sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Folha e Veja terão espaço na TV Cultura: parceria com os tucanos agora é oficial

Trincheira da oposição - sexta-feira, 03/02/2012 - por Rodrigo Vianna


A “Folha” já pediu, em editorial, o fechamento da TV Brasil (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16102) - emissora pública criada pelo governo federal. O motivo alegado pelo jornal: audiência baixa. “Os vícios de origem e o retumbante fracasso de audiência recomendam que a TV seja fechada -antes que se desperdice mais dinheiro do contribuinte.”

A mesma “Folha” anuncia agora - de forma discreta, diga-se – uma curiosa “parceria” com a TV Cultura de São Paulo – emissora igualmente pública, mantida principalmente com dinheiro do contribuinte paulista.

Tenho orgulho de ter trabalhado na TV Cultura nos anos 90, à época sob a presidência do ótimo Roberto Muylaert. Mas o fato é que a Cultura também não tem uma audiência maravilhosa. Nos últimos anos, os índices só caíram. Mas aí a “Folha” não vê problema. Ao contrário, torna-se aliada da TV.

Sobre a parceria entre “Folha” e TV Cultura, você pode ver mais detalhes aqui: (http://portalimprensa.uol.com.br/noticias/brasil/46962/tv+cultura+convida+veiculos+impressos+para+compor+sua+programacao).

O mais curioso é que a parceria se estenderá também à “Veja”, a revista mais vendida do país.

A “Veja”, como se sabe, gosta de escrever Estado com “e” minúsculo, para reafirmar seu ódio ao poder público. Ódio? Coisa nenhuma. A Abril adora vender revistas para o governo. E agora, vejam só, também terá seu quinhãozinho na emissora controlada pelos tucanos paulistas.

O “programa” da “Veja” deve ir ao ar às terças. O da “Folha”, aos domingos.

A notícia sobre o novo programa da revista mais vendida pode ser lida abaixo, em reportagem do site “Comunique-se”…

Recentemente, o “Estadão” chamou a oposição às falas (http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/estadao-assume-que-e-partido-politico.html), pedindo – em editorial – unidade e combatividade para barrar o PT em São Paulo. Alckmin parece ter escutado.

A TV Cultura transforma-se numa tricheira, a organizar o que sobrou da oposição: “Veja”, “Folha”… E dizem que o “Estadão” também terá seu programinha por lá.

Faz sentido.

Como disse um leitor, no tuiter:
@RobertoToledo59 (https://twitter.com/#!/RobertoToledo59). Estão apenas oficializando a parceria.

Trata-se de um movimento importante: estão preparando a trincheira pra defender a terra bandeirante da horda vermelha… Afinal, se o PT ganhar a capital esse ano, o Palácio dos Bandeirantes será o último bastião do tucanato paulista e de seus (deles) aliados na velha mídia.

Perguntinha tola desse escrevinhador: “Folha” e “Veja” vão pagar para usar o espaço da emissora pública? Ou será tudo na faixa?

Em entrevista ao Portal Imprensa, o editor da “Folha” deixou claro qual o objetivo da parceria: “trará a possibilidade de a marca Folha alcançar seu público no maior número possível de mídias. O jornal continua firme no propósito de levar seu conteúdo de qualidade a um número diversificado de plataformas, e chegar à TV parece um passo natural”.

Muito natural! Tá tudo em casa, eu diria.

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Anderson Scardoelli, do site Comunique-se

A partir de março, um novo jornalístico ocupará a grade de programação da TV Cultura. Em parceria com a revista de maior circulação no País, a emissora da Fundação Padre Anchieta vai transmitir o ‘Veja na TV’. A atração irá ao ar durante as noites de terça-feira, após o ‘Jornal da Cultura’.

Além da TV, o programa será exibido ao mesmo tempo na Veja.com. Porém, quem acompanhar o ‘Veja na TV’ pela internet terá um diferencial assim que cada edição chegar ao fim: participar do chat com o jornalista Augusto Nunes, que estará à frente do projeto que marca a parceria entre a Cultura e a publicação da Editora Abril.

O projeto representa o retorno de Nunes à TV Cultura. Ele foi entrevistador do ‘Roda Viva’ de julho de 2010 a agosto de 2011, época em que a atração foi comandada por Marília Gabriela. De 1987 a 1989, o programa criado há 20 anos foi apresentado pelo jornalista, que atualmente mantém uma coluna (http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/) na Veja.com.

Por enquanto, nenhum profissional foi contratado para participar do novo programa. O ‘Veja na TV’ será produzido integralmente pela equipe das versões impressa e online da Veja. Os temas abordados pela atração serão política, economia e demais assuntos que aparecerão na mídia no decorrer da semana em que determinada edição será exibida.

