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domingo, 15 de abril de 2012

Um “Xingu” comportado demais

09/04/2012 - Ivana Bentes
Extraído do blog Outras Palavras


Embora belo e didático, o filme não explora cosmologias e formas de viver-pensar indígenas — nem a sideração de “tornar-se outro”, presente em “Avatar
Por Ivana Bentes*


Fui ver “Xingu”, na estréia no Roxy, e é muito fácil embarcar no filme: didático, belo, comportado. E fiquei pensando o que Herzog faria com essa história, com um potencial tão disruptivo e perturbador! Eu queria ver outro filme, e definitivamente “Xingu” não é sobre os “indios”, mas sobre a relação dos brancos com um mundo que precisam neutralizar e que é, de certa forma, insuportável.


O filme aplaca certa culpa e junto com ela neutraliza nosso devir-indio, com essa pragmática e bela defesa do “parque temático” do Xingu, que evitou a dizimação ainda mais atroz de indios brasileiros. Um gesto corajoso e político dos irmãos Villas Boas, a batalha pela demarcação de uma incrível reserva indígena que retardou e impediu parte do massacre. Mas criar uma “reserva” de humanidade já é matar. Mal “menor” diz o filme.



A história dos irmãos Villas Boas e dos sertanistas é tão incrível que, para mim (e espero que para outros), o filme é um disparador de mundos e imaginários. A cosmologia indígena, sua outra forma de viver/pensar são uma das mais radicais experiências de outras humanidades.


Tirar os indios das “reservas”, dos “museus”, da “antropologia”. O que pode ser um devir-índio?

Poucos filmes fizeram isso.

Aproveitei e revi “Cara de Indio” (primeira parte adiante: http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-1-04020E1A3868C0991326?types=A&


sequência adiante:
Parte 2:
http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-2-04020D1C326AC0991326?types=A&
Parte 3:
http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-3-04024C993068D4991326?types=A&
Parte 4:
http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-4-04020D993168D4991326?types=A&
Parte 5:
http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-5-04024D19326AD4991326?types=A&

e os comentários do antropólogo e pensador Eduardo Viveiros de Castro sobre algumas fotos clássicas dessa história de amor fatal entre nós e eles.

[As imagens dos índios presentes nesses vídeos são do acervo do Instituto Moreira Salles (IMS). As imagens selecionadas pelo Instituto abrangem um arco temporal vasto: vão de meados do século 19 até o fim dos anos 1970]

No final dos anos 80, viajei, acompanhando o trabalho de minha irmã, com uma expedição da Funai para duas tribos. Saímos de Benjamin Constant, na fronteira com a Colômbia, em direção ao Alto Solimões e ao encontro dos Marubos e Matis. Chegar numa tribo indígena, ainda com pouco contato na época, mesmo com todas as mediações de antropólogos, funcionários da Funai, médicos, guias, é algo impressionante e marcante, como se toda a história dos contatos e do infinito fascínio mútuo tornasse a acontecer pela primeira vez.

Os índios não são o “museu” da humanidade, são mundos potenciais e virtuais. Por isso, fiquei tão siderada com um filme como “Avatar”. Hollywood cravou direto, mesmo com todos os clichês, numa ficção-cientifica antropológica: ciber-indios, aos invés de desejar dizimar e matar, desejar intensamente tornar-se outro.

Xingu”, às vésperas da Rio+20, também aponta para a outra “fantasia” desenvolvimentista de “integrar” os índios como sub-trabalhadores de um Brasil industrial. De Vargas a Belo Monte, passando pela “integração nacional” da ditadura. Este projeto fracassou, exterminou etnias inteiras, e ainda está ai!


O projeto indigenista dos irmãos Villas Boas, de “isolar”, de evitar o “mau encontro” com os brancos, de “retardar” a extinção de mundos inteiros é hoje uma referência internacional. Mas qual é, hoje, a potência dessa fabulação? Os filmes meramente “informativos” ou belos nos ajudarão a construir outra narrativa? Politica é sideração!

