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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Sem terra é presa por denunciar privatização da água na Paraíba

O Acesso à Água e ao Saneamento  Básico conforme Resolução 64/292 da ONU de 28 de julho de 2010 é  direito humano. Neste caso,  a direção do Grupo Santana é que deveria ser presa por violar esse direito. O autor da prisão deveria ser punido também. Mas, não podemos deixar  de responsabilizar a omissão dos gestores da  ANA  por não divulgar e fiscalizar o cumprimento desse direito. (Zilda Ferreira da equipe do Blog.) 

9 de abril de 2013 Da Página do MST

Nesta segunda-feira (8), Sem Terra ocuparam o perímetro irrigado das Várzeas de Souza, no município de Sousa, Paraíba, para denunciar a falta de rigor na fiscalização dos lotes irrigados que deveriam ser destinados prioritariamente à Reforma Agrária, além do uso abusivo de agrotóxicos na produção agrícola de milho pelo Grupo Santana, empresa do agronegócio que mais se beneficia da irrigação.

Os trabalhadores e trabalhadoras rurais reivindicam água para os assentamentos Nova Vida I e II, Terra para os 350 acampados e acampadas da região, além do cancelamento da licitação dos lotes 20 e 21 que totalizam quase mil hectares de terras irrigadas.

O Grupo Santana, empresa do agronegócio, também é denunciado pelas famílias, pois segundo os Sem Terra, o grupo é quem mais se beneficia das políticas públicas federais e estaduais de acesso à água no semi-árido Paraibano.

“O Grupo Santana utiliza essa irrigação na produção de milho e sorgo para fabricação de ração animal, sendo que nesse momento de intensa estiagem, essa água deveria ser priorizada para consumo humano, seguido de consumo animal e, por último, o consumo vegetal. E não para gerar lucros nas contas bancárias de empresas do agronegócio”, diz a nota dos Sem Terra.

No dia 8 de março do ano passado, cerca de quinhentas integrantes do MST já haviam realizado uma mobilização na área.

Repressão

Como repressão às denuncias realizadas na tarde desta segunda-feira, a Sem Terra Cícera Soares Timóteo foi presa e acusada de roubo, dano do patrimônio privado e incêndio.

“O grupo Santana, principal privilegiado pelas políticas públicas de distribuição de água, se coloca como vítima e acusa injustamente a Companheira Cícera por meio do Ministério Público Estadual, que entrou com o mandado de prisão”, acusa a nota.

Os Sem Terra exigem a imediata libertação de Cícera Soares e a retirada do mandado de prisão. Prometem seguir com as denúncias, resistindo contra a privatização das águas e da terra, e, lutando pela mudança do modelo de produção no semi-árido com o objetivo de trazer o desenvolvimento humano para a população da Paraíba.

“Não aceitamos mais a indústria da seca e esse modelo de produção que desumaniza, alertando que as mulheres e crianças são os que mais sofrem com o desvio de recursos públicos, que deveriam ser utilizados para a convivência com o semi-árido e que são historicamente empregados em benefício das oligarquias e atualmente também por empresas do agronegócio”, conclui a nota.
         
Leia também: http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/07/a-luta-pelo-direito-agua-na-rio20.htmlhttp://brasileducom.blogspot.com.br/2010/08/agora-agua-para-todos.htmlhttp://brasileducom.blogspot.com.br/2012/04/o-problema-da-seca-no-nordeste-nao-e.htmlhttp://brasileducom.blogspot.com.br/2012/04/privatizacao-da-agua-o-fracasso-melhor.html



domingo, 31 de março de 2013

Água como Direito Humano - salve o 31 de março


Por Zilda Ferreira

O 31 de março não se repetirá como há 49 anos. Muito menos o 1º de abril. Já existem meios bem mais sofisticados para que se promova um golpe de estado seguido de uma ditadura. Basta que se apropriem de nossos recursos vitais: água e ar.

Ora, os países pobres possuem 80% dos ativos ambientais da Terra e apenas a América Latina cerca de 40% de toda a água doce do mundo. Como essencial à vida, o direito a ela e ao saneamento básico foram considerados pela ONU, em 2010, como mais um dos Direitos Humanos, algo que, sem dúvida, já pode ser catalogado como a maior conquista da humanidade no alvorecer desse século XXI. Trata-se de um valor supremo.

A dimensão dessa conquista, que não deixa de ser uma vitória da civilização, iguala o direito à àgua ao direito universal do ser humano de não ser, por exemplo, torturado, física ou psicologicamente. Não é pouca coisa se levarmos em conta que ainda subsistem dois bilhões de humanos que não tem acesso à àgua potável e ao sanemento básico.

Essa foi a grande batalha travada durante a Rio+20, quando, na ocasião, Reino Unido, Canadá e União Européia tentaram enfraquecer, para logo em seguida derrubar essa resolução. Até aí dá para entender... O que não é compreensível é que na Semana Internacional da Água, a mídia brasileira especializada, como a Folha do Meio Ambiente e uma revista do porte de Carta Capital, não divulgarem uma linha sequer sobre esse direito. Isso é muito grave, porque quando uma publicação especializada abre quatro páginas sobre o tema e não faz qualquer referência a um direito humano intrínseco ao acesso da população à água potável e ao saneamento básico deixa de cumprir seu papel de informar, esclarecer e conscientizar a população sobre essa prerrogativa inalienável.

Incomoda-me pensar que tais veiculos já possam estar comprometidos com as grandes corporações européias e americanas que estão se apropiando da água doce do mundo. Basta lembrar que hoje, o império da francesa Vivendi Universal é composto de duas divisões: Vivendi Environment e Vivendi Comunications. A de meio ambiente é considerada a número um no mundo em serviços ambientais: água, energia, gerenciamento de resíduos e transportes; a de comunicações é a segunda do mundo em serviços audiovisuais, composta por seis subdivisões - televisão, filmes, publicações, equipamentos de telecomunicações, provedores e demais serviços de Internet. A GVT, que já opera no Brasil, pertence à Vivendi. Entretanto, o carro chefe gerador de recursos ainda são as empresas de água.

