sexta-feira, 21 de junho de 2013

Cuidado com movimentos apartidários


Os fascistas querem tomar as ruas


Por Altamiro Borges - no seu Blog

Cenas deploráveis foram presenciadas nas manifestações desta quinta-feira (20). Pegando carona nos atos para festejar a redução das tarifas do transporte público em várias cidades, milícias fascistas e grupos de provocadores saíram às ruas para rasgar bandeiras de partidos e agredir militantes de esquerda.

Aproveitando-se de um sentimento difuso contra a política, estimulado diariamente pela mídia oligopolizada e golpista, estas hordas espalharam o pânico. As forças democráticas da sociedade precisam rapidamente rechaçar estes atentados, que colocam em risco a democracia brasileira. É preciso alertar os mais inocentes para eles não se tornem massa de manobra dos grupos fascistas.

Na Avenida Paulista, centro de São Paulo, uma minoria de vândalos atacou militantes do PT, PCdoB e MST. Aos berros, pessoas mascaradas gritavam “ditadura, já” e dirigiam ataques raivosos contra a presidenta Dilma Rousseff, eleita pela maioria do povo brasileiro. No Rio de Janeiro, sindicalistas da CUT foram cercados e agredidos e tiveram suas bandeiras arrancadas. Militantes do PSTU e do PSOL também têm sido alvo de provocações. O grito de guerra entoado por estes setores intolerantes é “sem partido” – numa negação à luta política e democrática, que traz à memória as péssimas lembranças da ascensão do nazifascismo na Europa e dos golpes militares na América Latina.

Até setores que apostaram na radicalização, sonhando com “a revolução na próxima esquina”, estão assustados. Como escreveu Valério Arcary, respeitado dirigente do PSTU, os ataques são “covardes” e partem de pessoas “mascaradas, alimentando a ilusão de que a intimidação física é o bastante para vencer na luta política... O antipartidarismo, mais grave quando se dirige contra a esquerda socialista, é uma ideologia reacionária e tem nome: chama-se anticomunismo. Foi ela que envenenou o Brasil para justificar o golpe de 1964 e vinte anos de ditadura. Não deixem baixar as bandeiras vermelhas. Foram os melhores filhos do povo que derramaram seu sangue pela defesa delas”.

A presença destas hordas fascistas já tinha se manifestado antes desta quinta-feira. Como registrou José Francisco Neto, do jornal Brasil de Fato, “na segunda e na terça-feira, a reportagem constatou sensível diferença nos atos comparando-os com a semana anterior. Os gritos não eram os mesmos puxados pelos movimentos sociais. As bandeiras de partidos não foram mais estiadas. Muitas, inclusive, foram impedidas de serem levantadas por um grupo de pessoas que pediam ‘Sem partido’... Na segunda-feira, militantes da Juventude do PT quase foram agredidos por tentarem erguer a bandeira do partido. Já pessoas ligadas ao PSTU não conseguiram recuar e foram agredidas”.

Fonte: Blog  do Miro

http://altamiroborges.blogspot.com.br/2013/06/os-fascistas-sairam-as-ruas.html

Não tenham medo dos jovens. Apenas os escutem



Maria Inês Nassif

Jornal GGN - Era um oceano de jovens. No meio, os não jovens sumiram – estavam lá como lembrança de ontem, com suas convicções democráticas intocáveis, indignados com a violência policial da semana anterior, com o conservadorismo político e com a pesada herança do passado autoritário que estava por trás de cada bomba de efeito moral e cada bala de borracha atirada pela polícia contra um jovem. Mas aquele não era o lugar para pessoas maduras. As ruas de São Paulo foram o endereço dos jovens na última segunda-feira – e naquele palco, o recado que deram em cada pedaço de papel empunhado como cartaz, cada um como parte de um mosaico caótico de miríades de reivindicações e protestos, é que o sistema político está velho. Estava velho antes. Envelheceu ainda mais, com maior velocidade, nas últimas semanas em que os jovens ocuparam as ruas.

As ruas tornaram-se espaço para cada um manifestar desconfortos particulares, grandes incômodos: contra o aumento das passagens, a educação ruim, a corrupção, a polícia de Geraldo Alckmin, a política – “nenhum partido me representa”, diziam vários desses cartazes-recados, tolerados pela multidão que impediu os partidos de empunharem suas bandeiras nas manifestações. Daí, no entanto, a atribuir ao movimento a negação da política, vai uma grande distância. O Movimento pelo Passe Livre foi o estopim de uma coisa maior: quando catalisou insatisfações, expôs uma enorme fragilidade da atual democracia.

A reclamação implícita em cada palavra de ordem é que a democracia não incorporou os jovens no jogo político porque está ultrapassada. Os políticos fizeram partidos na abertura política, forjaram novas lideranças e elas se consolidaram nas estruturas de poder sem que abrissem espaço para ingresso dos que chegavam à vida adulta. As estruturas partidárias não renovaram ideias, bandeiras, ideologias. O sistema, que obriga a formação de grandes coalizões e a grandes concessões em bandeiras que envolvem temas “morais” (como aborto, união de homossexuais etc), não é inteligível por essa faixa da população. Cada avanço social que ocorreu nos últimos dez anos teve como correspondência – na melhor das opções – uma estagnação na agenda de diretos de minorias, rechaçada por aliados conservadores ou bancadas religiosas. Cada vez que um programa social como o Bolsa Família produz a autonomia da família miserável em relação ao chefe político local, o poder do coronel é reforçado pela aliança que une, na esfera federal, o PT e os partidos de esquerda ao PDS, PMDB, PP, PR ou qualquer que seja.

O Partido dos Trabalhadores sofreu grandes transformações desde a sua fundação, em 1979. Passou pelo pragmatismo necessário para chegar ao poder pelo voto. Uma vez no poder, teve que usar de pragmatismo para formar maiorias. Os últimos dez anos consolidaram grandes conquistas sociais e econômicas que não teriam acontecido sem o apoio militante do partido aos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Todavia, quatro anos de enquadramento definitivo das bases partidárias à realidade eleitoral – de 1994 a 1998 – e dez anos no governo consolidaram o domínio de uma aliança interna que se tornou amplamente majoritária, tem o controle das decisões partidárias e é o elo de ligação da máquina petista com o governo. As velhas lideranças também firmaram suas posições dentro do partido e no governo por meio de mandatos eletivos - e hoje, conseguem esses mandatos, salvo honrosas exceções, com a mais prosaica política eleitoral. O sistema político tradicional engoliu a única estrutura partidária que, em sua origem, foi criada como partido de massas. Não existe possibilidade de ingresso e ascensão dentro da máquina para os novos.

Os pequenos partidos que se formaram como dissidências do PT à esquerda, como o PSTU e o PSOL, mantém-se com pouquíssimo apelo a uma massa jovem que está à procura de portas de entrada para a militância política. As organizações são feitas ainda à imagem e semelhança de velhos partidos de esquerda. A linguagem deles não corresponde a de uma geração que quer fazer política, mas não leu Marx, nem Lênin, nem entende a razão de precisar de um manual de política para ser contra o aumento do ônibus e a favor da descriminalização do aborto; contra os projetos homofóbicos da bancada evangélica e a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo; contra os políticos, mas a favor da democracia.  O maior partido de oposição, o PSDB, trilhou um caminho do elitismo quase sem volta, quando entendeu como único caminho para a disputa pelo poder nas urnas a via da direita. Sempre esteve longe de ser um partido de massas - e cada vez mais se distancia léguas dessa possibilidade.

