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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 3/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que.html

Parte 2/6 - NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_02.html


CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS

Antonio Fernando Araujo

- Já se cogitou até em substituir o carvão vegetal empregado nas siderúrgicas, por carvão mineral, barato e abundante, mas altamente poluente. Ela libera na atmosfera dióxido e monóxido de carbono na forma de gases do efeito estufa, atalhou Luczynski. Contudo, ao se avaliar o dano maior à atmosfera que tal alternativa provocaria, onde o dióxido de enxofre, presente nesse mineral e um dos maiores causadores da chuva ácida, entra como uma espécie de vilão oportunista, se conclui que estaríamos apenas mudando o foco das nossas preocupações, da preservação da floresta para a qualidade do ar que respiramos. Embora já se encontrem disponíveis ou em estudos, novas tecnologias - empregadas antes da combustão - de remoção de grandes proporções de enxofre e outras impurezas utilizando-se de técnicas enzimáticas e microbiológicas, entre outras, elas ainda precisarão ser consideradas tecnológica e comercialmente aprovadas para só assim se generalizarem entre as cerca de 25 mil carvoarias produtoras, espalhadas pelo entorno de Marabá. Virou-se pra mim, percebeu meu assombro e cravou, "é com isso que estamos lidando, meu caro, 25 mil".

Não entregou os pontos. Apressou-se em apontar-me outra vertente, a do gás natural. E seguiu contando-me o quanto esse gás já foi cogitado como substituto do carvão vegetal. Viria dos campos Espigão e Oeste de Canoas, da região de Barreirinhas, no Maranhão e, através de um gasoduto alcançaria Açailândia e a partir daí e 200 e pouco quilômetros mais chegaria à Marabá, sob os aplausos da floresta - ou do que restasse dela - e desses ambientalistas teimosos que sangram em silêncio como morrem as árvores e a cada mês pagam com a vida essa vontade indomável de mantê-las intactas. Ou - de outra forma -, o gás abundante seria trazido da jazida do rio Uatumã, no Amazonas, liquefeito, posto em containers e transportado em navios ou barcaças. Portanto, projetos não faltam para que se torne realidade a produção daquilo que alguns ambientalistas chamam de "gusa verde", mas ora esbarram em dificuldades quase intransponíveis de obtenção de licenças ambientais, ora se constata que não estão ainda economicamente amadurecidos, ora se vêem sujeitos às injunções políticas ou sociais que, quando não os extinguem, postergam em conjunto o avanço dessas alternativas.

Amplia-se a dimensão desse drama "com a notícia da instalação, já confirmada, de novos alto-fornos na região, e assim a produção de ferro-gusa continuará a ser expandida", como nos assegura Abreu Monteiro. "Isso implica também no aumento do consumo de carvão vegetal, que já não é nem um pouco desprezível, são pelo menos cinco milhões de toneladas. Uma demanda que estende a pressão pelo desmatamento de novas áreas, em especial com a elevação do preço do ferro-gusa registrado em 2004", concluiu em tom de lamento.

Assim, quando se constata que a "questão amazônica situa-se numa interseção particular do conjunto de possibilidades econômicas que o País dispõe, com o conjunto de seus problemas associados à concentração da renda e com, ainda, o conjunto de seus problemas ambientais" não é difícil concluirmos - "não se trata de mera suposição", escreveu o mesmo Assis Costa, num texto em que procura apontar defeitos e mostrar caminhos - que "a equação que se pretende resolver para a superação dos desafios que o Governo Federal se coloca pensando o País como um todo, podem apresentar inconsistências com os seus próprios termos na Amazônia", diante das "múltiplas faces da sua realidade", dos macro desafios postos diante dele, dos riscos ambientais e ecológicos, das racionalidades econômicas, dos antagonismos sociais, do oportunismo e, até mesmo, dos ambientes institucionais.