Dessas megacorporações fazem parte grandes ONGs, como a CI - Conservação Internacional, que tem como membros bancos de porte transnacional, principalmente europeus, e delas participa, por exemplo, um conjunto de poderosos executivos como o vice-presidente da Coca-Cola Internacional, entre outros, todos, de alguma forma ligados às empresas com interesses em negócios de água, tais como a Nestlé, a Suez, a PepsiCo, a Bechtel. O que têm em comum? Todos, invariavelmente contrários à Resolução da ONU 64/292 que determina que esse bem público, a água seja considerado "um Direito Humano", assim como o ar que respiramos, um bem universal, tal e qual, como no passado, foi para os índios as terras onde habitavam antes do advento do europeu.


terça-feira, 19 de março de 2013

Contra a privatização da água

18/03/2013 - Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e entidades promovem “Dia Nacional de Luta Contra a Privatização da Água, do Saneamento e a PPP”
- Escrito pela FNU e extraído do site da Central Única dos Trabalhadores

Manifestação para alertar a sociedade sobre os riscos da mercantilização da água ocorre nesta quarta (20), em Brasília.

A privatização dos serviços de água e saneamento, através da chamada Parceria Público Privada (PPP) está na ordem do dia em várias capitais e centros urbanos importantes.

A estratégia adotada pelos governos estaduais e municipais, com aval do Governo Federal, trabalha com a perspectiva de entregar o controle do bem mais precioso ao ser humano, que é a água, ao poder do capital privado.

A Federação Nacional dos Urbanitários – FNU/CUT, a Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental – FNSA, Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, dentre outras entidades são frontalmente contrárias a privatização da água e do saneamento seja através da PPP ou de qualquer outra modalidade.

A defesa da federação é pelo saneamento público através da Parceria Público-Público que se dá através de consórcios, com maiores investimentos do governo e controle social, para que a universalização supere as deficiências do setor.

Com o intuito de alertar a sociedade sobre os riscos da privatização e da conseqüente mercantilização da água, a FNU e as entidades do movimento social realizarão dia 20 de março, em Brasília, o Dia Nacional de Luta Contra a Privatização da Água e do Saneamento e a PPP.

A concentração do Dia Nacional Contra a Privatização da Água e do Saneamento e a PPP, será na Catedral de Brasília a partir das 10h de onde marcharemos até o Palácio do Planalto para o grande ato às 14h.

Fonte:
http://www.cut.org.br/destaques/23032/fnu-e-entidades-promovem-dia-nacional-de-luta-contra-a-privatizacao-da-agua-do-saneamento-e-a-ppp


Não deixe de ler:
- A luta pelo direito à água na Rio+20 - Zilda Ferreira
- Privatização da Água: o 'fracasso' melhor financiado - Revista Fórum - original do Envolverde
O mito do capitalismo “natural” - Rafael Azzi
“É preciso sair do capitalismo” – Marcela Valente (entrevista com o escritor francês Hervé Kempf)
Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte final 6/6 - UM JOGO EM QUE NEM TODOS TRAPACEIAM - Antonio Fernando Araujo
Discurso de Pepe Mujica no Rio de Janeiro - por ocasião da Rio+20 (junho/2012)

E mais:
A disputa pela terra em Copenhague - Zilda Ferreira
Os limites da pátria - Mauro Santayana
Já temos a resposta, senadora Marina - Carlos Tautz
A centralidade da água - Mônica Bruckman
- Quem são os donos dessas águas? - Antonio Fernando Araujo
- Água não se nega a ninguém - Carlos Walter Gonçalves

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

RJ: líder do MST assassinado em Campos com mais de 10 tiros na cabeça

'É questão de honra Cambahyba virar assentamento', dizia Cícero Guedes, executado na última sexta em Campos dos Goytacazes



Vivian Virissimo, no Brasil de Fato*

O trabalhador rural assentado Cícero Guedes [acima] não conseguia conter as lágrimas quando recordava da mística que homenageou militantes incinerados nos fornos da Usina Cambahyba pela ditadura civil-militar brasileira nos anos 1970 e 1980. Era angustiante para ele imaginar que naquele lugar pelo menos dez militantes torturados e mortos no DOI e na Casa da Morte haviam sido incinerados por lutarem por justiça social. Décadas depois, no mesmo lugar, a liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Cícero Guedes, tomba pelo sonho de ampliar a reforma agrária no país.

“A mística foi muito forte, ninguém merece ser queimado. Muita gente faz atrocidade neste mundo e não é queimado. É questão de honra para o movimento esse latifúndio virar assentamento. A gente se emociona porque somos seres humanos e sabemos e sentimos na pele o companheiro que luta por justiça social”, disse, à época, Cícero, sobre o ato promovido em agosto do ano passado pelo MST e pela Articulação Estadual Memória, Verdade e Justiça na usina.

Coordenador do acampamento Luiz Maranhão, localizado no parque industrial da Usina Cambahyba, Cícero, de 49 anos, foi assassinado com mais de dez tiros na cabeça por pistoleiros na madrugada de sexta, dia 25, em Campos dos Goytacazes. Ele participou de uma reunião na noite anterior no acampamento e foi baleado em uma emboscada quando retornava de bicicleta para sua casa no assentamento Zumbi dos Palmares. Cícero fazia parte da Coordenação Estadual do MST no Rio de Janeiro.

“Pedimos e reivindicamos que investiguem e punam os responsáveis, que garantam a segurança para os familiares de Cícero que moram na região, além da imediata desapropriação da Cambahyba. Este é mais um crime do latifúndio de Campos dos Goytacazes, que envolve diretamente as questões da Cambahyba”, declarou Marina dos Santos, da coordenação estadual do MST.