‘Veja na TV’ contará com matérias especiais, comentários, debates e entrevistas. O programa será gravado no estúdio da Veja, localizado na sede da Editora Abril, em São Paulo. O estúdio é o mesmo em que Nunes comanda o ‘Veja Entrevista’  (http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/secao/videos-veja-entrevista/), que é publicado quinzenalmente na Veja.com.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Primavera Árabe só deu outra cor à censura

31/1/2012 - por Simba Shani Kamaria Russeau, da Inter Press Service - postado em Envolverde - Jornalismo & Sustentabilidade


Cairo, Egito, 31/1/2012 – Os esforços dos regimes do Oriente Médio e do norte da África, para impedir o fluxo de informação durante as revoltas populares do ano passado, deixaram uma grande quantidade de jornalistas mortos, feridos ou detidos. Hoje, a censura continua. “No começo da Primavera Árabe, o controle de informação foi uma prioridade para as autoridades”, contou à IPS (Inter Press Service) a pesquisadora para o Oriente Médio e a África do Norte da organização Repórteres Sem Fronteiras, Soazig Dollet. “Os governos tratam de censurar a cobertura da repressão lançada pelas forças de segurança contra os protestos, impedindo o acesso à internet e bloqueando os telefones celulares, bem como atacando jornalistas locais e internacionais”, denunciou.

O levante popular na Tunísia, em janeiro de 2011, que levou à queda do presidente Zine al-Abidine Ben Ali, deu origem a uma onda de protestos que rapidamente se propagou pelo resto do mundo árabe. No dia 25 daquele mês, foi a vez do Egito, quando manifestantes começaram a reclamar o fim do regime de 30 anos do presidente Hosni Mubarak. Após o êxito de Egito e Tunísia, outros países como Bahrein, Marrocos, Líbia, Iêmen e Síria lançaram suas próprias revoltas.

A imprensa teve um papel fundamental informando sobre as manifestações e a consequente repressão, mas os profissionais correram sérios riscos quando as autoridades trataram de bloquear a propagação de notícias. Um informe da Repórteres Sem Fronteiras diz que pelo menos 20 jornalistas foram mortos e 553 agredidos ou ameaçados na Primavera Árabe, o que fez do Oriente Médio e do norte da África uma das regiões mais perigosas para os trabalhadores da imprensa.
Os regimes dos países onde houve levantes populares tentaram, no começo, censurar a informação”, apontou Ayman Mhanna, diretor-executivo da Fundação Samir Kassir. “Começaram bloqueando o acesso a redes sociais como Facebook e Twitter, mas depois se deram conta de que podiam abrir esses sites para controlar quem escrevia e o que escreviam. Depois restringiram o acesso a jornalistas estrangeiros e independentes, a menos que estivessem totalmente sob seu controle”, disse Mhanna à IPS.

A situação melhorou um pouco, salvo na Síria e no Bahrein. No primeiro país, os jornalistas estrangeiros só entram furtivamente, a menos que aceitem trabalhar sob controle das autoridades, que, por outro lado, não garantem sua segurança. A morte de Gilles Jacquier (no dia 11) é um exemplo disso”, afirmou Mhanna. “No Bahrein, a situação é muito difícil. Os países do Conselho de Cooperação do Golfo têm interesses em bloquear a revolução nesse país. Todos os meios de comunicação opositores estão censurados, e os que são afinados com o regime distorcem totalmente a informação”, ressaltou.

Defensores dos direitos humanos consideram o Oriente Médio e o norte da África uma das regiões com maior censura pela abundância de controles, leis, normas, hostilidades, detenções e restrições físicas. Disposições legais de todo tipo são usadas para deter jornalistas, acusando-os de prejudicar a reputação do Estado, freando, assim, denúncias de corrupção contra funcionários públicos. As autoridades do Bahrein utilizaram a Lei de Imprensa de 2002 para censurar. O Código Penal da Síria criminaliza a propagação de notícias no estrangeiro. Além disso, Egito e Síria têm leis de emergência que permitem perseguir e deter sem o devido processo jornalistas, trabalhadores de imprensa em geral e ativistas políticos.

Durante o regime de Mubarak houve muitas formas de censura, como pressão sobre os editores, proibições de impressão de determinados números em particular, confisco de edições diárias, hostilidades contra jornalistas e apreensão de seus pertences”, contou Ramy Raoof, diretor de mídia na internet para a Iniciativa Egípcia de Direitos Pessoais. “Estas coisas continuam ocorrendo, mas com diferentes funcionários. No lugar do pessoal do Ministério do Interior, entra o do sistema militar. Por exemplo, no dia 22 de fevereiro de 2011, uma carta da Marinha enviada aos jornais egípcios dizia, de modo resumido, que não publicassem nada sobre o exército”, afirmou Raoof à IPS.

Os códigos de imprensa da maioria dos países árabes pretendem respeitar a liberdade de imprensa, mas na realidade deixam amplos espaços para serem violados pelos regimes da vez. Alguns de seus artigos, como ‘desmoralizar a nação’, são usados muito nos últimos tempos na Síria. Acusar ativistas de traição ou de cooperar com inimigos estrangeiros é outra acusação à qual se recorre frequentemente”, esclareceu Mhanna.

No entanto, um ano depois do começo da Primavera Árabe, quando vários países lutam para construir um futuro democrático e em outros continuam ocorrendo manifestações reclamando democracia, ainda é difícil para os jornalistas fazerem seu trabalho.