Nenhum dos partidos em funcionamento se antecipou à onda de participação dessa geração das redes sociais, de jovens que se comunicam muito fácil entre si, mas têm dificuldades de ser escutados pelos outros.

Os partidos, nem do governo, nem da oposição, devem ter medo desses jovens. Devem apenas escutar o que eles dizem.

Fonte:http://www.jornalggn.com.br/blog/nao-tenham-medo-dos-jovens-apenas-os-escutem

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Sobre o que dizem as ruas

16/06/2013 - Vinicius Wu (*) - Carta Maior

A forma menos adequada de buscarmos a compreensão de um fenômeno social complexo é a simplificação. Não encontraremos uma única motivação para os recentes protestos que se espalharam pelas principais cidades do país, se o procurarmos.

Temos questões mais gerais e universais ao lado de outros muitos temas locais e setoriais. Há aspectos que aproximam os manifestantes de São Paulo aos do Rio e de Porto alegre e, outros tantos, que os distanciam.

O papel da internet e das redes sociais é central e, em geral, os políticos e formadores de opinião não o tem compreendido minimamente. Buscar algum grau de compreensão do atual fenômeno, a partir do ponto de vista de uma esquerda que se coloca diante do dificílimo desafio de governar transformando, é o objetivo desse breve artigo.

O que se pode dizer preliminarmente é que estamos diante de uma expressão política do novo Brasil. A revolução democrática, levada a termo pelos governos Lula, redefiniu a estrutura de classes da sociedade brasileira, incluiu milhões de brasileiros à sociedade de consumo e possibilitou a emergência de novas expressões culturais e políticas.

Mas o inédito processo de inclusão social e econômica ainda é imperfeito, inconcluso e contraditório. As dinâmicas políticas decorrentes do processo massivo de inclusão social em curso ainda são imprevisíveis, mas algumas pistas são visíveis e exigem da esquerda brasileira uma reflexão mais adensada.

As conquistas sociais dos últimos anos vieram acompanhadas da despolitização da política, de uma onda conservadora que constrange o Congresso Nacional e paralisa os partidos de esquerda, distanciando, ainda mais, a juventude da política tradicional.

Lembremos que, recentemente, tivemos manifestações espontâneas, em todo o país, contra a indicação de Marcos Feliciano à Comissão de Direitos Humanos do Congresso Nacional. Na oportunidade, nenhum manifestante propunha o fechamento do Congresso ou a criminalização dos políticos.

E o que fez nosso Parlamento enquanto Instituição? Nada. Esperou solenemente o movimento se dispersar. Frente à onda conservadora que estimula a homofobia, o racismo e a violência sexista, o que têm feito os partidos políticos?

Os ruralistas de sempre se organizam no Congresso Nacional para anular os direitos dos indígenas e o que dizem nossos parlamentares progressistas?

Os dez anos de governo de esquerda no país nos deixam um legado de grandes conquistas, entretanto, há incerteza e imprecisão quanto aos próximos passos. Demandas históricas não atendidas carecem de respostas mais amplas.

Além disso, novas questões sempre se impõem num cenário de conquistas sociais e políticas. Pois, se é verdade que os governos do PT incluíram milhões e possibilitaram acesso a inúmeros serviços antes inacessíveis, também é verdade que temos, em diversas áreas, serviços de baixa qualidade e, fundamentalmente, caros.

O transporte nas grandes cidades é um drama cotidiano para milhões de brasileiros. Temos pleno emprego em diversas regiões metropolitanas do país e, no entanto, ainda temos um oceano de precariedade e informalidade.

E aqueles que ingressaram na sociedade de consumo nos últimos anos, legitimamente, querem mais: anseiam por cultura, lazer, mais e melhores serviços, educação de qualidade, saúde, segurança e transportes.

São os efeitos colaterais de toda experiência exitosa de redução das desigualdades sociais e econômicas.

Evidentemente, há ainda o afastamento e o desencantamento com a política e os políticos

 A denominada "crise da representação" não é um conceito acadêmico abstrato.

O déficit de democracia e de legitimidade das instituições políticas colocam em xeque a capacidade dos atuais representantes em absorver e compreender as novas dinâmicas sociais e políticas que se expressam nas ruas do país. 

Nossa jovem democracia corre o risco de caducar precocemente, caso não tenhamos êxito em ressignificá-la e reaproximá-la dos setores sociais mais dinâmicos.

Essas seriam algumas das questões mais gerais que aproximam os movimentos do Sul, sudeste e nordeste.

Mas há ainda temas locais que incidem sobre dinâmicas especificas e mobilizam pessoas a partir de questões mais sensíveis a partir de sua vivência concreta nos territórios.

O Rio de Janeiro, por exemplo, se tornou uma das cidades mais caras do mundo.

Há uma reorganização em grande escala do espaço urbano e há setores sociais que se sentem completamente alheios (e marginalizados) ao processo de "modernização" da cidade.

Em São Paulo, temos uma polícia orientada para o uso desmedido e desproporcional da força e da violência – e isso não diz respeito somente aos dias de protestos. Também há ali um tipo de violência estrutural contra homossexuais e mulheres sem que o Poder Público organize qualquer resposta mais contundente. Poderíamos estender a lista. 

Por fim, cumpre registrar que seria recomendável aos dirigentes políticos do campo progressista afastar o risco de reproduzir aqui os erros da esquerda espanhola que, inicialmente, criminalizou o 15-M [também conhecido como o "movimento dos Indignados" espanhóis - Educom] e terminou falando sozinha nas últimas eleições.

Também seria recomendável não outorgar, de forma alguma, às elites brasileiras uma capacidade de mobilização que ela não possui e jamais possuirá.

Refutar a ideia de que os jovens estão nas ruas em função da mídia ou de qualquer tipo de conspiração das "elites" é o primeiro passo para não cair em um erro elementar que seria bloquear qualquer possibilidade de dialogo com esses novos movimentos.

Melhor acreditar que é possível extrair do atual momento elementos para a renovação da agenda da esquerda brasileira e reforçar os laços que unem os governos progressistas da América Latina a todas as lutas contra as diversas formas de privatização da vida.

É hora de reforçarmos nossa capacidade de dialogo, de escuta, e ouvir a voz nada rouca das ruas – a mesma que nossos adversários sempre buscaram silenciar.

Estamos diante de uma oportunidade singular para renovarmos nossos discursos e nossas práticas, projetando o próximo passo da Revolução Democrática no Brasil com base na força sempre renovadora das mobilizações da juventude.

(*) Secretário-geral do governo do Estado do Rio Grande do Sul

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22203

Nota:

A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

A verdade proibida

16/06/2013
- A verdade proibida: os EUA estão a canalizar armas químicas para a Al Qaeda na Síria
- por Michel Chossudovsky - site Resistir.info, de Portugal

Obama é um mentiroso e um terrorista 
– Quem cruzou a "Linha vermelha"? 
Obama e John Kerry apoiam uma organização terrorista que consta na lista negra do Departamento de Estado.


Estará o presidente Obama a preparar o cenário para uma "intervenção humanitária" ao acusar displicentemente o presidente sírio de matar o seu próprio povo? 

"Na sequência de uma revisão deliberativa, nossa comunidade de inteligência estima que o regime Assad utilizou armas químicas, incluindo o agente de nervos sarin, em pequena escala contra a oposição múltiplas vezes durante o ano passado

O vice-conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Ben Rhodes, afirmou numa declaração: "Nossa comunidade de inteligência tem alta confiança naquela estimativa devido a múltiplas e independentes fontes de informação". 

Obama avisou o presidente Bashar Al Assad das "enormes consequências" de ter cruzado a "linha vermelha" ao alegadamente utilizar armas químicas. 

