses, inimigos do regime salazarista. Tinham eles a virtude de escrever em castiço os editoriais ditados pelo doutor Julinho. Este gênero de situações reflete a pastosidade emoliente da realidade do País, onde o dono da casa-grande pode permitir-se tudo o que bem entender.

De todo modo, não é somente deste ponto de vista que a Globo foi deletéria. Ensaios foram escritos no exterior para provar como a influência global foi daninha, inclusive com telenovelas vulgarizadoras de uma visão burguesota, movida a consumismo e cultura da aparência, visceralmente apolítica, anódina e inodora. 

Como tevê, e como jornal, a Globo já foi bem melhor. Ocorrem-me programas de excelente qualidade, conduzidos por humoristas como Chico Anysio e Jô Soares, capazes às vezes de ousar o desafio sutil à ditadura.

Mas a queda foi brutal, como se deu em relação ao jornal à época da direção de Evandro Carlos de Andrade. Lamentáveis as opiniões, em compensação, boa, frequentemente, a informação.

O texto do editorial carece, é óbvio, da grandeza que a situação recomendaria, pelo contrário é de mediocridade e superficialidade doridas, não somente na lida difícil com o vernáculo, mas também pela demonstração, linha a linha, palavra a palavra, e, mais ainda, no desenrolar do raciocínio central, da sua insinceridade orgânica.

Surge, de resto, da covardia diante das manifestações anti-Globo e, como de hábito, aferra-se à hipocrisia típica dos senhores da casa-grande, velhacos até a medula.

Esta é a gente que gosta de brigar na proporção de cem contra um, se possível mil, sem mudar o número de quantos ousam confrontá-los. Incrível, embora natural, inescapável, nesta pasta víscida e maligna que compõe a verdade factual do país da casa-grande e da senzala, a falta de um debate em torno da peculiar confissão global, como acentua Claudio Bernabucci na sua coluna desta edição.

Que dizem os jornalões acusados de conivência pelo O Globo?

Que dizem as lideranças partidárias?

E o Congresso?

Nem se fale das figuras governistas e parlamentares que até agora enxergam na Globo um sustentáculo indispensável.

Silêncio geral, entre atônito e perplexo.

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/revista/765/a-ingratidao-da-globo-8943.html

sábado, 7 de setembro de 2013

A 'anti-CNN' russa na guerra das imagens


"A terceira guerra já começou e a maior arma é a informação", dizia Agusto Boal. Esta matéria ilustra bem esta frase.( nota da editora do Blog).

Por Benjamin Bidder em 03/09/2013 na edição 762 - Observatório da Imprensa

Reproduzido do Estado de S.Paulo, 1/9/2013, tradução de Celso Paciornik
   
O programa político noturno com frequência começa com uma mistura de caos e notícias sensacionalistas. Abby Martin, a apresentadora americana que trabalha para o Kremlin, com os lábios ligeiramente separados, está aplicando um batom vermelho, que combina com seu casaco preto, saltos altos e tatuagem no tornozelo. Em seguida, ela brande um malho e destrói um aparelho de TV sintonizado na ‘CNN’, o modelo americano e nêmese de sua empregadora, a rede de TV internacional por satélite ‘Russia Today’.

Esta abertura espetacular tem, ao que parece, a intenção de ilustrar principalmente uma coisa: que a Rússia é agressiva e informada – e parece estar bem no processo.

Há uma foto de Edward Snowden, o informante que os Estados Unidos querem levar para casa para enfrentar acusações, projetada na parede do estúdio. Depois vem uma reportagem sobre o campo de detenção de Guantánamo, que tem ferido a reputação dos Estados Unidos. A Russia Today usa incansável e abundantemente o material de fonte que os EUA fornecem a seus rivais.

Nem os pecadilhos relativamente menores de Washington passam despercebidos. Por exemplo, o programa também inclui uma matéria sobre o ditador do Gabão, Ali Bongo Ondimba, que é apoiado pelo presidente americano Barack Obama.

Há muita gente no Ocidente interessada também em ver uma cobertura crítica à autoproclamada maior potência mundial. A Russia Today já é mais bem-sucedida do que outras estações de TV estrangeiras disponíveis em importantes cidades americanas, como San Francisco, Chicago e Nova York.

Em Washington, 13 vezes mais pessoas veem o programa russo do que as que sintonizam a Deutsche Welle, a estação internacional pública da Alemanha. Dois milhões de britânicos assistem regularmente ao canal do Kremlin. Sua presença online também é mais bem-sucedida do que a de todos seus competidores. E tem mais. Em junho, a Russia Today quebrou um recorde no YouTube ao ser a primeira estação de televisão a receber um bilhão de vistas de seus vídeos.

Estrela

A estação ficou ainda mais triunfal quando contratou Larry King, uma lenda do jornalismo americano de rádio e televisão, que começou a trabalhar na Russia Today neste verão russo. Antes disso, King foi o rosto da CNN por 25 anos. Seus suspensórios são ainda mais chocantes que o provocador batom de Abby Martin. “O melhor entrevistador de TV da América está desertando para os russos”, escreveu o jornal Times, de Londres, em maio.