Agora “os jornalistas podem expressar suas opiniões com maior liberdade porque quebraram a barreira do medo. Porém, continua sendo perigoso expressar sua opinião onde as revoluções conseguiram derrubar o regime ou onde cresce o peso de grupos religiosos extremistas”, alertou Mhanna. “De certa forma, mudou a natureza da censura. Agora, são perigosas as consequências do que escreve ou diz um jornalista”, acrescentou.

Envolverde/IPS

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

No Pinheirinho, o Brasil das trevas

Que País é esse? - segunda-feira, 30/01/2012 - atualização, terça-feira, 31/01/2012
Wálter Maierovitch - CartaCapital


Uma pergunta perturbadora. Pode ser considerado civilizado um país cuja Justiça determina, sem qualquer motivo de urgência e com emprego de tropa de choque da Polícia Militar, a expulsão violenta dos seus lares de 1,5 mil famílias pobres, com apreensão de todos os seus pertences e uso da tática militar da surpresa e a agravante de não lhes ser ofertado um teto substitutivo de abrigo?

A resposta, por evidente, é negativa. Com efeito, o fato aconteceu no domingo 22, por força de mandado judicial expedido nos autos de uma ação de reintegração de posse em Pinheirinho, na cidade paulista de São José dos Campos, uma área com 1,3 milhão de metros quadrados e cerca de 6 mil moradores, todos sem títulos de propriedade e cuja ocupação daquele espaço remonta a 2004.

A decisão de reintegração foi da juíza da 6ª Vara da Comarca que, num Brasil com direito de matriz romana, se esqueceu de uma velha lição da lavra do jurista e político Giuvenzius Celso Figlio e encartada no Digesto: Jus est ars boni et aequis (o Direito é a arte do bom e do equitativo).

Fora isso, a decisão foi precipitada. Os canais conciliatórios estavam abertos e soluções alternativas justas poderiam ser alcançadas, como, por exemplo, a desapropriação por utilidade social. No particular, havia, além de um protocolo de intenções a tramitar no Ministério das Cidades, um acordo de adiamento da reintegração com prazo de vigência em curso.

Mais ainda, no âmbito jurisdicional existia um conflito de competência entre a Justiça estadual, que determinara a reintegração, e a federal, com liminar a suspender a desocupação. Esse conflito só foi resolvido, em sede liminar, pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e quando a tropa de choque da PM, com bombas e projéteis de borracha, já desalojara mais de 2 mil moradores, com muitas mães, como mostraram as fotografias dos jornais, a carregar os seus pequenos filhos. Esse conflito de jurisdição poderia ter sido motivador, pela Justiça paulista, de adiamento da reintegração. Por parte de Ari Pargendler, poderia esse presidente do STJ usar a sua conhecida arte amistosa de fazer lobby, demonstrada na tentativa de obter uma vaga de ministra para a cunhada, para suspender a reintegração e encaminhar a questão a exame colegiado do STJ. Não se deve olvidar, ainda, que um representante da presidenta Dilma Rousseff estava no Pinheirinho e procurava encontrar soluções definitivas. Em vez de um acordo, o representante federal experimentou lesões provocadas por balas de borracha disparadas pela PM.

Numa ação de reintegração de posse de área grande e com muitos ocupantes, a regra básica a orientar o juiz do processo é buscar, à exaustão, conciliações e evitar medidas traumáticas. A reintegração coercitiva só deve ocorrer excepcionalmente e não era o caso da executada no Pinheirinho. Essa grande e valiosa gleba-bairro, com casas de alvenaria, barracos, comércio e até biblioteca municipal, está registrada como de propriedade da Selecta Comércio e Indústria S.A. No momento, o Pinheirinho integra o acervo ativo da massa falida da empresa, cujo processo de falência se arrasta sem solução por mais de dez anos.

A Selecta era uma holding controlada pelo megaespeculador Naji Nahas, que já quase quebrou a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e acabou indiciado, e preso cautelarmente, na Operação Satiagraha. Essa operação, frise-se, restou anulada em 2011 pelo STJ, sob o leguleio tabaréu de vedada participação, ainda que meramente burocrática e em apoio à repressão à criminalidade organizada por poderosos e potentes, de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), lotados juntos ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

Nahas nunca foi condenado criminalmente pela Justiça e beneficiou-se do efeito ampliativo da liminar de soltura concedida pelo ministro Gilmar Mendes em favor do banqueiro Daniel Dantas. Na falência da Selecta não há notícia de crime falimentar e, no Brasil, esses delitos são quase sempre alcançados pela prescrição.

Numa falência, como estabelece a legislação, há previsão para devolução, pagos os credores, de sobras aos sócios e acionistas da empresa falida. Não se descarta isso, com a grande valorização do Pinheirinho. E não é incomum, quando a massa falida possui propriedades em valorização, antigos sócios, por laranjas, comprarem créditos, negociados barato em face da tramitação demorada da falência.
  