“A gente está considerando um crime semelhante ao que aconteceu com Sebastião Lan, que foi assassinado nos anos 80 pelo latifúndio Campos Novos, na região de Cabo Frio (litoral do estado do Rio de Janeiro). Ele era presidente do sindicato dos trabalhadores rurais. Da mesma forma que Cícero, Sebastião era referência para o movimento e fazia o trabalho de organização dos trabalhadores”, acrescentou Marina.

A Polícia Civil emitiu um comunicado afirmando que está empenhada na investigação da morte da liderança. O órgão também informou que medidas cautelares estão sendo adotadas para esclarecer a autoria e a motivação do crime.

 

'Desafio é pra ser cumprido'
Cícero acompanhava todas as áreas que estavam na luta pela terra na região de Campos. Ele atuava nos diversos assentamentos e era responsável pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal.

Na ocupação de Cambahyba, ele planejou todo o processo de organização das famílias. Referência na produção agroecológica, Cícero também era organizador e entusiasta das Feiras da Reforma Agrária do MST que acontecem no Largo da Carioca, no centro do Rio, com a venda de verduras e frutas livres de agrotóxicos.

“Realizar mais feiras é um desafio e desafio é pra ser cumprido. Tudo pra nós é desafio, estamos acostumados com essa situação. Esse negócio de veneno é uma babaquice desses filhos da puta. O capitalismo é cruel e devasta tudo. Não tem esse negócio de remédio, é veneno mesmo e veneno mata”, dizia Cícero.

O alagoano Cícero vivia desde 2002 no Sítio Brava Gente no assentamento Zumbi dos Palmares. De Alagoas, trazia lembranças de uma vida sofrida, onde trabalhava em condições desumanas e até passava necessidade. Foi nos canaviais de Campos dos Goytacazes que Cícero, junto com a esposa Maria Luciene, iniciou suas atividades na cidade. Depois, como operário da construção civil, participou das obras da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). O sonho de ter sua própria terra para plantar se concretizou com a mobilização popular da primeira ocupação de terras na região, em 1996, da Usina São João, que deu origem ao maior assentamento do estado, o Zumbi dos Palmares.

Mesmo assentado, com seu lote garantido, Cícero nunca perdeu de vista a necessidade de fortalecer o movimento e ampliar a reforma agrário no Brasil. Ele coordenava o acampamento Cambahyba que pressionava o governo federal a destinar para fins de reforma agrária as terras da usina que são consideradas improdutivas pelo Incra há 14 anos. Em dezembro, o Incra sinalizou que retomaria o processo de desapropriação para fins de reforma agrária, mais ainda não há nada concreto.

A usina Cambahyba é um complexo de sete fazendas que totaliza 3.500 hectares. A área pertencia ao já falecido Heli Ribeiro Gomes, ex-vice governador biônico do Rio de Janeiro (1967-1971), ligado à Tradição Família e Propriedade (TFP) e agora é controlada por seus herdeiros. De extrema-direita, Heli permitiu que a usina funcionasse como braço operacional das execuções, uma alternativa para eliminar os vestígios dos mortos pelo regime. Segundo o ex-delegado Claudio Guerra, no livro Memórias de uma Guerra Suja, a usina recebeu até benefícios dos militares pelos serviços prestados com acesso fácil a financiamentos.
*foto: MST

Leia também:

Obama não cumpre e Guantánamo continua aberta

22/01/2013 - extraído do site Vermelho, com Telesur

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, iniciou oficialmente seu segundo mandato sob a crítica de várias promessas que não foram cumpridas durante sua primeira gestão, entre elas o fechamento da prisão ilegal na base de Guantánamo.

O analista político Néstor García Iturbe afirmou que o presidente estadunidense não só descumpriu sua promessa de fechamento da prisão, como assinou a Lei da Autorização de Defesa Nacional onde aprovou uma proibição permanente sobre a transferência dos detidos nesta prisão para os Estados Unidos e a proibição de detenção militar dos cidadãos estadunidenses. 

Leia também:
Militantes protestam contra o não fechamento
Anistia Internacional divulga números dos 11 anos de Guantânamo 

“Há uma cláusula que diz que não poderá ser tomado financiamento deste orçamento para transladar presos de Guantânamo para outro país nem para os  Estados Unidos. Portanto já temos que levar em consideração que durante 2013 a prisão vai estar ai, os presos vão ficar ai e não vai haver possibilidade de que a fechem”, assegurou, García Iturbe.

O analista militar David Urra assegurou que se Obama cumprir a promessa de fechar a prisão de Guantánamo, a direita estadunidense o considerará como uma concessão ao governo de Cuba.

Contra os Direitos Humanos
O analista político e escritor Adrian Salbuchi assegurou que “Os Estados Unidos se opõem a fechar Guantánamo, porque quer mandar para o mundo a mensagem de que é capaz de fazer tudo o que quer: inclusive violar as leis internacionais”.

Salbuchi disse que “o que estamos vendo é a vontade deste país [EUA] de manter um sistema absolutamente ilegal e genocida, vulnerando os direitos humanos”.

A prisão de Guantánamo está em território da base militar que foi instalada pelos Estados Unidos em Cuba, há mais de um século.

Enquanto Washington justifica sua presença na ilha caribenha com um acordo firmado entre os dois países naquele momento, Cuba insiste que este documento foi feito sob pressão e denuncia a ilegalidade do centro.

Durante seu primeiro mandato, Obama deixou várias promessas não cumpridas, entre elas destaca-se uma Reforma Migratória que resolveria a situação dos 11 milhões de indocumentados.

Obama abriu seu mandato com uma viajem para o Egito para dizer que ele era diferente, mas a invasão da Líbia e os ataques com drones, que provocam centenas de efeitos colaterais no Afeganistão e Paquistão, mostram o contrário.