* Ivana Bentes é professora, pesquisadora e diretora da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. Este texto é rascunho para um artigo sobre o filme. Título e subtítulo são da redação de Outras Palavras


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Novos paradigmas: Revolução 2.0


Maria Lucia Martins

O mundo assiste uma sucessão de mudanças. No cenário, queda de governos, populações nas ruas em protesto em várias partes do mundo, Estados enfraquecidos frente ao poder econômico das corporações estão distantes de uma resposta. O chamado “capitalismo cognitivo” se pauta pela busca de outras acumulações. Segundo Giuseppe Cocco (UFRJ) nos últimos anos vemos a socialização das perdas. Os movimentos emergem sem a condução dos Partidos, reunindo, através da internet, pessoas decidas a traçar seus destinos. Onde vão dar estas ondas emergentes de manifestações, ainda não se sabe. O que se pode dizer é que tudo isto faz parte de novos paradigmas, nos quais estão as propostas de uma nova economia, da produção compartilhada, da dinâmica da interatividade, da democracia participativa de diversas formas. Estes temas foram debatidos no seminário internacional Revolução 2.0 – da crise do capitalismo global à constituição do comum, realizado no Rio de Janeiro. Vivemos uma crise das intermediações e nos perguntamos quem são ou serão os outros mediadores.

Neste contexto, de ações alternando-se entre as ruas e as redes, destaca-se a experiência em curso da SolTV, do site Puerta del Sol en Directo, onde se pode acompanhar on line o mapa das mobilizações e no qual se cria mobilização e solidariedade. Percebe-se a simultaneidade dos acontecimentos e a complexidade do espaço-tempo: lutas globais, num outro imaginário. Sobre este momento e o Movimento 15 de maio falou Raul Sanchez, da Universidade Nômade de Madri.

Uma experiência criativa, revelada por Ivana Bentes (UFRJ), é a do artista argentino Gustavo Romano que, explorando a máxima “tempo é dinheiro”, criou moedas com valores em tempo, e mesmo um Banco Mundial onde se pode emprestar tempo. Uma crítica radical à monetarização da vida (http://gustavoromano.org/). Em nosso país, Ivana considerou importantes as marchas recentemente realizadas entre as quais a da Liberdade que aconteceu em 70 municípios, abarcando todos os estados brasileiros nos meses de maio/junho de 2011, e o Circuito Fora do Eixo.  O hackerismo também ganha outras possibilidades, saindo do tecnológico em si para as ações sociais. Cada vez mais o futuro da democracia depende da comunicação e a democracia na rede depende da interatividade e esta do individualismo colaborativo, que gere estratégias em vários campos, disse Sérgio Amadeu (AFABC). A rede, afirmou Amadeu, alterou completamente a interatividade e dificultou as estratégias dos governos centrais. Um exemplo é o Wikikleaks; porém, a rede encontra-se superdimensionada também por interesse do capital financeiro e o que chamamos de “crise econômica” foi uma alavancagem que fez com que o mercado de derivativos seja comparado a um cassino.

Peter Pal Pelbart (PUC-SP) assinalou a “crise da medida”, lembrando o Livro de Jó e o prefácio feito por Antônio Negri em que este afirma que “toda utopia é de fato uma paixão. É de dentro dessa condição material que podemos mudar, transformando-a por dentro, libertando-nos de todas as subjetivações capitalistas”. Em Jó, a força do escravo está expresso que “só paixão da criação poderia derrocar a crise da medida”. Ele afirmou que temos a necessidade de pensar algo novo e que doravante a aventura não pode ser linear.


terça-feira, 16 de novembro de 2010

O Brasil que sai das urnas

A seguir, um resumo de várias análises publicadas no website do Instituto Humanitas Unisinos sobre as eleições de 2010, a partir de entrevistas com gente como Walter Pinheiro, D. Luiz Demétrio Valentini, Ivana Bentes, Ivo Poletto, Emir Sader, Wladimir Safatle, Marcelo Neri e Francisco de Oliveira, além de trabalhos de outros intelectuais e frases de políticos após um dos processos eleitorais mais marcantes do pós-ditadura militar. Confira a apresentação e um sumário de todo o material reunido na seção Notícias do Dia, da página do IHU.