 O caso do Pinheirinho, pela iniquidade, faz lembrar Pierre Joseph Proudhon, célebre filósofo e revolucionário. Em 1840, ele publicou o seu primeiro ensaio político-econômico com uma pergunta na capa da obra: “O que é a propriedade?” Para Proudhon, ícone dos socialistas e contrário ao marxismo, “a propriedade é liberdade” e passa a ser condenável quando se torna “poder do homem sobre o homem”. Aí, ele conclui: “A propriedade é um furto”.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Os Dez Mandamentos para Jornalista nas Redes Sociais

30/01/2012 - Leonardo Sakamoto em seu blog

Fico assustado com a quantidade de informação mal checada e precipitada que circula por aí, principalmente em momentos de grande comoção. Fofoca sempre existiu, mas agora é transmitida em massa por conta das novas tecnologias da comunicação. As redes sociais, principalmente o Twitter, são plataformas que estão mudando o modo como nos comunicamos e fazemos fluir informação pela sociedade, alterando – consequentemente – as estruturas tradicionais de poder. Mas se elas ajudam a formar, também desinformam.

Com a ajuda de alguns colegas jornalistas, fizemos uma breve lista com dez conselhos para quem assume a função de distribuir notícias nas redes sociais. Alguns podem nos achar malas sem alça, outros bradarem que estamos fazendo o jogo de X ou de Y com essas regrinhas que tolhem a liberdade. Bem, prefiro acreditar que uma informação errônea ao ser divulgada pode causar um impacto negativo contrário maior do que sua intenção. Ou pior, com o tempo, a credibilidade de quem divulga sem checar tende a ir para o ralo. Como já disse aqui anteriormente, acredito piamente que um diploma não faz um jornalista, mas sim o comprometimento e a ética que a pessoa assume ao exercer essa função.

Os Dez Mandamentos para Jornalista nas Redes Sociais:

1) Não tuitarás notícia sem antes checar a informação.

2) Não divulgarás notícias relevantes sem atribuir a elas fontes primárias de informação.

3) Tuítes “apócrifos”, sem fonte, jamais serão aceitos como instrumento de checagem ou comprovação.

4) Não esquecerás que informação precede opinião.

5) Não matarás – sem antes checar o óbito.

6) Lembrarás que mais vale um tuíte atrasado e bem checado que um tuíte rápido e mal apurado. E que um número grande de retuítes não garante credibilidade.

7) Serás assertivo apenas naquilo que tens certeza do que diz.

8 ) Não se esquecerás da apuração in loco, por telefone e/ou por e-mail.

9) Não terás pudores de reconhecer, rapidamente e sem poréns, o erro em caso de divulgação ou encaminhamento de informação incorreta.

10) Na dúvida, não retuitarás. Pois, tu és responsável por aquilo que repassas. Ou seja, se der merda, você é culpado.

domingo, 29 de janeiro de 2012

O Massacre de Pinheirinho e o Futuro da Luta

27 de janeiro de 2012 - Idelber Avelar - Revista Fórum

Lembremos, para sempre, Pinheirinho. Num país em que a desmemória é tanto uma política oficial de Estado como uma espécie de requisito para o exercício capenga e precário da cidadania, reiterar uma e outra vez o que aconteceu já é um primeiro passo.

No dia 22 de janeiro de 2012, domingo, como naquele 22 de janeiro que, na Rússia, ficou conhecido como Domingo Sangrento (http://en.wikipedia.org/wiki/Bloody_Sunday_%281905%29), em São José dos Campos, São Paulo, aconteceu isto (http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=NBjjtc9BXXY)
A combinação de elementos que compõem o massacre é uma espécie de catálogo da história do Brasil, com todos os componentes que vemos reiterados, uma e outra vez, ao longo dos anos:

1) um terreno que era propriedade do Estado (desde o assassinato de seus donos originais, em 1969) passa às mãos de um megaespeculador, já acusado de quebrar uma instituição financeira (http://pt.wikipedia.org/wiki/Bolsa_de_Valores_do_Rio_de_Janeiro) do poder público; isso não impede que a propriedade estatal seja transferida a mãos privadas por misteriosos caminhos, com fortes indícios de grilagem;

2) o poder público se exime de uma de suas mais elementares obrigações, a de recolher tributos sobre o terreno, que acumula trinta anos sem pagamento de IPTU;

3) uma comunidade de pobres, à qual foi negado um direito básico, consagrado na Constituição, o da moradia, ocupa o terreno e passa a reinventá-lo (http://www.vejosaojose.com.br/cidadeempedeguerra.htm): constroem suas casas; montam um sistema de arruamento e de coleta de lixo; preservam todas as matas ciliares e nascentes do local;

4) o poder público não só se recusa a fazer o que estaria na sua alçada para ajudar os pobres (adjudicar o terreno e regularizá-lo), como atua, efetivamente, como advogado do grileiro especulador, movendo ações contra os moradores em nome do interesse privado sem nunca lembrar-se de cobrar os milhões de IPTU devidos;