Fonte:
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=204210&id_secao=7

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Tragédia no Sul [III]: Crônica da tragédia anunciada

Dilma visitando familiares das vítimas. Foto: Roberto Stuckert Filho/ABr















Por Matheus Pichonelli, no site da CartaCapital
Levantado o tamanho da tragédia – ao menos 232 mortos, superior ao número de vítimas dos acidentes da TAM, em 2007, e do Edifício Joelma, em 1974 – é bem provável que um pente-fino das autoridades na Boate Kiss, em Santa Maria, descubra em poucos minutos todos os pontos que levaram ao incêndio. Despreparo dos profissionais? Fogos em local proibido? Ânsia para sair da claustrofobia? Falta de ventilação? Alvará de funcionamento vencido?

A fatalidade logo ganhará outras nomenclaturas: erro humano, ausência de prevenção, negligência. Fatalmente os responsáveis serão investigados, eventualmente condenados, provavelmente cumprirão penas. Mas o estrago para as famílias jamais será reparado – o que é forçoso dizer, por óbvio que seja.

Mas, num país onde tudo é legalizado fora da legalidade, é possível supor que esta não será a última tragédia anunciada.

No mundo ideal, no dia seguinte pela manhã todos os jornais das pequenas e médias cidades, os únicos com capilaridade suficiente para fiscalizar as esquinas mais distantes do País, mandariam para as ruas os seus repórteres para contar quantas casas noturnas locais têm condições de reunir multidões com um mínimo de segurança.

Junto com órgãos competentes, levantariam alvarás, números de portas corta-fogo, saídas de emergência, tetos com materiais inflamáveis, fios desencapados e normas internas sobre pirotecnias.

Os levantamentos, em forma de reportagem, serviriam como vacina e alerta sobre tragédias como as de Santa Maria. E as pessoas, aos poucos, se negariam a pagar fortunas para serem tratadas como gado – em boates, restaurantes, rodeios e outros espaços culturais onde pequenas tragédias diárias se repetem. Seria bem mais útil do que espetar microfone no rosto de familiares e perguntar: “como se sente?”

Mas isso, na prática, simplesmente não vai acontecer. Casas de shows (como todo negócio) são potenciais anunciantes. E o silêncio é um valor embutido na bem-sucedida parceria entre empresários em busca de lucro, autoridades inoperantes e a imprensa oficialesca Brasil afora.

Leia também: 
E a imbecilidade não tem limites: Internauta coloca culpa, pelas mortes em incêndio, em Lula 
E a imbecilidade não tem limites II: A imbecilidade religiosa é mais triste, criminaliza os jovens
Incêndio em boate de Santa Maria deixa mais de 232 mortos

Tragédia no Sul [II]: Portas foram fechadas para evitar calote, diz polícia

Nota do Blog EDUCOM: recebemos informação, via Twitter, de que a boate Kiss, com alvará de funcionamento suspenso desde agosto de 2012, funcionava por força de liminar.

Força-tarefa recolhe corpos: comoção e solidariedade no RS [Wilson Dias/ABr]

Por Daniela Novais, no Portal em Pauta
Uma festa universitária na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul terminou em tragédia com mais de 200 mortos na madrugada deste domingo (27). O comandante Guido do Corpo de Bombeiros afirmou em coletiva que o que matou foi o pânico e a inalação de fumaça. Ainda segundo ele, a polícia investiga a afirmação de que as portas da boate foram fechadas pela segurança durante a confusão para evitar calote, o que dificultou a saída das pessoas.

Uma pessoa que estava na festa afirmou à Globo News que as portas foram fechadas, porque a direção do estabelecimento estava exigindo que as pessoas pagassem as comandas antes de sair da boate. Segundo ela, as poucas pessoas que conseguiram sair estavam perto da área VIP.

O número de pessoas que estavam na boate no momento do incêndio ainda não foi confirmado pelas autoridades. As informações preliminares são de que o fogo teria começado por volta das 2h30 quando o vocalista da banda que se apresentava usou um sinalizador em uma espécie de show pirotécnico, as faíscas atingiram a espuma do isolamento acústico no teto do estabelecimento e as chamas se espalharam causando pânico e muitas pessoas não conseguiram acessar a saída de emergência, antes que elas fossem fechadas pela direção do estabelecimento.

A festa 'Agromerados' (sic) reunia estudantes da Universidade Federal de Santa Maria, dos cursos de Pedagogia, Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia e dois cursos técnicos. A polícia e o Corpo de Bombeiros fazem o trabalho de rescaldo no local, checando as circunstâncias do fogo e retirando corpos da área.

Vítimas
Por volta do meio dia deste domingo (27) a informação é que 232 pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas na tragédia. As vítimas foram encaminhadas para o Hospital Universitário de Santa Maria e o Hospital de Caridade. As duas unidades pedem ajuda de voluntários da área médica para ajudar no atendimento. Além disso, ao menos seis casas de saúde da região receberam vítimas do incêndio. 

O Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, que tem uma unidade especializada em queimaduras, também receberá feridos. “Estamos mobilizando todo o estado. Temos hospitais de diversas regiões se disponibilizando para ajudar. De Canoas, Santo Ângelo, Santa Cruz, enfim. Todos estão colaborando para oferecer o melhor atendimento possível. Os trabalhos são intensos e é preciso uma mobilização muito grande”, disse o Secretário Estadual da Saúde Ciro Simoni, em entrevista à Rádio Gaúcha. Continue lendo

Incêndio em boate de Santa Maria deixa mais de 232 mortos

Desespero no RS, numa de nossas maiores tragédias [Deivid Dutra/A Razão/ABr]

Incêndio em boate de Santa Maria (RS), na madrugada deste domingo, deixou ao menos 232 mortos e 116 feridos em estado grave, a maioria estudantes com idades entre 16 e 20 anos. 