King e seus novos colegas têm uma missão simples: eles devem “quebrar o monopólio da mídia de massa anglo-saxônica”, disse o presidente Vladimir Putin durante uma visita ao estúdio algumas semanas atrás. A receita de sucesso dos russos tem três ingredientes: sex appeal, que tem sido atípico na maioria dos canais noticiosos; uma postura rigidamente antiamericana; e um fluxo interminável de dinheiro do Kremlin.

Desde 2005, o governo russo aumentou em mais de dez vezes o orçamento anual do canal, de US$ 30 milhões para mais de US$ 300 milhões. O orçamento da Russia Today cobre os salários de 2,5 mil empregados e contratados em todo o mundo, 100 deles apenas em Washington. E o canal não teme cortes orçamentários agora que Putin emitiu um decreto proibindo seu ministro das Finanças de tomar medidas neste sentido.

A liderança de Moscou vê os recursos que entram no canal como dinheiro “bem investido”, diz Natalya Timakova, a assessora de imprensa do primeiro-ministro russo, Dmitry Medvedev. O governo também gastou muito dinheiro no centro de transmissão na zona nordeste de Moscou, para o qual a Russia Today se mudou em maio. A estação, citando requisitos de confidencialidade, não está disposta a informar o preço exato. Nos terrenos de uma antiga fábrica de chá soviética, a emissora está criando agora programação em árabe, inglês e espanhol.

A Russia Today se vê como uma defensora de um público global crítico do Ocidente. Mas também se propõe a amplificar as dúvidas próprias de europeus e americanos que foram obrigados pelos acontecimentos recentes a se perguntar se seus próprios países – como a Rússia e a China – são corruptos e controlados por um aparelho de inteligência invasivo.

De qualquer modo, a estação tem uma rara bossa para a propaganda. A idade média dos editores é inferior a 30 anos e quase todos falam inglês fluente. Para apimentar as notícias, os diretores às vezes usam efeitos especiais estilo Hollywood, como jatos israelenses que fazem uma pirueta virtual pelo estúdio antes de largarem suas bombas sobre um mapa da Síria.

Arma

Margarita Simonyan é a mulher que transformou a Russia Today na arma mais eficaz na batalha por influenciar as opiniões do público global. Em seu escritório no oitavo andar de sua sede em Moscou, a editora-chefe tem ícones da Igreja Ortodoxa sobre a sua escrivaninha e uma dezena de telas cintilando ao seu redor. Putin colocou Margarita à testa da estação noticiosa em 2005. Na época, ela tinha apenas 25 anos e era criticada como uma repórter desconhecida pelo enxame de jornalistas que acompanha o presidente em reuniões.

A missão de Margarita é evitar que a Rússia perca uma imagem de guerra como a que perdeu em agosto de 2008. Na ocasião, tanques russos avançavam pelo sul do Cáucaso, parando somente às portas de Tbilisi, a capital do pequeno país da Geórgia. O jovem presidente georgiano na época, Mikhail Saakashvili – eloquente e educado nos Estados Unidos –, apareceu em todos os canais para condenar a Rússia como agressora, apesar de ele mesmo ter provocado a guerra ao ter sido o primeiro a ordenar a invasão da república separatista da Ossétia do Sul, que mantém laços estreitos com a Rússia.

A CNN mostrou imagens de edifícios destruídos, alegadamente tiradas após um bombardeio russo da cidade provincial georgiana de Gori. Segundo a Russia Today, porém, os disparos tinham sido feitos da capital da Ossétia do Sul, Tskhinvali, após um ataque georgiano. “Não há nenhuma objetividade”, diz Margarita, “somente aproximações da verdade pelo máximo de vozes diferentes”.

Perda

A desconfiança da mídia doméstica é também maior do que nunca nos Estados Unidos. A CNN, por exemplo, enfrenta uma perda maciça de espectadores. E políticos americanos às vezes tornam particularmente fácil aos russos lançarem seus ataques. Quando um avião transportando o presidente boliviano Evo Morales foi obrigado a pousar em Viena porque agências de inteligência americanas acreditavam que Snowden estava a bordo, Abby Martin expressou o que muitos estavam pensando: “Quem diabos Obama pensa que é?”

Ao mesmo tempo, a Russia Today também usa uma mistura caótica de teorias da conspiração e propaganda bruta. No programa The Truthseeker, o ataque na Maratona de Boston, em que dois chechenos mataram três pessoas com bombas, em abril, foi transformado numa conspiração do governo americano.

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Benjamin Bidder, do Der Spiegel

Fonte:http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed762_a_anti_cnn_russa_na_guerra_das_imagens

Leia também: http://noticias.terra.com.br/mundo/oriente-medio/,b214489e9a3f0410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/05/1273903-rebeldes-sirios-usaram-armas-quimicas-afirma-inspetora-da-onu.shtml


Um julgamento a ser revisto

05/09/2013 – Wanderley: Julgamento do mensalão tem de ser revisto
- Miguel do Rosário em seu blog O Cafezinho

Em seu artigo de hoje [5/9], o professor Wanderley Guilherme dos Santos afirma que os erros grosseiros do julgamento da Ação Penal 470 fazem com que seja necessário “rememorá-lo sempre até que seja revisto”.

