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domingo, 25 de novembro de 2012

Lição de Jornalismo

23/11/2012 - Tereza Cruvinel - Correio Braziliense


Em tempos de poder midiático sem precedentes, aqui e no mundo, nessa hora em que o jornalismo é discutido até em relatório de CPI, achei oportuno compartilhar com os leitores este magnífico artigo do jornalista Pedro Rogério. Profissional experiente, com passagem por todos os cargos que contam nesta profissão, em variados veículos, Pedro Rogério nos recorda os cânones sagrados dessa profissão.

Lição de jornalismo - Pedro Rogério Moreira (*)


Tenho uma passagem com o jornalista Evandro Carlos de Andrade quando ele era diretor de Redação de O Globo, da qual já dei notícia numa memória intitulada "Lição de jornalismo" e que figura no meu livro Jornal Amoroso - Edição Vespertina (Thesaurus, 2007). É uma passagem de boa atualidade.

Um pouco de nostalgia para situar o leitor. Era eu, no começo dos anos de 1970, uma espécie de factotum de Deodato Maia, secretário da madrugada de O Globo: redigia as matérias de última hora, atualizava os telegramas da Guerra do Vietnam, corria à oficina para fiscalizar a paginação, numa época em que ainda prevalecia a imprensa de chumbo de Gutemberg e aquele jornal carioca conservava um quê de vespertino.



Em certa madrugada atendi a telefonema de um intermediário de Mariel Mariscot, (foto) o policial que  passara para o lado dos bandidos e virara o inimigo público número 1 da cidade. O interlocutor propunha   dar ao Globo o privilégio de entrevistar Mariel se concordássemos com duas ou três exigências.

Vislumbrei a chegada dos meus 15 minutos de glória. Expus o caso ao velho Deodato. Ele puxou uma tragada no seu Hollywood, pigarreou ao estilo e anunciou: "Vou consultar o Evandro". E telefonou para a casa dele, acordando-o naquela hora morta.

Grande expectativa no coração disparado do jovem jornalista cabeludo de calça boca de sino. Volta Deodato com a resposta de Evandro: "Diga ao Pedro que O Globo não faz acordo com foras-da-lei".

Contou-me outro dia o colunista Merval Pereira que o preceito da família Marinho, enunciado pelo saudoso Evandro (quanta falta faz!) permanece como um dos pilares do maior jornal do País. Eu não imaginava o contrário.



Os "capitães da imprensa" não são novidadeiros, repórteres é que o são. Eles cruzam na vida com Deus e o Diabo. E às vezes repetem o "Fausto". É o que parece ter acontecido recentemente. Parece, pois não se sabe se é vero. E corremos (os leitores, a sociedade) o risco de nunca sabermos, pois a CPMI do Cachoeira está se encerrando e o jornalista Policarpo Junior (D) resiste em esclarecer se fez ou não fez o pacto do infausto personagem de Goethe. Isto é, ele tem o dever de esclarecer o motivo de ter sido escolhido por Cachoeira (E), um Mariel da atualidade, para ser o depositário das bombásticas informações do fora-da-lei.

Outro aspecto curioso deste caso que abala a credibilidade do jornalismo brasileiro é a enxurrada de artigos de proteção ao jornalista alçado ao posto, quiçá não almejado, de queridinho do fora-da-lei. Assim como a CPMI tem a tropa de choque de parlamentares que defendem a Delta, todo dia aparece um jornalista, um sociólogo, um historiador, um parlamentar, achando um despropósito a convocação de Policarpo, como se jornalista tivesse imunidade.

Ora, o que se quer saber é muito simples: por que o Cachoeira escolheu o jornalista de Veja, e não outros bambambãs, de O Globo, da Folha, do Estadão, da TV Globo, do Correio Braziliense ou de qualquer outro veículo? Tão bons repórteres quanto Policarpo.

Mas não; os furos apurados pelo sofisticado esquema de informação do fora-da-lei só eram destinados ao Policarpo. Videotape do mensalão? Cachoeira entrega pro Policarpo.

Roubalheira no Denit? Cachoeira apura e repassa ao Policarpo. Policarpo quer pegar o Zé Dirceu? Sem problema: o araponga do Cachoeira, um tal Dadá, põe uma câmara escondida no hotel e entrega as fotos de quem conversava com o ex-ministro para o Policarpo. Por que para o Policarpo? É a pergunta que não quer calar.

