domingo, 6 de junho de 2010

Aquífero Alter do Chão pode ser entregue a pesquisadores estrangeiros

*Por Zilda Ferreira

O aquífero Alter do Chão pode ser o maior do mundo em volume de água, anunciava, em abril deste ano, o geólogo Milton Matta da Universidade Federal do Pará (UFPA) aos jornais brasileiros, à mídia européia e à TV Globo. Um estudo preliminar aponta um volume superior a 86 mil quilómetros cúbicos de água, o suficiente para abastecer a população mundial por 100 (cem) anos. Para se ter um ideia, o Aquífero Guarani, tido até agora como um dos maiores do mundo, tem um volume estimado de 45 mil quilometros cúbicos, ressaltava o professor Milton Matta, um dos cinco pesquisadores responsáveis pelo estudo.

A abrangência deste aquífero é genuinamente nacional, pois ele se estende pelo oeste da amazônia brasileira, nos Estados do Pará, Amazonas e Amapá. Entretanto, para que se possa afirmar com precisão sua extensão é necessário um estudo mais aprofundado. Mas, há poucas dúvidas de que não seja o que possui o maior volume de água, uma vez que está abrigado debaixo da maior bacia hidrográfica do mundo, a amazônica. (Veja a entrevista exclusiva do professor Milton Matta, no final, confirma que a ANA -Agência Nacional de Águas- pretende abrir licitação internacional para pesquisar o Aquífero Alter do Chão e, possivelmente, entregar a grupos estrangeiros).

Alter do Chão, vila balneário, que nominou esse aquífero que foi descoberto na localidade, fica às margens do Rio Tapajós, a 30 quilometros de Santarém, no oeste do Pará. Em abril de 2009, o jornal inglês The Guardian destacava como a melhor praia do Brasil. O lugar realmente é lindo. E agora, a mídia nacional e européia anunciam como a região mais rica de água do planeta. O príncepe Charles, da Inglatera, passou quase um mês na Flona do Tapajós, que fica na região do Aquífero.


BREVE HISTÓRICO SOBRE O AQUÍFERO ALTER DO CHÃO

O Aquífero Alter do Chão foi descoberto em l958 pela Petrobrás, quando perfurou Alter do Chão à procura de Petróleo, informou o professor de geografia Daniel Lima Fernandes. E para comprovar sua afirmacão, ele nos forneceu o “Estudo Primaz Alter do Chão”, do qual participou pela secretaria de Planejamento da Prefeitura de Santarém, em l996, coordenado por uma equipe de geólogos da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais- CPRM. Esse Estudo já citava a tese (no prelo) de doutorado - “Recursos Hídricos Subterrâneos de Santarém”- do pesquisador Antonio Carlos F.N.S. Tancredi, da UFPA, onde registrava que os dados hidrológicos levantados pela equipe do Primaz, na área urbana de Santarém, se referiam basicamente ao sistema aquífero de formação Alter do Chão. Essa história foi confirmada por dona Terezinha Lobato da Costa, 75 anos, de origem Borari, que nasceu e sempre morou em Alter do Chão. “Eu conhecia bem o pessoal da Petrobrás, que esteve aqui de l953 até 1958.”

Além do Estudo Primaz, há pesquisas feitas pela comunidade acadêmica da Universidade Federal do Pará e também pelo INPA, desde a década de 60. Em 1996, o professor Antonio Carlos F.N.S. Tancredi do Centro de Geociências da UFPA, curso de Pós-graduação em Geologia e Geoquímica, apresentou a tese para obtenção do grau de Doutor em ciências, na área de geoquímica “Recursos Hídricos Subterrâneos de Santarém” que destaca o sistema hidrológico da Formação Alter do Chão com detalhes, onde ele enfatiza o seu potencial.