E é essa mesma "questão amazônica" e uma de suas "múltiplas faces" que sobressai, quando nos detemos sobre um dado no mínimo curioso, destacou o professor Milton Matta, com quem, dentro de alguns dias vou me encontrar. Hoje, assegurou-me, "20% do PIB é gerado pelo agronegócio, mas ninguém lembra que 50 a 80 bilhões de metros cúbicos da água que a cada safra irrigam o solo do centro-oeste, serrado, sul e sudeste provem da Amazônia através das correntes úmidas atmosféricas que descem da região norte pelo lado ocidental do centro-oeste em direção ao sul." Essa "generosidade" amazônica não rende um centavo aos cofres dos Estados fornecedores de um bem preciosíssimo, imprescindível, vital para a sobrevivência e pujança do agronegócio. É como uma "transfusão de sangue" em que a atmosfera tornada cúmplice de uma "pirataria", subtrai da Amazônia parcela considerável de uma riqueza que, em última instância, deveria ser motivo de, no mínimo, algumas compensações e polpudos dividendos. Algo parecido ocorre, ainda dentro do território nacional, quando se constata uma expressiva drenagem de exemplares da flora amazônica, cujas mudas são levadas para o nordeste, sul e sudeste e, nos estados dessas regiões, plantados de forma racional e extensiva assenhoreando-se assim de uma cadeia produtiva que facilmente conduzirá a uma apropriação de direitos de patentes que, de outra forma, poderia também render dividendos aos Estados do norte, originários de tais mudas.

Não obstante nossa preocupação com a biopirataria externa, é como se estivéssemos agora, reproduzindo internamente o roubo de sementes de seringueira que ingleses perpetraram contra nós no final do século XIX, quando Henry Wickham, um conterrâneo do príncipe Charles e funcionário da Botantical Royal Gardens, em Londres, surrupiou 70 mil sementes (Hevea brasiliensis) de um lugar chamado Boim, no Vale do Tapajós e os mandou para a Inglaterra. Lá, elas produziram 2.700 mudas, uma taxa de sucesso de 3,8%, que foram então levadas para sua colônia na Malásia, no sudeste asiático. Em extensas plantações altamente produtivas, cinco décadas depois, essa pirataria provocaria a quebra definitiva da produção brasileira de seringa da região do Tapajós, cuja economia, perdida para sempre, ainda se baseava na extração predatória dos seringais nativos como continuaria a fazê-lo até os dias de hoje, em reservas extrativistas.

Mais adiante ele voltou-se para outro aspecto, dessa vez com relação ao pH das águas minerais vendidas em Belém. Para ele, esse é um problema importante. “Se você pegar qualquer garrafinha de água mineral, o pH varia de 3,6 a 4,2. Ora, isso é ácido. O pH tinha que ser entre 6.5 e 8.5, segundo a legislação vigente”. Ele conta que, a longo prazo, o consumo frequente de uma água com característica tão ácida pode causar diversos males, como gastrite, úlcera, câncer estomacal. De acordo com o professor, essa não é uma característica somente das águas minerais, isso acontece com todas as águas da Amazônia. Ainda não há incidência de chuva ácida nessa região, mas de uma maneira geral, as águas daqui são ácidas, quer sejam de poços, de rios, quer sejam minerais. Ainda que se possa assegurar que essa acidez das águas amazônicas não está relacionada com a presença de dióxido de enxofre na atmosfera, essa constatação não livra a população da convivência com essa realidade incongruente, distante dos domínios do conhecimento da grande maioria, transformada em um componente a mais dessa constelação de dramas tal como ela se apresentava aos habitantes das primeiras idades da terra.