Dinheiro e armas para a Al Qaeda 
A saga das armas de destruição maciça (ADM) no Iraque, com base em provas falsificadas, está a desdobrar-se. Os media ocidentais em coro acusam implacavelmente o governo sírio de assassínio em massa premeditado, conclamando a "comunidade internacional" a vir resgatar o povo sírio. 

A Síria transpõe a "linha vermelha" sobre armas químicas. Como responderá Obama? 

A "oposição" síria está a clamar junto aos EUA e seus aliados para que implementem uma zona de interdição de voo (no fly zone). 

A Casa Branca por sua vez reconheceu que a linha vermelha "fora cruzada", enfatizando ao mesmo tempo que os EUA e seus aliados "aumentarão o âmbito e a escala da assistência" aos rebeldes. 

O pretexto das armas químicas está a ser utilizado para justificar ainda mais ajuda militar aos rebeldes, os quais em grande parte foram liquidados pelas forças do governo sírio. 

Estas forças rebeldes derrotadas – em grande parte compostas pela Al Nusrah, associada à Al Qaeda – são apoiadas pela Turquia, Israel, Qatar e Arábia Saudita. 

Os EUA-NATO-Israel perderam a guerra no terreno. Seus combatentes da Frente Al Nusrah, os quais constituem a infantaria da aliança militar ocidental, não podem, sob quaisquer circunstâncias, serem repostos através de um fluxo renovado de ajuda militar dos EUA-NATO

A administração Obama está num impasse: a sua infantaria foi derrotada. Uma "zona de interdição de voo", nesta etapa, seria uma proposta arriscada dado o sistema de defesa aérea da Síria, o qual inclui o sistema russo S-300 SAM.

Os EUA-NATO estão a treinar rebeldes da "oposição" na utilização de armas químicas 

As acusações de armas químicas são falsificadas. Numa ironia amarga, as provas confirmam amplamente que as armas químicas estão a ser utilizadas não pelas forças do governo sírio mas sim pelos rebeldes da Al Qaeda apoiados pelos EUA. 

Numa lógica enviesada pela qual as realidades são invertidas, o governo sírio está a ser acusado pelas atrocidades cometidas pelos rebeldes associados a Al Qaeda patrocinados pelos EUA. 

Os media ocidentais estão a introduzir desinformação nas cadeias de notícias, refutando despreocupadamente as suas próprias reportagens.

Como confirmado por várias fontes, incluindo a CNN, a aliança militar ocidental não só disponibilizou armas químicas para a Frente Al Nusrah como também enviou empreiteiros militares (military contractors) e forças especiais para treinar os rebeldes.

O treino [em armas químicas], o qual está a ter lugar na Jordânia e na Turquia, envolve como monitorar e acumular stocks com segurança, além do manuseamento destas armas em sítios em materiais, segundo as fontes. Alguns dos empreiteiros estão sobre o terreno na Síria a trabalhar com os rebeldes para monitorar alguns dos sítios, segundo um dos responsáveis. 

A nacionalidade dos treinadores não foi revelada, embora os responsáveis advirtam contra a suposição de que todos eles sejam americanos. (CNN , 09/Dezembro/2012, ênfase acrescentada)

Se bem que as notícias e reportagens não confirmem a identidade dos empreiteiros da defesa, as declarações oficiais sugerem um estreito vínculo contratual com o Pentágono.

A decisão estado-unidense de contratar estranhos empreiteiros de defesa para treinar rebeldes sírios a manusearam stocks acumulados de armas químicas parece perigosamente irresponsável ao extremo, especialmente quando se considera quão inepta Washington foi até agora para garantir que apenas rebeldes laicos e confiáveis – na medida em que existam – recebam a sua ajuda e as armas que aliados nos estados do Golfo Árabe têm estado a fornecer. 

Isto também corrobora acusações feitas recentemente pelo Ministério das Relações Exteriores sírio de que os EUA estão a trabalhar para compor o quadro de que o regime sírio como tendo utilizado ou preparado a guerra química. 

"O que levanta preocupações acerca desta notícia circulada pelos media é o nosso sério temor de que alguns dos países apoiando o terrorismo e terroristas possam proporcionar armas químicas aos grupos terroristas armados e afirmar que foi o governo sírio que utilizou tais armas", (John Glaser, Us Defense Contractors Training Syrian Rebels, Antiwar.com, December 10, 2012, ênfase acrescentada).

Não tenhamos ilusões. Isto não é um exercício de treino de rebeldes em não proliferação de armas químicas. 

Enquanto o presidente Obama acusa Bashar Al Assad, a aliança militar EUA-NATO está a canalizar armas químicas para a Al Nusrah, uma organização terrorista na lista negra do Departamento de Estado. 

Com toda a probabilidade, o treino dos rebeldes da Al Nusrah na utilização de armas químicas ficou a cargo de empreiteiros militares privados. 

A Missão Independente das Nações Unidas confirma que forças rebeldes estão na posse do gás de nervos Sarin 

Enquanto Washington aponta o dedo ao presidente Bashar al Assad, uma comissão de inquérito independente das Nações Unidas em Maio de 2013 confirmou que os rebeldes, ao invés do governo, têm armas químicas na sua posse e estão a utilizar gás de nervos sarin contra a população civil.

Investigadores de direitos humanos da ONU reuniram testemunhos das baixas da guerra civil da Síria e de equipes médicas indicando que forças rebeldes utilizaram o agente de nervos sarin, disse domingo um dos principais investigadores. 

A comissão independente de inquérito das Nações Unidas sobre a Síria ainda não viu provas de que forças governamentais tenham utilizado armas químicas, as quais estão proibidas pelo direito internacional, disse Carla Del Ponte [foto], membro da comissão.

"Nossos investigadores estiveram em países vizinhos a entrevistas vítimas, médicos e hospitais de campo e, segundo o seu relatório da semana passada que vi, há fortes e concretas suspeitas, mas não ainda prova incontroversa, da utilização do gás sarin, a partir do modo como as vítimas foram tratadas", disse Del Ponte numa entrevista à televisão suíça-italiana. 

"Isto foi utilizado por parte da oposição, os rebeldes, não pelas autoridades governamentais", acrescentou ela, a falar em italiano. ("U.N. has testimony that Syrian rebels used sarin gas: investigator," Chicago Tribune, May, 5  2013, ênfase acrescentada)

Relatório da polícia turca: "Terroristas do Al Nusrah apoiados pelos EUA possuem armas químicas" 

Segundo a agência de notícias estatal turca Zaman, o Diretorado Geral Turco de Segurança (Emniyet Genel Müdürlügü):

"[A polícia] apreendeu 2 kg de gás sarin na cidade de Adana nas primeiras horas da manhã de ontem. As armas químicas estavam na posse de terroristas do Al Nusra que se acredita terem ido para a Síria. 

O gás sarin é incolor, uma substância inodoro que é extremamente difícil de detectar. O gás é proibido pela Convenção das Armas Químicas de 1993. 


A EGM [polícia turca] identificou 12 membros da célula terrorista Al Nusra e também apreendeu armas de fogo e equipamento digital. Esta é a segunda confirmação oficial importante da utilização de armas química por terroristas da Al Qaeda na Síria após recentes declarações da inspectora Carla Del Ponte  confirmando a utilização de armas químicas pelos terroristas na Síria apoiados pelo Ocidente. 


A polícia turca está actualmente a efectuar novas investigações quanto às operações de grupos ligados à Al Qaeda na Turquia."