As causas do acidente ainda estão sendo investigadas, mas relatos iniciais indicam que as vítimas morreram por asfixia, e não queimadas. Segundo o Ministério da Educação, a maioria alunos da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria).
Este já é o segundo maior incêndio da história brasileira, superior à tragédia no Edifício Joelma, em São Paulo (179 mortos em 1974) e ao acidente da TAM em São Paulo, no ano de 2007 (199). Só no Circo Americano de Niterói, em 1961, houve tantas vítimas fatais (503 mortos, a maioria crianças).

No início da tarde, um grupo de policiais começou a tomar depoimento de testemunhas do incêndio. Um dos donos da boate onde ocorreu o incêndio teria deixado Santa Maria logo após o acidente - este e os sócios são procurados pelas autoridades. A delegada titular de Restinga Seca, Elizabete Shimomura, que conversou com os jornalistas, não soube informar o nome de nenhum dos responsáveis pela boate.

Shimomura disse que o trabalho de retirada de corpos da boate terminou e que o Instituto Geral de Perícias recolhe material genético para identificar os corpos. “A grande maioria dos corpos vai ser facilmente identificada pelas famílias, já que estão intactos. Provavelmente, boa parte das pessoas morreu por asfixia, poucos estão queimados”.

Os corpos estão sendo levados para o Centro Desportivo Municipal de Santa Maria, onde as famílias foram cadastradas para identificação das vítimas.

Cerca de 200 feridos foram levados para dois hospitais locais, enquanto os mortos estão sendo levados de caminhão para o Centro Desportivo Municipal de Santa Maria, pois o Instituto Médico Legal (IML) não tem capacidade para receber os corpos. A identificação já começou a partir dos documentos que as vítimas portavam. Em seguida, começará a fase de reconhecimento por parentes.

A boate Kiss costumava fazer diversas festas universitárias como a que ocorreu esta madrugada. A capacidade era para até 2 mil convidados, mas o número de pessoas que estava dentro da boate não foi divulgado.

Segundo relatos preliminares, o fogo começou por volta das 2h30 após uma faísca atingir o teto de isolamento acústico da boate.

A tragédia levou a presidenta Dilma Rousseff a deixar o Chile e seguir até Santa Maria para acompanhar o socorro às vítimas. Ela chorou ao manifestar apoio aos familiares.

A presidenta está acompanhando a tragédia desde as primeiras horas do dia quando, por telefone, ofereceu ao governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, “toda a ajuda necessária”. Segundo a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto, desde cedo Dilma determinou a todos os ministros que deem apoio em suas respectivas áreas.

Dilma, que participava no Chile da reunião da  Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) com a União Europeia (UE) cancelou a participação em três reuniões bilaterais com autoridades da Argentina, Letônia e Bolívia por causa da tragédia.

“Eu queria dizer para a população do nosso país e para a população de Santa Maria o quanto, nesse momento de tristeza, nós estamos juntos e necessariamente iremos superar mantendo a tristeza”, disse a presidenta ainda no Chile. Ela adiantou que, da parte do governo federal, há mobilização de recursos para ajudar na identificação dos corpos e no socorro às vítimas. Ainda segundo a presidenta, o Rio Grande do Sul tem uma boa estrutura de saúde, mas o governo deslocará “tudo que for necessário”, inclusive colocará a base da Aeronáutica para dar apoio.

Ao chegar ao local, a presidenta visitou o ginásio de esportes de Santa Maria, para onde foram levados os corpos, e conversou com parentes das vítimas. Muito emocionada, a presidenta deixou o local sem falar com a imprensa. Antes de chegar ao ginásio, ela também passou no Hospital Caridade, onde estão sendo atendidos parte dos feridos. Estava acompanhada do ministro da educação, Aloizio Mercadante; da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, e do presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS). “É o tipo de tragédia que ninguém imagina que possa acontecer. Nossa preocupação agora é atender as famílias, e depois vemos outras coisas [apuração sobre as causas e responsáveis pelo acidente]“, disse Marco Maia.

A presidenta seguiu para a Base Aérea de Santa Maria, acompanhada pelo prefeito da cidade, César Schirmer.

A coordenação da Força Nacional do Sul também foi deslocada a Santa Maria para identificar urgências e tomar previdências.

Em nota assinada com a mulher, Marisa Letícia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou solidariedade aos familiares.

“O Brasil inteiro está triste e de luto pelas mortes ocorridas no incêndio em Santa Maria. Nesse momento difícil, expressamos nossa solidariedade aos amigos e familiares das vítimas e à toda a população da cidade, mas em especial aos pais e mães por essas perdas irreparáveis. Nossos sentimentos”.

Em nota, o Ministério da Educação informou ter entrado em contato com o reitor da universidade, Felipe Martins Müller, e colocou toda estrutura de hospitais universitários do estado à disposição para auxiliar no atendimento às vítimas e no apoio aos familiares.

O reitor da UFSM convocou todos os psicólogos e assistentes sociais do quadro de servidores da instituição para que compareçam ao Centro Desportivo Municipal de Santa Maria com o objetivo de prestar auxílio aos envolvidos e seus familiares. Os servidores do campus de Frederico Westphalen da UFSM também foram até o local. (Com Agência Brasil e CartaCapital)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

'Cabralismo': governador sanciona lei da moral e bons costumes, de Myrian Rios

O governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, sancionou na última semana o projeto de lei chamado "Programa de resgate de valores morais, sociais, éticos e espirituais", de autoria da atriz e deputada estadual Myrian Rios (PSD). O objetivo da proposta, segundo a parlamentar, é "promover o resgate da cidadania, o fortalecimento das relações humanas e a valorização da família, da escola e da comunidade como um todo".