No alvorecer do capitalismo quando ainda na sua fase mercantilista, piratas e flibusteiros saqueavam cidades e navios apoderando-se das riquezas recém descobertas no Novo Mundo, o ouro, a prata, a madeira e as pedras preciosas compunham o quadro da cobiça dos reis, governadores, príncipes e comerciantes que os patrocinavam diretamente ou confundidos com as sombras. O mundo tornava-se menor e se as ambições do capitalismo serviram de mola propulsora para sua extraordinária expansão justificando a pilhagem, o que ainda se pode dizer, decorridos cinco séculos, sobre essa atividade que fez a glória de Barba Negra e Francis Drake entre outros, é que ela continua na ordem do dia, tão ou mais rentável quanto o fora naqueles tempos e como tem sido ao longo da História.


Próxima parte - 4/6 de "Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas".
DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 2/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que.html


NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES

Antonio Fernando Araujo

Não estamos sós e "depende de nós, se esse mundo ainda tem jeito". Parte disso que um estudo de 2010 nos revelou a Revista Águas Subterrâneas, no seu volume 24, n.1: "As transformações ocorridas no espaço urbano da Região Metropolitana de Belém contribuíram não somente para a sua ocupação, através do entendimento das diferentes formas de apropriação, bem como ocasionou um intenso processo de degradação ambiental."

- Por outro lado, atalhou Batista Ribeiro, na área da extração mineral promovida pelas grandes mineradoras, não existe um estrago muito grande. Há um cuidado para que tudo seja recomposto em termos de capa vegetal após a mina estar exaurida. Lembrei-me da ironia de Collyer, em Marahú, "e como se estivessem brincando de Deus". Ainda assim, prosseguiu Batista Ribeiro, se confrontássemos - de um lado - os estragos que esses "mineradores sociais" das margens das rodovias, os posseiros que desmatam para vender a madeira e fazer pequenas roças - são cerca de 800.000 famílias em toda a Amazônia vivendo desse modo e cada uma delas podendo desmatar até 3 hectares por ano, para cultivo de subsistência, algo insignificante, mas que no conjunto tornam-se 470.000 hectares, ou seja, um problemão -, os carvoeiros do entorno de Marabá, no sudeste do estado, que produzem carvão vegetal oriundo da lenha do desmatamento da floresta primária ou de resíduos das serrarias para servir de matéria-prima termorredutora na produção do ferro gusa nas siderúrgicas da região (cerca de 20, entre médias e pequenas e que, para suas instalações, contaram com inúmeros favores governamentais), os pequenos e grandes madeireiros, legais e ilegais (são mais de 3 mil empresas cortando árvores), as citadas serrarias que também recorrem à floresta primária e os mineradores de ouro dos aluviões de praticamente todos os grandes e pequenos rios - e de outro - com as enormes escavações levadas a cabo pela Vale, tanto na província mineral de Carajás quanto na região do rio Trombetas, ao oeste do estado e, ainda mais, com o destino que tais terras tomarão quando, escasseados os minérios, liquidada a vegetação e exauridas as minas e os aluviões, pois bem, ficaríamos estupidamente surpresos ao constatar que, em termos de cuidados com a preservação da natureza até o ponto em que isso possa ter algum significado social, científico e mercadológico e assim levado em conta, principalmente no que se refere à possível preservação da biodiversidade, a maior empresa brasileira de mineração, a Vale, estará longe do risco de parecer ao mundo como o personagem mais cruel desse drama amazônico feito de desmatamentos e queimadas, num cenário em que se contrapõem pequenas propriedades rurais e imensas instalações ligadas ao agronegócio assentado na agropecuária, à extração mineral distribuída por mais de quinze unidades extrativistas e à geração de energia elétrica a partir da barragem de rios enormes e da construção de mega-usinas produtoras.