(Para mais pormenores ver Gearóid Ó Colmáin, Turkish Police find Chemical Weapons in the Possession of Al Nusra Terrorists heading for Syria, Global Research.ca, May 30, 2013)

Quem cruzou a "Linha vermelha"?
Barack Obama e John Kerry estão a apoiar uma organização terrorista na lista do Departamento de Estado. 

O que se está a desenrolar é um cenário diabólico – o qual faz parte integral do planeamento militar dos EUA –, nomeadamente uma situação em que terroristas da oposição da Frente Al Nusrah aconselhados por empreiteiros ocidentais da defesa estão realmente na posse de armas químicas. 

O Ocidente afirma que está vindo em resgate do povo sírio, cuja vidas alegadamente são ameaçadas por Bashar Al Assad. 


Obama não só "Cruzou a linha vermelha" como está a apoiar a Al Qaeda. Ele é um Mentiroso e um Terrorista. 

A verdade proibida, que os media ocidentais não revelam, é que a aliança militar EUA-NATO-Israel não só está a apoiar a Frente Al Nusrah como também está a disponibilizar armas químicas para forças rebeldes da sua "oposição" proxy. 

A questão mais ampla é:
- Quem constitui uma ameaça para o povo sírio?
- O presidente Bashar al Assad da Síria ou o presidente Barack Obama da América, que ordenou o recrutamento e treino de forças terroristas que estão na lista negra do Departamento de Estado dos EUA? 

Numa ironia amarga, segundo o Bureau of Counter-terrorism do Departamento do Estado dos EUA, o presidente Obama e o secretário de Estado John Kerry, para não mencionar o senador John McCain, podiam ser considerados responsáveis por "conscientemente proporcionar, ou tentar ou conspirar para isso, apoio material ou recursos para, ou envolver-se em transacções com, a Frente al-Nusrah".

O Departamento de Estado emendou o Foreign Terrorist Organization (FTO) e a Executive Order (E.O.) 13224 com as designações da al-Qaida no Iraque (AQI) a fim de incluir os seguintes novos pseudônimos: al-Nusrah Front, Jabhat al-Nusrah, Jabhet al-Nusra, The Victory Front, e Al-Nusrah Front for the People of the Levant.

As consequências de acrescentar a Frente al-Nusrah como nova denominação para a Al Qaida incluem uma "proibição contra conscientemente proporcionar, ou tentar ou conspirar para proporcionar, apoio material ou recursos para, ou envolver-se em transacções com a Frente al-Nusrah, e o congelamento de toda propriedade e interesses na propriedade da organização que estão nos Estados Unidos, ou venham a estar dentro dos Estados Unidos ou controle de pessoas dos EUA." (ênfase acrescentada)

O conselho do Departamento de Estado reconhece que de Novembro de 2011 a Dezembro de 2012:

"A Frente Al-Nusrah reivindicou aproximadamente 600 ataques – que vão de mais de 40 ataques suicidas a armas pequenas e operações com dispositivos explosivos improvisados – em centros de cidade principais incluindo Damasco, Alepo, Hamah, Dara, Homes, Idlib e Dayr al-Zawr. Durante estes ataques numerosos sírios inocentes foram mortos."

O conselho também confirma que "os Estados Unidos efectuam esta acção [de por a Frente Al Nusrah na lista negra] no contexto do nosso apoio geral ao povo sírio. ...

O que se deixa de mencionar é que a administração Obama continua a canalizar dinheiro e armas para a Al Nusrah em desobediência flagrante da legislação contra-terrorismo dos EUA.

O "intermediário" de Washington: O general Salim Idriss 
O "intermediário" de Washington é o Chefe do Supremo Conselho Militar da FSA, general de brigada Salem Idriss [foto abaixo], o qual está em ligação permanente com comandantes militares da Al Nusrah. 


O secretário de Estado John Kerry reúne-se com representantes da oposição síria. Responsáveis dos EUA reúnem-se com o general Idriss. Este último, a actuar por conta do Pentágono, canaliza dinheiro e armas para os terroristas.

Este modelo de apoio ao Al Nusra é semelhante àquele aplicado no Afeganistão pelo qual o governo militar paquistanês do general Zia Ul Haq canalizou armas para os jihadistas "Combatentes a liberdade" no auge da guerra soviética-afegã. 

O apoio dos EUA a terroristas é enviado sempre através de um intermediário de confiança. Segundo um responsável da administração Obama: "Se bem que os Estados Unidos possam ter influência sobre o general Idriss, não têm capacidade para controlar alguns jihadistas – como a Frente Nusra, a qual também está a combater forças do governo sírio". (New York Times, May 23, 2013

John McCain entra na Síria [foto], em mistura com terroristas patrocinados pelos EUA 

Enquanto isso, o senador John McCain "entrou na Síria [no princípio de Junho] a partir da fronteira turca do país e permaneceu ali por várias horas ... McCain encontrou-se com líderes reunidos de unidades do Free Syrian Army tanto na Turquia como na Síria".

[Ao lado imagem de John McCain com o general Salem Idriss]. 

O papel contraditório do Conselho de Segurança das Nações Unidas 
No fim de Maio de 2013 o Conselho de Segurança da ONU acrescentou a Al Nusrah à Lista de sanções da Al Qaida do UNSC.

Mas ao mesmo tempo, a decisão do Conselho de Segurança despreocupadamente descartou o facto, amplamente documentado, de que três membros permanentes do Conselho, nomeadamente a Grã-Bretanha, a França e os EUA, continuam a proporcionar ajuda militar à Frente Jabbat Al Nusrah, em desafio ao direito internacional e à Carta das Nações Unidas.

ANEXO 1 
THE TERRORIST DESIGNATION OF AL NUSRAH BY THE US STATE DEPARTMENT 
U.S. DEPARTMENT OF STATE 
Office of the Spokesperson December 11, 2012 
STATEMENT BY VICTORIA NULAND, SPOKESPERSON [http://translations.state.gov/st/english/texttrans/2012/12/20121211139845.html#ixzz2WDKARO9n]
Terrorist Designations of the al-Nusrah Front as an Alias for al-Qa'ida in Iraq 

ANEXO
UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL
Department of Public Information • News and Media Division • New York [http://www.un.org/News/Press/docs/2013/sc11019.doc.htm] 
Security Council Al-Qaida Sanctions Committee Amends Entry of One Entity on Its Sanctions List 

ANEXO 3 
TRANSCRIPT OF STATE DEPARTMENT PRESS BRIEFING CONCERNING AL NUSRAH 
Senior Administration Officials on Terrorist Designations of the al-Nusrah Front as an Alias for al-Qaida in Iraq 
Special Briefing Senior Administration Officials 
Via Teleconference 
Washington, DC 
December 11, 2012 [http://www.state.gov/r/pa/prs/ps/2012/12/201797.htm]

Ver também: 
Deleted Daily Mail Online Article: “US Backed Plan for Chemical Weapon Attack in Syria to Be Blamed on Assad

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

Fonte:
http://resistir.info/chossudovsky/verdade_proibida.html

terça-feira, 18 de junho de 2013

O circo está pegando fogo e o pão está pela hora da morte


 Por Fátima Lacerda*

 Resgato a constatação, coletada no facebook, da arqueóloga Sílvia Peixoto, que sintetiza com exatidão o espírito das manifestações: o circo está pegando  fogo e o pão está pela hora da morte.

 “Quem disse que o Brasil é só futebol?” – lia-se em uma das faixas estendidas durante a manifestação em Brasília, na abertura da Copa das Confederações.  Anunciada a presença do presidente da Fifa, Joseph Blatter, o estádio Mané Garrincha explode em vaias ao mandatário da instituição que ostenta o título de “maior que a ONU” e à presidenta do Brasil, Dilma Rousseff.