Mais ainda: na semana passada foram divulgados grampos telefônicos em que, aparentemente, o fora-da-lei se transforma em chefe de reportagem e pede a Policarpo para tirar um repórter de determinada matéria em Goiás. É isso? Ou não é nada disso?

Como novidadeiros, repórteres andam de mãos dadas com o risco. E eu não sei? Na minha época de repórter itinerante do Jornal Nacional na Amazônia, fiz amizade com muitos aviadores. É uma turma muito boa, a gente sempre aprende com eles. São excelentes fontes de informação. Além do mais, no meu caso, me faziam vôos fiados, eu pagava quando a verba de produção chegava, porque, como sabemos, em televisão o espetáculo não pode parar.



Um dia, quando eu já havia voltado para o Rio, deu na imprensa que alguns daqueles meus amigos pilotos de garimpo tinham sido presos por transportar cocaína.

- Que beleza, heim seu Pedro? Com quem você anda, rapaz!

Mas o repórter teria de muito bom grado se apresentado ao delegado Paulo Lacerda, chefe da Polícia Federal em Rondônia, se ele tivesse me convocado, a fim de contar o que fazia um retrato meu confraternizando com os acusados em cima do aparador da sala de visitas da "república" dos aviadores, varejada pelos policiais.

O repórter do JN teria dito ao delegado:
- Eu gostava dos elementos, seu doutor; eles me homenageavam, sempre que eu passava por Porto Velho, com um churrasco sensacional. Desconhecia que eram pilantras e eu nem fumo nem cheiro, seu doutor. E zéfini.

É o que o jornalista de Veja deveria fazer: contar o que sabe e ponto final. A palavra-chave neste caso é apuração, vocábulo registrado em qualquer dicionário de jornalismo. É preciso apurar, o primeiro passo no caminho da verdade, como aprendemos na faculdade ou na escola da vida.

Além do mais, o mundo é mau e tem sempre gente linguaruda para assacar inverdades.

Como na fábula de Araxá, por sinal a terra natal de Cachoeira. Havia nesta cidade mineira um farmacêutico, homem sério e bom. Madrugador no seu ofício, viu as primeiras chamas do incêndio criminoso que consumiu o cartório na calada da noite. Valente, o farmacêutico enfrentou o fogo para salvar o que podia. Foi um herói. Mas, sempre recolhido, não quis alardear o feito para o quinzenário da cidade. Calou-se na sua modéstia. Anos depois, duas velhinhas estão debruçadas na janela de um sobrado, espiando a vida. Vem de lá o farmacêutico. Uma diz pra outra:

- Olha só quem passa...
- E quem é ele, menina? 
- Aquele farmacêutico que esteve envolvido no incêndio do cartório!


O silêncio de Policarpo conspira contra ele. Se for indiciado no relatório, a CPMI pode estar cometendo uma enorme injustiça contra o indigitado. O certo mesmo é que o silencioso jornalista se transformará na vítima das velhinhas do Araxá daqui mais uns anos.


- Quem vem de lá?
- Aquele jornalista que se envolveu com o Cachoeira!

(*) Pedro Rogerio é jornalista 

Fonte:
http://www.dzai.com.br/terezacruvinel/blog/terezacruvinel?tv_pos_id=117924

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Sacralidade do STF


15/10/2012 - Na coluna Diários Associados de 14.10.2012
- por Tereza Cruvinel em seu blog

Em seus 190 anos de existência, o Supremo Tribunal Federal nunca deve ter recebido tantos aplausos como agora, pelas condenações dos réus do chamado mensalão.


Elas respondem ao descrédito da população nos políticos em geral e resgatam o Judiciário de sua velha conivência com os delitos da elite política.

Mas esta sintonia não quer dizer que a corte seja imune ao erro e que os condenados não tenham direito ao protesto.

Nelson Hungria, ex-ministro da Casa, notável penalista citado muitas vezes pelos atuais ministros, dizia que “o Supremo tem apenas o privilégio de errar por último”.

Hoje tem-se como certo que o STF errou quando negou Habeas Corpus para evitar a extradição de Olga Benário, então mulher de Luis Carlos Prestes, que veio a ser executada num campo de concentração nazista na Alemanha. Uma nódoa em sua história. Na época, o STF alinhou-se ao espírito do tempo, que era de anti-comunismo.

Na ditadura, negou Habeas Corpus para evitar a expulsão do padre Vitor Miracapillo.