A justificativa de Myrian para o projeto de lei é de que a sociedade está "se desvencilhando dos valores morais, sociais, éticos e espirituais". "Valores esses que são de extrema importância para que nossa sociedade caminhe para o crescimento. Sem esse tipo de valor, tudo é permitido, se perde o conceito do bom e ruim, do certo e errado. Perde-se o critério do que se pode e deve fazer ou o que não se pode. Estamos vivendo em um mundo onde o egoísmo e a ganância são  predominante", argumenta a deputada.

Para colocar em prática a nova lei, a autora afirma que o Poder Executivo "deverá firmar convênios e parcerias articuladas e significativas, com prefeituras municipais e sociedade civil". "O programa deverá envolver diretamente a comunidade escolar, a família, lideranças comunitárias, empresas públicas e privadas, meios de comunicação, autoridades locais e estaduais e as organizações não governamentais  e comunidades religiosa (...), que visem a reflexão sobre a necessidade da revisão sobre os valores morais, sociais, éticos e espirituais", diz o texto do projeto de lei.

De acordo com a assessoria do governador, a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos será a responsável por executar a nova lei.

Em junho de 2011, Myrian Rios se envolveu em uma polêmica por ter insinuado que uma babá gay poderia praticar pedofilia contra suas filhas. Em um vídeo postado na internet, a deputada afirmava que não era preconceituosa, mas argumentava: "Digamos que eu tenha duas meninas em casa e contrate uma babá que mostra que sua orientação sexual é ser lésbica. Se a minha orientação sexual for contrária e eu quiser demiti-la, eu não posso. O direito que a babá tem de querer ser lésbica é o mesmo que eu tenho de não querer ela na minha casa. Vou ter que manter a babá em casa e sabe Deus até se ela não vai cometer pedofilia contra elas. E eu não vou poder fazer nada".

Depois da polêmica, Myrian pediu desculpas e disse que jamais teve a intenção de igualar pedófilos a homossexuais. "Sempre prezei pelo respeito, misericórdia e perdão. Deus ama todas as pessoas, independente do que elas são", disse, na época.
Fonte: Terra

Junho de 2011: Myrian Rios diz que babá lésbica poderia ser pedófila




-Itamaraty concede passaporte diplomático a líderes de igreja

sábado, 5 de janeiro de 2013

Corte pode ordenar anulação do julgamento da AP 470

12/12/2012 - por Conceição Lemes - no blog Viomundo

Pablo Gutiérrez (foto): O duplo grau de jurisdição para os réus é uma das exigências da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ao não garanti-lo, o julgamento violou o Pacto de São José da Costa Rica

Ao longo do julgamento da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal (STF), o Viomundo entrevistou os juristas Dalmo de Abreu Dallari, Rubens Casara Luiz Flávio Gomes.

Os três disseram que o caso do mensalão quase certamente será remetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos, (foto) à qual o Brasil aderiu há mais de dez anos.


Motivo: vários equívocos no processo. Um deles, a dupla-função. Quem preside a fase de investigação não pode depois participar do julgamento, porque aí cumpre os papéis de investigador e de juiz.

Foi o que fez o ministro Joaquim Barbosa, atual presidente do Supremo. Pelo artigo 230 do STF, não há nada errado com essa conduta.

Porém, para a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos esse duplo-papel é inadequado, independentemente de quem seja o ministro. O juiz tem de ser imparcial, não pode ter vínculos com as provas antes do julgamento.

Outro equívoco apontado pelos juristas ouvidos pelo Viomundo: 35 dos 38 réus não tiveram direito à segunda instância. Por decisão do Supremo, o julgamento de todos foi apenas em uma instância, o STF, embora 35 não tivessem direito ao chamado foro privilegiado.

Tão logo se aventou a possibilidade de os réus apelarem à Corte Interamericana, os ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello (foto) desdenharam.

Barbosa chamou a ação de tentativa de “enganar o público leigo” por pensar que poderia ser revertida. Mello definiu-a como “direito de espernear”.

O professor argentino Pablo Angel Gutiérrez Colantuono discorda da interpretação de ambos.

Especialista em direitos humanos e tratados internacionais, é autor do livro Administración Pública, Juridicidad y Derechos Humanos.

A convite do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji), Gutiérrez esteve recentemente em São Paulo, para fazer uma palestra na Advocacia Geral da União. No final dessa semana, nós conversamos mais sobre o assunto.

Viomundo – Os réus condenados na Ação Penal 470 podem realmente recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos?

Pablo Gutiérrez – Eu não conheço tecnicamente o caso a que você refere. Porém, geralmente, nos países que fazem parte do Pacto de São José da Costa Rica, qualquer cidadão que teve violado os seus direitos humanos pelo Estado pode, uma vez esgotados todos os recursos internos, apresentar o “seu caso” à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. E esta, se julgar procedente, apresentar “o caso” à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O Brasil, como você bem sabe, é Estado Membro do Pacto de São José. Portanto, qualquer cidadão brasileiro pode representar ao sistema americano de direitos humanos, desde que alguns procedimentos sejam seguidos.

Viomundo — O senhor considera “cinismo” ou “enganação do público leigo” recorrer à Corte Interamericana?

Pablo Gutiérrez – A proteção dos direitos humanos é dever primário dos Estados Membros do Pacto. Isso vale para todos os poderes. Apelar à Justiça nacional ou internacional é um direito fundamental do homem - a chamada tutela judicial efetiva.

A Corte Interamericana tem insistido para que os juízes de cada Estado Membro efetuem o denominado controle da convencionalidade, enquanto decidem sobre causas judiciais.

Controle da convencionalidade significa analisar os níveis de compatibilidade de normas, atos administrativos e interpretações judiciais em relação às normas do sistema americano de direitos humanos. Esse controle deve ser realizado automaticamente pelos juízes, de ofício, ou seja, sem que as partes solicitem.