O balanço da sexta eleição presidencial pós-ditadura, e a quinta consecutiva disputada entre o PT e o PSDB, aos poucos vai sendo feito e vai revelando o Brasil que saiu das urnas. Ao mesmo tempo, ganha corpo o debate de como será e quais são os principais desafios que aguardam Dilma Rousseff – no primeiro governo pós-Lula.

Contribuir na interpretação dos principais fatos que fizeram parte da disputa eleitoral 2010 e seus desdobramentos, na análise das forças ganhadoras e perdedores, nas conjecturas de qual projeto sai fortalecido e nos desafios que se apresentam para um governo pós-Lula é o objetivo dessa análise. O ponto de referência de elaboração desta análise é o movimento social, mesmo tendo presente que a leitura e a interpretação dos movimentos sobre as eleições estão em curso e não são unitárias. A nossa análise, portanto, é uma entre outras que se oferece para o debate público.

No balanço preliminar das eleições 2010 algumas constatações ganharam destaque. Entre elas, a mais ouvida e citada, foi a de que Lula foi o grande vitorioso considerando que a sua aposta pessoal – Dilma Rousseff – se transformou em uma candidatura competitiva e vencedora. Ainda mais: Lula conseguiu algo pouco comum no mundo da política que é a transferência de votos.

Entre ganhadores e perdedores do processo eleitoral 2010, além da vitória pessoal de Lula, destacam-se outras afirmações: Marina Silva surpreendeu; o DEM foi fragorosamente derrotado; o PT saiu fortalecido, o PSDB enfraquecido, o PSB emergiu como nova força política; caciques políticos foram expelidos pelas urnas e pela Ficha Limpa; a esquerda programática teve desempenho pífio. Falou-se ainda muito do grau de tensão dessas eleições comparável apenas ao das eleições de 1989 e ao fato da agenda moral religiosa ter assumido uma proporção impensável no debate eleitoral.

Agreguem-se aos aspectos anteriores outros elementos menos comentados, mas nem por isso menos importantes: a ausência de um debate programático mais consistente; o ‘lulismo’ substituindo o debate programático; a confirmação do realinhamento eleitoral verificado em 2006 e o não comparecimento da agenda do movimento social nas discussões. As eleições de 2010 permitem ainda a análise de que o modelo neodesenvolvimentista, protagonizado pelo governo Lula, saiu vitorioso e tende a se consolidar no governo de Dilma Rousseff.

Sumário

O Brasil que sai das urnas
Introdução
Eleições 2010. Surpresas ‘não esperadas’
Estado laico. Sociedade religiosa
Igreja e aborto – polêmica envolve a CNBB
Pronunciamento de Bento XVI, um reforço inesperado
Marina Silva. Onda verde ou onda conservadora?
Eleições despolitizadas?
O ‘lulismo’ substituiu os programas
Raízes sociais e ideológicas do lulismo
Lulismo. Um projeto sem rupturas e pluriclassista
Neodesenvolvimentismo. O conteúdo programático do lulismo
Estado financiador. As grandes transnacionais brasileiras
O Estado investidor. As grandes obras de infra-estrutura
O Estado Social. Mitigação e superação da pobreza
Lulismo + neodesenvolvimentismo = vitória de Dilma
A agenda esquecida
Gênero: forçando mudanças na política
Estereótipos de gênero
Dilma e as rupturas de concepções conservadoras
Desafios para o governo Dilma
Economia. Ventos de mau presságio?
A ‘sombra’ de Lula
Perfil do novo Congresso
Pós-eleição 2010 em frases

Clique aqui e leia a análise. Saudações educomunicativstas.

domingo, 13 de dezembro de 2009

II FML: Ivana Bentes comenta o Fórum de Vitória e a Confecom


Conversamos no campus da Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória, com Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação da UFRJ e coordenadora do Pontão de Cultura Digital da ECO. (por Rodrigo Brandão, Equipe do Blog EDUCOM)