Outro padre progressista, Reginaldo Veloso, protestou e foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Foi defendido por Heleno Fragoso, um de nossos juristas mais sólidos, internacionalmente respeitado, que citando a frase acima, de Hungria, afirmou: “O Poder Judiciário pode e deve ser criticado. Estamos mal habituados a uma autêntica sacralização da justiça, pela qual os advogados são, talvez, os maiores responsáveis. (…) É legítimo, adequado e necessário criticar a Justiça, apontando as suas mazelas, os seus erros e até os seus crimes. O sentimento de revolta e inconformismo dos que são atingidos pelas decisões é humano e compreensível“.

O julgamento alinha-se novamente com as eleições, devendo o STF decidir, na véspera do segundo turno, sobre a acusação do Ministério Publico a José Dirceu, [foto acima] de ser chefe de quadrilha. O processo ainda será muito mais discutido quando terminar, e o mundo jurídico romper o silêncio, do que agora, no fragor do aplauso.


Não cabe aos jornalistas avaliar as sentenças, salvo os que tenham sólida formação jurídica. Mas duas questões dispensam o saber jurídico para serem avaliadas pelos que conhecem o funcionamento das instituições. 


Uma, diz respeito à pretensão do STF de enquadrar a atividade política. Outra, tem relação com os desdobramentos da jurisprudência inovadora que está sendo criada.

Vejamos uma e outra.

Freio de arrumação
Após ser eleito presidente da Corte, o ministro-relator Joaquim Barbosa [foto abaixo] afirmou que vê o julgamento funcionará como um “freio de arrumação” na política brasileira. Disse ainda que “ter um tribunal com essa visibilidade, com todo este apelo de mídia, como vem acontecendo, é muito importante. Esse sempre foi meu ideal. Estou muito contente que isso esteja acontecendo, ainda mais num momento em que estarei à frente do tribunal."



Seu júbilo pessoal é compreensível mas a pretensão de impor “um freio de arrumação” à atividade política é equivocado e colide com a cláusula pétrea da independência entre os poderes.

Quem pode e deve fazer uma freada de arrumação é o Legislativo, aprovando reformas do sistema político, a começar pela questão do financiamento eleitoral.

Se o Congresso não o fizer e o STF mantiver seu ímpeto, teremos julgamentos em série.


Quase todos os ministros demonstram desconhecer o funcionamento do sistema político, desenhado pela Constituição e sua cultura enraizada na História. Estranharam que, depois das coligações eleitorais, os partidos formem coalizões parlamentares, na “entressafra eleitoral”, para usar a expressão que Ayres Britto [foto ao lado] enunciou como um achado original.

Ignoram que os custos da atividade política antecedem e sucedem às campanhas eleitorais. Que exista solidariedade, inclusive financeira, entre partidos aliados. Os temores da ministra Carmem Lúcia são fundados. O julgamento criminaliza a política. Amanhã, outros partidos estarão no banco dos réus. Se tivermos que “arrumar” a atividade política à custa de julgamentos e condenações em série, estamos feitos.

Perigos da mudança
Não é preciso ser jurista para deduzir que o novo modo de fazer justiça terá conseqüências.

Como disse o jornalista Jânio de Freitas em sua coluna na Folha de São Paulo, “as deduções em excesso para fundamentar votos, por falta de elementos objetivos, deixaram em várias argumentações um ar de meias verdades”.

Dirceu e Genoíno foram condenados com base num conjunto de indícios que justificaram a aplicação da teoria do "domínio do fato", por conta dos cargos que ocupavam. Para ser condenado por corrupção passiva, agora basta o sujeito receber vantagem indevida, mesmo que não se prove a contrapartida, o ato de ofício. Brindes podem ser vantagem indevida.

Estas premissas agora serão seguidas pelos juízes das instâncias inferiores, como disse ao Globo o juiz Murilo Kieling: “O Supremo deu grande relevância à prova indiciária, até então considerada a mais perigosa de todas”. Tal prova é perigosa porque, afora qualquer juízo sobre as condenações dos petistas, pode permitir a manipulação dos indícios por juízes inescrupulosos ou a serviço de interesses políticos ou econômicos.


Foi a ex-Procuradora Nacional de Justiça, Eliana Calmon, que afirmou existirem “bandidos togados”.


Imagine-se, na política dos burgos podres do interior, o que não pode derivar do conluio entre juízes e caciques políticos locais. Será muito simples eliminar inimigos.


Mas agora, a nave seguirá.