 Dois dias depois (17), cem mil pessoas na Avenida Rio Branco e arredores, no Rio de Janeiro; 65 mil em São Paulo; mais de 20 mil em Belo Horizonte. Dez mil em Curitiba, Belém e Porto Alegre. Entre cinco e seis mil em Salvador, Brasília e Vitória. Quatro mil em Novo Humburgo (RS). Duas mil em Maceió (AL), Foz de Iguaçu (PR) e Campos (RJ). Mil em Fortaleza, Santos e Guarujá. Mais de 500 em Poços de Caldas (MG), Bauru (SP) e Três Rios (RJ). Em Pindamonhangaba (SP), 200. Até em Araraquara (SP), 150 pessoas, segundo a PM Os dados foram divulgados pelo G1. Grupos de brasileiros se manifestaram, em solidariedade, também em Nova Iorque (EUA) e em várias cidades da Europa.

 O movimento é plural. A maioria protesta pacificamente. No entanto, parte dos manifestantes, alguns de orientação anarquista, outros por simples revolta, faz questão de atingir os símbolos do poder, como vidraças de bancos e o Congresso Nacional, em Brasília. A Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) foi foco do confronto mais explosivo no final do dia desde histórico momento nacional.

O problema não são os vinte centavos do ônibus, não é simplesmente a corrupção do partido de plantão no governo federal. Não é apenas o “mensalão”, como dizem oportunistas da oposição de direita, que também já tiveram os seus “mensalões” e se comportam como urubus na carniça.  O problema é o roubo do sistema bancário, o roubo deslavado das empreiteiras acoitadas e associadas aos governadores e prefeitos. A violência de todos os lados, mas, sobretudo, a violência da polícia de Alckimin e de Cabral contra os pobres. É a violência dos ruralistas contra os nossos índios.

É o desrespeito aos símbolos da nossa cultura, como o acarajé e o Museu do Índio, patrimônios que os governos não se preocupam em preservar, desde que as obras milionárias possam render alguns milhões desviados da cultura, do saneamento básico, das escolas e dos hospitais para os bolsos dos empresários e políticos.

 As manifestações também são a expressão da falta de perspectiva. Para muitos, mais do que a revolta com a corrupção sistêmica, é o sentimento de ter sido traído por aqueles em quem confiavam. Eu nem precisaria citar o Partido dos Trabalhadores (PT). Que não se assanhe o PSDB. Ele e outros “Pês da vida” jamais serão herdeiros das esperanças dos jovens, porque estão ainda mais carcomidos.

 Por último, devo dizer: o momento da Copa das Confederações – ou seria da “Copa das Manifestações”? – é oportuno sim. A repercussão internacional não é nada desprezível como andei lendo em alguns sites que talvez não soubessem muito bem o que dizer. Foi por causa da Copa e de outros megaeventos programados no Brasil que pelo menos 250 mil pessoas foram despejadas. E sequer uma casa nova foi construída.

 Como se não bastasse, nossos políticos, sempre tão espertos, esqueceram de uma das lições básicas de Maquiavel: jamais deixe o povo sem pão e sem circo. O pão, as passagens, o pimentão, o tomate, está tudo pela hora da morte. A Fifa impôs ingressos caros, proibiu pandeiro, tamborim e até xingar o juiz nos estádios. Proibiu o povo de ter acesso aos jogos e pasteurizou tanto esse esporte que tirou toda a nossa graça de torcer.

 Pela primeira vez, desde que me entendo por gente, não se vê uma única rua pintada de verde e amarelo. Pensaram que iam nos fazer de bobos da corte? O brasileiro hoje já sabe que o futebol é um grande negócio para enriquecer meia dúzia de empresários e políticos. Foram com muita sede ao pote. Tiraram o pão da boca do povo e o povo da arena dos jogos. Queriam o quê? Agora estão colhendo aquilo que vêm plantando.

 Fonte: Fátima Lacerda é jornalista da Agência Petroleira de Notícias.

O renascimento indigena sob fogo cruzado



por Mario Osava, da IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 17/6/2013 – Os tratores e as máquinas com as quais fazendeiros e outros grandes agricultores bloquearam estradas no dia 14, em mais de dez pontos de norte a sul do Brasil, destacaram o poder econômico do setor que se levantou contra a demarcação de terras indígenas. A presença de senadores e deputados nos protestos indica o crescente poder político dos ruralistas, que frequentemente impõem derrotas parlamentares ao governo que, nominalmente, desfruta de ampla maioria no Congresso.

A “paralisação nacional” de atividades, convocada pela Frente Parlamentar Agropecuária, mobilizou uns poucos milhares de pessoas em alguns lugares e centenas em outros, mas é apenas parte de uma ofensiva dos fazendeiros contra a criação de novos territórios indígenas ou a ampliação dos existentes. Modificar a Constituição de 1988, que assegura aos povos indígenas o “usufruto exclusivo” de terras que ocupavam tradicionalmente, em uma extensão suficiente para sua “reprodução física e cultural”, é o maior objetivo dos ruralistas, que em 2012 já conseguiram revisar o Código Florestal em benefício próprio e em detrimento do meio ambiente.

Outras medidas reclamadas, como participação dos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário e de centros de pesquisa agrícola no processo de demarcação, objetivam conter o reconhecimento de novas reservas indígenas. Compõem “um retrocesso completo”, segundo Marcos Terena, funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai), o órgão governamental responsável pela política para o setor, e veterano líder de lutas pela afirmação e autonomia dos povos originários.

Para os ruralistas se trata de “uma disputa patrimonial”, desejam expandir o grande negócio agropecuário como sempre, tomando terras públicas, em áreas não ocupadas ou atribuídas à conservação e a povos tradicionais, afirmou Marcio Santilli, especialista do não governamental Instituto Socioambiental e ex-presidente da Funai. Por isso buscam definir como simples conflito agrário o caso de terras identificadas como indígenas que incluem áreas privadas, que são legalmente inadmissíveis e condenadas à evacuação.

Em numerosas ocasiões são posses ilegais, mas no Mato Grosso do Sul muitos fazendeiros têm títulos de propriedade válidos, reconhecidos por governos anteriores. Ali, grande quantidade dos conflitos se prolonga há décadas e se tornaram sangrentos. Esse Estado pecuário e grande produtor de soja concentrou 57% dos 560 assassinatos de indígenas ocorridos entre 2003 e 2012 no Brasil, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica. Nem todos os homicídios se devem a disputas pela terra, mas a matança reflete a absoluta assimetria no confronto entre ruralistas e indígenas.

As mortes violentas não impediram uma explosão demográfica inimaginável há três ou quatro décadas, quando a população indígena parecia ameaçada de extinção. Nos anos 1980, estimava-se que no Brasil só restassem pouco mais de 200 mil integrantes dos povos originários. Contudo, no censo de 2010, 896.917 pessoas se declararam indígenas, o triplo de 1991, quando essa categoria passou a ser incluída entre as opções étnicas para autoidentificação das pessoas entrevistadas pelos recenseadores.

Não foi apenas a natalidade que triplicou a população. O reconhecimento na Constituição de 1988 dos direitos das minorias étnicas estimulou um renascimento indígena, que fez recuperar a identidade, mesmo mos que vivem fora de suas aldeias originais. Dos autoidentificados como indígenas em 2010, 36% vivem em cidades. Há “aldeias urbanas” em várias delas, como Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul.

