terça-feira, 16 de abril de 2013

Porquês desse triunfo apertado

15/04/2013 - Explicando o triunfo apertado de Maduro: voto personalista e guinada à esquerda de Capriles
- Sturt Silva (*) para o Diário Liberdade da Galiza

Venezuela - Diário Liberdade - O resultado final do processo eleitoral deste domingo que deu a vitória a Nicolás Maduro na Venezuela foi uma surpresa, pelo menos pra mim.

Não esperava um resultado tão apertado. Segundo o anúncio oficial do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) Nicolás Maduro foi eleito presidente com 50,66% dos votos (7.505.338), contra 49,07% de Henrique Capriles (7.270.403).

As pesquisas, em sua maioria, antes da eleição, como a boca de urna no final do pleito davam vitória para Maduro de forma tranquila.

O resultado era parecido com o resultado oficial do pleito de outubro de 2012 quando Chávez derrotou o mesmo Capriles por uma diferença que girava em torno de 10%.

Esperávamos algo semelhante ontem [14/04], no entanto, o triunfo de Maduro foi decidido nos décimos.

Por quê?

É o que os analistas vão escrever durante a semana.

Sei que é muito cedo para afirmar alguma coisa. Porém ouso a especular algumas hipóteses que poderia ser a causa deste resultado apertado.

Antes de ir às hipóteses, confesso que esperava uma vitória mais tranquila, não devido às pesquisas - que em qualquer lugar tem como meta, entre outros objetivos, a manipulação da opinião dos eleitores de acordo com seus resultados -, mas sim devido à comoção nacional que o país estava vivendo devido à morte de Hugo Chávez.

O realista Gilberto Maringoni em uma entrevista que deu a este que vos escreve, antes da morte de Chávez, disse que não achava que o chavismo perderia o processo eleitoral, mesmo sem Chávez.

Depois da morte do líder venezuelano, embora cauteloso, defendeu que a vitória seria de Maduro. E mais: chegou a dizer que poderia até ser com uma diferença maior que a de outubro.

Atualmente, acho que dois fatores ajudaram nesta "perda de votos" em relação a outubro.

Pelos meus dados o número de participação foi quase igual a da eleição passada, talvez, dessa vez foi até menor.

Nesse sentido, a participação total de eleitores da eleição de 2012 e de agora foi próxima, o que automaticamente me dá condições de afirmar que em termos quantitativos temos o mesmo eleitorado a ser analisado.

Ou seja, aqueles que aparentemente votaram em Chávez em outubro e agora parece não terem votado em Maduro.

Lembrando que na Venezuela os mais pobres, a classe trabalhadora mais consciente, os setores progressistas da intelectualidade e uma parte do empresariado votam fielmente com o chavismo, sendo que a classe média, a burguesia tradicional e, talvez, um proletariado mais atrasado vota com oposição.

Mas tem aqueles que estão à margem desse corte e eles que podem ter feito a diferença nesta última eleição.

Voto em Chávez não significa voto em Maduro
Dentre os dois fatores que pesaram para que este eleitorado não continuasse a votar no chavismo, um deles está relacionado ao desaparecimento físico, não político, de Hugo Chávez.

Por mais que Maduro fosse o escolhido do líder que venceu um número recorde de eleições, ele não era Chávez.

Logo também não teria (e não tem) o carisma, a habilidade, enfim todas as características individuais que fazia Chávez ser tão popular e eficiente nas urnas.

Aqui parto da ideia que o eleitorado venezuelano "independente", ou seja, aquele que dificilmente fecha com um dos lados, escolhe seu representante tendo como base o indivíduo.

Ou seja, não importa muito o projeto, conjuntura ou outros fatores mais amplos do representante. Se o indivíduo não passar confiança, não ganha o seu voto.

É isso que pode ter determinado os "votos chavistas" em Capriles [foto] e não em Maduro.

Por mais que a figura de Capriles seja contraditória, ele é o político da atualidade venezuelana mais conhecido depois de Chávez.

Nas eleições para os estados, derrotou o ex-vice-presidente e atual ministro de relações exteriores da Venezuela, Elías Jaua, com apoio de Chávez.

E se jogarmos na balança Capriles contra Maduro - embora este seja o mais conhecido do chavismo, ainda é muito desconhecido do processo revolucionário, já que a revolução bolivariana era concentrada em Chávez -, a oposição vence a disputa, neste quesito, de forma fácil.

Chavismo força guinada à esquerda da direita

O segundo fator que destaco como decisivo nesse aumento de votos do candidato Capriles sobre os chavistas é justamente o seu próprio mérito.