5) o Tribunal de Justiça de São Paulo, o mesmo que, como bem lembrou o jurista e poeta Pádua Fernandes (http://opalcoeomundo.blogspot.com/2012/01/violencia-e-pinheirinho-tiros-e-bombas.html), anulou a condenação do Ubiratan do Carandiru, emite ordem de reintegração de posse, num contexto de conflito de competências com a Justiça Federal, que concedera ao movimento (http://www.solidariedadepinheirinho.blogspot.com/2012/01/tribunal-regional-federal-suspende.html) uma liminar que suspendia dita ordem;

6) com pressa e desespero que estavam em flagrante contraste com as décadas e décadas de abandono do terreno até que nele chegassem os moradores, em descumprimento de acordo político supostamente selado dias antes, em desobediência à ordem da Justiça Federal (cuja tensão com a ordem da Justiça Estadual sugeriria, para além de qualquer discussão técnico-jurídica, que o mais sensato seria esperar), em aparente contradição com a Súmula nº 150 (http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0150.htm) do Superior Tribunal de Justiça (lembrada por Samuel Martins no blog de Pádua) (http://opalcoeomundo.blogspot.com/2012/01/violencia-e-pinheirinho-tiros-e-bombas.html), a prefeitura e o governo estadual realizam uma invasão policial de surpresa (http://www.tsavkko.com.br/2012/01/massacre-do-pinheirinhos-fotos-e-videos.html), numa manhã de domingo, com blindados, balas de borracha e cães, impondo sobre os moradores um horror que se estende durante todo o dia (http://www.cartacapital.com.br/sociedade/liguei-para-o-190-com-medo-da-policia/), sob o silêncio impassível do governo federal, com a exceção da declaração de um Ministro, de que “acompanhamos o desdobramento do caso” e a presença de um assessor, baleado pela Polícia de forma “grave mas não rimperdoável”  (http://blogdosakamoto.uol.com.br/2012/01/24/pinheirinho-brasil-e-a-tragedia-do-desenvolvimento/), segundo palavras de seu superior.

Lançados ao relento sem nenhum plano de nenhuma instância governamental, eles voltam à condição em que os quer ver o poder. Já não são os cidadãos orgulhosos apesar de pobres, sujeitos de um poder constituinte, apesar de oprimidos, de Pinheirinho. Já eram puro homo sacer, a vida que (aos olhos do poder) não vale nada, a vida que pode ser sacrificada sem ser objeto de luto. Saltei várias etapas, mas mesmo um relato exaustivo não teria apresentado uma lógica diferente: os ricos privatizando o Estado à margem da lei, o Estado como braço armado dos ricos, com frequência ao arrepio da própria lei, o Judiciário como fundamentação legal de um saqueio já definido a priori, como fato consumado. É um próprio membro do Ministério Público Federal, o mestre em Direito e professor da UFBA Vladimir Aras, quem caracteriza o episódio como naufrágio da Justiça (http://blogdovladimir.wordpress.com/2012/01/25/o-pinheirinho-e-o-naufragio-da-justica/), afirmando: "Essa grave e vergonhosa violação de direitos fundamentais precisa ser reparada. Se não o for mediante uma intervenção federal (art. 34, inciso VI ou VII, alínea `b`, da CF) ou num incidente de deslocamento de competência (art. 109, V-A, da CF), que o seja perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, numa ação de responsabilização internacional do País."

Por que foram expulsos os moradores de Pinheirinho? A melhor resposta me parece ser a de Bruno Cava (http://www.quadradodosloucos.com.br/2542/mil-pinheirinhos-contra-a-comiseracao-desgracada/): "Qualquer um em Pinheirinho sabe porque foram removidos. Sabe melhor do que os acadêmicos de direito. Basta ouvir os moradores. Porque tem muito dinheiro envolvido, porque os poderosos não podem aceitar vida fora das regras instituídas (a propriedade e o trabalho), porque não pode virar um tão mau exemplo para os pobres do mundo. Lidar com um Pinheirinho já dá tanto trabalho, imaginem mil, dez mil ocupações atrevidas? Não pode."

Em outras palavras, como apontou João Telésforo (http://brasiledesenvolvimento.wordpress.com/2012/01/25/justica-nao-e-pacificacao/) em texto que faz perfeita dobradinha com o de Bruno, equivoca-se Elio Gaspari ao confundir Justiça com pacificação: "O jornalista da Folha compartilha da perspectiva comum de que a solução justa é a que “pacifica” a questão, ainda que com prejuízos à parte mais fraca – na verdade, com o maior prejuízo possível que ela seja capaz de aceitar. Se a parte não aceita o “acordo” que se busca impor a ela, e como resposta recebe a violência, a culpa do conflito é dela!"

É por isso que esse Poder precisa mentir. Como destacou meu amigo Hugo Albuquerque em um post memorável que está entre os melhores da história do Descurvo (http://descurvo.blogspot.com/2012/01/dez-mentiras-que-cercam-o-pinheirinho.html?spref=tw), essas mentiras são “consciente e oportunamente utilizada[s] pelo Poder”.