A ressurreição alimenta avanços na educação indígena, às vezes com o resgate da língua originária, nas raízes culturais e na adoção de novas tecnologias. Em cerca de dez anos, “um fator novo” determinará o desenvolvimento dos povos indígenas e suas relações com a sociedade envolvente, pontuou Terena. “São os doutores indígenas”, que estão se formando nas universidades, “sem perder sua cultura própria”, especialmente no sul do Brasil, destacou.

Este ciclo representou uma virada na história brasileira de etnocídio desde a chegada dos colonizadores em 1500, quando, se estima, cinco milhões de indígenas habitavam o atual território nacional. Agora, no entanto, enfrentam novas ameaças. Além dos ruralistas, que buscam fechar as instituições que alimentaram o renascimento indígena, grandes projetos de infraestrutura na Amazônia tendem a alterar as condições tradicionais em que vivem vários povos originários.

A construção de dezenas de hidrelétricas, planejadas para os rios da bacia amazônica nos próximos anos, está intensificando as lutas entre indígenas, construtoras e governo. Às repetidas invasões indígenas na hidrelétrica de Belo Monte, em construção no rio Xingu, um grande afluente do Amazonas, no Estado do Pará, corresponde um recrudescimento da repressão policial. Esse clima de exasperação culminou com a morte de Oziel Gabriel no dia 30 de maio, aparentemente causada por um disparo da polícia no município de Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul.

A tragédia aconteceu durante uma operação policial, ordenada pela justiça, para retirar centenas de indígenas que haviam ocupado uma fazenda, identificada como parte do território tradicional dos terenas há 13 anos. Contraditórias decisões judiciais e dificuldades para indenizar o proprietário vão dilatando o processo. A correlação de forças e a prioridade que o governo dá ao desenvolvimento econômico são totalmente adversas para os indígenas.

Entretanto, eles contam com a Constituição, convênios internacionais e uma opinião pública internacional que defende a diversidade humana. Com a consciência e os valores hoje consolidados, “a sociedade brasileira não permitiria retrocessos nos direitos reconhecidos na Constituição”, declarou Paulo Maldos, secretário nacional de Articulação Social do governo federal, cuja função já o levou a perigosas negociações com grupos indígenas rebelados.

A repercussão negativa desestimula atos antiaborígines. Cada indígena assassinado, como Gabriel, se converte em um mártir que realça a resistência de seus povos. Por isso é possível que essa morte neutralize, ou pelo menos modere por algum tempo, a ofensiva ruralista contra territórios ancestrais. Segundo a Funai, há no país mais de 450 territórios indígenas em processo de demarcação, que somam mais de cem mil hectares, enquanto outra centena de territórios está em fase de identificação.

Fonte:Envolverde/IPS

 http://envolverde.com.br/ambiente/o-renascimento-indigena-brasileiro-sob-fogo-cruzado/

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Os anos do povo

13/06/2013 - Com este artigo do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, intitulado 'Os anos do povo', Carta Maior segue com a publicação dos textos do livro “10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil – Lula e Dilma”, editado pela Boitempo, em colaboração com Flacso. O livro foi organizado por Emir Sader e contém 21 artigos de balanço, alguns de caráter geral, outros, setorial, além de uma longa entrevista com Lula.

Luiz Gonzaga Belluzzo



    Não farei mágicas na economia”, soava o realejo do presidente Lula em 2002, às vésperas da posse. Em tais arengas, o presidente, ao mesmo tempo, prometia taxas de crescimento formidáveis ao longo do próximo mandato.

O presidente Lula tem lá suas categorias de entendimento da economia (não sei se melhores ou piores do que as mais utilizadas por profissionais da matéria). Uma delas desfia interpretações peculiares sobre as frustrações e fracassos dos anos 1980. Tenho razões para suspeitar: o presidente via aquele período como uma temporada de espetáculos de prestidigitação, inspirados nas proezas de Houdini ou David Copperfield, o entortador de colheres.

É um ponto de vista muito difundido. Mas, na década de 1980, os planos de estabilização nada mais foram do que providências precárias e desesperadas para evitar que o país – devastado pela crise da dívida externa, origem do terremoto fiscal e monetário do início da década – fosse tragado pelo redemoinho da hiperinflação.

Os sucessivos planos de estabilização tentaram, em vão, bloquear a escalada de preços, numa situação de absoluto estrangulamento externo, berço da desordem fiscal e monetária.

Há de ficar registrado que, nos anos 1970 – tempos da grana fácil –, a opinião dita bem informada, ilustrada, mas também a deslustrada, não se cansava de desqualificar os críticos da imprudente aventura empenhada em edificar projetos de infraestrutura (produtores de serviços não comercializáveis) sobre uma montanha de débitos em moeda estrangeira.

Em miúdos: financiaram a construção de estradas, hidrelétricas, metrôs e sistemas de telecomunicações em dólares, mesmo sabendo que as tarifas e os pedágios seriam pagos em moeda nacional. Paul Volker, no crepúsculo de 1979, subiu as taxas de juros nos Estados unidos. O Brasil quebrou. Sobrou para a viúva. Os sábios correram para debaixo da cama.

No início dos anos 1990, quando se anunciava um novo ciclo de liquidez internacional, os sabichões saíram da toca. As classes conservadoras e conversadoras não aprendem e – ao contrário dos Bourbon – tampouco se lembram de coisa alguma.

Diante da pletora de dólares, passaram a salivar com intensidade e patrocinar as visões mais grotescas a respeito das relações entre desenvolvimento econômico, abertura da economia e relações entre política fiscal e monetária.

Aproveitaram a abundância de dólares para matar a inflação, mas permitiram a valorização do câmbio, sob o pretexto de que a liberalização do comércio e dos fluxos financeiros promoveria a alocação eficiente dos recursos, tanto do ponto de vista estático quanto da perspectiva da acumulação de capital.

Nessa visão, os ganhos de produtividade decorrentes de tais mudanças no comportamento empresarial seriam suficientes para dinamizar as exportações, atrair investidores externos e deslanchar um forte ciclo de acumulação. Mas, na vida real, a abertura comercial com câmbio valorizado e juros altos suscitou o desaparecimento de elos das cadeias produtivas na indústria de transformação, com perda de valor agregado gerado no país, decorrente da elevação dos coeficientes de importação em cada uma das cadeias de produção.

Com essa estratégia, o crescimento foi pífio. Ainda assim, os “renovados” cavaram um buraco de mais de 30 bilhões de dólares em conta corrente e erigiram uma dívida interna de 56% do Produto Interno Bruto (PIB) – ao esterilizar a acumulação de reservas com taxas de juros estratosféricas. Last but not least afugentaram para a China o investimento estrangeiro em nova capacidade, ou seja, desdenharam as exportações futuras.

Em 2002, as eleições presidenciais foram realizadas sob um clima de terror especulativo. Os mercados e seus porta-vozes projetaram cenários apavorantes para os quatro anos de governo Lula. O risco Brasil foi a 2.400 pontos base, descolou da pontuação dos outros emergentes. A transição, para surpresa de muitos e decepção de outros, foi feita com habilidade e prudência.

Em 2003 todos auguravam um desastre para a economia, mas o que se observou foi a progressiva aceleração do crescimento da economia brasileira num ambiente de baixa inflação. À sombra de uma política monetária ainda excessivamente conservadora, o país executou uma política fiscal prudente e de acumulação de reservas, construindo defesas sólidas para prevenir os efeitos da crise. Isso foi proporcionado por uma conjuntura internacional excepcionalmente favorável.