- "Vamos a Marahú", disse-me Collyer, "e eu lhe descrevo, tim-tim por tim-tim, cada uma das cores com que se pinta a tragédia por aqui, que não é feita apenas de mineração, derrubadas e queimadas da floresta, esse acervo extraordinário da biodiversidade do planeta e estabilizadora do clima mundial, mas também, porque no olho do furação encontra-se um vasto panorama de necessidades voltadas para a população nativa e imigrante que, acima de tudo, precisam ser atendidas."
O conflito social decorrente do imperativo de se atender essas necessidades e as formas modernas e sustentáveis de uso dos recursos naturais tornou-se um megadesafio que tem suscitado o surgimento de práticas ambientalmente nocivas, mas maquiadas como "sustentáveis", lado a lado com o aprofundamento de mazelas sociais que, quase sempre, excluem os mais carentes e, inevitavelmente confirmam o poder econômico e político dos mais fortes. Entram em cena então outros protagonistas, o capital humano que vai do trabalhador assalariado desqualificado ao pequeno produtor familiar, dono de uma modesta extensão de terra de onde retira com baixíssima produtividade, seu sustento.
O primeiro, quase sempre a serviço do grande capital de base latifundiária ou extrativista, assentado na monocultura de grãos, na exploração mineral ou na criação extensiva de gado, o segundo, limitado pela capacidade de trabalho da família, vêem-se forçados a tratar o bioma da floresta de forma diversa, como é diversa a maneira com a qual uma leva imensa de pequenos empreendedores, da periferia econômica dos grandes projetos minerais, metalúrgicos e agropecuários e do entorno das cidades médias e pequenas, lida com a natureza. O que vimos na região metropolitana de Belém se reproduz aqui dentro da mesma lógica dos absurdos e de estranhos mecanismos com os quais o mundo dos negócios se articula.

A inevitável constatação é que essas atividades "têm um elevadíssimo grau de antagonismo, dado que competem pelos mesmos recursos físicos, humanos e sociais, onde a dimensão mais visível dele é representada pelos conflitos fundiários", como assegura em um de seus textos o pesquisador Francisco de Assis Costa, doutor em Economia pela Universidade Livre de Berlim e hoje, diretor de Estudos e Políticas Regionais Urbanas e Ambientais do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas). Conflitos esses que assumem outras feições e proporções quando, na visão de Collyer, se observa o trem da Vale despejando na Serra do Piriá, bem próximo do imenso Complexo de Carajás, entre 30 e 40 mil garimpeiros nômades, 70% deles de origem maranhense. Quando se registra ao longos das rodovias PA-150 (Redenção-Eldorado dos Carajás), PA-279 (São Felix do Xingu-Xinguara) e PA-287 (Conceição do Araguaia-Redenção) grupos intermináveis de acampados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), milhares deles empurrados cada vez mais para o meio da mata, eles próprios tornados agentes de boa parte das queimadas na região, enquanto outros, no esforço de arregimentação entre os deserdados das minas e de mobilização dos desiludidos que aguardam assentamento, percorrem essas estradas em motocicletas no afã de lutar pelo direito moral de fazer prevalecer a vida em detrimento da lei e se tornarem assim, eles também, protagonistas de uma violência só explicável à luz de uma quase selvageria social e ambiental.

Assim se testemunha com indiferença e descaso, por exemplo, a característica poluição urbana alcançando as margens dos rios e as portas da floresta. Assim se assiste com naturalidade e festa o estouro de fogos de artifício em cavernas habitadas por morcegos brancos, descobertos em 2001, sobre os quais pouco ou nada se sabe e que, como contam, voam para a África e ainda não se descobriu quando e como voltam para procriar. Portanto não é à toa que essa região é, desde a década de 70, conhecida por seus delírios políticos, por projetos hidrelétricos grandiosos - como Tucuruí no passado e Belo Monte no presente - que alguns condenam tola e irresponsavelmente -, por outros monumentais como o são quase todos os empreendimentos aqui, pelo real e fantástico de suas histórias e por questões fundiárias explosivas, como Eldorado dos Carajás, ou seja, por um palco conflagrado por centenas de conflitos entre sem-terras, posseiros, pequenos agricultores, aventureiros, ONGs, comerciantes, índios, garimpeiros e grandes donos de terras.