Ele critica também a tendência dos ministros do STF de pretenderem ser os portadores de soluções políticas para os problemas nacionais. Cada um teria a sua “reforma de estimação”.

Ao invés disso, é necessário reformar também o judiciário, visto que desde suas instâncias mais humildes, em comarcas do interior, até a corte suprema, todas se vêem fragilizadas pelas pressões do poder econômico.

Assim como o Legislativo, contudo, o Judiciário resiste a reformas, de maneira que estas devem constar em programas de governo. Só assim, conclui Wanderley, teremos uma justiça democrática, e não uma justiça “televisiva”.

A Globo não escapou da análise do professor.

Trecho:

(…) o Brasil contará mais meio século antes que a mesma Organização Globo venha outra vez a público dizer que se equivocou no que está perpetrando agora. Já terão morrido os responsáveis pelos assassinatos de caráter que patrocinam hoje, seus comentaristas e cronistas, como já morreram os que, em 1954 e 1961, e novamente em 1964, desta vez com sucesso, conspiraram, participaram, apoiaram e se beneficiaram de todos os movimentos reacionários já ocorridos na história republicana.

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A hora da justiça para todos
- Wanderley Guilherme dos Santos

 Seria surpresa se ocorresse alguma alteração nas penas do julgamento da Ação Penal 470. A composição do Supremo Tribunal Federal está irremediavelmente contaminada pela obstinação de vingança.

Cada um dos ferozes membros persecutórios terá sua razão para tanta ousadia, não sendo de ignorar a ânsia coletiva de abiscoitar segundos de televisão.

Televisão comprometida, que divulgava e assediava, promovia e cobrava.

Difícil imaginar Joaquim Barbosa [foto] expondo a mesma agressividade e maus modos em outro julgamento.

Ou a perfídia demonstrada pelo alquimista da “teoria quântica do Direito”, Ayres de Brito, a despudorada confissão de Luis Fux dos caminhos que percorreu até conseguir a indicação para uma vaga.

Manobras entre as quais se inclui a bajulação de José Dirceu, a quem devolve, em paga, a inclemência de um juízo ao arrepio das evidências.

Ayres Brito
Muito especialmente, não fora a televisão e os pares não teriam paciência para os arrebatados libelos fascistóides de Celso de Melo. Ele, Ayres de Brito e Joaquim Barbosa oficiaram sucessivos rituais de degradação e humilhação de que são poupados até mesmo reais assassinos.

Chamando os fatos por seus nomes, deviam ser constitucionalmente afastados dos privilégios que detêm e submetidos a julgamento por calúnia e difamação.

Não ocorrerá, com certeza, e o Brasil contará mais meio século antes que a mesma Organização Globo venha outra vez a público dizer que se equivocou no que está perpetrando agora.

Luis Fux
Já terão morrido os responsáveis pelos assassinatos de caráter que patrocinam hoje, seus comentaristas e cronistas, como já morreram os que, em 1954 e 1961, e novamente em 1964, desta vez com sucesso, conspiraram, participaram, apoiaram e se beneficiaram de todos os movimentos reacionários já ocorridos na história republicana.

Revisão do julgamento inteiro é o que se impõe. Esse processo não pode terminar pela prepotência e pela sede de vingança. Há que rememorá-lo sempre até que seja revisto.

Celso de Melo
Imagino o que se passa nos rincões do País aonde não chegaram as garantias do Judiciário, ficando a população pobre entregue aos potentados locais. Ou, se elas chegaram, apresentam-se inúteis, tendo seus agentes, os juízes, intimidados ou corrompidos pelos mesmos milionários.

Sabendo ou não sabendo o que dizem, ocupados e desocupados, sucedem-se os advogados de uma reforma política, acusadores permanentes do Legislativo.

Aliás, não há um só ministro de qualquer instância que não proclame os benefícios de sua reforma de estimação. Como se ao Judiciário tivesse 
bastado a modernização que, de fato, sofreu. Mas não basta.

Há corrupção, negligência e desvirtuamento da função judiciária por esse Brasil a fora. Inútil esperar de seus pares (como eles afirmam dos políticos) as iniciativas para assegurar um sistema realmente moderno e independente em todo o território nacional. Deve ser programa de governo.

A população pobre do Brasil já teve fome. Hoje, tem a perspectiva do alimento e do teto. Necessita de justiça.

Enquanto não houver justiça para todos digna desse nome não se poderá dizer que o Brasil é um país solidamente democrático.

Fora do alcance da justiça, não obstante eventual existência de instituições judiciárias, sobrevive complexa sociedade na qual os capítulos constitucionais dos direitos sociais e políticos dos cidadãos são letra morta.

A constitucionalização urgente de todo o País é programa de governo. Justiça para todos ou o Supremo não será nem tribunal, nem federal, apenas uma corte televisiva.

Fonte:
http://www.ocafezinho.com/2013/09/05/wanderley-impoe-se-revisao-do-julgamento-inteiro/