Desde 2002 as táticas políticas da direita e da oposição a Chávez foram variadas.

Elas se radicalizaram ao extremo em 2002 no golpe de estado.

Em 2005, normalizaram quando a oposição voltou ao jogo democrático burguês.

No entanto, ao longo do tempo não havia uma proposta de unidade única para derrotar o inimigo principal, Hugo Chávez.

Nos últimos anos, até pelas circunstâncias do processo, ora pela dificuldade que o processo bolivariano enfrentava, ora pelos passos à frente que a revolução dava, a oposição pareceu que se uniu para o processo eleitoral.

Soma isso a acumulação de força que ela conseguiu desde 2005. Mas ainda assim esbarrava na figura de Chávez.

Com a morte do presidente, novos cenários "pós-Chávez" se abriram.

Por mais que o fator de comoção nacional seria (e foi) um elemento que ajudaria o adversário, Capriles não teria o "grande líder" pela frente nas urnas.

Nesse sentido que sua campanha trabalhou bem.

O que houve é que o candidato da direita, que participou do golpe de estado em 2002, deu uma guinada à esquerda - não às propostas socialistas -, ou pelos menos tentou passar a imagem que também era de esquerda.

Seja pelo programa, como colocou Maringoni um dia antes da eleição, seja por sua atuação na campanha atual.

Caprilles foi abandonando aos poucos o discurso de direita, por exemplo, a oposição às "missões", e foi aproximando um pouco das propostas históricas de Chávez e do chavismo.

Até mesmo o símbolo máximo que Chávez resgatou para unir o país em um projeto anti-imperialista e anticolonialista Capriles usou.

Falo do libertador Simon Bolívar, que deu nome a campanha do candidato oposicionista.

Nesse sentido, vendo que o Chávez de carne e osso não existia mais, esse eleitorado meio pragmático acabou optando por Capriles.

Além do fator personalista do líder em si, aqui destaco o mérito da oposição de aproximar o seu programa e o discurso de Capriles da eficiência do projeto chavista, "vendendo-os" como alternativa positiva, que conserva o velho e traz o novo.

Não poderia também deixar de citar que o comportamento de Maduro, durante a campanha, focada em homenagens a Chávez - que por sua vez tinha como objetivo a busca de votos e manutenção da unidade -, em vez de priorizar propostas próprias relacionadas ao líder, como fez Capriles, pode ter contribuído para o sucesso dessa "perda de votos".

O resultado está ai: um Maduro vitorioso, um Capriles derrotado e um chavismo "enfraquecido", mas muito mais forte que a oposição.

(*) Sturt Silva é blogueiro e historiador. Escreve direto do Brasil para o Diário Liberdade da Galiza.

Fonte:
http://www.diarioliberdade.org/artigos-em-destaque/414-batalha-de-ideias/37537-explicando-o-triunfo-apertado-de-maduro-voto-personalista-e-guinada-%C3%A0-esquerda-de-capriles.html

Nota:
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segunda-feira, 15 de abril de 2013

Bancada ruralista pressiona para tirar poderes da Funai


 Agência Brasil



Brasília – Deputados da bancada ruralista prometem apertar o cerco contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a atribuição do órgão de auxiliar na demarcação de terras indígenas no Brasil. Entre as estratégias para pressionar o governo por mudanças, integrantes da Frente Parlamentar da Agricultura dizem já ter assinaturas suficientes - mais de 180 - para protocolar um pedido de criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar a Funai, mas ainda não há definição sobre quando isso será feito.

Na semana passada o grupo contabilizou duas vitórias. Na primeira, conseguiu convocar a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para prestar esclarecimentos na Comissão de Agricultura da Casa sobre as questões indígenas. A data da ida da ministra ao Congresso deve ser definida ainda esta semana pelo presidente comissão, deputado Giacobo (PR-PR).

Os ruralistas conseguiram ainda, na última quarta-feira (10), o apoio que faltava para a criação de uma comissão especial para apreciar e dar parecer à Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/2000) que inclui, nas competências exclusivas do Congresso Nacional, a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a titulação de terras quilombolas, a criação de unidades de conservação ambiental e a ratificação das demarcações de terras indígenas já homologadas, estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei. A comissão foi criada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), em retribuição ao apoio que recebeu dos ruralistas para comandar a Casa.