De Pinto da Silva, ainda no "campus" da UFPa, ouvi então o que só dias depois em Marahú, me confirmaria Collyer. Definitivamente, embora façam parte dessa tragédia de incontáveis e diversificados atores, não são os grandes projetos minerais, os maiores responsáveis pelo envilecimento das margens dos rios e rodovias e pela pilhagem e devastação desordenada da floresta. Poder-se-ia até mesmo, como um ingrediente suplementar, sugerido por Assis Costa, acrescentar-se o fato da estratégia de longo prazo desenhada pelo governo federal, principalmente a partir dos anos Lula, primordialmente contemplar a "inclusão social e a desconcentração de renda, crescimento do produto e do emprego, dentro de um ambiente sustentável". Funcionaria como um "redutor das desigualdades regionais, dinamizado pelo mercado de consumo de massa, por investimento e pela elevação da produtividade, pela redução da vulnerabilidade externa através da expansão de atividades competitivas, tudo isso, para viabilizar esse crescimento sustentado" e assim apostar que, ao lado das grandes mineradoras, para as quais está destinado um papel de destaque na superação dos "desafios nada triviais, que certamente configurarão dilemas de grande envergadura", o governo possa, sem dúvida, vir a encontrar soluções econômicas voltadas para a desconcentração da renda (objetivo primeiro), ainda que lhe seja exigido, primeiro, em nome da tal governabilidade, uma sofisticada conciliação com os parâmetros do mercado financeiro e, segundo, em nome da coerência estratégica, um projeto político transformador, harmonizado com os parâmetros da sustentabilidade ecológica.

Foi mais ou menos nesse clima de contrastes e de otimismos que nossa conversa prosseguiu ao longo da manhã e quando Assis de Abreu lembrou que o mundo deve muito à Amazônia não pensou duas vezes ao reproduzir-me o resultado de um estudo feito pelo Ministério do Meio-Ambiente no qual se especulava que a dívida mundial para com a manutenção da floresta oscilava em torno de três mil dólares por ano por cada árvore de grande porte mantida em pé.
- Moleza, concluiu, só nos últimos vinte anos, mais de sessenta satélites foram lançados ao espaço, todos capazes de vigiar a Amazônia. E mais: o Sistema de Proteção da Amazônia, braço civil do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), utiliza esses equipamentos em órbita, aviões e cerca de 800 estações terrestres, tudo para monitorar a região. Ora, isso não saiu barato, mais de 1,5 bilhões de dólares já foram gastos. Sem contar com os milhões de reais empregados na modernização de centros científicos, como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), ambos dotados de uma estrutura técnica e operacional capazes de analisar com perfeição boa parte dos dados relativos à floresta.

Mais do que nunca, "depende de nós...”, pois junto com essa modernização toda, um paradoxo: nunca se pôde ver tão de perto a destruição e jamais foi possível medi-la com tanta precisão. Todavia, não é uma equação simples assim. Diferentemente do que se possa imaginar, boa parte do processo de destruição da floresta ainda é invisível para os equipamentos que a monitoram. Hoje, com menos de 80% do seu tamanho original, não são poucas as artimanhas a que recorrem tanto o posseiro que, à procura de espécimes comerciáveis, percorre aquela rede imensa de vias clandestinas ocultas pela mata, como já foi dito, hoje estimada em cerca de 100 mil quilômetros em toda a Amazônia, segundo estudos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, quanto o pecuarista que por um ano mantém suas reses sob a capa da floresta, ao final desse prazo queima o capim cujas raízes não são atingidas pelo fogo que revigora o pasto e serve também para destruir, com o calor, as árvores médias. O gado volta. Fica mais um ano. Só na segunda queimada a destruição aparece para os sistemas de monitoramento. É o estouro da boiada sobre a mata, toda de uma vez. Sucesso no céu, fracasso no chão. As ações de fiscalização e os investimentos na repressão a crimes ambientais estão longe de acompanhar a tecnologia que enxerga detalhes no meio da floresta. Os espertos pecuaristas que utilizam esse processo agem em mais de uma área, mantendo cada uma em um estágio diferente. Seus bois nunca estão nos locais descobertos pela fiscalização – sempre tarde demais.