Todo cidadão também tem o direito de solicitar aos juízes que apliquem ao seu caso o controle da convencionalidade. Portanto, é fundamental que o Estado Membro assegure internamente o direito a esse recurso - artigo 25 e 8 do Pacto de São José da Costa Rica –, que deve ser julgado por juízes independentes e imparciais em relação ao processo em questão, assegurando, especialmente nas questões penais, a garantia do duplo grau de jurisdição [também chamado por alguns juristas de duplo grau de recurso].

Uma sentença judicial deve ser sempre revisada por uma segunda instância superior àquela que proferiu a condenação. É a chamada “garantia do duplo grau de jurisdição ou do duplo controle” – artigo 8, parágrafo 2, alínea h, do Pacto de São José da Costa Rica.

Em resumo: recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma garantia fundamental protegida internacionalmente, faz parte da tutela judicial efetiva como direito humano da pessoa.

Viomundo – Qual o papel da Corte Interamericana?

Pablo Gutiérrez – Nos países que aceitaram soberanamente a sua jurisdição, a Corte Interamericana de Direitos Humanos é o último tribunal em matéria de direitos e garantias.

É o órgão jurisdicional do sistema americano de direitos humanos. Ele foi pensado com as seguintes características:

a) é uma proteção transnacional dos direitos e garantias do homem;

b) é uma proteção subsidiária à do Estado. Isso significa que cabe primeiro ao Estado proteger, promover e garantir internamente os direitos humanos. E todas as autoridades públicas — executivo, legislativo e judicial – são obrigadas a fazê-lo;

c) se o Estado Membro viola esse sistema de proteção e garantias,o cidadão, uma vez esgotados todos os recursos legais e administrativos, pode recorrer à instância internacional, via Pacto de São José da Costa Rica.

Viomundo – Como se dá esse processo?

Pablo Gutiérrez – Apresenta-se uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Aí, ao tramitar, é dada ao Estado a oportunidade de se defender e até mesmo propor um acordo. A Comissão é que vai decidir se o caso deve ou não ser submetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Uma vez apresentado o caso à Corte Interamericana, ela analisa se houve ou não violação de alguma das obrigações gerais dos artigos 1.1 e 2 do Pacto de São José da Costa Rica.

O artigo 1.1 estabelece que os Estados Membros têm de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos pela Corte para garantir o pleno e livre exercício a toda pessoa sob sua jurisdição. Isso se impõe não apenas em relação ao poder do Estado mas também em relação à atuação de terceiros.

O artigo 2  estabelece as medidas necessárias para garantir os direitos humanos previstos no Pacto de São José em relação a alguma obrigação especial. É importante registrar que os tratados de direitos humanos, como o de São José da Costa Rica, outorgam direitos aos cidadãos e deveres principalmente aos Estados.

E os Estados estão obrigados a cumprir tanto o Tratado de São José como as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos, porque assim determina o Tratado. Também porque a Convenção de Viena de Tratados estabelece que eles sejam cumpridos sob o princípio da boa fé.

Viomundo – Em que casos se pode recorrer à Corte Interamericana?

Pablo Gutiérrez – A causa é a violação pelo Estado Membro dos deveres gerais de assegurar, promover e proteger os direitos e garantias assegurados no Pacto de São José da Costa Rica – artigos 1.1 e 2 do Pacto. O Estado está obrigado não apenas a eliminar os obstáculos internos,  mas também a adotar decisões que promovam e protejam positivamente os direitos humanos.

Viomundo – A Corte Interamericana poderia funcionar como uma espécie de tribunal para o Supremo Tribunal Federal brasileiro?

Pablo Gutiérrez – Tecnicamente a Corte Interamericana de Direitos Humanos não é uma quarta instância judicial, tampouco é um “tribunal de apelação” dos tribunais internos de cada país.

A Corte Interamericana não julga novamente as responsabilidades penais, civis. O que ela faz é condenar a violação por parte do Estado por atos administrativos, leis ou sentenças judiciais, que violem os direitos humanos.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem condenado Estado Membro por não assegurar investigação efetiva e processo justo, por exemplo. Também por não garantir  proteção de menores de idade, populações indígenas, população privada de liberdade. Assim como por violar a liberdade de imprensa, a privacidade e a propriedade, entre outras tantas infrações.

Agora, uma vez o Estado condenado pela Corte Interamericana, porque seus processos judiciais e administrativos desrespeitam o sistema internacional, ela pode, no âmbito interno, direta ou indiretamente, gerar consequências:

a) uma nova ação na Justiça;

b) indenização por parte do Estado pela infração;

c) atos públicos de reconhecimento da responsabilidade internacional;

d) medidas para conscientizar os funcionários públicos – inclusive o Poder Judiciário – dos parâmetros que regem o sistema internacional de direitos humanos.

Um exemplo das implicações das decisões da Corte Interamericana no sistema judicial é o caso da Argentina e a atuação judicial nos crimes de lesa humanidade.

A adequação da Corte Suprema de Justiça da Argentina aos critérios da Corte Interamericana gerou a investigação dos delitos cometidos durante a última ditadura militar, declarando nulas as leis de anistia daquele tempo e aceitando esses crimes como imprescritíveis. Esse é justamente o critério da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Nesse e em quaisquer outros tipos de processos judiciais, é sempre imprescindível o respeito irrestrito à garantia do devido processo judicial. Ou seja, presunção da inocência, duplo grau de jurisdição, devida fundamentação das sentenças, direito a um advogado, um intérprete no caso de ser um estrangeiro, oferecer, produzir e controlar as provas, direito a um juiz imparcial e independente, entre outras garantias.