“Nós estamos criando uma série de injustiças para aqueles que são proprietários de terras, independentemente do tamanho. O que nos preocupa é a falta de critérios e de uma condição de defesa dentro dos processos de homologação conduzidos pelos antropólogos [da Funai]”, diz o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) que integra a Frente Parlamentar da Agricultura.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reagiu à criação da comissão. Em nota divulgada no site, o Cimi repudiou a decisão. “O ato do presidente da Câmara constitui-se em um atentado à memória dos deputados constituintes, ataca de forma vil e covarde os direitos que os povos indígenas conquistaram a custo de muito sangue e atende os interesses privados de uma minoria latifundiária historicamente privilegiada em nosso país”, diz o documento.

Procurada pela Agência Brasil, a Funai enviou nota classificando a PEC 215/00 como um retrocesso e uma ação contrária à efetivação dos direitos territoriais dos povos indígenas.

“A Funai acredita que tal medida, ao invés de contribuir para a redução dos conflitos fundiários decorrentes dos processos de demarcação de terras indígenas, ocasionará maior tensionamento nas relações entre particulares e povos indígenas, diante das inseguranças jurídicas e indefinições territoriais que irá acarretar”, alerta o documento.

Entre as preocupações da Funai está o fato de a PEC prever a criação de mais uma instância no procedimento administrativo de regularização fundiária de terras indígenas. “Isso tornará mais complexo e moroso o processo de reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas - se não significar sua  paralisia -, com graves consequências para a efetivação dos demais diretos destes povos, como, por exemplo, garantia de políticas de saúde e educação diferenciadas, promoção da cidadania e da sustentabilidade econômica, proteção aos recursos naturais, entre outros.”

Esta semana a bancada ruralista na Câmara deve se reunir com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa. No encontro, os parlamentares vão pedir a conclusão do julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol – que ainda depende da publicação do acórdão do julgamento e dos embargos declaratórios a respeito das 19 condicionantes impostas pela Corte, em 2009, para que a demarcação da área fosse mantida em terras contínuas.

Depois que isso for feito, a polêmica Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU) pode entrar em vigor. A norma proíbe a ampliação de áreas indígenas já demarcadas e a venda ou arrendamento de qualquer parte desses territórios, se isso significar a restrição do pleno usufruto e da posse direta da área pelas comunidades indígenas. Ela também veda o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico da terra pelos índios, além de impedir a cobrança, pela comunidade indígena, de qualquer taxa ou exigência para utilização de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas.

As divergências da Frente Parlamentar da Agricultura em relação às atribuições da Funai também levaram o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a se comprometer a criar um grupo de trabalho para receber as manifestações dos deputados. Em 30 dias, representantes da Secretaria de Assuntos Legislativos da pasta, da Funai e parlamentares devem começar a discutir propostas que envolvem a demarcação e desapropriação de terras no país.

A Frente Parlamentar Ambientalista, presidida pelo deputado Sarney Filho (PV-MA), marcou uma reunião para a próxima quarta-feira (17). Na avaliação dos ambientalistas, os apoiadores da PEC 215 são motivados por “interesses pessoais e individuais contrariados”. “A PEC é um retrocesso absoluto, ela acaba com qualquer possibilidade de política indigenista e de política ambiental. Tirar a prerrogativa do Poder Executivo de criar unidade de conservação e reservas indígenas e passar para o Congresso é a mesma coisa de dizer que não vai ter mais”, disse Sarney Filho.


http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-14/bancada-ruralista-pressiona-para-tirar-poderes-da-funai



domingo, 14 de abril de 2013

Homossexuais na Idade Média

30/03/2013 - Por Antonio Ozaí da Silva em seu blog

Qual a postura da Igreja Católica e da cristandade sobre a homossexualidade na Idade Média?

Visto que o sexo, segundo os ensinamentos cristãos, foi dado ao homem unicamente para os propósitos da reprodução e por nenhuma outra razão, qualquer outra forma de atividade que não levasse ou não pudesse levar à procriação era um pecado contra a natureza.

Os pecados contra a natureza incluíam especificamente a bestialidade, a homossexualidade e a masturbação”, escreve Jeffrey Richards. [1]

Já no século IV, Santo Agostinho, uma das mais importantes autoridades da Igreja, foi taxativo:

Pecados contra a natureza, por conseguinte, assim como o pecado de Sodoma, são abomináveis e merecem punição sempre que forem cometidos, em qualquer lugar que sejam cometidos.

Se todas as nações os cometessem, todas igualmente seriam culpadas da mesma acusação na lei de Deus, pois nosso Criador não prescreveu que pudéssemos utilizar uns aos outros dessa maneira.