Cada uma delas – e Hugo foi certeiro na compilação das dez “melhores”, ou seja, as mais cínicas – embute uma longa história que se repete a cada atrocidade contra os pobres em nossa história: a que justifica o massacre com argumentos legalistas (5), a que manipula a própria lógica legalista de classe (3), a que pura e simplesmente falseia a realidade da violência (1, 4), a que culpa as vítimas, atribuindo-lhes atos e atributos que estão disseminados por todo o corpo social, que não são exclusividade sua (6, 8), aquela a que recorrem os partidários da instância do poder público que é autora do massacre, culpando como autor justamente a instância que se omitiu (7), aquela a que recorrem os partidários da instância do poder público que se omitiu, isentando-se com o argumento de que nada podia ser feito nem dito (9), a que culpa as vítimas simplesmente por terem defendido o único que tinham, o único que os distinguia enquanto sujeitos sociais (2) e, finalmente, a que é a mais própria do Brasil, a que é a cara da nossa História, aquela que o Poder—em todas as suas instâncias—quer nos impor agora, na hora do luto (10).

Que essa mentira seja, como as outras, recusada. A luta — e não o conformismo, a desmemória, o cinismo e a servidão voluntária ao Poder—se impõe. E ela se impõe não porque tenhamos certeza de seu sucesso. Ela se impõe porque, hoje, não nos está dada a possibilidade de não lutar.

Estudante relata desvio de doações no Pinheirinho

26 de janeiro de 2012 - Renato Rovai - blog do Rovai


A estudante Isadora Szklo, 19 anos, me enviou um relato bastante preocupante por email sobre uma situação que viveu nesta quarta (25) no Pinheirinho. Aliás, se a situação é ruim ela pode ficar pior, porque a mídia (incluindo a independente) que cobria o caso, já deixou o local. Os moradores agora estão à mercê da mão violenta dos governos de da polícia.

Segue o relato de Isadora:

Fomos hoje entregar as muitas doações para as famílias desalojadas na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Ao chegar próximo do local, notamos uma grande movimentação e vimos que os ex-moradores estavam sendo removidos da Paróquia, a pedido do Padre, e sendo encaminhados para outro lugar, um ginásio, a 4 km dali. Quatro quilômetros percorridos por eles no sol de 35 graus, a pé.
Chegando ao ginásio, a Prefeitura estava tomando conta do local e a PM estava cercando, coisas que não haviam ocorrido na Igreja. Entregamos nossas mais de 15 sacolas enormes com doações de roupas, comida e itens de higiene à Juliana, que era quem estava organizando, na medida do possível, tudo lá dentro.

Passamos por cima da grade, pois a Prefeitura estava bloqueando a porta para cadastro, e resolvemos ir ao mercado para comprar o valor de mais uma doação. No caminho vimos uma senhora convulsionando e as autoridades se recusando a chamar ambulâncias. Então a PM a colocou num carro e saiu, na fúria. Várias pessoas passaram mal devido a péssima ventilação do ginásio. A ambulância se recusou a ajudar em vários momentos. E a PM também.

Voltamos do mercado e fomos procurar nossas doações. Juliana, a organizadora, nos contou que se distraiu por um minuto, e quando foi ver, a prefeitura estava levando as doações em uma viatura. Fui questionar os agentes da Prefeitura lá presentes. Eles negaram, me chamaram de louca, mentirosa e disseram que não tinham visto nada chegar e que não roubariam os miseráveis.

Ao me ver peitando tais agentes, um guarda da GCM (Guarda Civil Municipal) veio com a mão em sua arma e falou: “Você está fazendo uma acusação, fica esperta se não vai ter consequência”.

Ficamos lá por mais um tempo procurando as doações. E eles negaram até o fim que a gente tivesse entregado algo e insistiam que eu estava mentindo. Pra piorar, serviram comida estragada aos abrigados. Linguiça verde e feijão amargo. No Pinheirinho, vai tudo de mal a pior. Já relatei isso à Defensoria Pública.”

Baltasar Garzón, a justiça e a corrupção

20/01/2012 - Mauro Santayana* - Carta Maior

"O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História."
(Mauro Santayana)



Se alguém, ao ler estas notas, lembrar-se de Montesquieu com suas Cartas Persas, e de Tomás Antonio Gonzaga, que nelas se inspirou, para redigir as Cartas Chilenas, estará fazendo a ilação correta. O assunto nos interessa de perto, assim como o texto do barão de La Brède interessava aos mineiros de Vila Rica daquele tempo. O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História, para retomar a mesma sintaxe de sempre, que faz do crime, virtude; e, da dignidade, delito desprezível.

No passado, era comum a frase esperançosa de que ainda havia juízes em Berlim. Embora ela viesse de uma obra de ficção, é provável que tenha sido autêntica, porque se referia a Frederico II, cuja preocupação para com a equidade da justiça era conhecida, conforme recomendações a seus ministros. Segundo a obra de François Andrieux (Le meûnier de Sans-Souci) e de Michel Dieulafoy (Le Moulin de Sans-Souci), ambos contemporâneos do grande monarca, essa foi a resposta de um moleiro, vizinho ao castelo famoso, quando o soberano, diante de sua recusa de vender-lhe sua propriedade, ameaçou confiscá-la. O humilde moleiro – talvez confiado na própria conduta habitual de Frederico II, disse-lhe que isso não seria possível, porque ainda havia juízes em Berlim. Havia juízes em Berlim e ainda os há, aqui e ali, mas quando homens como Garzón são submetidos a julgamento – e pelas razões alegadas pelos seus contendores – é de se perguntar se, em alguns lugares, ainda os há. Em alguns lugares, como em Washington, em que a Suprema Corte de vez em quando espanta os cidadãos, com suas decisões. E em outros lugares.