Nesse ambiente benfazejo, a política monetária do governo Lula repetiu os enganos dos anos 1990, mantendo a taxa de juros e o câmbio fora do lugar. Criou-se uma situação do tipo “há bens que vêm para o mal”, ou seja, o câmbio valorizado era compensado pelos preços generosos formados num mercado mundial superaquecido e especulado.

A política monetária se constituiu na principal anomalia da gestão econômica do governo Lula. Nas condições aqui descritas, seria não só desejável, mas obrigatório buscar uma combinação câmbio-juro real mais estimulante para a substituição de importações, o avanço das exportações nos segmentos de maior intensidade tecnológica e para o investimento em novos setores, mais dinâmicos.

Uma economia urbano-industrial formada há anos não pode apoiar o crescimento e a estabilidade na exportação de commodities, cujos efeitos sobre o emprego e sobre a renda são limitados. O crescimento da indústria é almejado porque impõe a diversificação produtiva e torna mais densas as relações intrassetoriais e intersetoriais, proporcionando, ao mesmo tempo, ganhos no comércio exterior e na economia doméstica.

Essa façanha exige a elevação da taxa de investimento da economia dos atuais 20 para 25% do PIB.

O Brasil encerrou a década de 1990 com uma regressão da estrutura industrial, ou seja, não acompanhou o avanço e a diferenciação setorial da indústria manufatureira global e, ademais, perdeu competitividade e elos nas cadeias que conservou.

Contrariamente ao afirmado pela vulgata neoliberal a respeito da globalização, o movimento de relocalização manufatureira foi determinado por duas forças complementares e, não raro, conflitantes: o movimento competitivo da grande empresa transnacional para ocupar espaços demográficos de mão de obra abundante e as políticas nacionais dos Estados Soberanos nas áreas receptoras.

O país incorporou 16 milhões de famílias ao mercado de consumo moderno por conta das políticas sociais e de elevação do salário-mínimo que habilitam esses novos cidadãos ao crédito.

Essa incorporação será limitada se não estiver apoiada na ampliação do espaço de criação da renda. nas economias emergentes bem-sucedidas, a ampliação do espaço de criação da renda é fruto da articulação entre as políticas de desenvolvimento da indústria (incluídas a administração do comércio exterior e do movimento de capitais) e o investimento público em infraestrutura.

Esse arranjo, ao promover o crescimento dos salários e dos empregos gera, em sua mútua fecundação, estímulos às atividades complementares e efeitos de encadeamento para trás e para frente.

No Brasil dos anos 1950, 1960 e 1970 havia sinergia – como em qualquer outro país – entre o investimento público, comandado pelas empresas estatais, e o investimento privado. A privatização desmontou essa relação virtuosa. O volume elevado de investimento público em infraestrutura é crucial para formação da taxa de crescimento na China.

O investimento das multinacionais tem importância para a geração de divisas e para a graduação tecnológica das exportações, mas não para o volume do investimento agregado. O debate brasileiro dá a impressão de que os tupiniquins, de um lado e de outro, não fizeram um esforço para compreender a natureza das transformações ocorridas nos últimos trinta anos.

A esquerda continua prisioneira das formas de intervenção do passado e condena as parcerias público-privadas, enquanto a direita aposta num liberalismo mítico, que nunca existiu.

Nos anos 2000, particularmente a partir de 2004, a estrutura e a dinâmica da produção e do comércio globais, originadas pela concomitância entre os movimentos da grande empresa e as políticas nacionais (particularmente as da China), colocou o Brasil, por conta de sua dotação de recursos naturais – água, energia, terras agriculturáveis, base mineral – em posição simultaneamente promissora e perigosa.

Bafejado pela liquidez internacional – antes e depois do estouro da bolha imobiliária – e abalroado pela demanda chinesa de commodities, o Brasil foi condescendente com a ampliação e generalização do déficit comercial, que afetou a maioria dos setores industriais, ao mesmo tempo em que o agronegócio e a mineração sustentavam um superávit global no comércio exterior.

A abundância de divisas teve a larga contribuição do fluxo de capitais – antes e depois da crise financeira. A situação benigna provocou o descuido com a persistência dos fatores que determinaram o encolhimento e a perda de dinamismo da indústria: câmbio valorizado, tarifas caras em termos internacionais dos insumos de uso geral e carga tributária onerosa.

Alguém me perguntou outro dia o que o Brasil pretende do seu desenvolvimento. Respondi com as promessas estratégicas do governo Dilma: o Brasil está em condições de estabelecer uma macroeconomia da reindustrialização usando de forma inteligente as vantagens que se revelaram recentemente.

Não se trata de restringir os esforços na manutenção de um câmbio subvalorizado ou de esperar que a queda dos juros produza automaticamente a recuperação do investimento industrial, mas de desenvolver um conjunto de políticas voltado para o objetivo de expansão do mercado interno sem incorrer nas restrições de balanço de pagamentos. Nessa estratégia não cabe a determinação da taxa de câmbio como um ativo cujo “preço” é formado pelo movimento de capitais.

A taxa de câmbio tem de ser administrada de modo a evitar valorizações e desvalorizações bruscas. No âmago das queixas contra o “intervencionismo” do governo estão os gritos e gemidos dos arbitageurs e especuladores em prol da flutuação livre e das taxas de juros elevadas.

Os megafones da mídia conservadora se incumbem de proclamar, dia sim, dia não, que os investidores internacionais e os fundos globais encolhem suas operações no Brasil. Por isso o governo deve buscar uma ampla negociação com o empresariado brasileiro, aquele interessado no crescimento de seus negócios e de suas empresas.

A estratégia apoiada no mercado interno envolve ademais o equilíbrio do orça- mento corrente e a rápida ampliação do orçamento de investimento, o prosseguimento do processo de inclusão e de distribuição de renda. Mas isso será mais viável se os recursos oriundos do pré-sal forem destinados à correção das distorções da estrutura tributária e para reverter o encarecimento dos insumos fundamentais, além de gerar espaço e demanda para a reindustrialização.

Mais do que uma política industrial, concebida em termos restritos, o Brasil reclama um arranjo que promova a reindustrialização. Esse arranjo deve estar apoiado, como já foi dito, no potencial de seu mercado interno, nas vantagens competitivas do agronegócio e da mineração – agora acrescidas das perspectivas do pré-sal – e no seu sistema público de financiamento.

Vou falar da infraestrutura. Estamos diante de um o binômio transporte/energia que não utiliza racionalmente nossa constelação de recursos e a distribuição espacial das atividades, cada vez mais descentralizada.

Tão ou mais importante do que a modernização da infraestrutura é definir o destino que pretendemos dar ao sistema educacional brasileiro, ao caminho que oferecemos aos cidadãos do ensino básico aos bancos do ensino superior. 

Não se trata apenas de abastecer adequadamente o mercado de trabalho. é importante, sim, formar mais técnicos e engenheiros, carreiras desestimuladas pelo baixo crescimento das últimas décadas. Mas, antes de tudo, trata-se de conter a degradação que está ocorrendo em todos os níveis da educação no Brasil: a especialização precoce, em detrimento da formação cultural mais ampla e mais sólida, capaz de permitir a autonomia e a fruição da liberdade pelo cidadão brasileiro. Pois não se forma um bom engenheiro se o profissional não tem noção do país em que vive, do mundo em que sobrevive.

Na verdade está-se produzindo hoje, desculpe a expressão, uma geração de idiots savants, que se especializam no seu ramo de atividade e não têm a menor noção do mundo onde vivem. Comentei numa entrevista: basta acompanhar o que você lê na internet. é assustador.

Isso demanda maior empenho, sobretudo das camadas “esclarecidas” da sociedade civil, na construção de uma política cultural compatível à democracia de massas.