Na realidade, a relação que devemos ter com Deus é ela mesma violada quando nossa natureza, da qual ele é o Autor, é profanada pela lascívia perversa”. [2]

Estas palavras, retiradas das Confissões de Santo Agostinho, são inspiradas por uma determinada leitura e interpretação bíblica, ainda presente [3], de Levítico:

Não te deitarás com um homem como se deita com uma mulher. É uma abominação” (Lv., 18, 22).

O homem que se deitar com outro homem como se fosse uma mulher, ambos cometeram uma abominação: deverão morrer, e o seu sangue cairá sobre eles” (Lv., 20, 13).[4]

Vemos o quanto é perigoso a leitura literal e fundamentalista da Bíblia.

Se devem morrer, alguém deve ser o instrumento de Deus que cumpre a sentença condenatória.

Afinal, homofóbicos e fanáticos religiosos imaginam-se imbuídos de uma missão purificadora.

Mas, retornemos à Idade Média – muito embora persistam pensamentos e posturas medievais em pleno século XXI.

Na medida em que o cristianismo medieval concebia o sexo apenas para procriar e considerava antinatural e pecaminoso tudo o que não se enquadrasse nesta perspectiva, qual é a sua posição diante dos pecadores?

O Antigo Testamento não deixa dúvidas.

Cristo, porém, teve uma atitude tolerante, compassiva e amorosa.

Como assinala Richards:

Cristo não havia delineado um conjunto abrangente de ética sexual, e não há registro de que tenha encontrado algum homossexual.

Mas, quando se deparou com uma adúltera sendo apedrejada – e o adultério era, como a homossexualidade, uma ofensa capital na lei do Antigo Testamento – disse:

Aquele dentre vós que não tiver pecado, atire a primeira pedra”, e, para a mulher, “Vai, e não peques mais”.

Perdão e compreensão, então, em vez de punição, era a mensagem de Cristo”. [5]

Outra foi a mensagem da cristandade medieval.

Os primeiros padres da Igreja adotaram a linha condenatória.

Suas opiniões foram sacramentadas em lei quando o império romano assumiu o catolicismo enquanto religião oficial.

O imperador Justiniano (527-65), que se considerava o representante de Deus, impôs um rígido código moral e a homossexualidade passou a ser passível da pena de morte:

Justiniano tinha uma visão dos atos homossexuais como sendo literalmente uma violação da natureza que provocava a retaliação da mesma: “por causa destes crimes ocorrem fomes coletivas, terremotos e pestes”, declarou.

"Este refrão deveria retornar no período posterior à Idade Média, quando uma sucessão de calamidades que surpreendeu a cristandade foi diretamente atribuída pelos pregadores populares e pelos teólogos à existência da sodomia." [6]

Outro santo, Tomás de Aquino, na Summa Theologiae, concordava que o ato inatural, ou seja, todo ato sexual que não cumprisse o preceito de servir à reprodução da espécie, ainda que praticado sob consentimento mútuo ou individualmente, ou mesmo sem acarretar prejuízo a outrem, era caracterizado como o pior dos pecados, uma injúria a Deus:

Eles violavam a ordem natural determinada por Deus. Por ordem crescente de gravidade, os pecados contra a natureza eram: masturbação, relação inatural com o sexo oposto [7], relação homossexual e bestialidade.

Estas concepções eram amplamente determinadas, e se, em alguma medida, a literatura foi um reflexo da opinião popular, elas predominaram na sociedade secular”. [8]

Nos séculos XII e XIII, a política eclesiástica e civil contra a homossexualidade tornou-se ainda mais rigorosa.

O Concílio de Nablus (1120), determinou que “o adulto sodomita persistente e do sexo masculino seria queimado pelas autoridades civis”. [9]

Esta medida colocava os homossexuais “no mesmo patamar que os assassinos, hereges e traidores”.

O passo seguinte foi a penalização cada vez mais crescente pela lei secular.

De um lado, o puritanismo moralista mobilizou-se para reprimir a homossexualidade.

Por outro, a “inquisição e as irmandades leigas associadas com as ordens mendicantes tornaram-se instrumentos de perseguição aos hereges e sodomitas”.

O Concílio de Siena (1234) passou a designar homens cuja função era caçar sodomitas.

O objetivo desses ancestrais medievos dos homofóbicos e fanáticos religiosos modernos era “honrar ao Senhor, assegurar a paz verdadeira e manter os bons costumes e uma vida louvável para o povo de Siena”. [10]

O vício que não pode ser nomeado[11] passou a ser cada vez mais perseguido.

A sodomia deveria ser extirpada da sociedade, os sodomitas deveriam ser excluídos social e fisicamente.