Baltasar Garzón surpreendeu a sociedade espanhola, com sua obstinação na luta contra os que lesam os direitos humanos, o crime organizado, a corrupção no Estado, os delitos dos serviços secretos em suas relações com grupos terroristas. Sua grande vitória, ao obter a prisão, em Londres, do ex-ditador Pinochet e seu posterior julgamento, pela justiça chilena, fizeram dele uma personalidade mundial. É certo que essa obstinação o transformou em magistrado incômodo. Alguns o vêem com a síndrome do justiceiro enlouquecido, espécie de Torquemada de hoje. Mas o pretexto que arranjaram para conduzi-lo ao mais alto tribunal da Espanha é, no mínimo, pífio. Garzón, a pedido das autoridades policiais, autorizou a escuta telefônica de algumas pessoas, detidas e em liberdade, com o propósito de impedir a destruição de provas e a continuação de remessas ilegais de dinheiro obtido do erário, ao exterior, e sua “lavagem”, mediante os métodos já denunciados no Brasil.

Trata-se do famoso caso Gurtel, um entre muitos outros, na Espanha de hoje, em que a presença do franquismo e da Opus dei continua firme. Um grupo de empresários da comunicação e eventos, chefiados por Francisco Correa, intermediava contratos de toda natureza com os governos autônomos e municípios, chefiados pelos homens do Partido Popular, quando este estava à frente do governo nacional, e que agora retornou ao poder. O grupo corrompia as autoridades, com presentes, viagens e, sendo necessário, dinheiro vivo ou depositado na velha Suíça, em nome de políticos e seus laranjas. O dinheiro vinha das empresas candidatas aos bons negócios com o Estado, que “superfaturavam” os contratos.

Os advogados dos bandidos – nessa inversão moral de nossos tempos – conseguiram processar o juiz Garzon, sob a alegação de que as escutas haviam sido ilegais. Ocorre que um juiz, que substituiu Garzón na causa, manteve as escutas e o próprio tribunal de Madri, de segunda instância, confirmou a autorização das interceptações telefônicas. O fato é que o julgamento de Garzón é de natureza política, seja ele um magistrado incorruptível, como é visto pela opinião pública, ou um deslumbrado pela notoriedade, como dele falam os inimigos. E é a inversão da lógica: ele está sendo processado por ladrões.

Na segunda metade dos setecentos ainda havia juizes em Berlim, de acordo com o modesto moleiro de Potsdam. Resta saber se ainda os há em Madri. E em outros lugares.


*Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Pinheirinho, a esquerda e a direita

Publicado em 26/01/2012 - Mair Pena Neto* - Direto da Redação


A tentativa de decretar o fim da história, com o triunfo do liberalismo e a extinção da luta de classes e do que seja esquerda e direita no campo político, vai sendo enterrada pela prática como bom e velho critério da verdade. Não é preciso se debruçar sobre conceitos e análises elaboradas. Basta olhar o que aconteceu no despejo de 1.600 famílias no Pinheirinho, em São José dos Campos, para constatar os evidentes interesses de classe e as diferentes visões políticas.

O que estava em jogo era o destino de milhares de pessoas, pobres e sem teto, que ocupavam há oito anos a área de uma fábrica falida, e os interesses do megaespeculador Naji Nahas, o dono (?) do terreno, que tem contas a prestar ao Estado e à Justiça. Uma questão social, e não de polícia, como a direita sempre a encarou. Basta ver o protagonismo da ação policial em São Paulo. Ela se dá contra estudantes, dependentes de crack, sem teto, sempre em defesa da ordem vigente, da propriedade privada e dos poderosos.

O litígio no Pinheirinho vinha se acirrando com decisões judiciais controversas e passou a ter a presença direta do governo federal, através da Secretaria Geral da Presidência, interessado numa solução negociada, que preservasse as famílias, com a construção de moradias populares no local. O governo federal estava disposto a se associar ao estadual na compra do terreno, numa ação conjunta para encerrar o impasse e evitar a violência prestes a explodir.

Mas não foi esse o entendimento do dono da área - aliás já um bairro, com casas montadas e famílias instaladas -, interessado em faturar mais com a valorização do local, que contou com os préstimos da Justiça estadual e dos governos de São José dos Campos e de São Paulo para atirar dois mil policiais, blindados e helicópteros sobre a massa, numa demonstração desnecessária de selvageria e brutalidade, que macula o estado de Direito e democrático. Justiça (apressada) e polícia (violenta), mais uma vez, se tornaram instrumento dos poderosos contra os desvalidos. E o poder público paulista amparando toda a ação é célere ao enviar os tratores logo após o despejo, demolindo os imóveis sem sequer dar tempo para que muitos retirassem os seus pertences.