Próxima parte - 3/6 de "Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas".
CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 1/6

 "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"


Antonio Fernando Araujo

- Estamos léguas de distância das minas de bauxita, láááá do Trombetas..., idem, idem da província mineral da serra dos Carajás, dos garimpeiros do Tocantins, Xingu e Tapajós que infestam com mercúrio esses rios, das siderúrgicas de ferro-gusa de Marabá, mas a apenas 15 quilômetros da nuvem de poeira mineral que, depois de flutuar sobre o porto de Vila do Conde, põe-se em movimento entre lufadas de pó que um pé-de-vento qualquer costuma mandar e depois segue ao encontro da cidade de Barcarena, berço da Cabanagem no século XIX e por onde escoa boa parte do caulim, da alumina e do alumínio, industrializados ou simplesmente beneficiados no município, disse-me entre sorridente e melancólico o professor Taylor Collyer.

Marahú é uma praia de águas doces, 70km de Belém do Pará, encravada na ilha do Mosqueiro, mais ou menos na beirada sul da baía do Marajó. Foi nesse recanto varrido por ventos que sopram desde o Atlântico que nos encontramos. Com o eterno meio sorriso nos lábios e uma paciência de camelo, o doutor Collyer procurou desenhar-me o contorno de quem seria o responsável pelo maior abalo traumático da história da Amazônia, a exploração de suas riquezas minerais.
- Mas isso, prosseguiu, parece estar bem longe das preocupações do paraense médio, do belenense em especial. Constatei isso dias depois. Fica-se com a impressão de que, o que essa atividade carrega de tragédia não passa de um drama distante que homens e máquinas, caminhões imensos, carvoeiros, comerciantes e agricultores nativos, leva de garimpeiros e escavadeiras gigantescas encenam em alguma cratera de Marte. Hoje em dia, a discreta discussão política feita por aqui gira em torno da possível divisão do Estado em mais duas unidades, Tapajós e Carajás. Ainda que, ao longo das décadas, esteja evidente que a elite paraense já tenha demonstrado ser incapaz de atentar para as paragens mais remotas de uma unidade administrativa com tamanho equivalente ao da Colômbia, embora com apenas um sexto da sua população, a maioria aqui, aparentemente demonstra estar convencida de que o eleitorado paraense não aprovará o retalhamento do seu Estado atual.

Em 2005, o professor Maurílio de Abreu Monteiro, do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA) escreveu que "quando chega ao fim a exploração industrial de algumas minas na Amazônia oriental brasileira, como a de manganês da Serra do Navio e de outras, menos expressivas, a exemplo das de ouro, também situadas no Amapá, torna-se ainda mais necessário examinar a história da mínero-metalurgia na região, refletindo acerca da relação entre tal atividade e o desenvolvimento regional." Sua preocupação maior era porque "os processos de extração e beneficiamento de minerais acalentaram, em amplos e diversos segmentos sociais, expectativas de rápida industrialização regional."

Esse discurso do progresso para a região é o mesmo que, hoje, acalenta os que defendem a criação do estado de Carajás, ao sul do Pará. Uma região absolutamente controlada pelos interesses econômicos da Vale, cujo braço político se ancora no clã Sarney e cujos membros, com o passar dos anos, tornaram-se ali proprietários de vastas porções de terra voltadas para a agropecuária extensiva, uma delas maior que a soma de todas as áreas hoje ocupadas pelas 15 maiores províncias minerais do Pará. E se alguém ainda imagina que, com a criação do estado de Carajás o esperado progresso para a população haverá de vir pelas mãos desse clã ou mesmo de empresários e políticos visceralmente associados a ele, basta dar uma espiada no vizinho Maranhão, há décadas dominado politicamente por esse clã e tornado um dos estados mais pobres do Brasil, com a segunda pior expectativa de vida, o maior déficit habitacional do país, o segundo maior índice de mortalidade infantil e se assombrar diante do estado de penúria e abandono em que vivem quase sete milhões dos brasileiros que hoje ostentam o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre todos os Estado do país, à frente apenas de Alagoas.