A homossexualidade foi equiparada a uma doença contagiosa, às impurezas que contaminavam a pureza cristã e social:

Assim como o lixo é retirado das casas, de modo a que não as infecte, os depravados devem ser afastados do comércio humano pela prisão ou pela morte.

O pecado tem que ser destruído pelo fogo e extirpado da sociedade. “Ao fogo!” esbravejava são Bernardino em sua assembléia. “Eles são todos sodomitas! E vós estareis em pecado mortal se tentardes ajudá-los.[12]

Em conclusão, nas palavras de Jeffrey Richards:

O cristianismo era fundamentalmente hostil à homossexualidade.

A mudança na Idade Média não foi um deslocamento da tolerância para a intolerância por razões não-intrínsecas às crenças cristãs, mas uma alteração nos meios de lidar com a questão.

No período inicial da Idade Média, a punição era a penitência; no período posterior, a fogueira. Mas nunca foi questão de permitir aos homossexuais prosseguir em sua atividade homossexual sem punição.

Eles eram obrigados a desistir dela ou arriscar a danação”. [13]

Era?

Deixou de sê-lo?

Qual o peso e influência do ideário teológico medieval sobre os homens e mulheres do nosso século?

É certo que não se acendem mais as fogueiras inquisitoriais, mas a inquisição, sob outras formas, incluindo as mais sutis, persiste.

Imagine o pai e a mãe de um filho homossexual diante dos são Bernardinos do nosso tempo!

É curioso como os inquisidores se candidatam a santos e como muitos terminaram por ser canonizados!

De qualquer forma, o preconceito contra a homossexualidade tem raízes profundas e milenares.

Os mortos dominam o cérebro dos vivos e, apesar do passar do tempo, são renitentes!

De certa maneira, a cada pensamento e gesto preconceituoso em relação à homossexualidade ressuscitamos os inquisidores medievais!

Talvez devêssemos nos espelhar mais em Cristo do que nos santos padres da Igreja ou no Antigo Testamento.


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[1] RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na Idade média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, p. 136.
[2] Apud in idem.
[3] Sugiro que assista ao documentário Como diz a Bíblia (For The Bible Tells Me So. Direção: Daniel G. Karslake. EUA, 2007, 95 min.).
[4] Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
[5] RICHARDS, 1993, p. 139.
[6] Idem.
[7] Ver Sexo, o mal dos males, disponível em http://antoniozai.wordpress.com/2013/03/23/sexo-o-mal-dos-males/.
[8] RICHARDS, 1993, p. 145-146.
[9] Idem, p. 146.
[10] Idem, p. 148.
[11] Idem, p. 149.
[12] Idem, p. 150.
[13] Idem, p. 152.

Fonte:
http://antoniozai.wordpress.com/2013/03/30/homossexuais-na-idade-media/

Nota:
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sábado, 13 de abril de 2013

Fórum Social Mundial, esperança e medo

03/04/2013 - Por Immanuel Wallerstein (*)
- Tradução de Gabriela Leite para o blog Outras Palavras

Immanuel Wallerstein resenha as principais polêmicas que marcaram FSM-2013 na Tunísia. E frisa: elas confirmam enorme importância do encontro.

O Fórum Social Mundial (FSM), que acaba de encerrar sua edição atualmente bienal, aconteceu este ano em Túnis.

Foi vastamente ignorado pela imprensa mundial mainstream.

Muitos de seus participantes eram céticos que falavam de sua irrelevância, algo que acontece a cada encontro desde sua segunda edição, em 2002.

Foi marcado por debates sobre sua própria estrutura e esteve repleto de polêmicas sobre qual a estratégia política correta para o mundo da esquerda.

Apesar disso, foi um enorme sucesso.

Uma maneira de medir seu êxito é relembrar o que ocorreu no último dia do último FSM, em Dakar, em 2011.

Neste dia, Hosni Mubarak foi forçado a abandonar a presidência do Egito. Todos no Fórum aplaudiram.

Mas muitos disseram que esse ato em si provava a irrelevância do encontro.

Algum dos revolucionários na Tunísia ou no Egito buscou inspiração no evento?

Eles ao menos tinham ouvido falar sobre o Fórum Social Mundial?

Mas, dois anos depois, o Fórum reuniu-se em Túnis, a convite dos próprios grupos que iniciaram a revolução na Tunísia.

Parecem ter considerado que sediá-lo em sua capital ampliaria a força de sua luta para preservar as conquistas da revolução, contra as forças que, acreditam, estão agindo para domá-la, e levar ao poder novamente um governo opressivo e anti-secular.

O slogan de longa data do FSM é “outro mundo é possível”.