Blog EDUCOM - Ivana, que avaliação em linhas gerais você faz do 2º Fórum? Sobretudo, gostaríamos que nos apontasse o que ficou de positivo em termos de acúmulo de forças e estratégia para o futuro do movimento midialivrista?
Ivana Bentes - Vejo um grande amadurecimento na nossa luta e na nossa pauta. Já vencemos um dos maiores desafios da primeira etapa de FML: mapear o universo da mídia livre brasileira, encontrando e reunindo quem faz mídia livre. Agora estamos trabalhando a superação do discurso hegemônico na mídia e construindo nossa própria metodologia. Mas, principalmente, estamos articulando as redes sociais do midialivrismo e integrando-as aos Pontos de Cultura e Mídia Livre, inclusive com movimentos como os de software livre, radicom e música livre. Um novo discurso, assim como uma nova mídia, é também muito importante. Precisamos de um discurso conceituado, qualificado e livre definitivamente das velhas práticas da mídia, dos clichês e dos maniqueísmos. É hora de renovar e estamos fazendo nosso papel.

O GT de Políticas Públicas para o Fortalecimento da Mídia Livre prosseguiu mais um dia e foi integrado ao Encontro dos Pontos. Qual foi a importância, na sua opinião, de a organização do FML optar por essa dinâmica e o que a professora pensa sobre a estratégia e os próximos passos do projeto Cultura Viva?
Na minha visão, o ponto alto do II FML foi esse diálogo dos premiados com Pontos de Mídia e Cultura, com os movimentos sociais que fazem e defendem a mídia livre, além da própria equipe do MinC responsável pelo projeto Cultura Viva. Tudo isso integrado ao debate sobre a universalização da cultura digital. Assim como o projeto dos Pontos de Cultura contribuiu para renovar as políticas públicas de cultura no Brasil, os Pontos de Mídia Livre renovarão o discurso e a prática de comunicação, além de contribuir para um novo entendimento do Estado e da sociedade sobre o que são as novas mídias e como fazer de fato política para mídia livre. Os poderes públicos tem que investir ainda mais, abrir mais editais que possibilitem sustentabilidade e autonomia a quem quer fazer e tem projeto para mídias livres. O Brasil precisa reconhecer a atividade midialivrista. Na Confecom, será o momento de lutarmos por pautas como uma nova política de Estado para as comunicações, mais editais de mídia e cultura e democratização das verbas publicitárias. A infra-estrutura precisa melhorar. Será fundamental para o país a universalização do acesso a internet de banda larga. O momento é favorável.

Este segundo Fórum discutiu muito a necessidade de um novo mercado para as mídias livres, com a adoção inclusive de moedas sociais. Gostaríamos de conhecer sua opinião sobre a economia solidária da mídia livre.
Quando se fala de mercado, muitos dizem que só existe um modelo de mercado, aquele institucionalizado, das moedas oficiais. Nós, midialivristas, estamos construindo um novo mercado. Trabalhamos não só através de serviços tradicionais que podem ser vendidos, mas como trocas de serviços, dentro das redes sociais, com os demais midialivristas. Espero que o Banco Central libere mesmo as novas moedas sociais e que possamos contribuir não só com uma renovação das políticas públicas para cultura e comunicação, mas também no campo da economia.

Como é possível reformar os currículos de todos os níveis do ensino para levar a Educom às escolas e que horizonte você projeta para essa nova forma de educar e informar?
A Educomunicação (ou formação para a mídia livre), incluindo as ferramentas da cultura digital, precisa ser reconhecida como direito do cidadão e fazer parte da vida de qualquer brasileiro desde que põe pela primeira vez os pés numa sala de aula. Isso é estratégico e virá como política de Estado, a partir da nossa luta. A universidade continua e deve continuar relevante na formação para as mídias, mas é preciso ampliar, e não só para as escolas, os espaços da formação de fazedores de mídias.