O acesso a essa tese foi possível graças à coordenadora da Biblioteca Comunitária “Oca do Saber”, Vandria Garcia Corrêa, do grupo Vila Viva em Alter do Chão, que nos enviou a mesma por email. Ainda este mês, contaremos outras estórias de ajuda que tivemos: falaremos do ponto de cultura digital Puraqué, nosso porto seguro em Santarém, principalmente pelo apoio do casal Jader e Adriane Gama e também do pessoal da Casa Brasil, e contaremos um pouco sobre a Escola Índígena Borari de Alter do Chão.

De modo geral, a população da região de Santarém só soube do potencial de água do Aquífero Alter do Chão pela TV Globo, este ano. As pessoas se sentiram traídas e desrespeitadas, pois o problema de falta d`água em Santarém é crônico há décadas. Estão em cima de um tesouro, que nem sempre têm acesso. Além disso, receiam que essas riquezas sejam apropriadas pelos estrangeiros. Há comentários de que a ANA –Agência Nacional de Águas – pretende abrir licitação internacional para pesquisar o Aquífero Alter do Chão, e assim, entregaria aos estrangeiros esse tesouro da Amazônia.

TEMOR E MEDO

Historicamente, o maior temor deveria ser aos franceses devido à proximidade com a Guiana Francesa e também pela força das companhias francesas no mercado de águas: Vivendi Universal e Suez detêm 70% desse mercado no mundo. Mas como no tempo da colonização portuguesa, os ingleses avançaram antes dos franceses: HSBC- Hong Kong and Shangai Banking Corparation, o maior banco do mundo com sede em Londres, já está em Alter do Chão. O Banco financia atualmente dois projetos da Ong Vila Viva. Os alemães já fincaram os pés na região de Santarém há mais tempo, principalmente através da Fundação Konrad Adenauer.

O professor Edilberto Ferreira da Costa, formado em letras e pesquisador de folclore, de origem indígena Borari, disse que agora, o Eldorado dos europeus é a região do Alter do Chão, pois eles não buscam mais ouro amarelo, querem o ouro azul, a água.

- Não é à toa que o príncepe Charles veio aqui. Antes vieram muitos cientistas, principalmente europeus. Em l852 Henry, Wallter Bates passou nove dias em Alter do Chão. A minha maior honra é ser o primeiro, nascido em Altler, a escrever sobre a história da Vila. Tudo na nossa cultura gira em torno da água. Pode ler nesse meu livro, “O Berço do Çairé”, grafada Sairé no dicionário, o que já contestei, na Academia Brasileira de Letras, pois a palavra é indígena e o som é aberto de (Ç). O Boto Tucuxi é a Ópera das Águas. É interessante observar que o Aquífero Alter do Chão tem a mesma abrangência do çairé(sairé), oeste amazônico. E há evidências científicas de ele seja o maior do mundo.

Outro fato que merece destaque é a pregação do cientista político alemão Michael Dutschke, autor de um dos capítulos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC – defendendo internacionalização da Amazônia, noticiava a Folha do Meio Ambieente, em novembro de 2007, quando ele esteve no Brasil.

O Tratado de Lisboa, ou Tratado Reformador, que emenda os anteriores, foi assinado em 2007 e entrou em vigor em dezembro de 2009, pouco antes da Conferência de Copenhague, destaca que a luta contra as alterações climáticas e o aquecimento global são objetivos da União Européia. Há denuncias de que esse tratado é intervencionista e o alvo é a Amazônia.

ALERTA

Darciley Viana de Vasconcelos, líder comunitária, tomou conhecimento do Aquífero há 10 anos, através de um pesquisador do INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, mas não tinha dimensão do potencial do Aquífero Alter do Chão.

- Agora, a divulgação assusta e pode acelerar a privatização de nossas riquezas, a terra, mas, principalmente, a água. Aqui é uma comunidade tradicional de origem indígena Borari. E como se sabe, índio, normalmente, não tem documento da terra e por isso, alguns já foram expulsos e tiveram suas casas queimadas. O problema fundiário está se agravando e eu gostaria de fazer parte do MST, porque eles são organizados. Na minha opinião, a denuncia da Revista Veja de que há falsos índios em Alter do Chão é um alerta do que vem por aí. É preciso que o governo assegure aos habitantes do lugar o que eles têm direito, concluiu Darciley Viana depois de lamentar a situação precária dos índios para enfrentar a especulação imobiliária.