Os tunisianos insistiram em adicionar um novo, exibido com igual proeminência no encontro.

A palavra era “Dignidade” (ao lado) — nos crachás de todos, em sete línguas.

De muitas maneiras, o slogan adicional enfatiza o elemento essencial que une as organizações e indivíduos presentes no Fórum — a busca por igualdade verdadeira, que respeita e aumenta a dignidade de todos, em todos os lugares.

Não significa que houve total acordo no Fórum. Longe disso!

Uma maneira de analisar as diferenças é observá-las como reflexo do contraste entre a ênfase na esperança e a ênfase no medo.

Em sua composição, o FSM tem sido sempre uma grande e inclusiva arena de participantes, que situam-se desde a extrema esquerda até o centro-esquerda.

Para alguns, isso tem sido sua força, permitindo educação recíproca entre pessoas e organizações ligadas diversas tendências, ou com foco em distintos temas — uma educação mútua que levaria a médio prazo a unir ações, para transformar nosso sistema capitalista existente.

Para outros, isso parece ser o caminho da cooptação por aqueles que desejam meramente atenuar as desigualdades existentes, sem fazer nenhuma mudança fundamental. Esperança versus medo.

Outra fonte de constante discussão foi o papel dos partidos políticos de esquerda no processo de transformação.

Para alguns, não é possível fazer mudanças significativas, tanto em curto quanto em médio prazos, sem partidos de esquerda no poder. E uma vez no poder, essas pessoas sentem que é essencial mantê-los lá.

Outros resistem a essa ideia. Sentem que, mesmo se ajudarem tais partidos a chegarem ao poder, os movimentos sociais devem permanecer de fora, como controle crítico destes partidos, que com a prática quase certamente descumprirão suas promessas. Mais uma vez, esperança versus medo.

A atitude a adotar diante dos novos países emergentes — os chamados BRICS e outros — é outra fonte de divisão.

Para alguns, os BRICS representam uma importante contra-força ao norte clássico — Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão.

Para outros, eles levantam suspeitas sobre um novo grupo de poderes imperialistas. O papel da China na Ásia, África e América Latina hoje é particularmente controverso. Esperança versus medo.

O estado concreto da esquerda mundial é outra fonte de debate interno.

Para alguns, o FSM tem sido bom na negação — oposição ao imperialismo e neoliberalismo. Mas está, lamentavelmente, atrasado na formulação de alternativas específicas. Essas pessoas clamam pelo desenvolvimento de objetivos programáticos concretos para a esquerda mundial.

Mas para outros, a tentativa de fazê-lo serviria primariamente para dividir e enfraquecer as forças unidas no Fórum. Esperança versus medo.

Outra discussão constante é sobre o que tem sido chamada de “descolonização” do FSM.

Para alguns, ele está exageradamente, desde seu início, em mãos de gente do mundo pan-Europeu: de homens, pessoas mais velhas, das chamadas populações privilegiadas do mundo.

O Fórum tem, como organização, buscado estender-se além de sua base inicial — espalhando-se geograficamente, procurando fazer suas estruturas refletirem cada vez mais demandas a partir da base.

Isso tem sido um esforço contínuo, e ao comparar cada edição sucessiva do Fórum, percebe-se que ele tem se tornando, neste aspecto, cada vez mais inclusivo.

A presença em Túnis de todos os tipos de “novas” organizações — Occupy, Indignados, etc — é prova disso.

Para outros, este objetivo está longe de ser alcançado, a ponto de produzir dúvidas sobre se há uma real intenção de cumprir este objetivo. Esperança versus medo.

O FSM fundou um espaço de resistência. Doze anos depois, permanece o único lugar onde todas partes destes debates reúnem-se para continuar a discussão.

Existem pessoas que estão cansadas dos mesmos debates contínuos? Sim, é claro.

Mas também parece sempre haver novas pessoas e grupos chegando, que buscam participar e contribuir para a construção de um mundo de esquerda eficaz.

O Fórum Social Mundial está vivo e está bem.

(*) Immanuel Wallerstein é um dos intelectuais de maior projeção internacional na atualidade. Seus estudos e análises abrangem temas sociológicos, históricos, políticos, econômicos e das relações internacionais. É professor na Universidade de Yale e autor de dezenas de livros. Mantém um site. Seus textos traduzidos publicados por Outras Palavras podem ser lidos aqui 

Fonte:
http://www.outraspalavras.net/2013/04/03/forum-social-mundial-entre-esperanca-e-medo/

Nota:
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sexta-feira, 12 de abril de 2013

Horto: das trincheiras do conflito fundiário à história da cidade

06/04/2013 - Laura Olivieri [1] - no site Museu do Horto

No dia 4 de abril de 2013, agentes da Polícia Federal e do Batalhão de Choque da PM chegaram ao Horto Florestal do Rio de Janeiro, a mando de uma juíza federal da 23ª Vara Federal, Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, que sentenciou uma liminar a favor da reintegração de posse para o Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro (IPJBRJ) de uma casa que estaria em “área de risco” e “dentro do parque”.