A ação policial atropelou as tentativas de solução negociada em curso, que incluíam a presença no local, no momento do despejo, de um representante da Secretaria Geral da Presidência, atingido por balas de borracha. O ministro-chefe da Secretaria Geral, Gilberto Carvalho, tratou de sublinhar as diferenças entre governo federal e estadual: "Esse não é um método nosso, do governo federal. Nós achamos que tinha alguma coisa que poderia ser esgotada ainda no diálogo e, sobretudo, uma saída negociada e humana para as famílias, sem a necessidade daquela praça de guerra que foi armada."

O governo de São Paulo e o PSDB também deixaram clara a sua visão. Decisão judicial não se discute, por mais que não seja a de última instância, envolva vidas humanas e que ainda existam canais abertos para uma solução menos traumática. "O governo de São Paulo agiu em cumprimento de determinação do Judiciário, e a operação foi comandada diretamente pela presidência do Tribunal de Justiça paulista. Enquanto o governo federal só agride, o governo paulista e a prefeitura do município providenciam a ajuda necessária para minorar o sofrimento das famílias desalojadas", disse o PSDB em nota.

Essa distinção na maneira de lidar com conflitos sociais é fundamental para desmascarar os que tentam pregar a não existência entre esquerda e direita, como se tanto fizesse escolher entre uma e outra nos processos eleitorais. Esse é um discurso dissimulado do qual a direita se vale para tentar atrair os mal informados e a pouco politizada classe média ascendente. Mas, no fundo, ela continua a ser a antiga e conservadora tendência, que deseja reduzir o papel do Estado, entregando o país aos mercados, e está sempre pronta a tratar as questões sociais como caso de polícia.


*Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.





quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Censura no Facebook

26/Jan/12 - por Atilio A. Boron [*] - resistir.info

Há alguns dias cometi um "erro imperdoável": criticar asperamente a secretária de Estado Hillary Clinton quando, diante do quinto assassinato de um cientista iraniano, limitou-se a encolher os ombros e dizer que isso era o resultado das provocações de Teerão ao negar-se a suspender o seu programa nuclear. Disse então, e repito agora, que a Clinton é "o elo perdido entre as aves carniceiras e a espécie humana", recordando a sua gargalhada quando lhe comunicaram o linchamento de Kadafi.

Mas o meu "erro" foi colocar essa opinião no Facebook: "poucas horas depois foi-me proibido o acesso à minha conta e a ter contacto com os meus mais de sete mil seguidores. O que se seguiu depois é uma história kafkiana, ainda não concluída, para tentar recuperar o acesso à minha conta. Toda classe de truques e obstáculos foram levantados e ainda hoje, quinta-feira 19 de Janeiro, quase três dias depois do incidente, não pude tornar a utilizar a minha conta. Para cúmulo, jamais pude ter contacto com pessoa alguma do Facebook e todas as perguntas que podia fazer eram estereotipadas e obtinha, de um robot, respostas igualmente estúpidas e estereotipadas. Nenhuma respondia à pergunta crucial: por que me haviam bloqueado o acesso à minha conta do Facebook?

A conclusão de tudo isto é algo que já sabia e que venho dizendo desde há longos anos, em contraposição a ilustres sociólogos e analistas que dizem tontices tais como "a rede é o universo da liberdade, não há centro, não há controle, é democracia em grau superlativo". Estes teóricos da resignação e do desalento parecem ignorar que a web está super controlada – não que vá estar e sim que já está, de facto – e as infames iniciativas legislativas estado-unidenses como a SOPA e a PIPA não são senão tentativas de legalizar o que já estão fazendo.

Como também venho dizendo há anos, nada mais perigoso que um império em decadência: tornam-se mais brutais, imorais, inescrupulosos. Agora, perante o surgimento de uma perigosa onda mundial anti-capitalista na Europa e mesmo nos EUA (com o movimento dos Ocupem Wall Street) que se soma ao que vem ocorrendo na América Latina desde há uma década, os drones e os assassinatos selectivos de líderes tornam-se insuficientes.

Devem cortar a comunicação "a partir de baixo" e "entre os de baixo" porque sabem muito bem que um pré-requisito para a organização da resistência ante – e a ofensiva contra – a burguesia imperial e seus sequazes na periferia é precisamente a possibilidade de estabelecer comunicações e trocar informações entre os oprimidos e as vítimas do sistema. Sabem muito bem que isso é essencial para frustrar esta onda insurgente, muito mais grave e de maiores repercussões que as que teve na altura o Maio francês.

Por isso estão a apertar todos os parafusos. Por isso devemos redobrar a luta para democratizar não só o Estado e as empresas como também as comunicações, a imprensa e, sobretudo, a web. Não é por acaso que um dos generais do exército estado-unidense declarou numa audiência do Congresso que "hoje a luta anti-subversiva trava-se nos media", um dos quais, talvez o mais importante, é a Internet. Daí tantos controles.


 



Facebook Shuts Down “Free Ricardo Palmera!” Group

[*] Director do PLED, Programa Latinoamericano de Educación a Distancia en Ciencias Sociales.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/