LEIA ABAIXO ENTREVISTA EXCLUSIVA COM O PROFESSOR MILTON MATTA

Há quanto tempo o senhor e a equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) estudam o Aquífero Alter do Chão?
O Aquífero Alter do Chão, já nosso conhecido e de toda a comunidade científica da Amazônia, desde a década de 60, mas ninguém jamais expressou vontade de estudar isso de forma sistemática. Eram somente poços isolados que abasteciam comunidades específicas. Meu grupo de pesquisa, depois que eu defendi minha tese de Doutorado, em 2002, e calculei a reserva hídrica de outro sistema aquífero (Aquífero Pirabas) resolveu investigar o Aquífero Alter do Chão mais de perto. Isso iniciou ano passado.

Como o senhor concluiu que havia a possibilidade deste Aquífero ter o maior volume de água do planeta?
Quando iniciamos o cálculo de sua reserva hídrica, percebemos que sua enorme espessura, extensão lateral e as propriedades hidrodinâmicas do aquífero, eram compatíveis com os números que foram divulgados.

Qual foi o volume estimado e qual a região de abrangência do Aquífero Allter do Chão?
O volume estimado é de 86 mil quilômetros cúbicos de água. O suficiente para; abastecer 31.4 trilhões de piscinas Olímpicas; 29.3 milhões de Maracanãs e 35.2 mil Baias da Guanabara e 8600 vezes o volume de óleo do Pré-Sal.

Porque a população de Santarém e da Vila Alter do Chão, ou seja, os paraenses de modo geral tomaram conhecimento do potencial deste Aquífero pela TV Globo?
Não sei. Quem liberou todas as notícias fui eu. E eu dei notícia pela primeira vez para uma jornalista do jornal Diário do Pará que deve ter pequena circulação na região de Santarém. Depois disso, a notícia se espalhou muito rápido por vários elementos da mídia, saindo em diversos idiomas, inclusive. Como a Rede Globo é a cadeia de maior penetração no Pará, pode ser que muita gente tenha sabido disso pela TV Globo.

Ninguém pode preservar aquilo que não conhece. Há perigo de poluírem essas águas. O senhor não acha que esta falta de conhecimento da população é uma falha da academia?
Porque da academia? A academia, por meu intermédio, estudou e divulgou o assunto. Mas não pode, não tem essa função e nem tem verba pra dar conhecimento disso à população.

Há muito medo da população da Vila de Alter do Chão que água do Aquífero seja privatizada. Essa preocupação tem fundamento?
Tem sim. Hoje não se tem qualquer controle sobre o que vai ser feito com esse aquífero. Não se tem nem planos pra uso e proteção de duas águas. Soube-se que a ANA vai divulgar um edital fazendo uma licitação internacional para contratar estudos sobre o Alter do Chão. Eu, particularmente, acho isso um absurdo. A licitação em si não teria sentido, uma vez que existe um grupo que o conhece, que o está estudando, que é da região e que por isso mesmo conhece as condições sócioeconômicas e políticas locais. Isso, associado à competência profissional desse grupo, sua vasta experiência na matéria, demonstrada pelos inúmeros trabalhos publicados nas últimas décadas sobre o assunto, já justificaria a não realização de licitação.

O senhor e a comunidade acadêmica da UFPA aprovam a proposta da ANA de abrir Edital internacional de licitação para pesquisar o potencial do Aquífero do Chão?
Já respondi parte disso na questão anterior. E não entendemos porque que a licitação teria que ser internacional. O Aquífero Alter do Chão é exclusivamente brasileiro e amazônico. O aquífero que é Transfronterisso, é o Guarani, esse sim, precisa de arranjo internacionais para seu uso e proteção, uma vez que passa por diferentes países.


*Zilda Ferreira esteve em Santarém e na Vila Balneário de Alter do Chão, durante uma semana, no período de 21 a 28 maio de 2010.