Essa injustiça aconteceu a despeito de a Superintendência de Patrimônio da União (SPU) — legítima gestora das terras da União em conflito fundiário nesse caso — ter determinado na Advocacia Geral da União (AGU) a suspensão de todas as ações de reintegração de posse referentes à essa querela, justamente por entender que cabe a ela, SPU, legislar sobre a posse de terras que são propriedade da União e que as mesmas podem e devem, desde a constituição de 1988, assumir a responsabilidade social do Estado em benefício de trabalhadores residentes há mais de cinco anos no lugar.

No Horto, as famílias de moradores são posseiras históricas, visto que residem há décadas e, em alguns casos, há séculos na região.

Igualmente posseiro histórico dessas terras é o Jardim Botânico, apesar do equívoco reafirmado constantemente pelo discurso hegemônico de atribuir a propriedade das terras do Estado a essa instituição.

Portanto, a primeira construção que esse artigo busca desmobilizar é de que a comunidade do Horto estaria “dentro do Jardim Botânico”.

Isso não é verdade e essa falácia precisa ser desconstruída, a partir do conhecimento histórico sobre a região do Horto e divulgada.  .  

O Horto Florestal do Rio de Janeiro existe oficialmente no mapa da cidade desde 1875.

Antes, contudo, a região já era ocupada por senhores e trabalhadores escravos de um engenho de açúcar fundado em 1578 por Mem de Sá, chamado Engenho D´El Rey — e que mudou de nome e de sede em 1695, passando a se chamar Engenho Nossa Senhora da Conceição da Lagoa.

Já no século XVIII o Horto sediava uma fazenda de café cuja casa-grande era pioneira no Brasil em seu estilo arquitetônico: o Solar da Imperatriz.

O Parque Jardim Botânico foi fundado por D. João VI em 1811 e trouxe a terceira onda populacional da região, composta por trabalhadores escravos daquela grande obra, a terceira oficialmente fundada no local pela Coroa.

O Horto sempre foi palco da história oficial de nossa cidade.

Igualmente, foi lugar do quilombismo histórico nas matas da Freguesia da Gávea, tendo abrigado, perto de 1888, um importante reduto de quilombolas [2]: o Mocambo das Margaridas (SILVA, 2003, p. 74) [3], rota de fuga para os Quilombos da Sacopã (na atual Fonte da Saudade) e das Camélias (no atual Alto Leblon).

Os moradores guardam essa memória e são resilientes em sua resistência histórica.

No dia quatro de abril houve cinco horas de negociações pacíficas, embora as forças federais e militares estivesses presentes nas trincheiras do conflito.

Encontravam-se também alguns parlamentares e seus representantes bem como quadros da SPU, da OAB e da Comissão Parlamentar de Direitos Humanos, os quais intermediavam as negociações de paz entre moradores, lideranças comunitárias e agentes federais encarregados da ordem de despejo.

Graças à adesão dos intermediários e à atuação da presidente da AMAHOR [Associação dos Moradores e Amigos do Horto] e do advogado que apoia esta associação de moradores foi possível a construção de um acordo em que os moradores se mudaram temporariamente para dois imóveis da União enquanto aguardam a autorização para retornarem ao Horto, seu lugar de origem e de identidade, quando da implementação da Regularização Fundiária proposta pela SPU, a legítima gestora das terras em conflito.

A SPU contratou uma pesquisa de mapeamento e diagnóstico da UFRJ que, em dezembro de 2010 concluiu sua análise e a encaminhou para avaliação das partes envolvidas na querela.

A comunidade aprovou a proposta, ainda que nela houvesse algumas orientações de remanejamento de casas em que estivessem em locais de risco (risco aqui entendido como socioambiental, ou seja, para o meio ambiente e sobretudo para o próprio morador devido a condições adversas de moradia).

O IPJBRJ a recusou alegando que precisava de espaço para expandir o seu arboreto, patrimônio público natural, e para o avanço das pesquisas botânicas.

Causas nobres de fato, mas não mais importantes do que a vida humana e o direito humano fundamental à moradia de famílias tradicionalmente enraizadas no território.