Não muito longe de Marahú, do outro lado da cidade, encontram-se as instalações do "campus" da Universidade Federal do Pará (UFPa), estendendo-se pelas margens do rio Guamá que banha todo o sul de Belém. Há pelo menos 3,5 décadas é lá que se abriga o NAEA, uma experiência pioneira "cujos objetivos fundamentais são o ensino, em nível de pós-graduação, visando em particular, a identificação, descrição, análise, interpretação e solução dos problemas regionais amazônicos; a pesquisa, notadamente em assuntos de natureza sócio-econômica relacionados com a região; e a informação, através da coleta, elaboração, processamento e divulgação dos conhecimentos científicos e técnicos disponíveis sobre toda a região amazônica", escrito em seu ‘sítio’. Nosso encontro com outros dos mestres do NAEA foi marcado no Instituto de Geociências, mais exatamente na sua Biblioteca. Afixada na porta, pode-se ler a letra da canção de Ivan Lins e Vitor Martins, "Depende de Nós", e o trecho em que diz "depende de nós, se esse mundo ainda tem jeito, apesar do que o homem tem feito, se a vida sobreviverá", funcionou como se ela quisesse antecipar algumas das questões que logo mais vou debater com os professores João Batista Ribeiro, Evaldo Pinto da Silva, Francisco de Assis de Abreu e Estanislau Luczynski, todos eles doutores em suas respectivas áreas de atuação e conhecimento, graduados e pós-graduados aqui e no exterior.

Não houve uma entrevista formal, mas uma conversa descontraída onde prevaleceu a fala do Assis de Abreu que há anos dedica-se a estudar o impacto que as atividades de mineração vêm causando ao meio ambiente amazônico, em especial ao do Pará. Foi ele inclusive quem nos recomendou aquela ida à ilha do Mosqueiro e ir anotando, com a paciência de um monge, uma a uma e ao longo da estrada, as pegadas trágicas que o homem urbano vem deixando quando retira barro, areia e pedra dos vastos terrenos das margens da rodovia para empregá-los na construção civil da região metropolitana de Belém. Degradando ainda mais o já exaurido solo daquela que um dia foi a bucólica rodovia Belém-Mosqueiro, são eles que nos revelam mais uma faceta, talvez a mais desanimadora, da desordenada ocupação da terra em torno das médias e grandes cidades da Amazônia. E se isso vale para a metropolitana Belém-Mosqueiro o que pensar sobre a "colonização" das margens dos cerca de 100 mil quilômetros de estradas clandestinas que cortam a Amazônia e onde acontecem mais de 80% das queimadas?

O que fazer então perante esses cenários de terras degradadas de onde a capa florestal nunca deveria ter sido removida, desse panorama de florestas a serem preservadas, mas diante das quais se contrapõe o humano que precisa dela para assegurar sua sobrevivência, desse universo que não pode ser medido de riquezas de todos os tipos e que mexe com a cobiça, em suma desse mundo de águas, minérios, madeiras, flora e fauna em harmonia que se expressam na abundância de uma biodiversidade sem igual praticamente intacta preservando seus segredos? O que a civilização tem feito até os dias de hoje diante da exuberância dessa natureza ímpar nada mais tem sido do que subtrair dela parte dessa opulência, cuja prática recorre com frequência a variadas e pouco adequadas formas de um extrativismo que a vida dos séculos consagrou, mas que em muitos casos acabou por ferir de morte aquilo que ela tinha de mais fecundo, sua capacidade de regeneração.