Fonte:
http://www.dzai.com.br/terezacruvinel/blog/terezacruvinel

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Legados da era Lula

Tereza Cruvinel, presidente da EBC
Neste último artigo do ano aqui no Correio, não tenho como não falar dos oito anos trepidantes, em todos os sentidos, que estão chegando ao fim. Os anos Lula não apenas mudaram para sempre o Brasil. Mudaram também nossa forma de sentir e pensar nosso país. Sob Lula, aprendemos a enxergar a pobreza, a importância de combatê-la e, mais recentemente, a celebrar sua redução. Vimos um presidente chegar ao poder contrariando tudo o que sempre nos pareceu natural: sem berço, sem diplomas, sem o apoio das elites econômicas e pensantes. Vimo-lo depois quebrar todas as convenções ao exercer o poder: falando a linguagem desabrida do povo, cometendo metáforas rasas e gafes frequentes, quebrando a liturgia do cargo, trocando o serviço à francesa do Itamaraty por um buffet self-service, tomando café com os catadores de papel e exercitando uma aguerrida diplomacia presidencial sem falar outra língua. Não haverá outro Lula, pois o Brasil que o gerou não haverá mais. E isso é bom.

Neste período, 28 milhões de brasileiros cruzaram a linha da pobreza e outros 20 milhões ascenderam à classe C. Mais extraordinário é que esse feito tenha acontecido sem a quebra de um só cristal. Ou seja, Lula não tomou uma só agulha dos mais ricos para dar aos mais pobres. Não privou os banqueiros de seus lucros para estender o crédito ao andar de baixo. Não reduziu as exportações do agrobusiness para dar mais comida ao povo. Não garfou a poupança da classe média para criar o Bolsa Família. Tudo fez harmonizando interesses e moderando conflitos. Todos ganharam, embora os mais pobres tenham começado a tirar a diferença. Em 2009, apesar da crise, a renda média dos 40% mais pobres cresceu 3,15% e dos 10% mais ricos apenas 1,09%. E isso é bom para todos, inclusive para os ricos. Este ano, os números serão mais eloquentes.

O crescimento da economia, que pode chegar aos 8% em 2010, será o maior em 24 anos. Desta vez foi crescimento sem inflação e com distribuição de renda. No final do período Lula, terão sido gerados 15 milhões de empregos. Este ano, a nova classe C vai gastar R$ 500 bilhões em 2010, superando o consumo das classes A e B. Isso é mudança.

Sob Lula, a percepção do Brasil mudou também lá fora. Agora o país é player, é líder no G-20, é um dos Brics, vai sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Vamos perdendo o velho complexo de vira-latas.

Nem tudo foi resolvido, nem tudo foi feito e não faltaram as decepções. Sobretudo as políticas, com os casos de corrupção intermitentes. Mas o saldo a favor de Lula foi bem maior e levou-o ao píncaro da popularidade. Mesmo assim, ele continua sendo um presidente intragável para uma minoria. Talvez para aqueles 4% ou 5% que, nas pesquisas frequentes, consideram seu governo péssimo, contra os 80% que o consideram ótimo ou bom.

As relações com a mídia serão um capítulo na história a ser escrita. Vivi a minha pequena parte. Colunista política de O Globo, nunca apontei, nos seis governos e sete legislaturas que cobri, apenas o bem ou o mal. Assim erigi minha credibilidade de analista político. A partir de 2003, divergi do pensamento único que passou a vigir na mídia, não engrossando a cruzada anti-Lula. Na elite do jornalismo político, muito poucos, além de mim e de Franklin Martins, fugiram ao padrão monopólico e demonizador.

Houve preço. Em 2005, veio o maccarthismo e com ele os cães raivosos e o espírito de delação. Um deles espumou, em 2005, que Lula só não caíra ainda porque uma lista de jornalistas lulistas, aberta com meu nome, havia aparelhado a imprensa! Por algum tempo sustentei o apedrejamento, mas, já tendo sofrido uma ditadura, rejeitei a escolha entre autoimolação e sujeição. No final de 2007, aceitei o convite para dirigir a TV Pública que seria criada, cumprindo a Constituição Federal. Pouco vi o presidente depois disso. Tenho trabalhado com absoluta liberdade e os resultados estão aí. Nunca recebi queixas ou bilhetinhos de ministros.

Não tenho a menor importância na história maior que se encerra agora. Conto isso aqui porque esses detalhes fazem parte do ambiente venenoso, eivado de intolerância, elitismo e ódio de classe em que Lula governou e construiu o legado que deixa ao país.