Na Argentina, a Suprema Corte de Justiça tem um critério de ampla convergência entre as suas sentenças e as da Corte Interamericana. Parte disso se explica porque o Pacto de São José da Costa Rica, entre outros instrumentos internacionais, foi incorporado ao mesmo nível que a Constituição Nacional no sistema legal argentino.

Viomundo – As decisões da Corte Interamericana têm caráter de recomendação ou de determinação ao Estado Membro condenado?

Pablo Gutiérrez – Não são recomendações, são sentenças que condenam e ordenam meios eficazes para reparação das vítimas. Desde 25 de setembro de 1992, o Brasil é um Estado Membro da Convenção Americana. O artigo 62 dessa mesma convenção reconheceu a competência contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998. O artigo 67 da Convenção Americana estipula que as sentenças da Corte devem ser prontamente cumpridas pelo Estado e de forma integral.

Além disso, o artigo 68.1 da Convenção Americana estipula que os Estados Membros se comprometem a cumprir a decisão da Corte Interamericana em todos os casos em que sejam partes. Portanto, os Estados devem assegurar internamente a implementação do disposto pela Corte Interamericana em suas decisões.

Tal como diz a Corte Interamericana de Direitos Humanos “a obrigação de cumprir o disposto nas sentenças do Tribunal [Corte Interamericana de Direitos Humanos] corresponde a um princípio básico do Direito Internacional, respaldada pela jurisprudência internacional, segundo a qual os Estados devem cumprir com as suas obrigações decorrentes de tratados internacionais  de boa fé  (pacta sunt servanda) e, como tem assinalado esta Corte e o disposto no artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, aqueles não podem, por razões internas, deixar de assumir a responsabilidade internacional já estabelecida. As obrigações convencionais dos Estados Membros vinculam a todos os poderes e órgãos do Estado.”

Viomundo – O que pode acontecer se o país não acatar as determinações da Corte?

Pablo Gutiérrez – Uma vez pronunciada a sentença condenatória, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem poderes inerentes às funções jurisdicionais. Uma delas é a supervisão do cumprimento das suas decisões.

Essa atribuição inclui o dever do Estado de informar à Corte Interamericana sobre as medidas adotadas para o cumprimento do que ela ordenou em suas sentenças.

A informação adequada ao Tribunal sobre como cada um dos pontos determinados é fundamental para avaliar a situação do cumprimento da sentença no seu conjunto. Também, e em caso de persistência do não cumprimento por parte do Estado Membro, essa informação constará dos relatórios anuais da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre os ditos descumprimentos.

É importante ter em mente que é cada vez mais forte a vinculação dos sistemas internacionais de direitos humanos com aqueles que têm como objeto atingir os sistemas comunitários ou de integração, principalmente econômicos.

Um exemplo é a União Europeia. A condição para integrá-la é que os novos países adotem o denominado Tratado de Direitos Humanos Europeu, o Tratado de Roma.

Um exemplo de cumprimento por parte do Brasil de sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos é o caso Escher y otros vs. Brasil. A resolução, de 19 de junho de 2012, determinou o pleno cumprimento pelo Brasil da sentença da Corte Interamericana, ditada em 6 de julho de 2009.

Viomundo - A Corte Interamericana pode determinar um novo julgamento da Ação Penal 470?

Pablo Gutiérrez – A Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Herrera Ulloa vs Costa Rica, em 2 de julho de 2004, ordenou o Estado a tornar sem efeito a sentença ditada em seu país por haver violado, entre outras, a garantia do artigo 8, parágrafo 2, alínea h. É a garantia do duplo grau de jurisdição!

É um exemplo daquilo que pode ocorrer se um país incorre em responsabilidade internacional: tornar sem efeito o ato estatal – no caso a sentença – ou os efeitos de tal ato. Nesse caso, também se condenou a Costa Rica a, num prazo razoável, modificar o seu sistema legal interno para assegurar o direito a uma dupla instância.

Caso se detecte essa infração em algum caso no Brasil e ela, junto com outras infrações, violem os artigos 1.1 e 2 do Pacto de São José da Costa Rica, a Corte Interamericana de Direitos Humanos pode tornar sem efeito a sentença do Estado brasileiro.

Viomundo – No julgamento da Ação Penal 470, os réus não tiveram direito ao duplo grau de jurisdição. Isso pode fazer com que a Corte Interamericana torne as sentenças sem efeito e determine novo julgamento?

Pablo GutiérrezA Corte Interamericana de Direitos Humanos pode ordenar anulação do  julgamento porque ele violou o Pacto de São José de Costa Rica.  O direito ao duplo grau de jurisdição é uma das exigências da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Fonte:
http://www.viomundo.com.br/entrevistas/pablo-gutierrez-corte-interamericana-pode-ordenar-anulacao-do-julgamento-da-ap-470.html

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Aos 25 anos da morte de Henfil - sem nenhum registro especial

Por Júlio Hungria, em seu portal Blue Bus


A Wikipédia nao conheceu Henfil pessoalmente, então passa pelo cartunista um tanto superficialmente, sem avaliar a tremenda importância que teve para o humor, para os quadrinhos, para o jornalismo e mesmo para a renovação do idioma natal – ele transformava a grafia das palavras em inglês comumente usadas ou das que referiam nomes próprios como, por exemplo, Nova York, que mudou para Nova Iorque – era a sua forma de não se conformar. 

Hoje se completam 25 anos da sua morte (1988) sem nenhuma lembrança especial. Ele incomodava muito – e até hoje – com os ‘tipos’ e as falas dos fradins, a Graúna, Bode Orelana, Zeferino e, depois, Ubaldo, o paranóico. Não era controlável – trafegava entre o impresso, o cinema, o teatro, a TV e também publicou alguns livros como o ‘Diário de um cucaracha’ (1976), em que falava com os amigos – “procurava sempre o tom intimista de quem dialoga não com um leitor anônimo, mas com um amigo ou conhecido” – como fez em ‘Cartas à mãe’.