Em 2009, na conferência da ONU sobre o clima, em Copenhague, o Brasil assumiu o compromisso de reduzir em 80%, até 2020, o desmatamento ilegal em toda a Amazônia. "Evitar desmatamentos e queimadas na Amazônia, como querem a comunidade internacional e a sociedade brasileira, dependerá do aproveitamento parcial dos 71 milhões de hectares já desmatados (dados de 2006), com atividades produtivas adequadas e que promovam a recuperação de áreas que não deveriam ter sido desmatadas, área maior que a somatória dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná", sugere-nos o pesquisador da Embrapa e doutor em Economia Rural, Alfredo Homma. Isso está muito além da simples ideia de criação de áreas extrativistas, pois implica em "tornar a agricultura local mais técnica, introduzindo novas tecnologias apropriadas, expandir a oferta de serviços de assistência técnica e de resultados tecnológicos, com vistas a atender com eficiência o produtor rural, promovendo investimentos em atividades lucrativas, que sejam competitivas e apresentem vantagens comparativas, reduzir os impactos ambientais e protegendo a biodiversidade. Esse conjunto de medidas criará condições para as pessoas permanecerem no mesmo local evitando que saiam em busca de novas áreas de floresta para derrubar ou que migrem em peso para as áreas urbanas", conclui Homma.

"Não há como brincar de Deus", disse-me Collyer, e "tentar recompor a floresta tal como ela era antes" é como se estivéssemos pregando uma ilusória volta ao passado, renegando um conjunto de problemas dramáticos do presente e esquecendo que um futuro promissor para esta região ainda terá, obrigatoriamente, que levar em conta que seus problemas não são independentes.

Como ex-Diretor de Mineração do Governo do Pará ele sabe do que está falando. Alguns daqueles problemas, por exemplo, só serão resolvidos com o combate à pobreza do Nordeste, que concentra 46% da população rural do País e de onde saem milhares de migrantes em busca de alternativa de sobrevivência. Outros, até mesmo, estão relacionados com a necessidade de mais reflorestamento no Sul e Sudeste, pois são eles que consomem 66% da madeira extraída da Amazônia. Na esfera tributária "outra possibilidade de articular a mínero-metalurgia com o desenvolvimento local é a de se ampliar, via tributação, 'lato sensu', a parte do valor criado pela mineração. A ampliação das alíquotas dos 'royalties', por exemplo, não comprometeria a competitividade internacional das 'commodities', uma vez que se encontram bem abaixo da média mundial. Poderiam ser recursos cuja destinação voltar-se-ia ao fortalecimento de processos de desenvolvimento fundamentados no estabelecimento de vantagens competitivas socialmente criadas e integradas ao uso sustentável da base natural da região" como assegura Monteiro.

Enfatizando esse ponto, em matéria publicada no Valor, Anderson Cabido, prefeito de Congonhas, cidade histórica de Minas Gerais, reforça essa posição e afirma ser injusta a alíquota dos 'royalties' do minério, equivalente a 2% sobre o lucro líquido das companhias mineradoras, enquanto a alíquota do 'royalty' do petróleo é de 10% sobre o faturamento bruto das petroleiras. Cabido, que também está à frente da Associação Nacional dos Municípios Mineradores (ANMM), oferece como exemplo dessa injustiça o fato da cidade de Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, ter recebido R$ 1,1 bilhão em 'royalties' do petróleo em 2009, enquanto todos os municípios mineradores do país terem apurado juntos R$ 1,08 bilhão em royalties do minério. Apesar de usar a alíquota de 10% do petróleo como paradigma de um inevitável aumento dos royalties do minério, Cabido não pleiteia um tratamento igualitário para ambos os produtos minerais, petróleo e minério. A proposta dos prefeitos é de um aumento de 2% a 4% da receita bruta da mineração, e não de 2% para 10%, como seria coerente, segundo seu raciocínio comparativo entre petróleo e minério, informa-nos Luiz Begazo, na Revista Valor Econômico.



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