Assim, a infraestrutura, a educação formal e a política cultural são as três questões fundamentais.

Temos de superar o velho desenvolvimentismo que admitia o avanço social e cultural como consequência natural do desenvolvimento econômico e nos perguntar: que sociedade desejamos?

Os grandes autores brasileiros, os intérpretes do Brasil perscrutaram a história para responder à questão: quem somos nós, os brasileiros? É hora de perguntar: que sociedade queremos?

Quando me refiro a uma política cultural, estou falando de uma integração do indivíduo, dos grupos sociais ao mundo contemporâneo; saber, afinal de contas, quais são os valores que nós queremos preservar. Imagino que sejam os mesmos que a modernidade colocou como um desafio para a nossa ação política: a liberdade, a igualdade e a compreensão.

A que estamos assistindo hoje, desgraçadamente, no mundo inteiro e acho que no Brasil com mais intensidade, é um processo de obscurecimento, e nesse particular tem enorme importância o que nós queremos dos meios de comunicação de massa.

Hoje em dia você tem um grande debate travado em torno da liberdade de expressão. A mídia, a grande mídia, sob a consigna da liberdade de expressão, trata de impedir que se desenvolva o verdadeiro debate sobre o Brasil ou sobre os temas que afligem a humanidade.

Contra esse controle, temos de lutar pela diversidade. Promover a diversidade é uma obrigação das políticas públicas: não deixar que o poder da informação, concentrado em poucas empresas, se transforme em censura da opinião alheia. Porque a internet ainda é uma caixa de ressonância da grande imprensa: os blogs e quejandos, em sua maioria, reproduzem o que a grande imprensa diz, na forma e no conteúdo, porque estão com a consciência crítica danificada.

O projeto da liberdade não pode, como dizia Adorno, se separar da questão da compreensão, do entendimento, da crítica e da capacidade de se formular projetos. E isso está bloqueado hoje, no Brasil, por conta da banalização da vida e da celebração das celebridades. Tudo está sendo feito para que a sociedade se transforme numa massa amorfa que não tem papel nenhum a desempenhar na projeção de seu próprio destino.

Não foram poucas as ocasiões em que o presidente Lula esquivou-se do rótulo “esquerdista radical”. Tratou de escapar ao mesmo tempo da fuzilaria conservadora e dos ataques do esquerdismo. Amparado nos conselhos da história e no respeito aos limites ditados pela correlação de forças interna e internacional, buscou os riscos de uma base de apoio pluriclassista com hegemonia das forças progressistas. Abrigou-se na rubrica de líder sindical, perseguindo a imagem do líder popular negociador, sempre disposto ao compromisso e à mediação.

Imagino que Lula poderia protagonizar um personagem ausente no livro de Slavoj Zizek sobre a atualidade do Manifesto Comunista.

Esse livro trata dos enganos, desenganos, projetos e miopias da esquerda na era do capitalismo neoliberal “financeirizado” e globalizado. Em um dos capítulos, Zizek aborda as ambiguidades e desencontros da luta política dos subalternos, ao interpretar o enredo do filme inglês Os virtuoses.

O diretor do filme levou à tela a narrativa da luta desesperada e inglória de um punhado de mineiros contra o fechamento da mina em que trabalhavam. O grupo de militantes participava também de uma banda, comandada por um maestro-mineiro que, no limiar da derrota política, proclamava: só a música importa.

A consigna era vista pelos mais duros como uma forma simbólica, mas ilusória e alienante, de reafirmar a solidariedade de classe.

A mina tinha perdido a sua função econômica, foi fechada. Nada mais restava para os companheiros desempregados senão a irrealidade da banda, na qual tentavam colocar em prática os valores que tinham perdido a “autenticidade”, isto é, as condições de vida e de trabalho que lhe davam sentido.

No epílogo da triste jornada, um dos personagens reafirma sua pertinência fundamental ao grupo perdedor, seja qual for a forma assumida pelas condições de vida: “se já não há mais esperança, resta tão somente seguir os princípios”.

A banda econômica do governo Lula preferiu apostar no equilíbrio entre a esperança e os princípios, ainda que isso tenha lhe custado a increpação de praticar a Realpolitik, tentando se equilibrar – de forma incoerente para os principistas – entre as ações que buscavam a elevação dos padrões de vida dos mais pobres e as decisões de política econômica que propiciavam os ganhos parrudos aos senhores das finanças e seus acólitos.

Essa façanha, dizem os críticos, foi executada em um ambiente internacional excepcionalmente favorável. Maquiavel, no entanto, já advertia que a virtù do príncipe só poderia frutificar se amparada pela fortuna.

Seja como for, acuado no início do primeiro mandato pelo terrorismo dos mercados, o metalúrgico tratou de não violar partitura que registrava os acordes da prudência, sem abandonar o projeto de ampliação das políticas sociais. Intuitivo, Lula, o sindicalista, construiu uma visão pragmática do desenvolvimento nas sociedades modernas.

Para ele, a política é, sobretudo, mediação entre dois sistemas: as necessidades e aspirações dos cidadãos e os interesses monetários que se realizam através do mercado. Lula parece supor que esse jogo crucial da modernidade deve reconhecer a legitimidade das ações egoístas, observados os limites impostos pelas políticas do Estado destinados a proteger os mais frágeis e dependentes.

A democracia moderna – a dos direitos sociais e econômicos – nasceu e se desenvolveu contra as ilusões de harmonia nas relações econômicas impostas pelo mercado. Desde o século XIX, as lutas sociais e políticas dos subalternos cuidaram de restringir os efeitos da acumulação privada da riqueza sobre a massa de não proprietários e de- pendentes.

O sufrágio universal foi conseguido com muita briga entre final do século XIX e o começo do século XX. Os direitos econômicos e sociais são produtos da luta que transcorre entre o final dos anos 1930 e o final da Segunda Guerra Mundial.

O Estado promotor da inclusão social é uma construção jurídica e institucional erigida a ferro e fogo pelos subalternos. Depois da Segunda Guerra Mundial, sobretudo na Europa, mas também de forma atenuada nos Estados unidos, as forças antifascistas impuseram o reconhecimento dos direitos do cidadão, desde o seu nascimento até a sua morte.

Sacralizaram os direitos individuais para expurgar da vida social qualquer resquício de totalitarismo e afirmaram os direitos econômicos e sociais para evitar que o desamparo das massas se transfigurasse na busca de soluções salvacionistas e decisionistas.

Na periferia do capitalismo, o desenvolvimentismo dos anos 1950 e 1960 imaginou que o crescimento econômico resolveria naturalmente os desequilíbrios sociais e econômicos herdados da sociedade agrário-exportadora e semicolonial. Engano.

O desenvolvimentismo, a despeito do razoável sucesso da industrialização, não conseguiu reduzir as desigualdades. Na esteira de um processo de urbanização acelerada, o desenvolvimentismo transportou as iniquidades do campo para as cidades, onde, até hoje, as mazelas da desigualdade e da violência sobrevivem expostas nas periferias e nos morros.

Não é de espantar que nos países em desenvolvimento tais tendências tenham levado à corrosão das convicções democráticas e republicanas do povaréu. As políticas sociais das últimas décadas ainda não superaram, apenas bloquearam a reprodução desimpedida da velha prática das camadas dominantes: a reiterada violação dos direitos sociais, ainda mal conquistados na letra da Constituição de 1988.

Na sociedade brasileira, ainda é agudo o conflito entre as aspirações dos cidadãos a uma vida decente, segura, economicamente amparada e as condições reais da existência material e moral da grande maioria.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22188&editoria_id=4