A proposta de Regularização Fundiária apresentada pela SPU foi conduzida com ética administrativa, competência acadêmica e conhecimento técnico suficientemente notórios e com a legitimidade política da instituição gestora das terras da União e responsabilidade social.

O estudo ainda levou em consideração um levantamento realizado pelo ITERJ, em 2005 e se baseou nos critérios do direito à moradia e das obrigações sociais do Estado e suas propriedades, ambos referenciais importantes da constituição brasileira de 1988 e marcos teóricos do processo de democratização das instituições nacionais.

Portanto, afirmar que a SPU teria conduzido com improbidade administrativa o processo acima exposto é um outro construto falacioso que esse texto busca desmentir.

Voltando à primeira desconstrução a que nos propusemos, é importante que se rememorem dados.

Até os anos 1950 havia uma fronteira espessa e pantanosa entre o parque e a comunidade. No final dessa década, uma tempestade arrancou o bambuzal que fazia a divisa natural .

Nessa época, após o temporal, o Jardim Botânico permitiu que os trabalhadores do parque e moradores do Horto construíssem casas mais perto do trabalho e muitos residentes da região do entorno do Solar da Imperatriz e do chamado Hortão se mudaram para a localidade adjacente, batizada de Caxinguelê.

Para atender esses moradores do Horto, foi erguida a Escola Municipal Julia Kubitschek, fundada pelo presidente Juscelino Kubitschek e que era um dos marcos da fronteira.

Do outro lado, no sopé da colina por onde passa o Aqueduto Histórico do Horto (construído por escravos no século XVIII para o abastecimento de água na região da Lagoa Rodrigo de Freitas [4]) havia um portão que delimitava os dois espaços, hoje conflitantes.

Mas foi somente nos anos 1990 que o Jardim Botânico se tornou Instituto de pesquisa e começou a expandir o seu arboreto, justamente em direção à comunidade.

Se hoje algumas casas do Caxinguelê estão “dentro do parque” como se afirma no discurso hegemônico, elas assim estão porque foi o IPJBRJ que avançou e as incorporou dentro dos novos limites de seus portões.

Portanto, é imperativo desmentir que os moradores do Horto são invasores...

Nessa mesma década, o IPJBRJ obteve a posse do Solar da Imperatriz para nele fundar a Escola Nacional de Botânica.

Dali em diante foi fácil argumentar que a região situada entre o monumento e o arboreto era toda território do Instituto.

Mas não é assim porque nessa linha reta que o IPJBRJ quer traçar (e vem traçando com abertura de estradas no Horto, à beira do rio) há centenas de casas, famílias e memórias que não podem ser suprimidas pela necessidade da pesquisa botânica e da expansão do que quer que seja.

Não sem antes se considerar as vidas e os direitos humanos instalados ali, historicamente.

Por conhecer essa história a fundo, é meu dever, como historiadora, repassá-la adiante.

A missão de transmiti-la é do Museu do Horto, projeto social de memória que eu construí com os moradores do Horto para reafirmar a sua identidade histórica no lugar desse conflito.

A razão de interpretar é do leitor e a capacidade de aceitar ou não as verdades e as injustiças é da consciência de cada cidadão.

Vale a pena assistir o vídeo em que Emília Maria de Souza, liderança comunitária do Horto, [Verdade sobre remoções no Horto-RJ] fala as verdades à imprensa no dia da reintegração de posse sobre os acontecimentos da manhã do dia 4 de abril.

E elogia o 23º Batalhão da PMERJ.

A seguir há uma galeria de fotos tiradas por Pedro Marins Maciel e Ana Paula Amorim [parte delas postadas neste artigo].

Muitas das informações aqui apresentadas foram coletadas com o trabalho de memória oral.

Trechos de depoimentos dos moradores foram selecionados e apresentados no documentário Horto: lugar de memórias (Museu do Horto, 2010).

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[1]   Historiadora, doutora em Serviço Social, coordenadora técnica do Museu do Horto (www.museudohorto.org.br) e coordenadora de projeto do Museu da Pessoa (www.museudapessoa.net).

[2]   Quilombolas eram escravos que resistiam ao sistema colonial escravista que se refugiavam normalmente nas matas e buscavam ressignificar costumes e crenças africanos.

[3]   SILVA, Eduardo. As Camélias do Leblon e a Abolição da Escravatura  . São Paulo: Cia das Letras, 2003.

[4]   A Lagoa chamava-se nessa época de Lagoa de Sacopenapã, nome indígena.



Fonte:
http://www.museudohorto.org.br/5471?acervoId=0

Nota:
Imagens extraídas do site Museu do Horto e do JB online